• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

EVIDÊNCIAS PALEOAMBIENTAIS HOLOCÊNICAS NO ALTO CURSO DA BACIA DO RIO MACAÉ (NOVA FRIBURGO, RJ)

Autores

  • KAROLINE MAYUME B. ISHIMINEUFRJEmail: karoline.ishimine@gmail.com
  • ANA CAROLINA FACADIOUFRJEmail: cfacadio@gmail.com
  • ANA LUIZA COELHO NETTOUFRJEmail: ananetto@acd.ufrj.br
  • ORTRUD MONIKA BARTHFIOCRUZEmail: monikabarth@gmail.com

Resumo

A tafonomia de grãos de pólen sugere condições paleoambientais no momento da deposição. O presente estudo analisa a preservação de pólen em sedimentos de uma seção estratigráfica em encosta no alto curso do rio Macaé, Nova Friburgo (RJ). Foram coletadas 10 amostras no perfil e cinco níveis foram datados (14C AMS) com o intervalo de 5.939 a 5.843 anos cal AP na base e 1954 a 1955 cal AD no topo. Os grãos de pólen foram contabilizados e classificados quanto ao tipo de deterioração: danos mecânicos, degradação e corrosão. No intervalo de 5.939 a 5.843 anos cal AP a alta concentração de grãos com danos mecânicos indica um período de maior estresse físico. Em 4.618 a 4.415 cal AP o aumento de grãos preservados e de grãos corroídos indica condições úmidas. Entre 2.782 a 2700 cal AP, há redução de grãos preservados e aumento de grãos degradados, sugerindo condições mais secas. A partir de 1.893 a 1.735 cal AP os grãos preservados são dominantes e os corroídos indicam condições mais úmidas.

Palavras chaves

Paleoambientes; Holoceno; Tafonomia; Pólen; Nova Friburgo

Introdução

Estudos paleoambientais sobre o Quaternário em domínio montanhoso no Sudeste do Brasil, ressaltam alterações na vegetação derivadas de transições climáticas que podem ser evidenciadas através de registros de microfósseis de pólen e esporos em depósitos sedimentares (Salgado-Laboriau, 2007; Behling & Safford, 2010; Behling et al., 2019; Portes et al., 2020). Os grãos de pólen e esporos são considerados bons indicadores paleoambientais por serem resistentes à destruição devido a uma espessa camada externa composta por um polímero orgânico, a esporopolenina (Barros, 2003). Quando os grãos de pólen e esporos são depositados em ambientes de pouca oxigenação e propícios a sua preservação, é possível identificar, através das suas características, espécies que compõem a comunidade vegetal local, assim como as variações na vegetação ao longo do tempo (Bauerman et al., 2002). As mudanças ambientais que ocorrem devido as transições climáticas possuem influência direta sobre a preservação de palinomorfos, que podem ser destruídos quando expostos a ambientes de elevada oxigenação e a condições de estresse físico elevado (Barros, 2003). Durante o processo de deposição dos grãos de pólen e esporos a estrutura da camada externa dos grãos (exina) pode ser danificada, dificultando sua identificação a nível taxonômico e como consequência, comprometer a interpretação da composição da vegetação local (Luz et al., 1999). Por isso, avaliar o tipo de deterioração em palinomorfos traz inferências importantes sobre as condições paleoambientais durante a sedimentação aos quais os grãos estavam submetidos, sendo relevante registrar qualitativamente os grãos de pólen e esporos encontrados nas amostras (Delcourt & Delcourt, 1980; Campbell, 1999; Moore et al., 1991). O presente estudo objetiva avaliar o estado de preservação de grãos de pólen contidos em sedimentos quaternários de um testemunho em ambiente de encosta na Serra do Mar (RJ). Busca-se qualificar os tipos de danos sofridos pelos grãos de pólen trazendo evidências que podem ser obtidas sobre as condições paleoambientais durante a deposição dos grãos ao longo do tempo. Informações geocronológicas obtidas por datações de radiocarbono desta seção foram integradas à essas análises tafonômicas dos grãos de pólen. O sítio amostral está localizado no distrito de Lumiar do município de Nova Friburgo, inserido na região serrana do Rio de Janeiro, numa altitude de 1.042 m, entre 22º19’716’’S e 42º16’58 10’’O. Uma seção estratigráfica foi reconstituída na porção superior de um interflúvio que drena para dois pequenos vales de cabeceiras de drenagem que convergem para o rio Boa Vista, no alto curso da Bacia do Rio Macaé (Figura 1). A paisagem da serra de Macaé de Cima em Nova Friburgo é caracterizada pelas maiores altitudes da Serra do Mar, com diversos picos isolados e vales encaixados de elevada amplitude (Marçal et al., 2015).

