• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

A APLICAÇÃO DO ÍNDICE FABD NO ESTUDO DA FORMAÇÃO DE PEQUENAS ÁREAS ÚMIDAS

Autores

  • ISABEL PATRICIA MARTINS BAÊTA GUIMARÃESUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: isabel.martins@ich.ufjf.br
  • MIGUEL FERNANDES FELIPPEUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: miguel.felippe@ich.ufjf.br

Resumo

Áreas Úmidas (AUs) são hidrossistemas desenvolvidos pelo acúmulo de água por médio a longo prazo em uma superfície, estabelecendo relações e serviços ecossistêmicos; no domínio dos "Mares de Morro", há maior incidência de AUs em pequeno porte. Destarte, o trabalho se propõe a discutir se possíveis basculamentos de blocos na região influenciariam a formação de AUs. Assim, foi realizada a aplicação do índice FABD para a bacia. Observou-se que a bacia possui um possível basculamento da margem direita, evidenciado pelo padrão de drenagem e por possíveis reajustes sob a possível ação de zonas de cisalhamento na área, sendo esses alguns fatores que explicariam a incidência de AUs na bacia. Constatou-se, também, que o índice FABD foi útil para o estudo da AUs enquanto indicativos da evolução do relevo e da paisagem.

Palavras chaves

Áreas Úmidas; Hidrogeomorfologia; Mares de Morro; Morfoestrutura; Morfometria

Introdução

Áreas úmidas (AUs) ou wetlands podem ser consideradas como hidrossistemas desenvolvidos a partir da estagnação da água de forma superficial e/ou subsuperficial de médio a longo prazo (GOMES, 2017; GUIMARÃES; FELIPPE, 2021), de forma permanente ou temporária (GOMES; MAGALHÃES JÚNIOR, 2017). Constituem sistemas amplamente encontrados no país e promovem diversos serviços ecossistêmicos, como a (re)alimentação dos sistemas fluviais, a recarga de aquíferos e a estocagem de carbono. Por isso, são objetos das mais variadas pesquisas, sobretudo as que possuem foco na região do Pantanal ou na planície amazônica (CUNHA; PIEDADE; JUNK, 2015; ALVES; LOVERDE-OLIVEIRA, 2020). Porém, há áreas úmidas em todo o território nacional, muitas delas escondidas em propriedades privadas, cabeceiras ou pequenas planícies fluviais: são AUs de pequeno porte, de grande valia ecossistêmica, biogeográfica e socioeconômica. Por vezes, ignorados ou desconsiderados como AUs propriamente ditas, estes hidrossistemas de menores dimensões podem ser frequentemente detectadas em contextos geomorfológicos ondulados e colinosos, como no domínio morfoclimático dos “Mares de Morro” (AB’SABER, 1967; 1969; 2003). Em um contexto de mamelonização extensiva da paisagem, vertentes convexas dos Mares de Morro emolduram estreitos vales fluviais de curta extensão, o que poderia ser considerado atípico e não-propício à formação de AUs; contudo, a realidade é outra. No município de Juiz de Fora-MG, a paisagem é dominada por tal contexto dos Mares de Morro, com a presença de falhas e zonas de cisalhamento, pirataria fluvial (ETCHEBEHERE et al, 2004) e desvios do padrão de drenagem, denotando possíveis processos tectônicos e morfoestruturais, como o processo de basculamento da margem de uma bacia hidrográfica. Com a intenção de suprir lacunas referentes às pesquisas sobre pequenas AUs, o objetivo do presente trabalho é discutir a eventual influência do basculamento de blocos tectônicos sobre a formação de AUs no contexto dos Mares de Morro, a partir da utilização do índice FABD (COX, 1994; SALAMUNI, 1998). Tal aplicação demonstraria a importância de aliar técnicas de análise morfotectônica e morfoestrutural ‒ algo recorrente no domínio em foco ‒ com a compreensão dos processos de ordem hidrogeográfica e geomorfológica em escala local. A finalidade, acima de tudo, vai ao encontro do entendimento da evolução desse tipo de paisagem. Como recorte espacial, foi selecionada a bacia hidrográfica do córrego Igrejinha, em Juiz de Fora-MG, por ser uma área de síntese do que se espera de um relevo mamelonizado típico. O córrego é afluente do rio Paraibuna, situado na bacia do rio Paraíba do Sul; a região, com grande influência morfoestrutural, apresenta diversas coincidências espaciais entre falhas, lineamentos, cursos d’água e vales retilíneos, como visto em Guimarães, Barros e Felippe (2022).

