• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Reconstituição paleotopográfica e paleohidrográfica da bacia do Rio Paraíba do Sul

Autores

  • RODRIGO WAGNER PAIXÃOUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJEmail: rodrigowpp1@gmail.com
  • ANDRÉ AUGUSTO RODRIGUES SALGADOUFGEmail: aarsalgadoufmg@gmail.com
  • MARCELO MOTTA FREITASPUC-RIOEmail: marcelomotta@puc-rio.br
  • ANTONIO ALBERTO GOMESUNIVERSIDADE DO PORTOEmail: albgomes@gmail.com
  • PEDRO PROENÇA CUNHAUNIVERSIDADE DE COIMBRAEmail: pcunha@dct.uc.pt
  • ANTONIO MARTINSUNIVERSIDADE DE ÉVORAEmail: aam@evora.pt
  • LUIZ GUILHERME DO EIRADO SILVAUERJEmail: lgeirado@gmail.com
  • JULIO CESAR HORTA ALMEIDAUERJEmail: jchalmeida@gmail.com
  • MIGUEL ANTONIO TUPINAMBÁUERJEmail: tupinambamiguel@gmail.com

Resumo

O presente trabalho objetiva reconstituir a paleodrenagem da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul através da utilização da técnica Seppômen. Para tanto, foram utilizadas imagens de Radar SRTM refinadas no âmbito do projeto TOPODATA para execução da rotina Seppômen e reconstituição paleotopográfica, utilizando grades de células de tamanhos 5x5km, 4x4km, 3x3km, 2x2km e 1x1km. Os resultados demonstram que o sistema de drenagem do rio Paraíba do Sul apresentava zonas de convergência de drenagem no interior do continente, associados aos grabens formados na tectônica Cenozoica, com evidência de endorreísmo pretérito na região. Esses sistemas eram desconectados por paleodivisores e/ou altos estruturais que foram erodidos ao longo do tempo e conectados por meio de capturas fluviais. Neste sentido, pode-se dizer que ocorreu um processo de transição fluvial de um sistema endorreico para um sistema exorreico por meio de capturas fluvial e erosão remontante.

Palavras chaves

Rearranjo de drenagem; Seppômen; Endorreísmo; Paraíba do Sul; Morfogênese fluvial

Introdução

As características atuais dos sistemas de drenagem são o resultado da evolução geológica, climática e geomorfológica da região nas quais estão inseridas. De fato, as bacias hidrográficas configuram um sistema aberto (CHORLEY, 1962) que possuem entradas (input) pelo regime de precipitação, uma funcionalidade interna de acordo com os elementos da paisagem presentes em seu interior e uma saída (output) em sua vazão líquida e sólida na foz. Neste contexto, a análise dos sistemas de drenagem e bacias hidrográficas constitui importante elemento no estudo da evolução geomorfológica da paisagem, uma vez que os rios são um dos principais agentes modeladores da superfície terrestre em ambientes não extremos em termos climáticos. A conformação, arranjo e distribuição dos sistemas de drenagem apresentam características intrínsecas do processo de evolução da paisagem de longo termo (SILVA & SANTOS, 2010; CHEREM et al., 2012). Logo, através do estudo desses sistemas é possível analisar a dinâmica erosiva e denudacional em bacias hidrográficas, bem como identificar processos de migração de divisores e capturas fluviais (SUMMERFIELD, 1991; BURBANK, 2002; BRICALLI, 2016). No Brasil, os estudos a respeito sobre mecanismos de reordenamento de drenagem, capturas fluviais, regressão de escarpas e morfogênese regional ainda são escassos. Os poucos trabalhos realizados concentraram-se em escarpamentos situados em margens passivas do tipo rifte (AB’SABER, 1957; CHEREM et al., 2012; REZENDE et al., 2013; SALGADO et al., 2016; SORDI et al., 2018; PAIXÃO et al., 2019). Na região Sudeste do Brasil, essa margem do tipo rifte foi submetida à eventos tectônicos distensivos ao longo do Cenozoico, que culminaram na formação do Rifte Continental do Sudeste do Brasil (RCSB). Este rifte não progrediu até a sua completa ruptura, mas formou hemi-grabens no interior do continente (HEILBRON et al., 2000; RICCOMINI et al. 2010, ZÁLAN & OLIVEIRA, 2005). Além disso, sistemas de rifte como esse tendem a formar redes hidrográficas endorreicas e no Sudeste do Brasil, a temática endorreísmo fluvial foi muito pouco estudado, havendo apenas dois trabalhos de referência: Paixão et al. (2020) e Freitas et al. (2022). Provavelmente isso ocorra em função de que endorreísmo não é algo comum em margens passivas com clima tropical úmido. Entretanto, a existência do RCSB faz com que o tema mereça ser mais bem investigado na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. O objetivo geral deste trabalho é elaborar a reconstituição paleotopográfica e paleohidrográfica na área da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul (BHRPS) (Figura 1) e discutir episódios de endorreísmo e processos de rearranjo fluvial envolvidos na sua evolução e gênese, posteriormente, à formação do Sistema de Riftes Cenozóicos do Sudeste do Brasil (SRCSB). Essa reconstituição será baseada na técnica Seppômen. A elaboração de mapas paleotopográficos, através da rotina Seppômen, revela a configuração topográfica pretérita à dissecação atual dos sistemas de drenagem. A metodologia Seppômen foi introduzido no Brasil por Motoki et al. (2008), e sua abordagem cartográfica baseia-se no preenchimento de vales (COUTO et al., 2012). A partir do cruzamento dos dados do Mapa Seppômen com os dados topográficos atuais é possível estabelecer as áreas com maior dissecação e entalhamento fluvial e as áreas mais preservadas como relictos da paleopaisagem.