Material e métodos

A seção estratigráfica selecionada para este estudo se situa em um pedimento rochoso com cobertura coluvial de aproximadamente 1,80 metros da base ao topo. Foram coletadas 10 amostras no perfil, desde a superfície até próximo a base do perfil (1 m). A coleta de amostras foi orientada para abranger as camadas sedimentares orgânicas que compõem o perfil. Nesse testemunho, cinco níveis foram datados através da técnica de radiocarbono (14C AMS) na Beta Analytic Inc (Flórida, EUA), para o reconhecimento geocronológico nas seguintes profundidades: 0,15 m, 0,35 m, 0,50 m, 0,70 m, 0,90 m e 1,05 m. As amostras foram coletadas na seção exposta a fim de evitar contaminações, da base ao topo, com uso de espátula esterilizado e armazenado em sacos hermeticamente fechados (zip-locks) e em ambiente refrigerado (4ºC). Para as análises palinológicas as amostras foram processadas de acordo com os parâmetros clássicos estabelecidos em Ybert et al., (1992), que consiste no tratamento químico com ácidos (ácido fluorídrico, ácido clorídrico) em 8cm³ de amostra. Seguiu-se com os procedimentos padrões de acetólise de Erdtman (1952). Foram preparadas lâminas permanentes para cada amostra. Uma lâmina foi escolhida para análise sob microscópio óptico em 400x de aumento. Os palinomorfos identificados como grãos de pólen foram contabilizados e qualificados quanto ao tipo de deterioração (Figura 2). As definições de deterioração estão de acordo com as classificações descritas por Delcourt & Delcourt, (1980). 1. Corrosão: Quando a exina dos grãos sofre perturbações que a penetram de forma circular ou quando sua superfície passa a ter diversas cavidades. Essas perfurações podem ocorrer devido à oxigenação local causada por atividade microbiana de fungos e bactérias. 2. Degradação: Quando ocorre um afinamento da exina e o que pode resultar em uma baixa definição dos elementos externos que a compõe, tornando-os obscuros ou fundidos em uma mesma massa sem estrutura definida. 3. Danos mecânicos: A exina dos grãos pode estar amassada, quebrada ou dobrada, mas não necessariamente apresenta perfurações ou afinamento.

