• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Interação entre sistemas de dunas e urbanização: Um estudo de caso em Cabo Frio, RJ

Autores

  • THIAGO GONÇALVES PEREIRAUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: thiagopereira.uerj@gmail.com
  • LUAN MARTINS PEREIRA PONTESUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: luanmartinspontes@gmail.com
  • THAMIRIS DOS REIS BRAGAUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: thamirisreis25@gmail.com
  • PATRICK KUCHLERUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: geocalvano@gmail.com

Resumo

O presente estudo busca analisar o processo de ocupação e urbanização em trecho de orla do município de Cabo Frio - região das Baixadas Litorâneas - onde a topografia local é fortemente influenciada por um controle morfológico de feições eólicas. Para tal, a área de estudos escolhida localiza-se num trecho onde limitado por amplos campos de dunas frontais na retaguarda das praias e por dunas móveis transgressivas ao interior. A partir da aquisição dados por meio de técnicas de sensoriamento remoto combinando aerofotogrametria e processamento digital de imagens, chega-se à discussão de como essas estruturas urbanas impactam na sistematização das dunas. Foram produzidos um mapa geomorfológico com detalhe das feições eólicas e um mapa comparativo entre os anos de 2005 e 2022 sobre o uso e cobertura do solo do local. Notou-se aumento das residências consolidadas na parte norte da área e aumento o de vegetação herbácea-arbustiva em áreas onde antes se tinham sedimentos livres.

Palavras chaves

Dunas; Urbanização; Orla; Cabo Frio; Impacto Ambiental

Introdução

O processo de ocupação e urbanização de Cabo Frio, município da região das Baixadas Litorâneas fluminense, passou por diversas fases e conflitos territoriais e ambientais, históricos e atuais. Aspectos históricos que remontam o século XVI, ainda no período colonial, motivam uma ocupação com objetivo inicial de proteger o litoral contra invasões estrangeiras. Com o passar dos anos, a agricultura e o extrativismo dos recursos naturais da região, como a pesca e exploração de sal, se tornaram as principais atividades econômicas. Somente no século XX, que o turismo começou a se estabelecer como atividade pujante, e com isso, desenvolve-se uma ocupação mais intensa nas áreas litorâneas (Christovão, 2011; Pereira, 2018). A crescente ocupação dessas áreas tem levado a uma significativa alteração nas paisagens costeiras naturais, que agora são predominantemente marcadas por intervenções humanas (Barcellos, 2016, Oliveira et al., 2020). Nesse contexto, os sistemas de dunas são marcantes na paisagem costeira natural em que, sob o prisma geomorfológico, também desempenham um papel ecossistêmico fundamental para a heterogeneidade e qualidade ambiental local e de toda a região (Correa, 2013). Por outro lado, esses sistemas costeiros são altamente vulneráveis ao processo crescente de urbanização das áreas litorâneas. Especialmente nesta área, onde temos ocorrência dos maiores campos de dunas costeiras da região Sudeste brasileira, essa problemática toma uma dimensão maior ainda, pois os ambientes sedimentares quaternários além de sofrer impactos significativos, podem ter a sua dinâmica alterada resultando em modificações irreversíveis do ponto de vista geomorfológico. O arco praial de Cabo Frio é fortemente influenciado pela ação de ventos alísios de nordeste, que são os maiores responsáveis pelo transporte de sedimentos e do clima de ondas (Fernandez et al., 2009; Fernandez et al., 2017). Essa predominância de ventos de mar pra terra, em área de elevada aridez, e com sistema praial composto por areias finas e praia dissipativa reúne características importantes para que o transporte eólico de sedimentos para o interior da planície seja significativo (Barbieri, 1984; Pereira et al., 2010). Um dos fatores que se apoia a relevância do presente trabalho é a posição estratégica em que o balneário se consolidou na parte central do arco de praia de Cabo Frio-Arraial do Cabo, com sistemas de praia-duna frontal bem desenvolvidos no limite externo e por dunas transgressivas no limite interno. A urbanização cresceu sobre área franca de depósitos sedimentares eólicos que estariam em trânsito entre os sistemas praiais e dunares mais desenvolvidos, já dentro do perímetro do Parque Estadual da Costa do Sol - PECSol. Diante da questão que envolve o uso e ocupação do solo na franja costeira de Cabo Frio e a vulnerabilidade dos campos de dunas ali presente, este trabalho tem como temática principal a análise da evolução urbana em um trecho de orla do referente município e a influência dessas áreas ocupadas com ocorrência de diversos tipos de feições eólicas identificadas. Para isso, foram consorciadas o uso de diferentes ferramentas de sensoriamento remoto aplicadas à identificação geomorfológica das dunas costeiras e também para uso e ocupação do solo em dois períodos distintos, 2005 e 2022.

