• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Considerações iniciais sobre a morfodinâmica da praia da Barra da Tijuca e as recentes intervenções de engenharia costeira

Autores

  • RAFAEL FERREIRA ALVESUERJEmail: rafaelf.11.1998@gmail.com
  • PRISCILA OLINDA RODRIGUES BRAGAUERJEmail: priscila.uerj2021@gmail.com
  • GABRIEL DOS SANTOS LOPESUERJEmail: gabrielsl2k@gmail.com
  • SARAH DE SOUZA CORREA MACHADOUERJ/FFPEmail: sa2rahmac@gmail.com
  • THIAGO GONÇALVES PEREIRAUERJEmail: thiagopereira.uerj@gmail.com

Resumo

A praia da Barra da Tijuca, situada em um litoral caracterizado por ondas de alta energia, exibe uma notável morfodinâmica às forçantes costeiras, como ondas e correntes. Recentemente, propôs-se a realização de obras na faixa de areia visando a contenção de danos causados por ressaca do mar, embora o comportamento morfodinâmico não apresenta tendência à erosão costeira. Diante desse contexto, o presente estudo investiga o comportamento morfodinâmico de um trecho específico da orla onde ocorrem pontos de impactos e intervenções de engenharia. Foram utilizados, durante a pesquisa, métodos como levantamento de informações e análise de acervos documentais sobre impacto de ressacas, a realização de perfis topográficos nas áreas adjacentes aos locais de erosão e intervenção, além de buscar discutir a pertinência e a eficácia dessas intervenções em áreas com intensa morfodinâmica diante de eventos de ressaca.

Palavras chaves

Morfodinâmica de praia; Barra da Tijuca; Urbanização Costeira; Intervenções de engenharia; Perfil de Praia

Introdução

As praias arenosas expostas à alta energia, como a da Barra da Tijuca, são áreas com características morfológicas extremamente dinâmicas, o que leva a ajustes morfodinâmicos sucessivos entre as forçantes oceanográficas e seus depósitos sedimentares (Carvalho et al., 2021). Este comportamento é conhecido como morfodinâmica praial, e é descrito por diversos autores, dentre eles Hallermeier (1981), Wright e Thom (1977) e Short (1999). Quando monitorado sistematicamente ao longo do tempo, o perfil de uma praia apresenta alterações decorrentes do transporte sedimentar exercido por ondas e correntes costeiras (Calliari et al., 2003), que fazem parte do comportamento natural da praia. Porém, intervenções externas, especificamente estruturas rígidas em sua faixa dinâmica, afetando o equilíbrio dinâmico da praia, podem gerar danos a infraestruturas e equipamentos urbanos dispostos na orla e também no próprio estoque de sedimentos subaéreos de um sistema praial (Pereira et al., 2017; Pereira et al., 2018 ; Saliba et al., 2019). Para tanto, em diversas oportunidades, obras de engenharia têm sido recorrentemente consideradas como soluções para a contenção de erosão em orlas urbanizadas da cidade do Rio de Janeiro, desconsiderando muitas vezes, alternativas menos custosas e mais eficazes (Pereira, 2022). Por serem ambientes extremamente sensíveis às mudanças em sua fisiografia natural, as praias podem fornecer diversos serviços ecossistêmicos, dentre eles, a proteção contra a erosão costeira, um dos mais importantes papéis desempenhados. Segundo Muehe et al. (2010), a erosão costeira ocorre quando o balanço sedimentar de uma praia é negativo, o que significa que a praia perde mais sedimentos do que recebe. No entanto, esses episódios de curta duração não indicam necessariamente que a praia da Barra esteja sujeita à erosão costeira. A urbanização das orlas é um tema de grande importância quando se discute o desenvolvimento e a expansão urbana de uma cidade costeira. O bairro da Barra é um exemplo no Rio de Janeiro de como a urbanização de uma área costeira pode impactar a paisagem natural e o ecossistema costeiro associado. Segundo Abreu (1987), a urbanização do bairro ocorreu por meio de uma intervenção parcial do poder público em favor das classes com maior poder aquisitivo, o que estimulou uma intensa especulação imobiliária e resultou na expansão horizontal da parte mais privilegiada da cidade em direção a São Conrado e Barra. Ademais, em 1969, o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, a convite do Gov. do Est. da Guanabara, elaborou um plano piloto, com enfoque em ocupar o bairro, incluindo a sua franja costeira. Embora tenha ocorrido alterações no plano para proteger alguns aspectos ambientais da área, o processo de urbanização da orla ocorreu em grande escala e parece ter tido pouca atenção com a perspectiva de ocupação litorânea versus a dinâmica morfológica do ambiente costeiro. Os eventos mais recentes de ressaca causaram danos pontuais a essas estruturas urbanas da orla da Barra. Para corrigir esses danos e reparar o calçadão, órgãos públicos da cidade julgaram necessário intervir na berma da praia com estruturas rígidas e artificiais compostas por mantas de concreto. Essas estruturas foram instaladas em pontos escavados sob a faixa de areia, com uma extensão de aproximadamente 720 metros. Diante disso, o trabalho proposto tem por objetivo obter, numa primeira abordagem, parâmetros do comportamento morfodinâmico da praia da Barra, com foco em um recorte da orla monitorado em quatro diferentes pontos através de técnicas de perfil de praia (Figura 1). Há evidências históricas levantadas aqui de ocorrências de eventos de tempestades que possam ter causado danos nas estruturas urbanas. Portanto, o monitoramento morfodinâmico é um importante elemento que pode auxiliar no entendimento da variação morfológica desse trecho do arco praial, a fim de responder à questão central de determinar se é necessário realizar obras nessa área.