Material e métodos

Inicialmente, foram utilizadas a base cartográfica do IBGE na escala de 1:50.000 através de cartas topográficas, totalizando 124 cartas para a área da BHRPS. As cartas topográficas estão disponíveis para download na biblioteca virtual do IBGE (https://biblioteca.ibge.gov.br/) e, posteriormente, as mesmas foram georreferenciadas no software ArcGIS. As cartas topográficas, inicialmente, foram utilizadas na delimitação da bacia estudada e auxiliou na caracterização geomorfológica da área de estudo junto com a obtenção dos resultados obtidos em outros procedimentos. Além da base cartográfica do IBGE, foram utilizadas imagem de radar SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) refinadas no âmbito do projeto TOPODATA do Instituto Espacial de Pesquisas Espaciais (INPE) (VALERIANO & ROSSETI, 2012). Ao todo, foram utilizadas 9 imagens de radar que estavam inseridas na área de estudo que foram integradas em um mosaico único através do software ArcGIS 10.1. A partir da imagem SRTM mosaicada foram elaborados os mapas paleotopográficos através da rotina Seppômen. Os procedimentos para confecção dos mapas Seppômen consistem na divisão da área de estudo em células quadráticas de mesmo tamanho e, posteriormente, extração do maior valor altimétrico dentro de cada célula. Os outros valores são desconsiderados na rotina que se segue, ignorando, assim, as morfologias de entalhamento dos vales. Com os valores máximos de altimetria de cada célula, foi realizado interpolação dos dados através da ferramenta IDW no Arcgis 10.5. O tamanho das células varia de acordo com o tamanho da área de estudo, recomenda- se células de tamanho maiores para análises regionais e células com tamanho menores para análises em escalas locais (MARQUES NETO et al., 2019). Quanto maior for o tamanho da célula maior a extrapolação paleotopográfica do relevo. No presente trabalho, a elaboração dos mapas paleotopográficos através da rotina de Seppômen objetiva identificar depressões topográficas ao longo do planalto sudeste que podem auxiliar na identificação de eventos de endorreísmo preteritamente. Os mapas paleotopográficos também podem ajudar na identificação de paleodivisores que separavam bacias de drenagem no Planalto Sudeste. Diante disso, foram elaborados mapas Seppômen ou mapa de nivelamento de topos com diferentes tamanhos de grades de células para a BHRPS, sendo elas: 5km x 5km; 4km x 4km; 3km x 3km; 2km x 2km; 1km x 1km. Os mapas com diferentes tamanhos de células possibilitam a reconstrução topográfica da área da BHRPS, permitindo análises em diferentes escalas espaciais e temporais. Por fim, através dos mapas paleotopográficos com diferentes tamanhos de célula foram extraídas as redes de drenagem da BHRPS utilizando o conjunto de ferramentas do pacote Hidrology do ArcGIS 10.1. Ressalta-se que as redes de drenagem obtidas em cada paleotopografia representa um estágio temporal do sistema fluvial da BHRPS, sendo as grades que apresentam áreas maiores estão associadas a escalas temporais maiores. Por outro lado, as grades de áreas menores representam escalas temporais mais recentes.

