Autores
- MARIANA SILVA FIGUEIREDOUFF/IFRJEmail: marianasf@id.uff.br
- LEONARDO VOMARO WEINSTEINUFFEmail: leovomaro@gmail.com
- THAIS BAPTISTA ROCHAUFFEmail: thaisbaptista@id.uff.br
- GUILHERME BORGES FERNANDEZUFFEmail: guilhermefernandez@id.uff.br
Resumo
A configuração geomorfológica dos ambientes costeiros é influenciada por
diferentes processos, como ondas, variações do nível do mar, estrutura geológica
e intervenções humanas. O mapeamento geomorfológico é uma ferramenta essencial
para compreender a morfologia e os processos que atuam nas áreas costeiras
enquanto a análise da linha de costa é utilizada como indicador de mudanças na
dinâmica sedimentar, sendo importante para identificar áreas em risco de erosão.
Este estudo caracteriza a geomorfologia com base em fotografias aéreas e imagens
de satélite e analisa o comportamento da linha de costa utilizando a ferramenta
CASSIE no Complexo Deltaico do Rio Paraíba do Sul. Os resultados indicam a
presença de feições originadas por processos marinhos, fluviais e lagunares, com
variações ao longo da costa. A análise da linha de costa revela diferentes
tendências de erosão, estabilidade e acreção em quatro períodos.
Palavras chaves
Mapeamento geomorfológico; Linha de costa; Erosão costeira; Rio Paraíba do Sul; Normal Difference Water Index (ND
Introdução
Os ambientes costeiros apresentam sua configuração geomorfológica em função da
atuação de diferentes processos que operam desde a escala instantânea, quando as
ondas alteram continuamente a morfologia da face de praia, por exemplo, até a
escala geológica, onde as variações do nível do mar são capazes de submergir ou
expor grandes áreas, construindo a paisagem costeira. É notório que tal
configuração é delineada em virtude da atuação conjunta da estrutura geológica,
condicionantes tectônicos, aporte sedimentar, bem como do transporte litorâneo,
atuação dos ventos e da drenagem local (Carter e Woodroffe, 1994).
De fato, as áreas costeiras são caracterizadas por uma complexidade, uma vez que
sobre elas atuam os sistemas e processos do continente, do ambiente marinho e da
atmosfera, bem como por um dinamismo, dado que tais processos ocorrem e alteram
a paisagem continuamente. O contexto descrito influencia o balanço sedimentar no
litoral e consequentemente pode resultar em condições de acreção, estabilidade
ou erosão. Se a erosão costeira pode ser compreendida como uma resultante na
paisagem oriundas de fases de déficit sedimentar, é importante reconhecer que
essas podem tanto ter origem geológico-geomorfológica que expressam alterações
no litoral bem como serem frutos de intervenções antrópicas que influenciam o
balanço sedimentar local (Bulhões, 2020).
Desta forma, torna-se importante caracterizar as áreas costeiras em termos das
feições geomorfológicas que as compõem bem como compreender sob quais forçantes
tais áreas encontram-se submetidas, ou seja, observar aspectos dinâmicos
responsáveis por cenários de acreção, estabilidade ou erosão. Para os estudos
geomorfológicos de áreas costeiras a identificação da presença e também da
abrangência de feições como barreiras costeiras, deltas, dunas, lagunas ou
planícies de maré, entre outras, é o primeiro passo no sentido de se compreender
as características da morfologia como também os processos que atuam sobre uma
determinada área.
A elaboração de mapeamentos geomorfológicos traz como contribuição a
possibilidade de se determinar unidades espaciais que são definidas e
delimitadas a partir de critérios como morfologia (forma), genética (processo),
composição e estrutura. São, portanto, essenciais em estudos que tenham por
objetivo tanto a caracterização como a evolução geomorfológica. É importante,
ainda, ressaltar que os mapeamentos podem ser realizados em diversas escalas,
sendo então necessário um exercício crítico para a sua elaboração com o intuito
de verificar as feições de interesse, sua distribuição e suas características
(Bishop et al., 2012).
As pesquisas que buscam identificar cenários de acreção, estabilidade e erosão
costumam utilizar o deslocamento da linha de costa (LC) como um indicador, uma
vez que essas feições respondem diretamente às alterações da dinâmica sedimentar
costeira. Tais pesquisas encontram-se atualmente em expansão, principalmente em
virtude da crescente disponibilização de imagens orbitais com revisitas
contínuas e pelos registros feitos de qualquer parte da superfície terrestre
(Figueiredo, Rocha e Fernandez, 2022).
É necessário mencionar que identificar áreas que estejam sob condições de erosão
é de extrema relevância, em especial no contexto das consequências das mudanças
climáticas. O recuo da linha de costa representa um risco costeiro e pode estar
relacionado tanto a mudanças graduais, como o aumento do nível do mar, bem como
a ocorrência de eventos como as tempestades (Salmon, Duvat e Laurent, 2019).
Deste modo, o objetivo do presente trabalho proposto é realizar a caracterização
geomorfológica consorciada a análises do comportamento da linha de costa nas
últimas décadas em trechos selecionados do Complexo Deltaico do Rio Paraíba do
Sul.
