• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

RELAÇÕES ENTRE DENSIDADE DE LINEAMENTOS E DENSIDADE DE DISSECAÇÃO NA ESTRUTURAÇÃO GEOMORFOLÓGICA DE ÁREAS ESCARPADAS: APLICAÇÕES NAS ALTAS CRISTAS DA ZONA DA MATA MINEIRA

Autores

  • FELIPE PACHECO SILVAUFRRJEmail: felipe.pacheco@ufrrj.br
  • ROBERTO MARQUES NETOUFJFEmail: roberto.marques@ufjf.br
  • JULIANA ALVES MOREIRAUFJFEmail: julianaalvesmoreira22@gmail.com

Resumo

A dissecação do relevo, averiguável pela análise da rede fluvial e dos lineamentos estruturais, informam valiosamente acerca da estruturação geomorfológica e do quadro tectono-erosivo vigente. O objetivo dessa pesquisa é discutir as relações entre densidade de lineamentos e de dissecação no contexto das altas cristas dominantemente quartzíticas da Mantiqueira Meridional, no sudeste de Minas Gerais. Os lineamentos foram extraídos em relevo sombreado, e sua densidade, tal como a densidade de dissecação, foram mensuradas no ArcGIS. Os resultados apontam a relação entre a densidade de lineamentos e de dissecação, assinalando importante papel da estrutura com a diminuição da densidade nos quartzitos e aumento em litologias mais tenras. Entretanto, foram averiguados aumentos anômalos vinculados às reativações erosivas associadas a controle tectônico. Os procedimentos acionados mostraram resultados coerentes, que se conjuminaram às evidências apreendidas em campo.

Palavras chaves

Densidade de lineamentos; Densidade de dissecação; Erosão diferencial; Controle tectônico; Serra da Mantiqueira

Introdução

Partindo da premissa mais elementar que cimenta a ciência geomorfológica, de que o relevo é produto das ações concomitantes, recíprocas e retroalimentadoras oriundas dos agentes endógenos e exógenos, é correto dizer que a estruturação geomorfológica de uma área se estabelece na interpenetração do controle tectono- estrutural com os processos de superfície deflagrados pelos fenômenos climáticos, que intemperizam divergentemente as estruturas preexistentes. A ideia de interpenetração pressupõe uma aderência sistêmica entre os diferentes imperativos evolutivos e dinâmicos, internos e externos, denotando um funcionamento interdependente geograficamente apreensível, portadores de uma espacialidade própria e passíveis de trato cartográfico. Nesse sentido, as relações entre a densidade de lineamentos e a densidade de dissecação mostram a aludida aderência de controles, uma vez que as linhas de fraqueza existentes em determinada extensão crustal dinamizam os processos superficiais dados pela organização da rede de drenagem superficial concentrada em canais, importantes modeladores do relevo. Em última análise, o controle climático penetra no arranjo estrutural através da água, interpenetrando assim de forma complexa as diferentes esferas nessa zona mais crítica onde ocorrem contatos mútuos. Em relevos tectônicos, onde há recorrente exumação das zonas de cisalhamento, o papel da estrutura da morfogênese local e regional tende a ser mais expressivo (MAIA e BEZERRA, 2014). Essa tipicidade geomorfológica nos trópicos úmidos tem na água um grande agente modelador, adensando assim as relações entre o controle tectono-estrutural e os processos de superfície, notadamente a dissecação fluvial. É o caso da região dos grandes escarpamentos do sudeste brasileiro, caracterizada por serras alongadas com declives acentuados e dissecadas por canais de entalhe profundo, avolumando-se expressivas densidades de dissecação em grande medida vinculadas ao intenso fraturamento, mas também catalisadas pela umidade concernente a esses sistemas geomorfológicos. A partir do exposto, o presente trabalho assume o objetivo de discutir as relações entre as densidades de lineamentos estruturais e de dissecação em uma região específica dos planaltos cristalinos do Brasil Sudeste, correspondente às altas cristas festonadas da Zona da Mata Mineira, posicionadas na extremidade nordeste do ramo meridional da Serra da Mantiqueira. Esse contexto geomorfológico foi selecionado em função da existência de estudos preexistentes que geraram informações acerca da atuação de controles estruturais, tectônicos e denudacionais na morfogênese dos referidos escarpamentos (SILVA et al. 2017; MARQUES NETO et al. 2019, 2019b.). As relações entre densidade de lineamentos e densidade de dissecação, no entanto, ainda não foram exploradas na área, e seus resultados agregarão complementaridades aos estudos preexistentes e novas informações às investidas subsequentes.