Material e métodos

Foi realizada uma revisão bibliográfica a respeito de obras tangentes às temáticas de Hidrogeomorfologia, Geomorfologia Fluvial e Geomorfologia Estrutural e Tectônica, procurando conciliar tais disciplinas no presente estudo. A intenção de realizar uma abordagem de síntese (entre os temas supracitados e o saber da formação de áreas úmidas em si) surge da necessidade de compreender a paisagem regional de forma complexa, contínua e interdependente. Assim, apropria-se da abordagem sistêmica (BERTALANFFY, 1951; 1972; GOMES; VITTE, 2018) para exercer um olhar multiescalar e multidimensional sobre toda a pesquisa. A ideia de área úmida enquanto sistema hidrogeomorfológico (e de intercâmbio entre relevo, solo e água) foi pautada em Scheidegger (1973) e Brinson et al (1998). O embasamento cartográfico foi constituído com base em dados de drenagem e bacias do IDE-Sisema (2023) e em bases geológicas do CPRM (2014). A bacia do córrego Igrejinha foi dividida em suas margens esquerda e direita por meio do prolongamento do shapefile do curso d’água principal, tendo como base a topografia local ‒ ou seja, a partir das curvas de nível, intervaladas em cinco metros, obtidas por meio de sensor LiDAR em levantamento da Prefeitura de Juiz de Fora (datado do ano de 2007). A localização e o delineamento de AUs se deu a partir da aplicação de técnicas de fotointerpretação (PANIZZA; FONSECA, 2011) no uso de imagens orbitais do Google Earth Pro e da composição de mapas em ambiente ArcGis 10.3.1. A partir da exportação dos vetores de AUs no formato .kmz para shapefile, iniciaram-se os processos de cálculos tangentes à morfometria da bacia (área total, área das margens esquerda e direita, área das AUs, densidade e porcentagem da área da bacia análoga à área total das AUs). Tais cálculos foram realizados com auxílio do software Microsoft Excel. Posteriormente, houve a aplicação do índice FABD (Fator de Assimetria de Bacia de Drenagem) sobre a bacia estudada, considerando, segundo Cox (1994) e Salamuni (1998), que afirma: FABD = 100*(Ar/At) Onde: Ar = área da bacia à margem direita do rio , e At = área total da bacia hidrográfica. Valores acima de 50 indicariam basculamento da margem direita, enquanto valores iguais ou próximos de 50 sugeririam pouca atividade tectônica significativa. No entanto, valores abaixo de 50 indicariam basculamento da margem esquerda da bacia.

