Autores
- ABNER MONTEIRO NUNES CORDEIROUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTEEmail: abner.cordeiro@ufrn.br
- FREDERICO DE HOLANDA BASTOSUNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁEmail: fred.holanda@uece.br
- MARCO TÚLIO MENDONÇA DINIZUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTEEmail: tuliogeografia@gmail.com
- LIONEL SIAMEUNIVERSITÉ AIX-MARSEILLEEmail: siame@cerege.fr
Resumo
Muitos relevos graníticos do Domínio Ceará Central, da Província Borborema,
apresentam-se dissociados, em virtude da maior resistência aos processos
denudacionais, em relação ao embasamento encaixante. O presente trabalho propõe
uma interpretação geomorfológica para os maciços de Aratanha e Maranguape,
baseada em avanços recentes na interpretação geológica local e dados
morfoestruturais regionais. O método empregado consistiu em revisão
bibliográfica sobre a gênese e evolução de maciços graníticos, associada à
interpretação cartográfica e trabalhos de campo. Como resultado, infere-se que o
relevo estudado é resultado da interação entre eventos tectônicos pretéritos
(subducção crustal pré-cambriana do Oceano Góias-Faurasiano, rifteamento
intracontinental mesozoico, flexura marginal e magmatismo cenozoicos) e a ação
passiva dos sienogranitos que, com a intensificação de ciclos denudacionais
neogênicos, justificam o atual sobressalto topográfico dos maciços.
Palavras chaves
Geomorfologia estrutural; Semiárido brasileiro; Erosão diferencial; Província Borborema; Maciços residuais
Introdução
A Orogênese Brasiliana, datada do Neoproterozoico (BRITO NEVES et al., 2000),
representa o mais importante processo de evolução geológica do Brasil
(SCHOBBENHAUS et al., 2003), que produziu um largo sistema de dobramentos
conhecido como “Província Borborema” (ALMEIDA et al., 2000), sendo responsável
pela estruturação de planos de deformação dúcteis transcorrentes de cinemática,
predominante NE-SW e E-W (CASTRO et al., 2012), no embasamento cristalino pré-
cambriano. Tais deformações são marcadas por intrusões graníticas (CABY et al.,
1991; ANGELIM et al., 2006), representadas por batólitos e stocks, com
características petrográficas, geoquímicas e geocronológicas distintas
(NASCIMENTO et al., 2015), que foram exumadas pela erosão diferencial do
embasamento metamórfico encaixante, constituindo cerca de 30% da área total da
Província Borborema (BRITO NEVES et al., 2003).
A resistência geomorfológica dos granitos, influenciada pela composição mineral,
textura, tamanho dos cristais, comportamento estrutural, grau de solubilidade e
baixa porosidade (THORNBURY, 1966; MIGÓN, 2006) é capaz de sustentar morfologias
residuais como maciços, inselbergs, inselguebergs e bornhards (BASTOS et al.,
2022), expostos pela denudação das antigas áreas orogênicas e, posteriormente,
retrabalhadas por agentes erosivos, associados aos diversos sistemas
morfogenéticos cenozoicos (CORRÊA et al., 2010).
Os estágios evolutivos dos maciços graníticos são condicionados pela erosão
diferencial (BASTOS; CORDEIRO, 2021), podendo estar associado ao magmatismo
anorogênico (ALMEIDA et al., 2000) e/ou a processos tectônicos, a exemplo, do
processo de rifteamento intracontinental, no segmento setentrional do NE
brasileiro (~120 Ma) (MATOS, 2000), que contribuíram para colocar em condições
de afloramento parcelas dos granitos brasilianos (CLAUDINO SALES, 2016).
Uma significativa ocorrência de relevos graníticos residuais da Província
Borborema se encontra no Domínio Ceará Central (DCC) (Figura 1), que constitui
um compartimento tectônico que sofreu soerguimentos ao longo das fases rift
(PEULVAST, CALUDINO SALES, 2003) e pós-rift (SAAD; TORQUATO, 1992),
intensificando processos denudacionais e exumação de corpos plutônicos. Essas
exumações graníticas se apresentam distribuídas compondo compartimentos
morfológicos de diferentes dimensões, com destaque para macroformas como os
maciços de Uruburetama, Aratanha e Maranguape, esses dois últimos em destaque na
figura 1.