Material e métodos

A malha hidrográfica da área trabalhada foi extraída e compilada a partir das folhas topográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na escala de 1/50.000, quais sejam: Santana do Garambéu, SF-23-X-C-V-2; Santa Rita de Jacutinga, SF-23-Z-C-II-2; Santa Bárbara do Monte Verde, SF-23-X-C-VI-1; Lima Duarte, SF-23-X-C-VI-3; Bias Fortes, SF-23-X-C-VI-1; Bom Jardim de Minas, SF-23-X-C-V-4. Em seguida, a densidade de dissecação foi calculada a partir da função ‘Line Density’, presentes no Spatial Analyst do conjunto de ferramentas do ArcGis. A ferramenta ‘Line Density’ calcula a densidade das feições lineares na vizinhança de cada célula raster de saída. A densidade de dissecação é calculada a partir da relação entre o número de canais por unidade de área, adotando-se a relação km/km2. A extração dos lineamentos foi realizada em ambiente digital de forma analógica no software ArcGis, interpretando as feições lineares do relevo sombreado mediante visadas nos ângulos de iluminação azimutal de 45°, 90°, 311° e 360°, utilizando-se o Modelo Digital de Elevação (MDE) e referenciado-se em parcelas de 10 km² compatíveis com a escala visual de 1:100.000, que permitiu reconhecimento dos lineamentos. A extração manual é mais eficiente na diferenciação dos lineamentos de relevo e drenagem em comparação às técnicas de extração automática de lineamentos. Foram considerados apenas os lineamentos mais expressivos, bem marcados nas feições negativas do relevo e indicadores de controle mais contundente, o que resultou, naturalmente, em uma malha menor do que a gerada para os canais perenes usada na quantificação da densidade de dissecação. A representação cartográfica da densidade de lineamentos seguiu os protocolos concernentes à densidade de dissecação, apoiando-se também na ferramenta Line Density do ArcGIS. Para ambos os parâmetros foram criadas dez classes, representadas nos dois mapas segundo a mesma paleta de cores para facilitação da comparação e discussão das relações intrínsecas. Os resultados obtidos analiticamente concernentes às densidades de dissecação e lineamentos foram discutidos em relação à organização geomorfológica regional e à base geológica, visando apreender relações verossímeis com o quadro topográfico e com a base geológica influenciando diferenciações e contrastes entre as densidades mensuradas. O relevo foi considerado a partir das interpretações e mapeamentos apresentados por Marques Neto et al. (2019), e os litotipos a partir de organização cartográfica baseada nos levantamentos de Heineck et al. (1991) e Soares et al. (2002). Transversalmente aos procedimentos cartográficos e de sensoriamento remoto foram realizadas checagens em campo focadas na interpretação da organização geomorfológica da área e dos diferentes controles atuantes, estrutural e tectônico. As campanhas de campo se voltaram para a identificação de feições no relevo e na drenagem indicativas de atividade morfotectônica, bem como as expressões na topografia dos lineamentos interpretados nas análises estruturais.

