• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Aspectos Fisiográficos de Nascentes em Descoberto (MG): entre os usos e a proteção ambiental

Autores

  • NICOLLE RODRIGUES GRIZENDI ROCHAUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: nic.grizendi@gmail.com
  • MIRELLA NAZARETH DE MOURAUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: mirellanm92@hotmail.com
  • CAMILA TEIXEIRA GOMES VIEIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: camilatex00@gmail.com
  • MIGUEL FERNANDES FELIPPEUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: miguel.felippe@ich.ufjf.br

Resumo

A nascente é um hidrossistema complexo que vai além de um ponto de exfiltração. De extrema importância para a manutenção de bacias hidrográficas, também possui função ecológica e social. É nesse contexto que o atual estudo procura abordar as características fisiográficas e os usos de nascentes localizadas na zona rural de Descoberto (MG). Por meio de revisão bibliográfica, SIG, trabalhos de campo e relatos da comunidade, foi possível caracterizar e avaliar 11 nascentes. A melhor compreensão dessas nascentes possibilita o entendimento das mesmas, etapa essencial para incentivar a elaboração de novas políticas públicas e o aprimoramento da gestão hídrica a fim de garantir acesso à água para todos.

Palavras chaves

mananciais; hidrossistemas; geomorfologia ambiental; nascentes ; proteção ambiental

Introdução

As nascentes são consideradas sistemas ambientais que apresentam grande complexidade em sua gênese e dinâmica, de forma que, para compreendê-las é necessário englobar sua pluralidade estrutural e funcional. Como sistemas, elas possuem uma totalidade própria, formada pela trama de elementos internos e por seus próprios fluxos de matéria e energia. Levando em conta essa complexidade, as nascentes não podem ser simplificadas a apenas um ponto ou área onde exfiltra água; sua definição deve englobar todos seus elementos materiais e imateriais (FELIPPE, 2009). Para além disso, constituem-se como subsistemas do sistema hidrológico, de modo que seus fluxos na fase superficial são integrados a uma rede de drenagem. Uma nascente abrange, assim, processos hidrológicos, hidrogeológicos e geomorfológicos (FELIPPE, 2009; FELIPPE e MAGALHÃES, 2013). Destarte, deve ser salientado o papel das nascentes como elementos de extrema importância para a manutenção da bacia hidrográfica, sendo fontes de alimentação dos corpos hídricos e da vida. Assim, quando se propõe a discussão dos atributos que as compõem, sua morfologia e suas outras características fisiográficas, possibilita-se o traçado de estratégias de manejo e conservação mais específicas para suas peculiaridades (MOURA, 2019; MOURA e FELIPPE, 2022). Dessa forma, o atual trabalho tem como objetivo realizar uma caracterização fisiográfica em nascentes de Descoberto (MG), a fim de entender seus diferentes atributos físicos e de funcionamento, assim como apontar os diversos usos desses hidrossistemas. Ressalta-se a relevância desse estudo pois onde as nascentes estão localizadas, o tratamento de água fornecido pela Companhia de Saneamento em Minas Gerais (COPASA) não as atende. Portanto, é essencial estudá-las com a finalidade de conservá-las e garantir a saúde hídrica e a continuidade do acesso a água de qualidade pela comunidade local. ÁREA DE ESTUDO As nascentes estudadas estão situadas na área rural de Descoberto (MG), na região da Zona da Mata Mineira, no contexto geoecológico do Brasil Tropical Atlântico. Atualmente com uma área municipal equivalente a 213,168 km² e 5.044 habitantes (IBGE, 2021). Quanto ao uso e ocupação do solo, pode ser destacado: a atividade de pecuária leiteira; agricultura familiar de produtos como feijão, arroz, café, cana-de-açúcar, mandioca, entre outros.; ocorrências esporádicas de avicultura e suinocultura de subsistência; intensa atividade minerária voltada a extração de bauxita (FEAM, CDTN e CPRM,2006). A classificação climatológica, caracteriza o município como “clima tropical de savana com estação seca de inverno” (Aw), que exibe um inverno seco e um verão quente e chuvoso (KOPPEN-GEIGER, 1846, 1940; SÁ JUNIOR, 2009). Descoberto localiza-se nos domínios da Megassequência Andrelândia e do Complexo de Juiz de Fora. O primeiro é composto por gnaisses granatíferos e o segundo é formado por ortognaisses e metabasitos juntamente a paragnaisses (COMIG,2002). No que se refere a sua geomorfologia, a área de estudo está inserida na Serra da Mantiqueira Setentrional, mais especificamente nas Serranias da Zona da Mata Mineira que ostenta modelados de dissecação homogênea em morros e cristas (MARQUES NETO,FERRARO,ZAIDAN,2016). As nascentes estão localizadas na bacia hidrográfica do ribeirão do Grama, e auxiliam na subsistência da bacia, pois eventualmente suas águas deságuam no ribeirão do Grama que é o principal curso d’água da bacia. Nota-se que o córrego é responsável pelo abastecimento de água da população rural e urbana de Descoberto, São João Nepomuceno e Matinha (IGAM,2018;COPASA,2019). Já as águas subterrâneas se apresentam em um sistema aquífero composto, sendo eles: granular que ocorre nas camadas superficiais, que é pouco espesso e livre; o segundo ocorre nas zonas fraturadas da rocha matriz e é caracterizado como semi confinado e o nível de água apresenta-se sujeito a variações, porém contíguo às camadas de base do escoamento superficial(CPRM,2005).