Material e métodos

Para fins de maior embasamento teórico sobre morfodinâmica de praia, dos impactos das obras de engenharia e dos processos urbanísticos na região da praia da Barra da Tijuca, foi realizado um levantamento bibliográfico, incluindo estudos pregressos sobre a área de estudo em relação aos impactos de intervenções antrópicas, como destacado por Carvalho et al. (2021). Paralelamente, foram realizadas buscas de reportagens através de portais de notícias que indicassem ressacas associadas a danos nas infraestruturas urbanas locais. Com isso, foi elaborada uma cronologia histórica de danos na orla seguindo a metodologia utilizada por Pena (2017). Embora Oliveira (2015), ao utilizar como base os critérios de IPCC (2012), associe ondas com altura igual ou maior a 3 metros e duração de 12 horas a eventos extremos no estado do Rio de Janeiro, neste trabalho foram considerados todos os eventos que causaram danos ao meio urbano e danos por ação de ressacas noticiados pelos meios de comunicação. De forma concomitante, foram realizadas 5 campanhas (27/01/23, 28/02/23, 31/03/23, 24/04/23 e 08/05/23) com o objetivo de monitorar o comportamento morfodinâmico da praia através de perfis topográficos, assim como mapear locais com presença de danos à infraestrutura urbana proveniente da ação de ressacas. Os perfis topográficos foram realizados em quatro pontos: três em intervalos aproximados de 1700 m e um adjacente às obras de engenharia que estavam sendo realizadas entre os postos 7 e 8 da praia (Figura 1). Para o levantamento topográfico do tipo “Balizas de Emery” (Muehe, 2003), utilizou-se como datum de referência vertical a cota altimétrica de um ponto estabelecido como Referencial de Nível (RN). Esse ponto teve sua altitude definida a partir da leitura do ponto mais próximo do recuo máximo das ondas, sendo considerado com o valor do Nível Médio do Mar (NMM) para o local. A diferença do NMM com a altura da maré no instante da observação permitiu fazer a correção dessa altitude e, por extensão, de todo o perfil até o RN, que foi atribuído a algum ponto materializado no campo (tampa de bueiro, meio fio, topo de calçada, etc.). Os dados de marés foram disponibilizados na tábua de marés de 2023 da Marinha, no marégrafo mais próximo da área, a Ilha Fiscal, na Baía de Guanabara. Dessa forma, foram estabelecidos os Referenciais de Nível (RN) em cada perfil, e as distâncias foram medidas por trena ao longo do alinhamento perpendicular à linha de costa. As variações verticais entre os pontos foram obtidas pela diferença entre as balizas, levando em consideração o referencial com a linha do horizonte. Os dados foram planilhados em software Excel, e em cada ponto de monitoramento as linhas dos perfis foram superpostas para comparação entre as campanhas mensais.