Resultado e discussão

Grãos de pólen com deteriorações foram encontrados em todos os 10 níveis analisados (Figura 2 e 3). Os grãos apresentaram principalmente danos mecânicos e por degradação; os danos por corrosão foram pouco significativos na maioria das amostras, aparecendo apenas em baixas porcentagens e concentrações nos níveis 1, 2, 6 e 7 (Tabela 1 e 2). A seguir os dados são apresentados a partir da base ao topo do perfil na seção estratigráfica analisada (Figura 2 e 3). Nível 1 (0,10 m): Foi datado em 100.75 ± 0.38 pMC (1954 a 1955 anos cal AD). Nível que apresentou grande porcentagem de grãos de pólen inteiros 71,8% (16.750 grãos/cm³), grãos com danos mecânicos 81,6% (5.349 grãos/cm³) e a maior porcentagem de grãos corroídos 1,9% (162 grãos/cm³). Nível 2 (0,20 m): Apresentou domínio de grãos com danos mecânicos 47,2% (2.309 grãos/cm³) seguido pela menor porcentagem de grãos com danos por degradação 7,9% (387 grãos/cm³) e pequenas porcentagens de grãos com danos por corrosão 1,4% (69 grãos/cm³). Nesse nível aumenta a proporção de grãos com danos 39,7% (4.895 grãos/cm³), mas os grãos bem preservados são dominantes 60,3% (7.453 grãos/cm³). Nível 3 (0,30 m): O nível 3 foi datado em 1.930 ± 30 anos AP (1.893 a 1.735 anos cal anos AP). Nesse nível apresenta uma redução na quantidade total de grãos, predominando a maioria bem preservada 68,9% (5.595 grãos/cm³). Apresentou a maioria dos grãos com danos mecânicos 39,5% (1549 grãos/cm³) e com danos por degradação 25,4% (996 grãos/cm³). Este nível não apresentou grãos com danos por corrosão. Nível 4 (0,40 m): Apresentou dominância de grãos bem preservados 68,9% (8.628 grãos/cm³), com predomínio de grãos com danos mecânicos 50% (1.944 grãos/cm³) seguidos de grãos com danos por degradação 30,5% (1.185 grãos/cm³). Neste nível também não foram detectados grãos com danos por corrosão. A quantidade de grãos identificados nas amostras foi menor do que nos outros níveis. Nível 5 (0,50 m): Esse nível foi datado em 2.640 ± 30 anos AP (2.782 a 2.700 anos cal AP). Apresentou maior porcentagem de grãos com danos por degradação 46,2% (1991grãos/cm³) seguido de grãos com danos mecânicos 41,3% (grãos/cm³). Não apresentou grãos com danos por corrosão. Nível 6 (0,60 m): Apresentou grande quantidade e variação de grãos de pólen bem preservados 75,2% (19.967 grãos/cm³). Dos grãos deteriorados, 24,8% (6.563 grãos/cm³), a maioria teve danos mecânicos 45,5% (2.985 grãos/cm³), seguidos por grãos com degradação 21,1% (1.384 grãos/cm³). Este nível apresentou a segunda maior porcentagem de grãos com danos por corrosão 1,8% (119 grãos/cm³). Nível 7 (0,70 m): Esse nível datado em 4.070 ± 30 anos AP (4.618 a 4.415 anos cal AP) apresentou alta porcentagem de grãos bem preservados 71,4% (10.057grãos/cm³). Dos grãos deteriorados, 28,6% (4.020 grãos/cm³), a maioria tinha danos mecânicos 56,7% (2.281 grãos/cm³) seguido por uma baixa percentagem de grãos com danos por degradação 9,7% (389 grãos/cm³) e por corrosão 1,4% (56 grãos/cm³). Nível 8 (0,80 m): Esse nível apresentou menor porcentagem de grãos bem preservados 48,8% (6.832 grãos/cm³). Dos grãos deteriorados 51,2% (7.147 grãos/cm³), a maioria apresentou danos por degradação 53,5% (3826 grãos/cm³), seguido de danos mecânicos 25,6% (1.829 grãos/cm³). Neste nível não foram detectados grãos com danos por corrosão. Nível 9 (0,90 m): Esse nível foi datado em 5.030 ± 30 anos AP (5.763 a 5.601 anos cal AP) e apresentou domínio de grãos deteriorados 59% (8.143 grãos/cm³). Destes, a maior porcentagem foi de grãos com danos mecânicos 62,4% (5.080 grãos/cm³) e uma das menores porcentagens de grãos com danos por degradação, apenas 6,3% (511 grãos/cm³). Este nível não apresentou grãos com danos por corrosão. Nível 10 (1,05 m): Esse nível foi datado em 5.160 ± 30 anos AP (5.939 a 5.843 anos cal anos AP). Apresentou o domínio de grãos bem preservados 61,7% (20.463 grãos/cm³). Dos grãos deteriorados 38,3% (12.654 grãos/cm³), a maioria apresentou grãos com danos mecânicos 50% (6327 grãos/cm³) seguido de danos por degradação 8% (1018 grãos/cm³). Não foram detectados neste nível grãos com danos por corrosão. Entre 5.160 ± 30 anos AP (5.939 a 5.843 anos cal AP) e em 5.030 ± 30 anos AP (5.763 a 5.601 anos cal AP) foram identificados grãos preservados com presença de grãos com danos mecânicos e em baixa concentração, os grãos com danos por degradação (Figura 3). De acordo com Delcourt & Delcourt, (1980), a interpretação tafonômica dada a grãos que apresentam danos mecânicos é de que estes foram submetidos a condições de grande estresse físico ao longo de sua história deposicional. Esse tipo de dano, está vinculado a ambientes de maior instabilidade morfodinâmica, de maior energia de transporte, responsáveis por danificar mecanicamente os grãos (exina amassada ou quebrada). No nível 8, ocorre um pico de concentração de grãos com danos por degradação e em menor proporção, grãos com danos mecânicos. Apesar disso, começa a haver um aumento dos grãos bem preservados. Já no intervalo entre os níveis 7 e 6, em aproximadamente 4.070 ± 30 anos AP (4.618 a 4.415 anos cal AP) os grãos bem preservados aumentam, chegando a um pico no nível 6. Nesse intervalo, grãos com danos por corrosão estão novamente presentes. Em ambientes de maior estabilidade morfodinâmica, com menor energia, os sedimentos finos são menos transportados, logo conseguem preencher os espaços entre os sedimentos nos solos e favorecem a redução da oxigenação dos grãos de pólen aumentando as suas chances de preservação (Bauerman, 2002). Já no intervalo entre os níveis 5 e 3 entre a 2.640 ± 30 anos AP (2.782 a 2.700 anos cal anos AP) e 1.930 ± 30 anos AP (1.893 a 1.735 anos cal anos AP) ocorre uma nova redução de grãos bem preservados, com aumento de grãos com danos mecânicos e por degradação. Durante esse intervalo, grãos com danos por corrosão não foram identificados. Grãos com danos por degradação sofrem com a redução da espessura da exina sob condições de oxigenação do grão em períodos de aeração dos sedimentos, as camadas superficiais do solo, que não compactadas podem ser facilmente expostas à oxigenação (Bauerman, 2002). Esse tipo de dano pode estar vinculado a períodos ocasionais de seca, em que os solos menos úmidos, facilitam a exposição dos grãos ao oxigênio. Os grãos de pólen podem ser danificados pela oxidação de forma mais fácil do que outros tipos de danos. Nesses casos, o fogo pode ser um elemento responsável pela rápida destruição de grãos de pólen por degradação(Campbell, 1998). A partir do nível 3, em 1.930 ± 30 anos AP (1.893 a 1.735 anos cal anos AP) os grãos bem preservados retornam a aumentar com o pico máximo no nível mais superficial (nível 1) em 100 pMC. Nesse intervalo, os grãos com danos mecânicos são a maioria e retorna a aparecer grãos com danos por corrosão. Os danos por corrosão ocorrem em grãos que sofrem com o ataque microbiano feito por bactérias anaeróbicas. Esse tipo de corrosão pode acontecer em ambientes mais úmidos e mais estáveis (Campbell, 1998, Bauerman, 2002). Por fim, o aumento na concentração e na variedade de grãos de pólen desse período também corroboram para a evidência de condições climáticas mais úmidas.

