• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

ÁNALISE MORFOTECTÔNICA EM BACIA DE ORGANIZAÇÃO GEOMORFOLÓGICA MISTA: RELAÇÕES ENTRE O CONTROLE TECTÔNICO E ESTRUTURAL NA BACIA DO RIO DOS FRADES, SUL DA BAHIA

Autores

  • MARINA CABRALUFJFEmail: marinasilvacabral15@gmail.com
  • ROBERTO MARQUES NETOUFJFEmail: roberto.marques@ufjf.b
  • LUCAS ESTEVESUFJFEmail: lucasb.esteves@gmail.com

Resumo

Bacias de organização geomorfológica mista, com formas de relevo tanto em litotipos cristalinos pré-cambrianos como em sistemas deposicionais cenozoicos, tendem a apresentar assinalada diversidade tectono-estrutural. Tal configuração foi encontrada na bacia do rio dos Frades, e que apresenta morrarias estruturais associadas às rochas cristalinas e tabuleiros de baixo declive relacionados aos depósitos da Formação Barreiras. O aludido arranjo tectono-estrutural é discutido no presente paper a partir da análise estrutural da bacia por interpretação dos lineamentos, associada à práticas geomorfométricas voltadas para a mensuração do Índice de Atividade Tectônica (IAT). Os terrenos sedimentares apresentam uma drenagem paralela bem definida na direção SE, onde estão posicionadas as bacias que apresentaram os resultados mais elevados para IAT.Nos terrenos cristalinos foram encontrados valores menores de IAT, sugerindo uma atividade tectônica menos intensa.

Palavras chaves

Neotectônica; tectônica ativa; Formação Barreiras; Controle estrutural ; Bacia do rio dos Frades

Introdução

Bacias de organização geomorfológica mista são consideradas no presente artigo como aquelas que albergam morfoestruturas que resultam em relevos contrastantes, tal como ocorre em situações nas quais a drenagem vinculada à bacia disseca tanto terrenos cristalinos como sedimentares. Configurações desse tipo ocorrem em bacias que drenam diferentes níveis de planaltos cristalinos e se projetam para os ambientes sedimentares das bacias de sinéclise, tanto em bacias regionais como em bacias de baixa ordem que drenam as franjas planálticas. Também pode ocorrem entre rochas vulcânicas e sedimentares, tal como se verifica em extensões da bacia do Paraná onde os basaltos afloram e assumem expressão na topografia. Também é o caso de várias bacias que drenam a porção NE da margem rifte brasileira, onde os planaltos encontram-se mais recuados e ladeados aos sistemas deposicionais da Formação Barreiras, contexto no qual se inscreve a bacia do rio dos Frades, localizada entre os municípios de Porto Seguro e Guaratinga, Sul da Bahia. A tectônica neogênica tem sido amplamente demonstrada e discutida para esse setor do litoral brasileiro, conforme atestado em diversos trabalhos pregressos (LIMA et al. 2006; LIMA e DOMINGUEZ, 2014; OLIVEIRA et al. 2019; MESQUITA et al. 2021; GONZÁLEZ e LIMA, 2021; MARQUES NETO, 2022). No presente artigo, a interpretação será verticalizada na bacia do rio dos Frades, para a qual será aplicado o Índice de Atividade Tectônica (IAT), cujos resultados serão discutidos em consonância à análise estrutural e geomorfológica da área. A alta bacia do rio dos Frades está posicionada no contexto da Província Pegmatítica do Brasil Oriental (NEVES et al. 1986), sendo que na área da bacia ocorrem litotipos granitoides, gnaisses, xistos, quartzitos e rochas calcosilicáticas. Esse arranjo estrutural pré-cambriano sofreu reativações e deformações relacionadas aos ciclos termotectônicos Transamazônico e Brasiliano (LIMA e DOMINGUEZ, 2014). Na parte média e baixa o embasamento encontra-se encoberto pelos depósitos miocênicos da Formação Barreiras, que na região avançam para o interior do continente além de 100 km. Essa característica é típica no âmbito do macrocompartimento litorâneo Bancos Royal Charllote e Abrolhos (MUEHE, 2001). Tais contrastes geomorfológicos foram elementos motivadores para avaliar as relações entre os controles tectono-estruturais e os diferentes quadros morfoestruturais.