Resultado e discussão

O contexto geomorfológico em apreço corresponde a um conjunto de escarpamentos dominantemente quartzíticos posicionados na porção sul da Zona da Mata Mineira, marcando as faixas interfluviais entre a bacia do rio Paraíba do Sul e a bacia do rio Grande. O nível de base regional é baixo em relação às superfícies somitais que superam 1500 metros, sendo marcado pela passagem do rio do Peixe na faixa de 700 metros, tendo os quartzitos um papel fundamental na sustentação dessas serras. As grandes estruturas são referenciadas pelas serras do Ibitipoca, Negra e Lima Duarte (figura 1), além de cristas conectadas ao ramo meridional da Serra da Mantiqueira cujo reverso é dissecado por afluentes do alto rio Grande. Em conformidade com a proposição de Gatto et al. (1983), essas estruturas pertencem à Mantiqueira Meridional, e inscrevem-se no contexto geodinâmico do rifte continental do sudeste brasileiro de Riccomini (1989). Aos quartzitos intercalam-se algumas lentes de xistos, além de faixas em litotipos gnáissico-graníticos. Esse conjunto de rochas supracrustais se agrupa na Megassequência Andrelândia (HEILBRON et al. 2004), unidade geológica de ampla distribuição regional. (Fig. 2) Enquanto os quartzitos sustentam serras elevadas, os litotipos gnáissicos perfazem os compartimentos intermontanos tipificados em morrarias convexas cujos desníveis com as cristas chegam a ultrapassar 500 metros, embora as amplitudes dominantes margeiem 300 metros de relevo relativo. Nesses morros e morrotes ocorrem coberturas de alteração argilosas e mais desenvolvidas, pedogeneizadas em Latossolos associados a Cambissolos originalmente recobertos por Floresta Estacional Semidecidual, que em tempos atuais apresenta condição fragmentária em um mosaico que também comporta pastagens, silvicultura de Eucalyptus e pequenos núcleos habitacionais, entre os quais a sede municipal de Lima Duarte é o mais expressivo. A paisagem relacionada às serras quartzíticas são contrastantes em vários elementos além do relevo e sua base estrutural: solos precariamente intemperizados e ricos em minerais primários (Neossolo Litólico e Neossolo Regolítico), vegetação aberta de campos rupestres condicionados pela ocorrência do quartzito, temperaturas médias mais baixas em função da elevação topográfica e uso antrópico menos intensivo. Existe, portanto, uma conectividade entre os domínios altimontanos das cristas e os compartimentos intermontanos das morrarias mamelonizadas, expressa tanto por processos gravitacionais e geoquímicos superficiais e subsuperficiais como no que se refere à morfogênese das faixas interfluviais em função dos processos retrativos das escarpas controlados pelo nível de base posicionado no ambiente intermontano, referenciado no rio do Peixe. A organização hidrográfica figura como um dos principais capilares de conexão entre os compartimentos quartzíticos das cristas e as morrarias gnáissicas, uma vez que os processos de erosão remontante atacam litotipos distintos, engendrando a retração de escarpas e interferindo na morfogênese dos interflúvios. A espacialidade do sistema geomorfológico em apreço se dá, portanto, a partir de uma diferenciação básica entre um domínio altimontano em cristas escarpadas e um domínio de morrarias intermontanas dissecadas e rebaixadas tanto pela erosão diferencial dos quartzitos como por efeito da agressividade erosiva remontante das bacias articuladas à bacia do rio Paraíba do Sul, apontando para um nível de base distintamente mais baixo do que aquele imposto pelo rio Grande uma vez transpostas as linhas interfluviais. Retomando o que fora anteriormente afirmado, a função capilar da malha fluvial na transferência de matéria, energia e informação tem caráter universal e é inerente aos sistemas complexos. A organização erosiva da rede hidrográfica, portanto, vai responder a fatores relacionados ao clima, ao arcabouço litoestrutural e às relações entre ambos, materializadas nas coberturas superficiais existentes e suas diferentes características de erodibilidade, permeabilidade, etc. A espacialidade da densidade de dissecação deve ser interpretada a luz dessas relações complexas, procurando apreender os controles mais influentes e suas relações com a totalidade do sistema geomorfológico. A espacialização da densidade de dissecação (Figura 3.A) na região estudada é balizadora principal das discussões travadas a posteriori. Alguns bolsões de densidade de dissecação mais elevada, congregando as classes acima de 2,6 canais/km², podem ser flagrantemente detectados, três deles nas cristas e dois nas áreas intermontanas, e essas ocorrências se devem a questões específicas. Na parte norte da área, no bloco que corresponde à Serra do Ibitipoca, uma densidade mais expressiva ocorre nas faixas de contato entre quartzitos e xistos, com ampla expansão da drenagem a montante da soleira do rio do Salto, o que tem favorecido sobremaneira o entalhe do bloco concernente à Serra do Ibitipoca. Também no quartzito, o referido padrão de densidade de dissecação bordeja a extremidade oeste da área estimada no presente trabalho, situada já na bacia do rio Grande, e que presumivelmente corresponde à entrada erosiva dos afluentes da margem direita do referido rio, que passa muito próximo do divisor logo na transposição das cristas a NW. Na parte sul, no contexto da Serra Negra, outra mancha de maior densidade foi apontada, com notória elevação coincidente com sua vertente voltada para sul, na passagem dos níveis xistosos que ocorrem nos terrenos submontanos que se rebaixam escalonadamente na passagem do rio Preto; figura como a porção da área com influência mais próxima do nível de base estabelecido no gráben do Paraíba do Sul. Valores expressivos de densidade de dissecação, com maiores extensões contínuas de classes elevadas, também foram verificados no compartimento intermontano, distintamente influenciado pela passagem do rio do Peixe, o principal nível de base regional na área de mapeamento. Sua influência possibilitou a instalação de uma frente erosiva que avança em direção às escarpas, favorecida pela ocorrência de ortognaisses que estabelecem erosão diferencial bem assinalada em comparação aos quartzitos. É possível relacionar com aceitável precisão as relações entre a densidade de dissecação e a resistência das rochas com a geologia da área (Fig. 2). A figura de mapa que representa a densidade de lineamentos da drenagem estabeleceu alguma aderência com a densidade de dissecação (Fig. 3B), realçando a Serra do Ibitipoca sobremaneira. Primeiramente, cumpre ressalvar que apenas os lineamentos mais expressivos e bem marcados em canais controlados foram considerados no processo de extração manual, o que naturalmente resultou em uma malha de lineamentos menos densa do que a malha de canais perenes. Isso explica as diferenças de coloração, inevitáveis para que a mesma paleta de cores pudesse ser mantida. As zonas mensuradas com maior densidade de drenagem também são detectadas na interpretação da densidade de lineamentos, mantendo-se na Serra do Ibitpoca (extremidade N), na Serra Negra e nos setores intermontanos da porção mais central da área, tanto nos ortognaisses como nos xistos que balizam as morrarias ocorrentes entre as cristas escarpadas. Na mesma medida, os patamares de cimeira concernentes aos interflúvios quartzíticos assinalaram diminuição de densidade. O fato das influências de ordem estrutural terem se revelado predominantes na área, as influências tectônicas não são excludentes, e, conforme já frisado, também atuam no arranjo complexo que caracteriza o sistema geomorfológico em apreço. Tanto a densidade de dissecação como a densidade de lineamentos estruturais não são uniformes ao longo das serras quartzíticas, assumindo valores maiores na Serra Negra, intermediários na Serra do Ibitipoca, e valores mais baixos para a Serra de Lima Duarte e para os interflúvios posicionados mais a oeste, na passagem para a bacia do rio Grande.

