Autores
- LUIZA NEVES DOS SANTOSUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: luizaneves3112@gmail.com
- GUILHERME SANTOS DANTASUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: gsdantas02@gmail.com
- LUCAS HONORIO GOMES FERREIRAUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: lhonorio97@gmail.com
- LUCAS PADELA GIRÃO DOS SANTOSUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: padelalucas@gmail.com
- THIAGO GONÇALVES PEREIRAUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: thiagopereira.uerj@gmail.com
Resumo
O presente estudo propõe o uso de recursos geotecnológicos para analisar o
comportamento cíclico e sazonal da linha de costa no arco praial do Leblon-
Arpoador, RJ. A metodologia utilizada consistiu em utilizar a ferramenta Digital
Shoreline Analysis System (DSAS) sobre imagens de satélites obtidas no Google
Earth, ao qual todas as linhas de costas foram vetorizadas utilizando o contato
úmido-seco como indicador de posição, visando uma análise de comportamento
cíclico numa escala interanual de análise. Os resultados apresentados apontam
para uma acumulação no setor leste e recuo discreto no setor oeste durante o
verão, enquanto no inverno, ocorre o inverso, com recuo mais evidente no setor
leste e acumulação no setor oeste, confirmando o efeito rotacional do arco de
praia a partir de um controle sazonal bem marcado.
Palavras chaves
Linha de Costa; DSAS; Efeito Rotacional; Efeito Sazonal; Morfodinâmica praial
Introdução
A linha de costa (LC) é um elemento fundamental na caracterização físico-
ambiental dos litorais e, embora definida como o ponto de encontro entre o mar e
o continente (Dolan et al., 1980), a natureza desta interface é dinâmica em sua
escala temporal e espacial. É impulsionada por processos oceanográficas, como as
ondas e marés e fenômenos meteorológicos e, devido a interação dessas forçantes
com as características sedimentares dos depósitos praiais, resultam em respostas
morfológicas do sistema.
O comportamento da linha de costa pode manifestar diferentes aspectos dinâmicos
e evolutivos de uma determinada zona costeira, como tendências de erosão,
progradação ou estabilidade (MARTINS, 2004; ROCHA e FERNANDEZ, 2021), mas
também, a partir de uma análise adequada em termos de escala espacial e
resolução temporal, comportamentos cíclicos sobre a morfodinâmica associada a
variação de forçantes costeiras de curto prazo (MORTON, 1991).
Estudos realizados por Boak e Turner (2005) mostram a importância desses agentes
na configuração da linha de costa e na compreensão dos processos de erosão e
sedimentação do litoral onde a identificação da mesma envolve duas etapas: a
primeira requer a seleção e definição de uma característica indicadora de uma LC
e a segunda é a detecção do comportamento da LC a partir de uma fonte de dados
adequada.
Praias encaixadas entre promontórios tendem a conter os sedimentos sem trocas
significativas com áreas vizinhas, fazendo com que a morfodinâmica condicionada
a ação de ondas de tempo bom e de tempestade cause um efeito de maior mobilidade
da linha de costa em seus pontos extremos a partir da acumulação ou retirada dos
sedimentos próximo à esses promontórios. Esses sedimentos podem ser
transportados longitudinalmente à praia, promovendo erosão em algumas áreas e
deposição no lado oposto e alternando-se de acordo com o clima e obliquidade da
ocorrência de ondas que a praia está sendo exposta, causando assim um movimento
rotacional no sentido horário ou anti-horário da linha de costa (BRYAN et al.,
2013; PEREIRA et al., 2019; GOUVEIA, 2015). Portanto, o efeito da deposição e
acresção de sedimentos que alterem o posicionamento da LC pode estar relacionado
a uma resposta à variação sazonal do clima de ondas do local, em que, não
necessariamente, se apresenta como um evento contínuo de erosão ou acumulação da
faixa de areia, mas sim, gerando movimentos sazonais de comportamento da linha
de costa (FERREIRA et al., 2004).
Com o avanço da tecnologia de imageamento por sistemas orbitais, os satélites
têm se tornado um ótimo aliado para os estudos de variação das LCs. Com sensores
mais potentes e imagens sendo geradas diariamente, é possível utilizá-los em
conjunto com as geotecnologias como método de detecção (LUIJENDIJK et al.,
2018). O uso do Digital Shoreline Analysis System (DSAS) para análise em uma
escala interdecadal vem se tornando comum nos trabalhos acadêmicos, porém o uso
para fenômenos sazonais, mostra-se carente.