Material e métodos

Os métodos utilizados reúnem diferentes técnicas de sensoriamento remoto, como a Aerofotogrametria e o Processamento Digital de Imagens (PDI) cujo objetivo é a caracterização geomorfológica de depósitos eólicos e as mudanças no uso e ocupação do solo num intervalo de tempo de 17 anos nessas áreas de ocorrência de dunas. A Aerofotogrametria é uma técnica que consiste na medição remota do espaço terrestre a partir de imagens fotográficas tomadas do espaço aéreo (Henriques, 2006). Neste trabalho, as fotografias aéreas foram obtidas por uma Aeronave Remotamente Pilotada (ARP), que, aliada ao rastreamento de pontos com coordenadas geodésicas, registrou informações topográficas da área, sendo este método um poderoso meio de análise das características geomorfológicas em escala de detalhe, através do Modelo Digital de Elevação, Modelo Digital de Terreno e Ortofotomosaico gerados. Os materiais utilizados em campo foram: uma ARP modelo Phantom 4 Advanced, da Fabricante DJI e um conjunto de três baterias; um Receptor GNSS (Global Navigation Satellite System) modelo South Gs86S; um tripé, trena e um GPS de portátil Garmin 74S. Os procedimentos metodológicos do mapeamento geomorfológico consistiram em etapas de planejamento, aquisição e processamento dos dados. Primeiramente foi realizado o reconhecimento remoto da área através do programa Google Earth Pro para então ser elaborado o polígono para o mapeamento da área-alvo, com 2.000 metros de perímetro e uma área de 9,8 hectares e um polígono maior com 4000m de perímetro e 55 hectares - o primeiro para realização do mapeamento geomorfológico e o segundo para o uso e cobertura do solo. Para a aquisição das imagens, foi realizado o plano de voo autônomo através do aplicativo Drone Deploy, projetando 45 linhas de navegação perpendiculares à linha de costa. Os parâmetros de aquisição de fotografias aéreas foram de sobreposição frontal de 80% e sobreposição lateral de 70%. As coordenadas obtidas pelo GNSS foram extraídas e processadas com o arquivo de uma estação base do IBGE pertencente à Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo, com realização também da correção altimétrica elipsoidal para altitudes ortométricas. Para a construção do bloco fotogramétrico foi realizada a importação de imagens e pontos de apoio, apontamento dos pontos de apoio visíveis nas fotografias aéreas, alinhamento das imagens, geração de uma nuvem de pontos, densificação da nuvem de pontos, geração de modelo 3D, e o ortofotomosaico. Construído o modelo, foram gerados perfis topográficos e curvas de níveis. Essas tiveram intervalos altimétricos de 20cm entre si e foram geradas a partir do modelo digital do terreno, onde foram eliminados todos os objetos e as estruturas artificiais acima do nível do solo, como casas, muros e árvores. Posteriormente, essas curvas foram projetadas sobre o modelo digital de elevação, já com a presença desses objetos para visualização. O PDI foi realizado no software ArcGIS Pro, versão 2.9.5, da empresa ESRI. Nele, as imagens do levantamento feito em 2022 por ARP e a do ortofotomosaico do IBGE, de 2005, foram manipuladas e elaborados mapas de uso e cobertura do solo de cada uma, visando a análise comparativa dos dados obtidos em cada produto. Foi aplicado o método de classificação supervisionada, com a tipologia por pixel criando centenas de amostras de cada uma das quatro classes consideradas na confecção do mapa. Para classificar as áreas de treinamento, foi utilizado a Random Trees, por ser a mais adequada na hora de se avaliar o local e a imagem raster pré-processamento. A escolha das classes foi baseada em Corrêa (2013). Além disso, foi feito um trabalho de campo em que as classes foram validadas para serem consideradas na elaboração do mapa local. São elas: Áreas Residenciais Consolidadas e Residências em consolidação; Vegetação Arbórea-arbustiva, Herbácea e Gramíneas; Depósito de sedimentos de Praias, Dunas frontais e Dunas transgressivas; e Cursos d'água.