Resultado e discussão

Os resultados obtidos através dos Mapas Seppômen demonstram uma configuração do relevo mais elevada e remontam à dimensão do planalto Sudeste pré-dissecação do sistema fluvial do rio Paraíba do Sul. Nota-se um planalto mais extenso, com divisores mais elevados e contínuos, além de interflúvios menos íngremes (Figura 2). Os resultados da reconstituição paleotopográfica demonstram características marcantes que valem ser mencionadas, como a presença de depressões desconexas ao longo da atual calha principal do rio Paraíba do Sul. Estas depressões são mais visíveis no mapa Seppômen com células de 5km (Figura 2A) e, conforme as células diminuem o tamanho nos mapas e nos aproximamos de períodos de tempo mais recentes, as depressões passam a ser interconectadas pela rede fluvial. Não coincidentemente, as depressões formadas no mapa de célula de 5km, correspondem aos grabens mencionados anteriormente: Taubaté, Resende, Volta Redonda, Três Rios e Itaocara. Além destas, também foi identificada uma depressão fechada na porção nordeste da BHRPS, na nascente do rio Pomba (Figura 2A). Oliveira (2019) analisou taxas de denudação ao longo deste divisor e identificou a formação de um graben no rio dos Bagres, afluente do rio Pomba, o que pode explicar a formação de uma depressão nesta porção da bacia hidrográfica. A presença de depressões fechadas ao longo da calha principal do rio Paraíba do Sul é mais uma evidência da formação de bacias endorreicas durante um período no planalto sudeste. Pela idade dos sedimentos encontrados na bacia de Taubaté, Resende e Volta Redonda, acredita-se que este período se deu ao longo do Mioceno, com a formação dos altos estruturais e tipo de sedimentação lacustre das Formações Floriano e Pindamonhangaba. A diminuição do tamanho das células no Mapas Seppômen elaborados para a BHRPS demonstra o entalhe fluvial e dissecação do planalto sudeste até a morfologia atual (Figuras 2B, 2C, 2D, 2E e 2F). Ao analisar os mapas, pode-se inferir dissecação do planalto sudeste de jusante para montante, com entalhe vertical e alargamento dos vales mais proeminente na foz da BHRPS. Esta característica pode ser explicada pelo pulso erosivo promovido pelo nível de base atlântico no litoral brasileiro. Conforme a dissecação adentra o interior do planalto sudeste, os divisores topográficos que isolavam as depressões topográficas são rebaixados e, consequentemente, através de sucessivas capturas fluviais os grabens são incorporados ao sistema de drenagem do rio Paraíba do Sul. A partir da incisão fluvial e rebaixamento dos paleodivisores, o sistema fluvial dos grabens no planalto sudeste brasileiro deixam de ser endorreicos e passam, um a um, a integrar a bacia exorreica atlântica do rio Paraíba do Sul. A análise do perfil longitudinal do rio Paraíba do Sul elaborado para o mapa Seppômen com célula de 5km e a morfologia atual, demonstra a ocorrência de depressões ao longo da calha do rio Paraíba do Sul individualizadas por altos estruturais, como o alto de Queluz (Figura 3). A variação topográfica entre o produto cartográfico e o relevo atual atinge cerca de 500m próximo à nascente. Pode-se perceber que as maiores diferenças topográficas ocorrem nas porções mais elevadas, como as áreas próximas às nascentes e nos altos topográficos que delimitam os grabens. O gráfico indica maior dissecação para os grabens de Itaocara e Três Rios que se localizam mais próximos à foz, enquanto que o graben de Taubaté apresenta a menor dissecação entre os grabens. A ausência de registro sedimentar nestes grabens pode estar associada ao fato deles terem sido muito dissecados. O graben de Taubaté é a depressão da BHRPS mais distante da foz o que pode explicar a menor dissecação do relevo e do seu registro sedimentar. Estes resultados reforçam a ideia de erosão remontante do planalto sudeste gerado pelo pulso erosivo do rio Paraíba do Sul, impulsionado pelo nível de base atlântico, que condicionou processos de capturas fluviais por recuo de cabeceiras. Isto permitiu a incorporação das bacias endorreicas que estavam isoladas ao sistema de drenagem, sendo o graben de Taubaté o último sistema endorreicos integrado no sistema de drenagem atlântico do rio Paraíba do Sul. As bacias foram sendo capturadas da foz para as cabeceiras em direção oeste ao longo do planalto sudeste, até a captura do rio Tietê pelo rio Paraíba do Sul evidenciado pelo cotovelo de Guararema (AB'SABER, 1957). Riccomini et al. (2010) dataram a captura e formação do cotovelo de Guararema do Mioceno, através do estudo de paleocorrentes, contudo, os autores enfatizam que esta captura pode ter ocorrido antes da formação do sistema de drenagem do rio Paraíba do Sul, sendo esta, capturada por drenagens do grabén de Taubaté. O abatimento do bloco e formação do grabén de Taubaté teria rebaixado o nível de base local e aumentado o potencial erosivo das drenagens daquela região que passaram a erodir o bloco soerguido pelo Alto de Queluz e capturar a drenagem à montante do cotovelo (Riccomini et al., 2010). Esta característica também foi observada por Ab’Saber (1957), indicando que o cotovelo de Guararema teria sido formado antes da consolidação do atual sistema fluvial do rio Paraíba do Sul. Neste sentido, pode-se afirmar que a formação e consolidação da atual morfologia do sistema de drenagem do rio Paraíba do Sul se deu posteriormente ao Mioceno. Este processo ocorreu de maneira remontante ao longo da calha do rio Paraíba do Sul e se expandiu para o planalto Sudeste. Sendo assim, logo após a consolidação do RCSB, a bacia do rio Paraíba do Sul estava restrita a porção leste do continente, na frente da Serra do Mar nas proximidades da cidade de Campos com divisores situados na Serra de São Pedro (Figura 2A). Após romper este primeiro divisor, foi incorporada a primeira bacia endorreica, cujas drenagens do rio Pirapetinga, rio Pomba e ribeirão das Areias convergem para a localidade de Itaocara (Figura 2B). O pulso erosivo do rio Paraíba do Sul promoveu capturas fluviais incorporando novas bacias endorreicas, desta vez a porção de Além Paraíba, na qual convergiam o rio Paquequer, rio Angu, dentre outros. O divisor topográfico deste momento, situava-se na Serra da Prata, próximo município de Sapucaia. Neste período, o rio Pomba também avança para o interior até às proximidades de Leopoldina (MG) na Serra da Boa Vista (Figura 2B). Posteriormente, o rio Paraíba do Sul promove captura fluvial na cabeceira e dá origem ao estreito de Sapucaia (SARTI, 2008), incorporando a bacia endorreica de Três Rios. Neste mesmo período, o rio Pomba rompe o divisor na porção norte de Leopoldina e aumenta o potencial erosivo remontante de suas drenagens (Figura 2C). Após este momento, o rio Paraíba do Sul incorporou as bacias endorreicas de Volta Redonda e Resende, com divisores próximos à cidade de Queluz, no Alto Estrutural de Queluz. (Figura 2D). Por fim, o rio Paraíba do Sul rebaixa o divisor do alto de Queluz e incorpora o atual alto curso do rio Paraíba do Sul que ficava restrito à bacia sedimentar de Taubaté e consolida a configuração do sistema de drenagem atual associado ao nível atlântico (Figura 2E e 2F). Cabe ressaltar que o rebaixamento dos paleodivisores podem não ter ocorrido na ordem proposta acima, uma vez que a área estudada carece de dados geocronológicos para tal afirmação. Neste sentido, ressalta-se a necessidade de trabalhos geocronológicos para a datação das capturas fluviais ao longo do rio Paraíba do Sul para ordenar a morfogênese do sistema de drenagem do Planalto Sudeste com maior precisão cronológica.