Posto isso, a escassez de referências sobre o uso do DSAS para o estudo de
comportamento de LC, que não seja baseado em tendências absolutas de resultantes
de progradação ou retrogradação, fez com que o presente trabalho tenha como
objetivo realizar a análise do efeito sazonal no arco praial Arpoador-Leblon,
utilizando imagens da plataforma Google Earth Pro, com o auxílio da ferramenta
Digital Shoreline Analysis System (DSAS) disponível no software Arcmap 10.5.
Assim sendo, este trabalho procurou contribuir para aplicação das alternativas
metodológicas disponíveis, com o objetivo de analisar a mobilidade da linha de
costa e seus efeitos de características cíclicas e sazonais.
Material e métodos
Na área de estudo encontram-se as praias urbanas do Arpoador, de Ipanema e
Leblon, zona sul da cidade do Rio de Janeiro (Figura 1). São praias com forte
presença de
urbanização e estruturas artificiais na sua retaguarda, além de um sistema
lagunar com conexão com o mar por meio de um canal dragado.
Com regime de micromaré e sem desembocaduras fluviais próximas, as forçantes
principais são as ondas, que apresentam um padrão bimodal bem definido com ondas
de tempo bom e de tempestade (MUEHE, 1998; PARENTE et al., 2014; KLUMB-OLIVEIRA,
2015). Esse padrão é condicionado por (i) sistemas de alta pressão no Atlântico
sul, como o Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (ASAS), responsável pelas
condições atmosféricas de estabilidade, com ventos e ondulações provenientes de
ENE; e (ii) por sistemas frontais e ciclones extratropicais que originam ventos
e ondulações provenientes de SE, S e SSO e são os responsáveis pelas formações
de tempestades e as condições denominadas de mau tempo. (PARENTE et al., 2014).
Para a elaboração da base de dados, foi necessário o uso de imagens do Google
Earth Pro nos meses referentes às estações de verão e inverno para identificar a
sazonalidade no comportamento LC. Na captação das imagens foi possível observar
que o Google trabalha com mosaicos de imagens de satélites sendo limitada a
quantidade de imagens para região do arco praial do Arpoador – Leblon e
impedindo a manipulação dos metadados. Porém, o uso desta traz benefício para
análise devido a sua resolução temporal (desde 2015, nas imagens utilizadas
neste trabalho) e espacial, de 1,5 m e portanto melhor que as de uso gratuito
como dos satélites Sentinel e Landsat (de resolução de 10m e 30m,
respectivamente).
Por meio do mosaico de imagens aéreas ortorretificadas pelo IBGE 2005, fizemos o
georreferenciamento das imagens escolhendo pontos controle identificáveis na
amostra temporal (2015-2021). Foi então realizada a LC para os seguintes
períodos de verão: fev/2015, fev/2016, dez/2017, jan/2019, jan/2020 e fev/2021;
e inverno: ago/2015, jul/16, jul/18, jul/19, jul/20 e jul/21.
Em seguida foi necessário, por contraste visual, definir o indicador da posição
da LC utilizando o limiar de contato úmido-seco do sedimento (BOAK e TURNER,
2005; MACHADO, 2020; MACHADO et al., 2021; ROCHA e FERNANDEZ, 2021) para
realizar a construção das feições vetoriais, sendo assim definindo a linha de
costa (LC).
Após todas as feições criadas para os seis anos (verão e inverno), foi utilizado
a ferramenta Digital Shoreline Analysis System (DSAS).
O DSAS é um software de computador desenvolvido pelo US Geological Survey, o
qual é capaz de calcular estatísticas de taxa de variação da linha costeira a
partir de múltiplas posições, permitindo assim a análise da mudança histórica da
referida linha.
Entendendo que a ferramenta DSAS foi planejada para analisar tendências da linha
de costa (MACHADO, 2020; FARIAS e MAIA, 2010; TEIXEIRA et al. 2021; FERREIRA,
2019), tornou-se necessário adaptar os processos para que o programa pudesse
construir dados consistentes para que seja possível identificar alguma dinâmica
sazonal que poderia ocorrer no arco praial Arpoador-Leblon.
A etapa seguinte foi de criar 22 pontos com espaçamento entre eles de 180 metros
ao longo do arco praial. Por meio dos pontos concebidos, foi construída uma LC
média como resultado da média aritmética da largura da praia das 6 LC’s de verão
e das 6 LC’s do inverno. A largura da praia foi calculada pela distância
perpendicular entre a linha que divide a praia do calçadão e a linha de contato
úmido-seco do sedimento nesses 22 pontos.