Mapa da localização da área de estudo

Figura 1: O ponto verde, indica a área de onde foram realizadas as coletas para análise. Mapa elaborado por Ana Carolina Facadio

Resultados de tafonomia

tabelas dos resultados em percentagem e concentração

Resultados em gráfico e imagem

Diagrama de percentagem e grãos de pólen com danos

Considerações Finais

Foi observado que entre 5.160 ± 30 anos AP (5.939 a 5.843 anos cal AP) e em 5.030 ± 30 anos AP (5.763 a 5.601 anos cal AP) com predomínio de grãos com danos mecânicos e danos por degradação. Isso indica que os grãos passaram por estresses físicos em um período de maior instabilidade morfodinâmica da paisagem. O aumento significativo de grãos preservados entre o intervalo de 4.070 ± 30 anos AP (4.618 a 4.415 anos cal AP) e da presença de grãos com danos por corrosão indica um ambiente favorável ao desenvolvimento de atividade microbiana, indicando condições mais úmidas. Já no intervalo entre 2.640 ± 30 anos AP (2.782 a 2700 anos cal AP) e 1.930 ± 30 anos AP (1.893 a 1.735 anos cal anos AP) ocorre uma nova redução de grãos preservados, com aumento de grãos com danos mecânicos e por degradação, indicando novamente um período de instabilidade morfodinâmica da paisagem. A presença de grãos degradados pode estar vinculada a períodos ocasionais de seca. Os solos menos úmidos, facilitam a exposição dos grãos ao oxigênio e à sua decomposição. Por fim, no intervalo entre 1.930 ± 30 anos AP (1.893 a 1.735 anos cal anos AP) os grãos preservados retornam a ser dominantes, indicando condições climáticas mais úmidas. Com isso, é possível obter evidências importantes sobre as condições paleoambientais locais as quais os grãos estavam submetidos durante a sua deposição ao longo do Holoceno.

Agradecimentos

Os autores agradecem as agências de fomento INCT, Cnpq e Faperj. Agradecem também pela concessão da bolsa Faperj NOTA-10.

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