Os maciços de Aratanha e Maranguape constituem relevos graníticos aguçados,
separados por uma superfície de erosão, cuja explicação geomorfológica ainda
demanda discussões mais detalhadas quanto aos fatores litoestruturais, tendo em
vista que os mapeamentos geológicos não traziam diferenciações litológicas
capazes de justificar as variações na morfologia dos compartimentos.
Face ao exposto, o presente trabalho apresenta uma interpretação dos aspectos
geomorfológicos dos maciços pré-litorâneos de Aratanha e Maranguape, situados no
setor setentrional da Província Borborema, próximos à capital do Estado do Ceará
(Fortaleza), a partir da combinação interpretativa dos fatores endógenos ativos
e passivos com a ação denudacional cenozoica. Tal análise se baseia em avanços
recentes em termos de interpretação mineralógica e petrográfica das litologias
relacionadas a esses maciços e ao embasamento encaixante.
Material e métodos
As etapas metodológicas que conduziram essa pesquisa foram estabelecidas com
base em uma ampla revisão bibliográfica sobre a gênese e evolução de maciços
graníticos na porção setentrional da Província Borborema, além de outros temas
que buscam enfatizar a importância da inter-relação entre o arcabouço
litoestrutural e os processos denudacionais, associada à interpretação
cartográfica, levantamento e análises de campo, e processamento digital de
imagens de sensoriamento remoto.
O levantamento cartográfico teve como base os trabalhos de Brandão (1995);
Cavalcante et al. (2003); e Pinéo et al. (2020), além do levantamento da
densidade de fraturamento (BARBOSA; MAIA, 2018) e litologia (PITOMBEIRA et al.,
2021), que viabilizaram a atualização dos componentes litoestruturais da área,
assim como na identificação dos setores mais susceptíveis aos processos
denudacionais.
Os trabalhos de reconhecimento de campo viabilizaram a correlação entre os
compartimentos geomorfológicos e os condicionantes litoestruturais. Essa
pesquisa contou ainda com o processamento digital de imagens SRTM (cena
s04_w039_1arc_v3 e s05_w039_1arc_v3), disponibilizadas na página Earth Explore
(http://earthexplorer.usgs.gov/), as quais permitiram a confecção dos produtos
cartográficos e, posteriormente, a interpretação e correlação de dados
geológicos e geomorfológicos.
Resultado e discussão
Soerguimentos Mesozoicos e Pós-Cretáceos
O Maciço de Baturité, localizado a uma distância de ~50 km da capital Fortaleza-CE,
segundo Peulvast e Claudino Sales (2000), teria sido soerguido no Neocomiano,
seguindo a organização do rift Potiguar, do qual seria um vestígio do ombro
ocidental, juntamente com os maciços de Aratanha e Maranguape (BÉTARD; PEULVAST,
2011), sendo, consequentemente, atacados por ações denudacionais seletivas.
No Cretáceo Superior, provavelmente, a partir do Campaniano, a região do Maciço de
Baturité, a qual inclui os maciços de Aratanha e Maranguape, sofreu novos
soerguimentos, sobretudo em resposta ao soerguimento flexural da margem continental
do Estado do Ceará (CLAUDINO SALES; PEULVAST, 2007), o qual intensificou a ação
denudacional nas litologias expostas do DCC.
No entanto, a altimetria dos maciços de Aratanha e Maranguape, assim como de
Baturité, parece sugerir a contribuição de um soerguimento pós-Cretáceo,
possivelmente relacionado magmatismo basáltico datado do Paleógeno (e.g. vulcanismo
Messejana) (PEULVAST; CLAUDINO SALES; GUNNELL, 2008), que atingiu esse setor da
margem continental transformante do Estado do Ceará, criando edifícios vulcânicos
submarinos (CONDÉ et al., 2007), entre os quais o guyot do Ceará, e uma série de
formas superficiais, associadas à Suíte Messejana, como, por exemplo, os necks (e.g.
serrote Japarara, situado na porção SW do Maciço de Maranguape).