Em seguida, a ferramenta de aplicação do DSAS foi utilizada para calcular a
diferenciação de distanciamento entre elas e criar os transectos evidenciando
maior ou menor distância entre as duas LC médias. Foi possível calcular também a
discrepância máxima entre verão e inverno no arco praial em suas extremidades.
Resultado e discussão
O uso do DSAS apresentou respostas consistentes indicando fatores de dinâmica
sazonal e efeito rotacional ao longo do recorte espacial e durante a faixa
temporal analisada.
Os resultados sobre a amplitude entre as LCs médias fornecidos pelo DSAS (Figura
2), apresentam no setor oeste (Praia do Leblon) uma diferença acima de 20% de
largura da praia nos meses de verão, comparado com os meses de inverno (P1:
28,82% ; P2: 20,79% ; P3: 22,28%). Essa diferença em termos de largura da praia
é de 33,02m, 31,26m e 25,74m para esses três pontos, respectivamente.
No setor central, o comportamento da praia possui maior moderação na variação da
posição da linha de costa, onde o P5 até o P15 apresenta um percentual de 12%
até 15% a mais na largura da praia nos meses de verão. A diferença entre as
larguras médias de verão/inverno são equivalentes a P5: 14,82m; P6: 17,1m; P7:
20,82m; P8: 14,72m; P9: 20,6m; P10: 20,47m; P11: 18,6m; P12: 21,02m; P13:
23,29m; P14: 22,59m; P15: 22,79m. Acredita-se que a maior estabilidade desse
setor pode estar relacionada à constante recepção de sedimentos do transporte
longitudinal originados da Praia do Leblon e Arpoador, bem como à influência da
zona de sombra causada pelo arquipélago das Ilhas Cagarras, que protege a praia
da incidência direta das ondas de alta energia (BULHÕES, 2006).
A partir do P18, setor leste do arco, onde localiza-se a Praia do Arpoador, a
amplitude de variação da largura média entre verão/inverno diminui. Esta
tendência de queda mantém-se pelos pontos P19 e P20 (sendo o menor valor 0,27%),
onde no P20 se invertem as linhas e as linhas médias de verão passam a ser mais
recuadas que as de inverno. É importante destacar que a largura da faixa de
areia no Arpoador é a porção mais estreita do arco praial. Do P21 ao P22 é
possível analisar uma pequena tendência de aumento da LC de inverno para a de
verão (3,75% e 9,37%, respectivamente), o que representa uma largura média de
35,79m e 35,03m no inverno para o P21 e P22 e de 33,20m e 28,95m no verão para
os mesmos pontos.
Além do uso da ferramenta DSAS com as linhas de costa médias de verão e inverno,
é interessante analisar as maiores discrepâncias nas extremidades do arco de
praia obtidos para a observação do fenômeno conhecido como efeito rotacional de
praia, ou beach rotation.
A rotação de praia ocorre devido às trocas de sedimentos ao longo da costa, o
que pode representar uma parcela significativa da largura da praia. Harley et
al. (2011) atribuem esse fenômeno à mudanças de até 26% entre pontos extremos de
um arco praial, por exemplo. Segundo Bryan et al. (2013) é definida como os
movimentos da linha de costa por unidade de distância e ocorre devido ao
transporte de areia entre as extremidades opostas de praias recortadas por
promontórios rochosos. Essas trocas de areia ao longo da praia são atribuídas a
mudanças periódicas ou de longo prazo no clima de ondas, especialmente na
direção de incidência das ondas (SHORT e MASSELINK, 1999).
Com o objetivo de identificar os valores máximos de variação da linha de costa
nas extremidades do arco e, consequentemente, determinar o efeito rotacional na
área de estudo, foram selecionadas duas linhas de costa: uma referente ao verão
de 2017 (dez/17) e outra ao inverno de 2020 (jul/20). Na linha de verão, o setor
oeste possui uma largura de praia de 121 metros e 19 metros na porção leste,
enquanto que na linha de inverno os valores foram de 14 metros de largura a
oeste e 74 metros a leste do arco. A discrepância das amplitudes máximas entre
as linhas de verão e inverno é de 107 metros, o que representa uma variação de
88% da largura máxima do perfil no setor oeste. Já na porção leste é de 55
metros, sendo uma variação de 74% de sua largura máxima. É possível visualizar,
na figura 3, as LCs se cruzando no setor centro-leste.