Material e métodos

A base de dados utilizada na delimitação da bacia provem de um modelo digital de elevação SRTM com resolução do 90 metros, processado em Qgis 3.18., através da ferramenta r.watershed. A base planialtimétrica foi obtida através do mosaico das cartas ITAPETININGA (SD-24-Y-D) e GUARATINGA (SE-24-V-B). Os dados SRTM também serviram para a extração de lineamentos estruturais do relevo e da drenagem. O relevo sombreado foi produzido a partir da ferramenta declividade, com ângulo de iluminação azimutal de 315º. Para litologia foram utilizados dados da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Aspectos morfotectônicos foram interpretados e discutidos a luz da mensuração de diferentes índices geomórficos e posterior agregação dos mesmos no Índice de Atividade Tectônica (IAT) conforme proposição El Hamdouni et al. (2008). Na presente abordagem, foram estimados os seguintes índices geomórficos: Relação Declividade x Extensão do Canal (RDE) (ETCHEBEHERE, 2000;2004), Fator Assimétrico (Af) (HARE; GARDNER, 1985), Fator de Simetria Topográfica Transversal (T) (COX, 1994), Integral Hipsométrica (iH) (KELLER; PINTER, 1996) e Índice Sinuosidade da Escarpa Montanhosa (Smf) (BULL; WALLACE, 1995). Os resultados obtidos a partir da mensuração dos índices foram combinados segundo seu significado tectônico, estabelecendo-se categorias para as quais os valores baixos indicam atividade tectônica elevada e os valores elevados apontam para uma atividade tectônica mais branda. Tais categorias foram chamadas por El Hamdouni et al. (2008) de categorias de atividade tectônica (Cit’s), diferenciadas pelos valores 1, 2 e 3. No que se refere ao RDE, o critério para o estabelecimento das Cit’s foi o número de anomalias averiguadas a partir da relação RDE trecho/RDE total. Considerando que os valores inferiores a 2 não sinalizam comportamento anômalo da drenagem, o número de anomalias averiguadas para cada canal foram assim agrupadas: Anomalias < 4, Cit = 3 (baixa) 5 a 6 anomalias, Cit = 2 (moderada) Anomalias >; 6, Cit = 1 (alta) Para o Fator Assimétrico (Af), as Cit’s concernentes ao referido parâmetro foram assim arbitradas: 0 < ǀAf-50ǀ ≤ 7, Cit = 3 (baixa) 7 <ǀAf-50ǀ ≤ 15, Cit = 2 (moderada) 15 <ǀAf-50ǀ, Cit = 1 (alta) O índice T foi incidido a partir das concentrações de valores acima de 0,3, considerado um bom marcador do processo de migração lateral, acima do qual o desajuste em relação à linha média da bacia se pronuncia. A extensão do canal compreendida no intervalo de medições em valores maiores que 0,3 foi computada para os quatro canais principais, sendo posteriormente relacionada à extensão total dos mesmos, derivando-se de tal relação os seguintes intervalos: 0% < T ≤ 25%, Cit = 3 (baixa) 25% < T ≤ 50%, Cit = 2 (moderada) 50% <T, Cit 1 (alta) Da maneira que fora anunciado, as categorias de atividade tectônica provindas do cálculo da Integral Hipsométrica atenderam a seguinte lógica: Hi ≤ 0,4, Cit = 3 (baixa) 0,4 < Hi ≤ 0,5, Cit = 2 (moderada) 0,5 < Hi, Cit = 1 (alta) As Cit’s arbitradas para índice Smf seguiram o seguinte arranjo: Smf > 1,5, Cit = 3 (baixa) 1,2 > Smf ≤ 1,5, Cit = 2 (moderada) 1,2 ≥ Smf, Cit = 1 (alta) Por fim, o Índice de Atividade Tectônica (IAT) foi definido a partir da combinação de todas as Cit’s em relação ao número de parâmetros mensurados. A proposição de El Hamdouni et al. (2008), também aplicada por Andrades Filho e Rosseti (2015), Marques Neto (2020) e Silva (2023), parametriza o IAT pelas referências abaixo mostradas: ΣCit/n ≤ 1,25, IAT = 1 (atividade altíssima) 1,25 < ΣCit/n ≤ 1,5, IAT = 2 (atividade alta) 1,5 < ΣCit/n ≤ 2,0 IAT = 3 (moderada a alta) 2,0 < ΣCit/n ≤ 3,0, IAT = 3 (moderada) 3,0 < ΣCit/n ≤ 4,0, IAT = 4 (baixa) 4,0 < ΣCit/n IAT = 5 (muito baixa)