Material e métodos

Primeiramente foi realizada uma revisão bibliográfica buscando trabalhos que abordassem nascentes e suas complexidades, além de informações acerca da área de estudo, que foram essenciais para a seleção de parâmetros de caracterização fisiográfica a serem estudados (TABELA 1). Deve ser salientado que parâmetros como sazonalidade e mobilidade são de suma importância na caracterização fisiográfica de nascentes como é mencionado por Felippe (2013) e Rocha, Toledo e Felippe (2021). Porém, como só foram realizados trabalhos de campo no período das chuvas, o atual trabalho não poderá abarcar esses parâmetros. Outra etapa foi a visualização da área através de imagens de satélite fornecidas pelo programa Google Earth Pro. Isso auxiliou na seleção de áreas de interesse dentro da bacia hidrográfica do ribeirão do Grama para que fossem visitadas ao longo de trabalhos de campo para a seleção das nascentes a serem estudadas. Os primeiros trabalhos de campo ocorreram nas datas 16/01/2023 e 17/01/2023, nos quais foram encontradas as 11 nascentes que serão tratadas no atual estudo. Posteriormente ainda foi realizada uma terceira viagem de campo em 04/03/2023 que auxiliou para confirmar e adquirir ainda mais dados acerca dos locais selecionados. Em todos os campos foram realizadas fotografias; anotações de caderneta de campo e croquis, com a finalidade de descrever características fisiográficas possíveis a olho nú como por exemplo tipo de vegetação e dossel, a presença de afloramentos rochosos, a morfologia, tipo de exfiltração; além da aquisição de relatos de moradores, proprietários e trabalhadores locais. Ao longo da viagem de campo, também foram realizadas marcações das coordenadas geográficas das nascentes através do equipamento GPS portátil Garmin. Posteriormente os dados foram transferidos para o computador utilizando o programa GPS TrackMaker, que possibilita a criação de kmls e shapefiles para serem utilizados nos programas gratuitos Google Earth Pro e Qgis (foi utilizada a versão 3.16.10). Isso contribuiu para a criação de mapas e também a observação de outras características importantes como a localização das nascentes em compartimentos do relevo. Quanto aos usos que ocorrem das nascentes e dos terrenos em que estão inseridas, foram levantados a partir dos relatos supracitados, que foram coletados em trabalho de campo. Podem envolver pecuária e dessedentação de animais, agricultura, abastecimento de residências, entre outros.