De acordo com os dados apresentados, tanto dos valores de largura média da praia
no verão e inverno, como nas LCs com maiores discrepâncias encontradas, mostram
tendência de efeito rotacional da praia no através de um controle sazonal no
clima de ondas, que afeta diretamente a morfodinâmica de praia de maneira
distinta nos extremos do arco praial. Essa influência sazonal na morfodinâmica
de praia foi identificada por Carvalho et al. (2021), onde a orientação leste-
oeste das praias oceânicas urbanas da cidade do rio de janeiro são expostas aos
eventos meteoceanográficos de alta energia, sendo o inverno com maior magnitude
desses eventos.
Segundo Gonçalves et al. (2021), a partir de levantamentos de perfis de praia,
os pontos extremos desse arco praial (Leblon e Arpoador) são os que mais possuem
variação na sua largura, associando isso a uma deriva litorânea que sazonalmente
muda de direção predominante devido à direção de incidência de ondas. Para
Klumb-Oliveira (2015) o clima de ondas para o litoral sul fluminense, demonstrou
predomínio de condições de baixa e média energia, com ondas de maior frequência
(1-2m) provenientes de ENE-ESE com menores períodos, notadamente entre os meses
de primavera e verão. Ondas mais altas provenientes dos quadrantes S aumentam o
estado de agitação marítima, com altura significativa acima de 2m e períodos
mais longos, que predominam no outono e inverno, segundo o mesmo autor.
Em concordância com as referências citadas, é importante ressaltar a influência
do clima de ondas na dinâmica morfológica das praias arenosas na área de estudo.
As variações sazonais mostram diferenças significativas nos ângulos de
incidência e alturas das ondas. No entanto, é importante destacar que as ondas
de tempestade podem ter maior influência no transporte transversal de sedimentos
do que no transporte longitudinal.
O movimento rotacional observado neste estudo, no sentido horário de verão para
inverno e anti-horário de inverno para verão, pode estar relacionado não apenas
com a deriva longitudinal de sedimentos na LC, mas também pode ser
potencializado pelo transporte transversal devido à erosão dos estoques
sedimentares emersos e deposição para além da zona de arrebentação, formando
bancos arenosos submersos durante tempestades subsequentes em áreas distintas.
Esse processo pode levar à diminuição significativa da largura média da praia no
inverno em praticamente todo o arco praial, salvo o ponto extremo leste do arco
praial, onde a linha de costa média se mostrou timidamente maior no inverno.
Dessa forma, os dados aqui apresentados sugerem (mas não necessariamente
implicam) uma troca de sedimentos ao longo da costa entre as regiões oeste e
leste do arco de praia.
Mapa de localização da área de estudo
linhas de costas médias e classes do DSAS
mapa das linhas de costa com maior discrepância de verão e inverno
Considerações Finais
Considerando os resultados apresentados, é possível concluir que as análises
realizadas para caracterização da influência sazonal e efeito rotacional da
linha de costa através dos dados gerados pelo DSAS, são satisfatórios e
corroboram com a literatura existente.
O comportamento da linha de costa como os evidenciados no presente trabalho é um
processo fundamental para compreender a morfodinâmica das praias, pois ocorre
geralmente como uma resposta rápida a erosão por eventos climáticos intensos e
durante a recuperação dos estoques sedimentares por incidência de ondas
construtivas, e/ou de orientação distinta, aumentando a largura da praia por
deriva litorânea.
Tal comportamento não implica necessariamente em perda ou ganho de sedimentos no
sistema costeiro, mas uma troca de sedimentos ao longo da costa, tanto através
de processos longitudinais quanto transversais. No entanto, as estruturas
urbanas em faixa dinâmica da orla podem interferir nesse transporte sedimentar,
comprometendo a estabilidade e aumentando a vulnerabilidade dessas áreas à
eventos extremos.
Apesar de a ferramenta não ser planejada para o tipo de análise apresentada, com
algumas adaptações no processo, como por exemplo, trabalhar com médias de
largura da praia e de posição da linha de costa para verão e inverno, foi
possível fazê-la produzir dados consistentes sobre a problemática da pesquisa.
Posto isso, entende-se a possibilidade do uso do DSAS para análise de fenômenos
de curto período e cíclicos, numa escala interanual de análise, e não apenas de
longo prazo com alguma tendência estabelecida.
Agradecimentos
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