Figura 1

Localização e Hipsometria da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul

Figura 2

Paleotopografia elaborada através da rotina Seppômen para a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul com diferentes tamanhos de grade de célula.

Figura 3

Perfil longitudinal do rio Paraíba do Sul conjugado ao perfil topográfico entre o Mapa Seppômen com célula de 5km e a topografia atual.

Considerações Finais

A evolução do sistema de drenagem do Rio Paraíba do Sul ocorreu graças a um sucessivo processo de capturas fluviais das bacias endorreicas herdadas do processo de rifteamento durante o Cenozoico. Os grabens contidos no sistema fluvial do Rio Paraíba do Sul constituíam àquela época depocentros de descargas fluviais convergentes. Logo, a Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul não existia até recentemente e somente quando a atividade tectônica no RCSB diminuiu de intensidade, ela se organizou e entrou em fase de ajuste erosivo e expansão. Este aparente contrassenso ocorreu em razão de que foi somente com a diminuição da atividade tectônica que o pulso erosivo do rio Paraíba do Sul pode, por erosão remontante, capturar uma série de bacias endorreicas que se localizavam à montante no interior dos grabens. Este processo fez com que os cursos fluviais que antes tinham seus níveis de base no interior desses grabens ganhassem energia e isso permitiu um input erosivo remontante que organizou a rede de drenagem tal qual a conhecemos hoje em dia.

Agradecimentos



Referências

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