Resultado e discussão

Conforme anunciado, a bacia do rio dos Frades drena terrenos de escudo exposto na sua parte superior e coberturas sedimentares neogênicas na sua parte média e, sobretudo, inferior (figura 1). Na média bacia verificam-se organizações transicionais com oescudo parcialmente recoberto até os pacotes deposicionais definirem tabuleiros contínuos. Tais variações se encerram numa área de drenagem de 1411,82 km 2 , pelaqual o tronco fluvial principal perfaz uma extensão superficial de aproximadamente 115 km. A mensuração dos índices geomórficos e a associação dos mesmos no IAT encontrou resultados que apontam para atividade tectônica mais intensa nas sub- baciasque drenam exclusivamente os sedimentos pós-miocênicos da Formação Barreiras, ondeos valores qualificaram quadros de alta a muito alta atividade tectônica (figura 2). As bacias de maior valor correspondem às referências 3, 8 e 9 do mapa. O Fator Assimétrico (Af) e o Fator de Simetria Topográfica Transversal (T) foram os índicesque mais influíram na elevação do IAT final, com as bacias 3 e 8 assumindo migraçãolateral em direção à margem direita e a bacia 9 em direção à margem esquerda. Em comum, tais bacias compartilham a geometria alongada, com direção SE bem marcada nos canais principais. Esse alinhamento define um paralelismo para a drenagem local,sendo reconhecido como um bloco tectônico por Lima e Dominguez et al. (2014), e que se estende entre as passagens dos rios Buranhém e Frades. Seguramente, as bacias 5 e 7 partilham do mesmo bloco e são convergentes a estas quanto às características supracitadas, e o qualificativo baixo deve, portanto, ser relativizado em função dos baixos declives vigentes nos tabuleiros costeiros, que praticamente anula as respostas dos índices RDE, iH e Smf. Embora os rios entalhem verticalmente o tabuleiros de forma pronunciada, os gradientes são baixos, e a granulação topográfica nas superfícies é pouco significativa. As direções SE são identificáveis de forma clara nos lineamentos da drenagem de orientação NW-SE (figura 3), e que na bacia são restritos ao Barreiras, sendo que a sua não continuidade nas áreas de terrenos pré-cambrianos pode ser tomada como um forte indício de controle neotectônico, sem influências infracrustais significativas. Tal padrão se verifica também em lineamentos do relevo correspondentes a divisores alinhados emoldurados na superfície dos tabuleiros costeiros, que mesmo intensamente dissecados na bacia do rio do Frades, ainda apresentam extensões descontínuas resguardadas da vaga erosiva dos canais que tributam os principais troncos coletores. Define-se assim uma disposição paralela de altos e baixos estruturais retilíneos e alinhados paralelamente no sentido aludido (SE), dominante entre os rios Buranhem e Caraíva. A partir da margem direita deste último passam a imperar direções NE e ESE,as quais apresentam continuidade nos terrenos cristalinos, apreendida pela entrada de grandes rios como o Jucuruçu e Alcobaça segundo os mesmos alinhamentos pelos quais dissecam os terrenos de rochas sedimentares.No domínio das morrarias e serras rebaixadas talhadas em litotipos pré- cambrianos, o padrão dominante de lineamentos é o NE-SW, condizentes com as direções dominantes do sistema rifte continental. Tais estruturas compreendem áreas das bacias 1 e 2, que, apesar de serem as únicas onde o Smf pode ser mensurado, os valores baixos quantificados para suas respectivas CIT’s manteve para as bacias em questão IAT muito baixa e baixa, respectivamente. A interpretação dos resultados indica uma relação estreita entre o IAT e as direções principais dos lineamentos estruturais, com valores mais baixos correspondentes às bacias onde predominam as orientações NE-SW, em contraste aos valores mais elevados encontrados nas bacias onde predominam as orientações NW- SE. Tem-se, portanto, um contraste sugestivo de que a atividade neotectônica tem sido mais ativa na margem costeira, afetando assim as coberturas sedimentares da Formação Barreiras de forma mais veemente, conforme já fora apontado pelos trabalhos anteriormente citados. Além disso, a orientação NW-SE é a dominante no que concerne à primeira fase de reativação do rifte continental (LIMA e MELLO, 2011), sendo a principal responsável pela organização da drenagem na bacia do rio dos Frades. As aludidas solicitações neotectônicas são fartamente detectáveis nas falésias costeiras, expositoras recorrentes de estruturas de subsuperfície, permitindo a apreensão de movimentações em campo demonstradoras de falhas recentes afetando os pacotes neogênicos. As relações entre a neotectônica e a Formação Barreiras foram discutidas por Saadi et al. (2005). Os autores asseveram que no nordeste brasileiro uma estruturação geomorfológica marcada pela alternância de hortes e grábens é que produziu os tabuleiros costeiros, formados por altos estruturais capeados pelos sedimentos neogênicos cujas altitudes atingem 200 metros, estando firmemente entalhados pela drenagem fortemente controlada. O arranjo em questão ocorre na bacia do rio dos Frades, conforme a remissão à figura 3 deixa claro ao mostrar a sequência alternada de lineamentos do relevo e da drenagem correspondentes à intercalação de altos e baixos estruturais. A guisa de sumarização dos resultados, a bacia do rio dos Frades partilha de dois blocos tectônicos distintos (vide figura 3), um deles restrito à Formação Barreiras, com direção geral SE (A), e outro concernente aos terrenos pré- cambrianos, com direção geral NE (B). Enquanto o bloco B se projeta para o interior do continente, o bloco A encontra-se restrito à costa, reunindo evidências de neotectônica que sugerem investigações verticalizadas em escala de maior detalhe a fim de melhor compreender o caráter da tectônica ativa atuante na área e suas relações com as paleotensões.