A intensidade desse episódio magmático cenozoico não parece ter sido suficiente para
ter produzido um soerguimento de expressão regional (CLAUDINO SALES; PEULVAST,
2007). No entanto, os “esporões costeiros” do Maciço de Baturité, a exemplo dos
maciços de Aratanha (780 m) e Maranguape (920 m), foram afetados pelo vulcanismo
alcalino oligocênico (COSTA; CLAUDINO SALES, 2020), caracterizando-os como relevos
de exceção na margem continental do NE brasileiro. O vulcanismo cenozoico, iniciado
a partir do estabelecimento de um hotspots astenosférico (MISUZAKI et al., 2002),
penetrou ~30 km, no interior do compartimento costeiro central do Estado do Ceará
(BRAGA et al., 1981), proporcionando o estabelecimento na crosta de uma zona de
anomalia térmica (> 200mW.m-2), identificada ao norte do Maciço de Baturité
(CARNEIRO; HAMZA; ALMEIDA, 1989).
Os eventos tectônicos pós-Campaniano e os processos erosivos do Neógeno (PEULVAST;
CLAUDINO SALES, 2006) não foram suficientes para alterar a organização da morfologia
do Estado do Ceará, em grande parte herdada do Cretáceo (CLAUDINO SALES; PEULVAST,
2007). Essa interpretação também se aplica à área de estudo, que se caracteriza pela
disposição de relevos cristalinos residuais dissociados numa superfície erosiva
rebaixada, com declive suave em direção ao Oceano Atlântico.
Portanto, a formação dos principais volumes montanhosos, a exemplo do Maciço de
Baturité, assim como dos maciços de Maranguape e Aratanha, foi quase concluída no
fim do Cretáceo, enquanto que no Paleógeno/Neógeno, os mesmos foram submetidos a
processos erosivos pouco variáveis e moderados, em resposta ao soerguimento flexural
(BÉTARD; PEULVAST, 2011) e, ao vulcanismo cenozoico (PEULVAST; CLAUDINO SALES;
GUNNELL, 2008).
Relações Morfoestruturais e Erosão Diferencial
A interpretação da morfologia dos maciços de Aratanha e Maranguape constitui um
importante problema geomorfológico, tendo em vista que a maior parte dos mapeamentos
geológicos realizados na área não apresentavam diferenciações litológicas e nem
deformações estruturais (CAVALCANTE et al., 2003; PINÉO; ZWIRTES, 2013; PINÉO et
al., 2020), capazes de contribuir com uma explicação morfogenética baseada na erosão
diferencial. Dessa forma, ficava difícil explicar a variação morfológica observada
na área em questão, constituída por contatos íngremes entre as vertentes dos maciços
e a superfície erosiva rebaixada.
No entanto, a partir de dados mais recentes levantados em campo, Pitombeira et al.
(2021) determinaram que os maciços de Aratanha e Maranguape são constituídos,
respectivamente, por granitoides porfiríticos e sienogranitos de caráter tardi-
tectônicos, sendo delimitados por monzogranito, que representa o embasamento
encaixante (Figura 2). Esses dados possibilitam uma interpretação geomorfológica
capaz de avançar em discussões referentes à erosão diferencial.
Os granitoides do Maciço de Aratanha, que ocorrem em contato com os monzogranitos,
que constituem a superfície encaixante, apresentam textura porfirítica, estrutura
foliada, granulação grossa e fenocristais centimétricos de microclina, sendo a fase
ferromagnesiana representada pela biotita, a qual define a foliação principal da
rocha (PITOMBEIRA et al., 2021). Esses granitoides são seccionados transversalmente
por falhas direção NW-SE (BRANDÃO, 1995) e por diques aplíticos de sienogranitos
(PITOMBEIRA et al., 2021), que constituem a superfície somital do Maciço de
Aratanha, sendo a litologia responsável pelas principais elevações desse maciço.
O Maciço de Maranguape constitui um relevo residual relacionado à resistência
litológica dos sienogranito, frente às ações dos processos denudacionais pretéritos
e atuais. Os referidos sienogranitos apresentam textura seriada a porfirítica
inequigranular e foliação fraca definida pela orientação de quartzo e feldspato,
incluindo fenocristais de k-feldspato, e por biotita (PITOMBEIRA et al., 2021),
sendo responsáveis pelas principais elevações presentes na área de estudo, em
contato intrusivo com monzogranitos e granitoides porfiríticos de granulação grossa.