Resultado e discussão

Foram identificadas 140 AUs dentro dos limites da bacia do córrego Igrejinha (Figura 1), resultando em uma densidade média de aproximadamente 3,6 AUs/Km², sendo que 12,3% da área total da bacia corresponde às AUs. Entende-se que, para uma bacia de 39,12Km², tais índices podem representar uma elevada ocorrência destes hidrossistemas ‒ em um contexto teoricamente atípico para a agradação fluvial, condição sine qua non para a formação de AUs (GUIMARÃES; FELIPPE, 2021). Figura 1: Mapa de áreas úmidas distribuídas pelas margens da bacia do córrego Igrejinha. Fonte: Elaborado pelos autores (2023). O resultado encontrado para o índice FABD (COX, 1994; SALAMUNI, 1998) foi de 78,13. Tal valor expõe a severa assimetria da bacia, levantando uma possibilidade de basculamento da margem direita. Coincidências espaciais relativas às zonas de cisalhamento e ao padrão da drenagem dendrítica a “de treliça” disposta sobre o relevo ondulado local (CHRISTOFOLETTI, 1980) sugerem a ideia de que os fatores de ordem morfoestrutural e morfotectônica exerceriam um papel importante na acumulação de água e sedimentos, sobretudo nas planícies de inundação do córrego principal. A suposta inclinação da margem direita na direção SE-NW poderia justificar as tendências de agradação sedimentar (colúvio-aluvial) e do direcionamento dos canais da rede de drenagem no mesmo sentido, de modo a proporcionar uma maior energia e capacidade erosiva (CHARLTON, 2007) dos canais desta margem. Sendo, assim, notável a maioria absoluta da quantidade de canais afluentes do córrego Igrejinha e a consequente maior ordem destes ‒ baseando-se em Horton (1945) ‒ em comparação com os canais presentes na margem esquerda, cuja possui menor área; em suma, há uma concentração maior da drenagem de água e materiais em direção à margem esquerda, ainda que esta apresente menor número de canais e uma menor área drenada. Entende-se, primariamente, que há a probabilidade de influência do basculamento em uma possível tendência de recuo erosivo das cabeceiras dos canais dispostos na estreita margem esquerda, na direção NW-SE, onde se formam canais curtos, de 1ª e 2ª ordem, com confluências de quase 90º em relação ao córrego principal (Figura 2), coadunando em um possível acúmulo maior de sedimentos nestas junções (LIU; LI; FAN, 2012). Esta tendência de direção, per se, é predominante nas falhas e blocos componentes da região das Serras da Mantiqueira e do Mar, e da Faixa Ribeira (HEILBRON et al, 2004; SAADI et al, 2005; TUPINAMBÁ et al, 2007; MARQUES NETO; SILVA; MOREIRA, 2019; MARQUES NETO et al, 2022) de maneira geral. Assim, se faz plausível inferir que tendências de rebaixamentos do nível de base local e do interflúvio ao Norte da bacia se deveriam à capacidade de denudação proporcionada pelo acréscimo de energia e materiais advindos da margem direita, assim como possíveis ações das falhas (no que é tangente à evolução do relevo local e regional). Figura 2: Geologia da bacia do córrego Igrejinha, com destaques para a) mudanças abruptas nos padrões de drenagem; e b) confluências de aproximadamente 90°. Fonte: Elaborado pelos autores (2023). Considerando o suposto acréscimo de energia desencadeado pelo basculamento da margem direita, seria justificada a elevada agradação fluvial na margem esquerda, entendendo que tal condição poderia facilitar a formação de AUs fluviais e de cabeceira nesta seção (esquerda) da bacia. Assim, a origem das AUs detectadas poderia estar relacionada de forma indireta com a reativação de falhas contracionais (de esforços contrários e paralelos, com intensidades distintas), entendendo que a erosão diferencial entre as rochas quartzíticas (neoproterozoicas, mais recentes e resistentes) e as gnáissicas (paeleoproterozoicas, mais antigas e de menor resistência) poderia gerar ambientes de retenção de água e sedimentos, atuando como uma espécie de “soleira” geomórfica. Como se tratam de zonas de maior suscetibilidade à denudação, a orientação das falhas novamente se reforçaria como um incentivo às suas respectivas e supostas reativações, a partir das distensões NNW-SSE (datadas do período Paleógeno) e WNW-ESE (datadas da época do Pleistoceno) e da compressão E-W (datada do Holoceno, a atual época) (SUGUIO, 2010). A condição de estagnação, promovida pela “soleira”, poderia ser capaz de criar ambientes redutores, de baixa oxigenação ‒ essencial para o advento e manutenção das AUs, como visto em Phillips (1989), Jackson, Thompson e Kolka (2014) e Gomes (2017).

Figura 1

Mapa de localização das áreas úmidas distribuídas pelas margens da bacia do córrego Igrejinha.

Figura 2

Geologia da bacia do córrego Igrejinha, com destaques para a) mudanças abruptas nos padrões de drenagem; e b) confluências de aproximadamente 90°.

Considerações Finais

Pode-se inferir que o índice FABD pode contribuir como técnica para estudos a respeito da origem das áreas úmidas no domínio dos Mares de Morro, ainda que, devido a suas limitações interpretativas, não encerre a discussão. Obviamente, sua aplicação há de ser associada com outras abordagens metodológicas que possibilite um panorama de diferentes extensões cronológicas ‒ desde o entendimento das possíveis reativações de falhas e basculamentos de blocos até a compreensão de como a disposição e eventual migração da rede de drenagem se dão em seus contextos geomorfológicos. A diferença massiva entre as medidas de área das margens é, por si só, uma sugestão de que o FABD poderia cooperar para o entendimento da formação de AUs. A união entre as temáticas de Hidrogeomorfologia e Geomorfologia Estrutural e Tectônica se faz válida sob a ótica sistêmica; afinal, em qualquer pesquisa, deve- se levar em consideração o contexto e a coexistência dos elementos dispostos na paisagem observada. Logo, poderia-se pressupor que o entender da formação das áreas úmidas se traduz parcialmente no entender da paisagem como um todo ‒ e, concomitantemente, da evolução de domínios considerados atípicos para suas gêneses.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao financiamento da CAPES por meio de bolsa de pós-graduação (Mestrado), sem a qual não seria possível a realização desta pesquisa.

Referências

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