Figura 1

Bacia do rio dos Frades: localização e base geológica.

Figura 2.

Bacia do rio dos Frades: espacialização do Índice de Atividade Tectônica (IAT) por sub-bacias.

Figura 3

lineamentos do relevo (1) e da drenagem (2). Bloco A – Tabuleiros cenozoicos dissecados. Bloco B – Morrarias e serras em rochas pré-cambrianas.

Considerações Finais

Bacias mistas como a bacia do rio dos Frades apresentam divergências obvias em termos de morfologias e processos associados, francamente distintos nos terrenos erosivos e sedimentares. No âmbito específico da bacia do rio dos Frades, a aplicação dos procedimentos aqui acionados também sugeriu um contraste tectônico, reconhecido na diferença dos valores de IAT entre as sub-bacias consideradas, bem como na orientação geral dos lineamentos estruturais. A observação dos resultados sugere, portanto, que a atividade tectônica é mais expressiva na área nas proximidades da margem costeira, plenamente verificável na Formação Barreiras. Desse modo, o ambiente deposicional que estocou a sedimentação neogênica encontra-se atualmente em franca atividade erosiva, com incisão fluvial pronunciada e desmantelamento da continuidade dos tabuleiros. Finalmente, os resultados corroboram com estudos pregressos na região, conforme contextualizados no corpo do texto, reafirmando o caráter ativo e significativo da atividade neotectônica no litoral da Costa do Descobrimento.

Agradecimentos



Referências

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