Resultado e discussão

Eventos de Ressaca Para fornecer um histórico mais claro dos danos causados às infraestruturas urbanas afetadas por ressacas, a pesquisa hemerográfica realizada através de consultas no Acervo O Globo e em outros portais online revela que a relação entre o meio ambiente e o meio urbano é frequentemente conflituosa. Isso ocorre porque as estruturas urbanas localizadas na orla estão em contato direto com o ambiente sedimentar em sua área dinâmica, incluindo infraestruturas como quiosques, ciclovias, calçadões e até mesmo um grupamento dos bombeiros. Como pode ser visto na figura 2, a orla da praia da Barra é um local de recorrência de ressacas do mar propício a impactos na infraestrutura urbana. Foram ao menos 13 eventos meteoceanográficos que resultaram em algum dano a essas estruturas desde 1990 até 2020. Acredita-se que esse número é maior e a busca por tais documentos ainda está em andamento. Ao analisar a imagem de satélite de 2022 (Figura 1), ao longo da orla da área de estudo, as áreas de erosão são justamente onde não se observa a ocorrência de vegetação, portanto, pode ser considerado que estes trechos são mais vulneráveis e mais fáceis de serem danificados por impactos de tempestades. Isso se caracteriza tipicamente como hotspot erosivo, conforme abordado por Pereira (2022). Perfis de Praia A figura 3 mostra os resultados que expressam as variações morfológicas através dos perfis topográficos e as larguras da faixa de areia, representada pela área desde o recuo máximo da onda até o final dos sedimentos de praia, limitada por vegetação de restinga ou estruturas rígidas. O perfil 1 apresenta o valor máximo de largura da praia de 125,04 metros no dia 24/04/2023. Por conseguinte, tem como seu valor mínimo no dia 28/02/2023, com apenas 52,32m, o que apresenta uma variação de largura de 72,72 metros. Bulhões (2006) aponta que a zona submarina na altura do píer da praia da Barra (próx. ao perfil 1), possui fundo arenoso influenciado pela ação das ondas e correntes, indicando uma topografia bastante variável, com presença constante de bancos e calhas na zona de surfe. Os dados do levantamento topográfico do dia 24/04/2023, comparado com os demais perfis próximo à este ponto corroboram o indicador de morfodinâmica ativa, com migração de um banco arenoso que tinha sido reincorporado ao perfil emerso da praia após uma passagem de um sistema frontal, que ocasionou erosão da praia. O estágio morfodinâmico identificado foi do tipo Terraço de Baixa-mar, estágio intermediário com aspecto mais refletivo, que apresenta face de praia íngreme conectada no nível de baixa-mar a um terraço plano ou banco e aspectos de bancos transversais (Calliari et al., 2003; Gomes e Guerra, 2019). O ponto 2 apresentou valor máximo de largura no dia 08/05/2023 de 74,26m e um valor mínimo, evidenciado pela maior erosão, em 24/04/2023, com 61,87m. Com isso, denota-se uma amplitude de variação na largura da praia bem mais discreta que no ponto anterior (12,39m). A morfologia de pós-praia possui cota altimétrica de 7m sem a presença de vegetação de restinga, substituída por gramíneas em meio a quiosques muito próximos à faixa de areia. O limite interno da praia é marcado por uma escarpa de erosão, provavelmente formada em situações excepcionais de tempestade, com regime colisional de ondas sobre o pós-praia onde seria a duna frontal fixada por vegetação. No ponto 3, foi obtida largura máxima de 63,35m no dia 28/02/2023, e uma mínima de 53,34m no dia 31/03/2023. Portanto, nota-se, assim como no ponto 2, uma variação discreta, com aproximadamente 10m. A altura da barreira supera os 8 metros de altitude e não é identificado escarpa erosiva, representando uma descontinuidade morfológica entre a berma e duna frontal, diferentemente dos dois pontos anteriores. A duna frontal encontra-se preservada, com vegetação de restinga arbustiva de pequeno porte. O ponto 4, está localizado ao lado da intervenção de engenharia sobre a berma. Destaca-se um ápice de largura no dia 08/05/2023, com uma praia de 65,92m de extensão, em contrapartida no dia 31/03/2023, obteve-se o valor mínimo 46,11m, com uma amplitude de variação de largura de 19,81m. Dos quatro perfis monitorados, esse foi o que apresentou menor largura da praia, com presença de uma vegetação de pós-praia incipiente e pontos de erosão no calçadão em um raio menor que 200m. De uma maneira geral, a análise dos 20 perfis levantados em quatro pontos distintos não indica nenhuma perda ou ganho significativo de sedimentos durante o período monitorado. A faixa ativa dos perfis pode ser observada a partir do ponto em que as linhas topográficas do gráfico deixam de estar unidas e passam a dispersar sobre a área do perfil. Essas áreas foram identificadas e observou-se que a mobilidade morfológica se deu da crista da berma à face da praia, onde ocorre o espraiamento das ondas. Não foram identificadas condições de erosão significativa da berma que comprometa todo o estoque arenoso emerso do perfil. No perfil 1, essa faixa dinâmica se concentrou nos 50 metros finais de largura do perfil, com amplitude de variação altimétrica de 2,5m. No perfil 2, essa faixa dinâmica se mostrou até mais discreta, com amplitude horizontal de 40m e vertical de 2,20m. No perfil 3, as amplitudes da área dinâmica do perfil foram também de 40m horizontais de 3m. No perfil 4, a faixa dinâmica se deu um pouco mais ampla, atingindo 60m de distância horizontal e 3,3m de amplitude de variação vertical. Intervenções de engenharia As intervenções de engenharia iniciadas em dezembro de 2022, próximo ao Ponto 4, foram justificadas pela suposta necessidade de contenção de erosão na praia. Trata-se de uma obra no valor de R$10,6 milhões que afetaria mais de 5 quilômetros de área de praia, ou seja, em bem público da União, na APA Municipal Orla Marítima. Além da recuperação aos danos gerados por ressacas nos calçadões e quiosques, essas obras alteram a estrutura sedimentar da berma. Foram utilizadas mantas geotêxteis preenchidas com concreto e enterradas por retroescavadeira. Além disso, sacos de areia fechados foram sobrepostos às estruturas de concreto em uma extensão de aproximadamente 720 metros. Segundo parecer técnico emitido por pesquisadores de instituições de ensino superior e pesquisa do estado (UFRJ, UFF, PUC-Rio e UERJ), esta obra está em desacordo com o Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira, aprovado pela Resolução CIRM n.º 01/2018, elaborado pelo Subgrupo de Trabalho de Gestão de Riscos e Obras de Proteção Costeira, no âmbito do GI-GERCO. A obra não possui licença ambiental, e até então não fora apresentado um EIA-RIMA ou estudo com embasamento científico respaldado por geocientistas, ecólogos e demais profissionais atuantes nesta área de conhecimento, que pesquisam o tema de erosão costeira, vulnerabilidade, ecologia e gestão de praias há décadas. No município, ainda não há menção à implementação do Projeto Orla, nem de um plano municipal de gerenciamento costeiro (Lei Federal Nº 7.661 de 16/05/ 1988) instrumentos que poderiam auxiliar e orientar esta questão. Além disso, é possível observar diversos desafios relacionados à urbanização da orla da Barra, como a ocupação indevida de áreas de restinga por quiosques, a construção de abrigos para pranchas de windsurf e a instalação de áreas de lazer e recreação em locais onde a vegetação fixadora de sedimentos deveria ser prioritariamente preservada. Portanto, é crucial que haja uma mudança de paradigma na ocupação dos espaços costeiros, ao adotar o conceito de soluções baseadas na natureza. Isso envolve a compreensão de que o ambiente costeiro é dinâmico. Assim, devemos buscar soluções que trabalhem em harmonia com o equilíbrio dos ambientes sedimentares e ecossistemas costeiros. Bulhões (2019), por exemplo, apresenta uma série de exemplos de projetos de recuperação desses ecossistemas, que podem ser tão ou mais efetivos do que as abordagens emergenciais de contenção da linha de costa.