Resultado e discussão

A partir dos produtos cartográficos gerados, objetivou-se a identificação das tipologias de dunas localizadas na retaguarda da praia e das dunas frontais, em área de potencial crescimento urbano. Os resultados aqui apresentados aderiram à proposta de Molton et al. (2013) e Fernandez et al. (2017) ao qual se propõe um sistema de hierarquização taxonômica com classes de diferentes tipos de dunas. A área do mapeamento geomorfológico das feições eólicas foi dividida em 3 blocos de imagens (Figura 2) para um melhor detalhamento das feições. Os recursos visuais de hipsometria, curvas de nível, transectos dos perfis na imagem e a sua projeção em distância e altimetria ofereceram um nível de detalhe consistente para que nuances até então difíceis de serem detectadas, pudessem ser descridas aqui. Os s perfis traçados vão de 1 a 9, identificando, assim nove tipos de depósitos eólicos. O perfil 1 possui morfologia de uma pequena duna parabólica, discreta em seus gradientes topográficos, com topo atingindo cota altimétrica de 3,4m e presença de vegetação herbácea na sua porção mais elevada. Não há evidência de dinâmica eólica ativa, o que talvez seja influência da proximidade com o muro de um condomínio, que pode inibir o transporte de sedimentos para essa área e interior da planície. O Perfil 2-4 na parte mais ao norte não possui uma forma que indique transporte eólico, no setor central mostra uma depressão topográfica, podendo ser causada por erosão eólica, e, ao sul do perfil apresenta acumulação sedimentar mais proeminente na sua junção com o perfil 4. Onde se encontra o Perfil 3, é estabelecida uma pequena duna com elevação de 1,2m de altura de inclinação suave e presença de sedimentos livres intercalados por gramíneas. Por estar na retaguarda de árvores de grande porte (Casuarina equisetifolia) para os ventos de nordeste, pode ter a sua agradação vertical causada por areias advindas de rastros eólicos que transitam das dunas frontais para o interior, em que, na sombra desses obstáculos, se formam áreas mais propícias à deposição sedimentar. A duna do Perfil 4 possui superfície é majoritariamente composta por sedimentos livres e está conectada à rastros eólicos com orientação de nordeste (sentido preferencial dos ventos na região). Quando analisada numa escala menor, é possível inferir que são feições conectadas a um sistema de rastros e cortes eólicos que se estenderiam, caso não fosse a pista RJ-140, desde às dunas frontais (adjacente à praia) até o braço sul da duna Dama Branca. Trata-se da área mais proximal da duna Dama Branca (Figura 1), sendo uma importante área de fonte sedimentar dos campos de dunas transgressivos mais interiores, dentro do PECSol. O perfil 5 passa por uma crista elevada de acumulação sedimentar associada à vegetação arbustiva superando os 8m de altitude. As áreas laterais dessa elevação possuem sedimentos livres e esparsamente capeados por gramíneas, regidos pela erosão eólica. Esta morfologia linear e alongada com mais de 100m de comprimento, ancorada por vegetação de pequeno porte e concordante com os ventos de nordeste, são forte indicadores de antigos braços de dunas parabólicas complexas e parabólicas do tipo hairpin (Fernandez et al., 2017). O comportamento transgressivo dessas dunas parabólicas se dá devido à migração do lóbulo central, enquanto os braços permanecem fixos em função da vegetação, até o ponto em que esses braços se desconectam da frente de migração mais dinâmica e deixam essas cristas elevadas (antigos braços da parabólica) concordantes com o vento, tal como na duna do Perfil 4. O perfil 6 se trata de uma pequena acumulação eólica com presença de vegetação herbácea cobrindo a metade mais elevada da feição e rodeada de sedimentos livres em sua base. Os Perfis 7a e 7b teve objetivo de caracterizar a topografia transversal e longitudinal da duna. Por sua morfologia em forma de “U” e com rampa de barlavento em formato concavo e face de sotavento na vertente convexa, trata-se de uma duna parabólica de pequeno porte, com comprimento de 60m desde o lóbulo deposicional até um de seus braços, com orientação de NE-SW. A ausência de vegetação arbustiva indica que essa duna possui (ou possuiu) dinâmica de migração. A sua forma assume uma razão de aspecto de 1:3, com braços não tão alongados como as hairpin, o que mostra certa juventude na sua morfologia em relação ao deslocamento na planície. Os Perfis 8a e 8b também possui morfologia se assemelha com o ponto anterior, sem a presença e vegetação arbustiva e apenas com capeamento esparso de gramíneas. A base da sua face de barlavento está bem abaixo das áreas vizinhas, com 3,4m, o que indica ser uma área de erosão de sedimentos à barlavento para formação do seu lóbulo deposicional à sotavento. O seu capeamento é composto por vegetação rasteira de gramíneas, indicando ser uma duna estabilizada. Por último, os Perfis 9a e 9b representam as acumulações sedimentares mais elevada do perímetro analisado, chegando a 12,4m de altitude em seu topo e altura de suas paredes íngremes de mais de 10m, comparado às áreas adjacentes. Possui o mesmo aspecto geomorfológico do relevo marcado no Perfil 5, com uma elevação linear e alongada com mais de 160m de comprimento, ancorada por vegetação de pequeno porte e concordante com os ventos de nordeste, e por conta disso são forte indicadores de antigos braços de dunas ancoradas. No alinhamento em que se encontra esta duna (NE- W) é possível de se observar o desenvolvimento de extensas dunas parabólicas do tipo hairpin, mais para o interior da planície. A partir da análise comparativa entre os mapas de uso e cobertura do solo para os anos de 2005 e 2022 (Figura 3), pode-se notar um aumento significativo das residências consolidadas para o período analisado. Por outro lado, há também uma importante diminuição das áreas de dunas transgressivas com características de sedimentos livres e disponíveis para o transporte eólico. No setor norte é onde observa-se um maior aumento da concentração urbana, resultando na diminuição das áreas de dunas móveis. Ao analisar mais detalhadamente o setor norte e o interior da área mapeada, verifica-se que em 2005 predominavam as gramíneas, com a presença de traços de sedimentos livres conhecidos como rastros eólicos, conforme identificado por Lessa e Pereira (2019). Esses rastros são comuns nas áreas de planície de deflação, onde pouco favorece a acumulação sedimentar em detrimento da elevada capacidade de transporte eólico dessas áreas. Esta área específica faz parte da borda de um antigo campo de Dunas Barcanas, como mostra Fernandez et al, (2017), porém tal tipologia de duna desapareceu há mais de uma década (Lessa e Pereira, 2019; Lessa, 2020). As alterações das áreas de dunas transgressivas para áreas vegetadas pode ser um elemento indicador de transformação diretamente ligado com o aumento de áreas construídas, afetando diretamente o transporte de sedimentos da região. Percebe-se um aumento dessa vegetação mais densa e de maior porte principalmente nos arredores das áreas onde houve aumento das construções consolidadas. Esse fato pode ser um indicador de que as edificações (e a rugosidade que essas estruturas artificiais instaladas sobre as áreas anteriormente planas livres) têm dificultado uma maior atuação no transporte eólico. Os ventos alísios responsáveis por transportar sedimentos para a planície de deflação, trazem também elevado teor de aerossol marinho, com elevado teor de sais. Dessa forma, os processos costeiros eólicos inibiriam, ou pelo menos dificultariam o estabelecimento de vegetação de grande porte, uma vez que apenas as gramíneas possuem maior condição adaptativa para esses tipos de ambiente. Esses fatores corroboram não apenas para o crescimento da vegetação local, mas têm como possível consequência ser uma das ações que contribuem para a diminuição da Duna Dama Branca, conforme identificado por Pereira (2022).