Resultado e discussão

Para a melhor sistematização das informações, optou-se por discutir as nascentes de acordo com sua localização e não por parâmetros de semelhança. A nascente P112 (IMAGEM 1) está localizada em baixa vertente. Deve ser destacado a facilidade de acesso até esta nascente, dada sua localização no compartimento de relevo e a existência de uma estrada rural, que perpassa a alguns metros acima, na margem direita. Ademais, a vegetação é intercalada por pasto, samambaias, vegetação de gramíneas e arbustivas e algumas árvores de maior porte em menor número, o que promove uma vegetação ainda herbácea e um dossel semi- aberto próximo da área de exfiltração, sem evidências de afloramento rochoso. Em termos de morfologia, a nascente é, originalmente, em concavidade e sua exfiltração, difusa. Todavia, o proprietário do terreno no intuito de proteger a nascente, construiu uma estrutura de concreto, tampando e barrando o fluxo a nascente, drenando-a por meio de um cano. Dessarte, ao se levar em consideração a exfiltração que ocorre por meio do cano, esta nascente poderia ser considerada como pontual. Outro ponto que corrobora com a classificação da nascente como difusa, e não pontual, é o fato de que, por apresentar uma alta vazão, a exfiltração desta nascente não se resume a apenas o cano, uma vez que a água consegue percolar por fraturas no próprio concreto, exfiltrando por baixo da construção e, consequentemente, formando uma pequena área úmida ao redor do concreto e, posteriormente, forma uma canal que irá se integrar a rede de drenagem. Também destaca-se que entre os anos de 2012 e 2018, a margem esquerda sofreu pressões ambientais oriundas da mineração de bauxita. Após o fim do contrato a empresa responsável pela mineração realizou o plantio de braquiárias, que posteriormente culminou em erosão laminar. Além disso, segundo o funcionário local, o terreno se demonstra improdutivo após a exploração. Todavia, já se percebe uma mobilização por parte da população local para o reflorestamento fazendo-se uso de plantas frutíferas e florais de maior porte, já sendo notória uma mudança na paisagem local e ao redor da nascente, que apresenta uma vegetação sub-lenhosa mesmo ainda que não se abarque toda a APP desta. Atualmente a água desta nascente é usada para abastecimento de todas as infra- estruturas no terreno, em que se enquadram lagos artificiais, piscina e casas. A nascente P118 (IMAGEM 1) está localizada no topo da vertente, em uma concavidade onde a vegetação presente é lenhosa e de dossel fechado ao redor da nascente. Há presença de afloramento rochoso, que promove uma ruptura na declividade na vertente. A água exfiltra, horizontalmente, através de vários pontos da rocha mãe, demonstrando uma exfiltração múltipla de morfologia em afloramento, que após a ruptura de declive, forma um canal que se conecta a rede de drenagem. O uso dessa nascente está direcionado a dessedentação dos animais do proprietário do terreno, assim como é utilizada para alimentar a rede de drenagem da própria residência à jusante na baixa vertente. A nascente P119, assim como a P112, é de fácil acesso, dada a sua proximidade com a estrada, e é localizada na baixa vertente. Ao redor, a vegetação apresenta-se majoritariamente herbácea de pasto e dossel aberto. Dado ao pequeno gradiente, forma-se uma pequena, porém notória concavidade onde a exfiltração ocorre próximo à rocha. Percebe-se então que a nascente exibe pequenos afloramentos rochosos e devido a seu tipo de exfiltração difusa e sua morfologia côncava, estrutura-se uma área úmida. Até então, essa nascente não possui um uso humano. A nascente P124 está localizada na cabeceira, e apresenta majoritariamente vegetação de pasto (herbácea) e dossel aberto, de fácil acesso para humanos e animais. Destaca-se que ao redor não há afloramentos rochosos e sua morfologia é em concavidade e com exfiltração difusa, o que forma uma área úmida. Ademais, a P124 está localizada em um terreno onde existe um açude utilizado para pecuária e, esporadicamente, lazer, e uma cachoeira à jusante. Ou seja, é uma nascente que sofre com constante pisoteamento. Ainda que a área de exfiltração não tenha uso, as águas que afloram podem auxiliar na manutenção do açude e do curso d’água que constitui a cachoeira. As nascentes P144 e P125, situam-se no ponto mais alto da cabeceira, muito próximas uma da outra e também estão no mesmo terreno que a nascente P124, porém esta se localiza um pouco mais a baixo . Nota-se que quanto a sua vegetação a área é uma transição entre o pasto (herbácea) e lenhosa, com dossel semi- aberto. Ademais, a nascente P144 exfiltra pontual e diretamente do tronco de uma árvore, originando uma morfologia em canal. Ressalta-se que o ponto de afloramento desta nascente, está situado ao lado de um afloramento rochoso. Já a P125 não possui afloramento rochoso ao redor do ponto de exfiltração que se apresenta também como pontual e morfologia em canal. Além disso, as nascentes P144 e 125 formam um fluxo mais concentrado, pois convergem para o mesmo canal, formando um ponto de confluência. Com isso, as nascentes apresentam usos bastante similares, sendo ambas responsáveis pelo abastecimento do açude ali construído. As nascentes P128 (IMAGEM 1) e P130 localizam-se bem ao norte da cabeceira de drenagem e apresentam vegetação lenhosa de dossel fechado, sem afloramentos rochosos aparentes. A nascente P128 apresenta morfologia em duto horizontal e a P130 em canal. Todavia, deve-se ressaltar que a P130, possui exfiltração pontual devido a um cano instalado para concentrar o seu fluxo. Entretanto, a água desta nascente acaba exfiltrando por baixo do cano, tendo-se assim, na prática, dois pontos de exfiltração, e não apenas um. Deve ser salientado que as duas nascentes exibem exfiltração pontual. Quanto ao uso, são constantemente utilizadas para abastecimento de duas moradias localizadas à jusante, além de dessedentação de animais silvestres já vistas pelos moradores. As nascentes P133 (IMAGEM 1), P134 e P136 localizam-se no mesmo terreno, aponta- se que todas estão muito próximas uma das outras e com características semelhantes, sendo todas localizadas em média vertente. As três nascentes apresentam predomínio de vegetação de pasto (herbácea) e dossel aberto, mas também demonstram, em partes mais específicas, vegetação característica de áreas úmidas, ademais, nenhuma das três nascentes apresenta afloramentos rochosos. Suas morfologias são em concavidade, com exfiltração difusa. O terreno é utilizado para criação de gado, e assim como a 124 é altamente provável que ocorra o pisoteamento. Outrossim, pela ausência de proteção e pelo fato da formação do relevo não prejudicar o acesso dos animais e/ou de pessoas, uma vez que sua declividade é suave e a vegetação é de pequeno porte, pode haver presença de excrementos e por conseguinte pode comprometer a qualidade da água.