Material e métodos
O mapeamento geomorfológico apresentado neste trabalho foi realizado utilizando
como referência as fotografias aéreas ortorretificadas do Projeto RJ-25,
desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano
de 2005. No Projeto RJ-25, as fotografias aéreas condizem especialmente para
mapeamentos na escala de detalhe de 1:25.000, em composição colorida (RGB), com
resolução de em média 5m por pixel, projetadas no sistema de coordenadas UTM
fusos 23 e 24, e referenciadas no sistema geodésico SIRGAS 2000. Para a área de
estudo do mapeamento geomorfológico foram utilizados oito ortofotomoisacos, de
modo a cobrir toda a planície costeira localizada entre as localidades de Porto
do Açu e a Barra do Furado.
Como medida de auxílio, os compilados de imagens de satélite gratuitas
provenientes da Maxar Tecnologies também foram utilizados por meio do software
do Google Earth 7.3.6, dessa forma foi possível interpretar as mudanças recentes
ocorridas na paisagem da região em decorrência da instalação de toda a
infraestrutura que envolve o Porto. Para processamento dos dados vetoriais e
matriciais, foi utilizado o software QGIS 3.16 Hannover, adotado para execução
de todas as etapas referentes ao mapeamento, desde o tratamento das ortofotos,
passando pela delimitação das feições identificadas à edição e confecção do
layout final do mapa.
O comportamento da linha de costa apresentado neste trabalho foi analisado
através da ferramenta web de código aberto CASSIE - Coastal Analyst System from
Space Imagery Engine (Almeida et al., 2021). A interface do CASSIE possibilita o
processamento em nuvem de um conjunto de imagens LANDSAT identificando o
posicionamento da linha de costa mediante o cálculo do índice Normal Difference
Water Index (NDWI) em cada imagem e realizando o cálculo da distância (positiva
ou negativa) com a LC da imagem subsequente. Foram utilizadas imagens 428
imagens LANDSAT, sendo 261 referentes ao trecho Porto do Açu e 167 ao trecho
Barra do Furado, entre os anos de 1984 e 2022. Os parâmetros de análise
utilizados foram: espaçamento entre os transectos de 500 metros, extensão dos
transectos de 1000 metros, coeficiente de limiarização 0 e percentual de nuvens
de 0%. Os dados referentes à análise da linha de costa foram realizados em
quatro períodos, cada um com a disponibilização de uma quantidade específica de
imagens.
Resultado e discussão
O mapeamento geomorfológico indica que a área de estudo é caracterizada pela
presença de morfologias originadas por processos marinhos, fluviais e lagunares.
Dessa forma, a legenda foi elaborada contemplou as classes Planície Costeira,
Planície Flúvio-marinha, Depressões lagunares, além dos Corpos hídricos e das
Drenagens afogadas. Ainda, foi delimitada uma classe de Área Antrópica,
referente a interferências humanas na paisagem como núcleos de ocupação e o
Porto do Açu, por exemplo.
No trecho sul, entre as localidades de Barra do Furado a Farol de São Tomé, a
área de estudo apresenta o predomínio de depósitos originados pela ação fluvial
e lagunar, representados nas classes de Planície Flúvio-marinha e de Depressões
lagunares. Nesse trecho há apenas uma estreita faixa de cristas de praia da
Planície Costeira, revelando o papel discreto da ação marinha no local. No
trecho central, próximo a localidade de Farol de São Tomé, as cristas de praia
passam a ser mais expressivas, gerando uma planície de cerca de 1,5 de extensão
(do interior ao litoral, aproximadamente no sentido ONO-ESE). Interessante notar
que as cristas se desenvolvem a partir de um episódio erosivo bem marcado na
paisagem, uma vez que truncam os Corpos hídricos e a Planície Flúvio-marinha
existentes em seu reverso. Tal dinâmica é associada ao deslocamento da foz do
Rio Paraíba do Sul, que migrou em direção a norte conforme discorrido por Silva
(1987). No trecho norte, entre as localidades de Farol de São Tomé a Porto do
Açu, os depósitos originados pela ação marinha passam a dominar a paisagem,
juntamente com os processos lagunares, evidenciados pela presença da classe de
Depósitos lagunares. Nessa área são encontradas as classes de Cristas de praia e
Esporões de forma intercalada, que indicam a alternância ora do predomínio de
transporte litorâneo perpendicular, ora do predomínio do transporte litorâneo
transversal à costa, conforme discorrido por Figueiredo et al. (2022).