Figura 1

Mapa de localização da área de estudos.

Figura 2

Mapeamento geomorfológico das dunas.

Figura 3

Mapeamento de Uso e ocupação do solo para 2005 e 2022.

Considerações Finais

O mapeamento geomorfológico de alto detalhe permitiu identificar indicadores de processos eólicos, desde os mais evidentes na paisagem até mesmo os mais discretos, que dificilmente seriam detectados por métodos convencionais. Os resultados mostraram a franca presença de depósitos eólicos de diversas formas e tamanhos entre áreas ocupadas por moradias. Por conta dessas feições identificadas, essa área é considerada um importante corredor de conexão entre o sistema praia-duna com o campo de dunas transgressivos no perímetro do Parque Estadual da Costa do Sol, porém não está protegida. Os dados de uso e cobertura do solo mostraram importante diminuição de área de dunas transgressivas e rastros eólicos num intervalo de tempo de apenas 17 anos, podendo estar associado ao crescimento urbano do recorte espacial analisado, principalmente na parte norte do polígono, onde se tem uma atividade eólica importante do sistema praial para a planície de deflação. Uma vez que os sistemas dunares são interconectados e interdependentes das suas áreas adjacentes, mesmo a proteção dos grandes campos de dunas ali presentes não está garantida, uma vez que não se tem uma adequada preservação das feições eólicas do entorno. Durante o trabalho de campo, constatou-se que a área de estudo possui uma grande quantidade de lotes à venda em meio a ocorrência de dunas que estariam associadas ao sistema eólico do PECSol. A preservação das áreas com formações de campos de dunas é de extrema importância para a dinâmica do ecossistema local, e é respaldada pela legislação que as classifica como Áreas de Proteção Permanente (APP). É crucial que os gestores locais monitorem e controlem o avanço significativo das construções sobre as feições de dunas, aprimorando os instrumentos de gestão ambiental, como as diretrizes do Projeto Orla, que o município está buscando implementar.

Agradecimentos



Referências

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