Figura 1. Localização da área de estudo.



Figura 2. Base geológica da área de estudo.



Figura 3. A - Densidade de dissecação na região dos escarpamentos quar



Considerações Finais

A convergência entre a densidade de dissecação e a densidade de lineamentos de drenagem não é propriamente um ponto conclusivo, mas sim uma premissa que ajuda a entender e explicar aspectos da estruturação geomorfológica em regiões de relevo escarpado, uma vez que tais relações auxiliam na interpretação de outra ordem de relações, estabelecida entre as principais estruturas e a organização geomorfológica correlata. Aplicável em diferentes escalas, a leitura levada a efeito mostrou essa aderência quando integralizada na escala mesorregional que pautou o presente trabalho. As tendências de aumento da dissecação em rochas bandadas menos resistentes como gnaisses e xistos e diminuição nos somitais quartzíticos figura como um padrão universal de controle estrutural na dissecação, o que sublinha o papel da erosão diferencial na área. Esse padrão se difere do que ocorre na maior parte da Serra da Mantiqueira, caracterizada por basculamentos, desníveis e entalhes cuja natureza tem sido apontada como majoritariamente morfotectônica. Ainda assim, muitas evidências de tectônica ativa apresentam-se sobrepostas ao arranjo estrutural das altas cristas sustentadas pelos quartzitos: facetamento trapezoidal de escarpas, desalinhamentos interfluviais, alvéolos suspensos, bacias hidrográficas assimétricas, afloramentos rochosos em terraços, etc. No que se refere às técnicas utilizadas, considera-se que as rotinas de geoprocessamento acionadas proporcionaram precisão adequada, tanto na quantificação dos dados como na geração dos produtos cartográficos.

Agradecimentos

À FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro pela concessão da Bolsa de Doutorado Nota 10 (E-26/200.661/2021).

Referências

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