Os resultados referentes ao comportamento da linha de costa para o litoral
analisado serão apresentados de acordo com as suas tendências gerais expressas
em cada um dos períodos estabelecidos para as localidades de Barra do Furado e
Porto do Açu. No primeiro período analisado (de maio de 1984 a junho de 1994) os
transectos na localidade de Barra do Furado apresentam-se majoritariamente sob
as condições de erosão crítica, com exceção apenas de quatro na parte sul que
mostraram-se sob condições de erosão ou estabilidade. No segundo período
analisado (junho de 1994 a julho de 2004) o local deixa de ser majoritariamente
caracterizado pelos transectos com erosão crítica e passa a apresentar
transectos com estabilidade na parte norte e acreção na parte sul. No terceiro
período analisado (julho de 2004 a setembro de 2014), o panorama se mostra
similar ao do período anterior, porém não há mais transectos de erosão crítica
na parte sul. Finalmente, no quarto período analisado (setembro de 2014 a
setembro de 2022), a parte norte possui transectos com erosão e erosão crítica
enquanto a parte sul possui apenas transectos em acreção ou estabilidade.
No primeiro período analisado (de maio de 1984 a junho de 1994) os transectos na
localidade de Porto do Açu apresentam-se majoritariamente sob as condições de
estabilidade ou acreção, com exceção apenas de três na parte sul que mostraram-
se sob condições de erosão. No segundo período analisado (junho de 1994 a julho
de 2004) a parte norte continua apresentando condições de acreção entretanto a
parte sul mostra que o litoral passa a estar sob condições de erosão crítica. No
terceiro período analisado (julho de 2004 a setembro de 2014), o panorama se
mostra similar ao do período anterior, com a presença de um transecto no setor
norte sob condições de erosão crítica. Finalmente, no quarto período analisado
(setembro de 2014 a setembro de 2022), o cenário se altera novamente, quando se
observa um quadro de acreção na parte sul que se mostrava em condições de erosão
crítica nos dois períodos anteriores. Quanto a parte norte, que mostra um
cenário de estabilidade, não se deve levar em consideração esse resultado visto
que em todos os testes realizados os cálculos realizados pela ferramenta
retornaram dados vazios, o que significa que o resultado qualitativo da
estabilidade apontada não corresponde a uma identificação de manutenção da linha
de costa neste setor durante o período em questão.
Considerações Finais
Os ambientes costeiros são influenciados por diversos processos e fatores, como a
atuação das ondas, variações do nível do mar, estrutura geológica, condicionantes
tectônicos, aporte sedimentar, transporte litorâneo, ventos e drenagem local. A
configuração geomorfológica dos ambientes costeiros é resultado da interação
desses processos e fatores, e pode variar ao longo do tempo. O mapeamento
geomorfológico revelou o predomínio dos processos marinhos, fluviais e lagunares
em cada trecho da área de estudo, com destaque para as classes de Planície
Costeira, Planície Flúvio-marinha e Depressões lagunares. O deslocamento da linha
de costa é frequentemente usado como indicador de acreção, estabilidade ou erosão
costeira. A disponibilidade de imagens orbitais e ferramentas de análise remota
tem impulsionado o estudo dessas mudanças. A análise do comportamento da linha de
costa revelou tendências de erosão, estabilidade e acreção ao longo dos períodos
analisados. Merece destaque a tendência à erosão na parte norte e a tendência à
acreção na parte sul tanto da localidade de Barra do Furado como também na de
Porto do Açu ao longo dos quatro períodos analisados.
Agradecimentos
A autora Mariana Silva Figueiredo agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de Pós-Doutorado Junior (Processo nº:
152310/2022-3).
Referências
ALMEIDA, L. P. et al. Coastal Analyst System from Space Imagery Engine (CASSIE): Shoreline management module. Environmental Modelling and Software, v. 140, n. March, p. 1–11, 2021.
BISHOP, M. P. et al. Geospatial technologies and digital geomorphological mapping: Concepts, issues and research. Geomorphology, v. 137, n. 1, p. 5–26, 15 jan. 2012.
BULHÕES, E. Erosão costeira e soluções para a defesa do litoral. In: MUEHE, D.; LINS-DE-BARROS, F. M.; PINHEIRO, L. (Eds.). . Geografia Marinha: oceanos e costas na perspectiva de geógrafos. [s.l: s.n.]. p. 655–688.
CARTER, R. W. G.; WOODROFFE, C. D. Coastal evolution: an introduction. In: Coastal Evolution. [s.l: s.n.]. .
FIGUEIREDO, M. S. et al. Morphostratigraphy of barrier spits and beach ridges at the east margin of Salgada Lagoon (Southeast Brazil). Journal of South American Earth Sciences, v. 116, 2022.
FIGUEIREDO, M. S.; ROCHA, T. B. DA; FERNANDEZ, G. B. COMPORTAMENTO DA LINHA DE COSTA NO LITORAL SUL DE SÃO JOÃO BARRA (RJ): ANÁLISES PRELIMINARES COM BASE DA FERRAMENTA WEB DE CÓDIGO ABERTO CASSIE - COASTAL ANALYST SYSTEM FROM SPACE IMAGERY ENGINEXIX Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. Anais...2022
SALMON, C.; DUVAT, V. K. E.; LAURENT, V. Human- and climate-driven shoreline changes on a remote mountainous tropical Pacific Island: Tubuai, French Polynesia. Anthropocene, v. 25, p. 100191, 2019.
SILVA, C. G. Estudo da Evolução Geológica e Geomorfológica da Região da Lagoa Feia. [s.l.] Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1987.