Figura 1

Imagem de satélite da área de estudo mostrando os pontos de impacto, obras e pontos de monitoramento por perfil de praia.

Figura 2

linha do tempo de eventos de ressaca na Praia da Barra da Tijuca documentado em veículos de comunicação entre 1990 e 2020.

Figura 3

Perfis da Praia da Barra produzidos entre Jan e Maio de 2023.

Considerações Finais

Com base nas informações discutidas aqui, no acervo documental sobre danos à estruturas urbanas e nos perfis de praia até então levantados, entende-se que a erosão costeira na Barra da Tijuca, na verdade, é resultado da ocupação inadequada do espaço com construções de estruturas fixas e da degradação da vegetação de restinga. Em suma, é importante constatar a presença de pontos de erosão (que se diferencia de características de tendência erosivas) e relacioná-los com a ausência de vegetação de restinga que deu lugar a ocupação de infraestruturas urbanas (quiosques, ciclovias e etc.) sobre as dunas frontais da praia. Pode-se concluir que a restauração da vegetação de restinga ou até mesmo a ampliação da duna frontal, além de não causar impacto, são medidas harmônicas com a dinâmica da praia. Muitas vezes, projetos que envolvem recuperação de dunas frontais são menos custosos a longo prazo do que obras rígidas, mesmo que necessitem de um constante manejo.

Agradecimentos



Referências

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