TABELA 1

Parâmetros DE CARACTERIZAÇÃO DE NASCENTES

IMAGEM 1

Mosaico de fotografias das nascentes P112; P118; P128; P133.

IMAGEM 2

Mapa das Nascentes selecionadas na Bacia do Córrego Grama

Considerações Finais

Quando se busca a proteção dos corpos hídricos é imprescindível discutir as nascentes, essenciais para a manutenção de sistemas fluviais. Para preservá-las e geri-las, também é fundamental entendê-las. Outrossim, deve ser salientado que assim como a caracterização fisiográfica, a investigação dos usos das nascentes tem importância considerável para compreender esses sistemas como um todo. Asim como, interpretar as influências que as nascentes recebem, que com o passar do tempo também podem alterá-las. Ao comparar as 11 nascentes, percebe-se que, embora elas apresentam distintas características hidrogeomorfológicas, seus usos são bem similares, principalmente ao que diz respeito ao abastecimento de infra-estruturas locais e dessedentação de animais. Com base nos relatos dos proprietários, foi notório de se observar que as características fisiográficas das nascentes não são nem cogitadas na hora de se atribuir usos às nascentes. É nesta conjuntura, que cabe a este trabalho, levar à população, o conhecimento necessário para que os usuários entendam, ainda que de forma lúdica, como suas nascentes se comportam e porque se comportam de tal maneira. Uma vez que a população possa ter mais acesso ao conhecimento de nascentes de modo não reducionista e ainda compreender suas particularidades, esses terão uma melhor capacidade de realizar uma gestão ambiental eficiente para proteger as nascentes, que possuem inestimável valor para a manutenção da qualidade de vida local. Indubitavelmente, os estudos acerca de nascentes estão avançando ainda que gradualmente, provocando questionamentos mas também respostas e incentivando uma nova visão holística a respeito de estudos de hidrologia, hidrogeomorfologia e ambientais.

Agradecimentos



Referências

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