A superfície erosiva rebaixada situada entre os maciços residuais e no setor
adjacente aos mesmos é constituída por monzogranitos (PITOMBEIRA et al., 2021). A
partir de dados de Pitombeira et al. (2021) constata-se que os monzogranitos
apresentam enriquecimento em minerais máficos, com composição mineral de 30% de
biotita, a qual define a foliação principal da rocha, e 5% de muscovita, em
detrimento dos minerais félsicos como o quartzo (25%) e k-feldspato (20%), o que
confere uma menor coesão física da rocha ao intemperismo físico-químico (PECH,
2005).
O embasamento pré-cambriano encaixante, que está relacionado ao setor mais rebaixado
circunvizinho aos maciços, apresenta constituição litológica relativamente uniforme
(PITOMBEIRA et al., 2021). No entanto, constata-se uma importante ruptura
topográfica, associada ao conjunto de falhas de direção NW-SE, próximo ao distrito
de Ladeira Grande, no Município de Maranguape-CE, que responde pela compartimentação
da superfície erosiva em dois setores com elevações distintas. Barbosa e Maia (2018)
associaram esses setores com uma resistência diferenciada aos processos erosivos, em
função da maior ou menor densidade de fraturamento, sendo que a Superfície Erosiva
Rebaixada I (SER I) apresenta altitude entre 100 e 200 m, em função da menor
densidade de fraturamento, e a Superfície Erosiva Rebaixada (SER II) apresenta cotas
variáveis entre 50 e 90 m, em função da maior densidade de fraturamento (Figura 3).
Cabe destacar que, segundo os levantamentos geológicos realizados na área em
questão, não foram mapeadas entre os maciços de Aratanha e Maranguape, conjuntos
adensados de estruturas de deformação rúpteis. O que se verifica na porção SW da
área, que corresponde a SER I, é um espessamento crustal, em função do
estabelecimento na crosta de uma zona de anomalia térmica (> 200mW.m-2),
identificada entre o norte do Maciço de Baturité e a porção meridional dos maciços
de Aratanha e Maranguape (CARNEIRO; HAMZA; ALMEIDA, 1989).
No caso dos sienogranitos e granitoides porfiríticos, da área de análise, a baixa
densidade de falhas, em consonância com a resistência litológica, responde pelos
altos topográficos. A compartimentação morfológica da área de estudo reflete,
portanto, um nítido controle litológico, onde os processos erosivos são controlados
pela variedade faciológica dos granitos, que compõem os maciços residuais e o
embasamento encaixante.
Domínio Ceará Central no contexto da porção setentrional da Província Borborema. Quadrícula vermelha: maciços de Aratanha e Maranguape.
Mapa geológico da área de estudo. Fonte: elaborado pelos autores, a partir de Brandão (1995) e Pitombeira et al. (2021).
Localização das superfícies erosivas rebaixadas I e II. A linha vermelha representa o divisor de águas.
Considerações Finais
A presente pesquisa procurou contribuir com a explicação da descontinuidade morfológica
entre os maciços de Aratanha e Maranguape, a partir da análise dos dispositivos
morfoestruturais. A análise morfoestrutural demonstrou a importância do rifting
intracontinental, na configuração atual desses maciços graníticos, interpretados como
vestígios erodidos do ombro NW do rift Potiguar, assim como do soerguimento flexural da
margem continental e do magmatismo basáltico no rejuvenescimento dos maciços e
retrabalhamento cíclico do embasamento encaixante, através da alternância de episódios
de intemperismo e erosão, controlados pelas variações do clima regional.
Os maciços graníticos de Aratanha e Maranguape se destacam como sobressaltos
topográficos, na superfície erosiva rebaixada, tendo em vista a maior resistência dos
granitoides porfiríticos e sienogranitos à denudação, favorecendo assim, através da
erosão diferencial, o desgaste do embasamento encaixante, constituído por
monzogranitos, enriquecido em minerais máficos, a exemplo da biotita e muscovita, em
detrimento dos minerais félsicos, o que lhe confere uma menor coesão física ao
intemperismo físico-químico. Portanto, as características faciológicas dos
monzogranitos que compõem o embasamento encaixante induziram os processos denudacionais
responsáveis pelo rebaixamento dessa superfície, e pela consequente individualização
dos maciços de Aratanha e Maranguape, mais resistentes à erosão.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Departamento de Geografia do Centro de Ensino Superior do
Seridó - DGC/UFRN e a Direção do Centro de Ensino Superior do Seridó/UFRN pelo apoio
logístico e financeiro.
Referências
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