• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Estudos sobre a conectividade fluvial na Bacia do Rio São Pedro, Região Norte Fluminense

Autores

  • GIOVANNA SILVA RAMOSUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: gr.giovannaramos@gmail.com
  • GUSTAVO KISS P. CABRALUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: kisspgc@gmail.com
  • NATALIA MARTINS PEIXOTOUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: natpeixoto3@gmail.com
  • LEONARDO OLIVEIRA SILVAUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: leugeo25@gmail.com
  • MÔNICA SANTOS MARÇALUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: monicamarcal@gmail.com

Resumo

A conectividade fluvial é um aporte teórico-metodológico para compreensão dos processos de transmissão de energia e matéria que ajudam no entendimento da dinâmica dos processos naturais e antropogênicos atuantes na distribuição de água e do sedimento na bacia hidrográfica. O trabalho se propõe a mapear os bloqueios existentes na Bacia do rio São Pedro, importante afluente da margem esquerda do rio Macaé (RJ). Os tipos de bloqueios foram identificados no Estilo Fluvial Vale Não Confinado, Meandrante, sendo eles: depósitos de encosta, planícies e terraços fluviais, áreas urbanas e estradas. Tanto os depósitos naturais como os antropogênicos funcionam como bloqueios, mas os de depósitos sedimentares são importantes arquivos ambientais e podem subsidiar a compreensão dos controladores atuantes na conectividade fluvial da bacia e na trajetória evolutiva dos ajustes e mudanças dos ambientes fluviais.

Palavras chaves

Conectividade Lateral; Tipos de Bloqueios; Estilos Fluviais; Bloqueios Naturais; Bloqueios Antrópicos

Introdução

As paisagens fluviais estão atreladas a diversos fatores e condicionantes ambientais que ocorrem na bacia de drenagem, onde as especificidades podem impactar, em maior ou menor escalas, o funcionamento e as configurações dos processos fluviais associados. O conceito de conectividade fluvial propõe examinar a maneira pela qual os rios desempenham, através de suas redes de conexões, as trocas de energia e materiais dentro e entre os diversos compartimentos fluviais (FRYIRS et al., 2007). Assim, compondo-se de maneira integrada, qualquer descontinuidade no fluxo do curso do rio pode se apresentar como um bloqueio ou impedimento que modifica (ou não) o transporte de sedimentos e altera os diferentes compartimentos do rio (FRYIRS, 2013; WOHL et. al, 2015). Ou seja, os bloqueios configuram-se como elementos da paisagem fluvial que podem condicionar a forma do fluxo determinando a maneira pela qual ocorrem as estocagens e distribuição dos sedimentos ao longo do tempo e determinando a sua evolução. Esses bloqueios podem ser feições geomorfológicas naturais e/ou antropogênicas, podendo se configurarem como: zonas tampão (buffer) que impedem a entrada de sedimentos na rede de canais e perturbam a conectividade lateral; barreiras (barriers) que estão presentes no interior da rede de canais e influenciam a conectividade longitudinal; e como zonas de coberturas (blankets) que rompem as ligações verticais e podem ocorrer ao longo do canal e sua planície de inundação (BRIERLEY, et al., 2006; FRYIRS, et al. 2007b). A conectividade lateral refere- se a relação encosta-canal, a longitudinal a relação montante-jusante do canal e a vertical a relação do canal com o lençol freático). Elas afetam em diferentes escalas espaciais e temporais as dinâmicas do rio e estabelecem o ritmo de evolução dos ambientes fluviais (FRYIRS et al., 2007). Diferentes fatores poderão atuar como propulsores de (des)conectividade na bacia, desde o clima até movimentos tectônicos e ações humanas que irão agir em diferentes escalas temporais e impactar em diferentes magnitudes condicionando a efetividade de dinâmicas geomorfológicas antes à eventos de perturbação e, também, na periodicidade e duração de certas entradas de energias. (FRYIRS et al., 2007). No entanto, as escalas temporais nas relações de (des)conectividade longitudinal e lateral são bem distintas, onde a primeira relaciona-se às dinâmicas atuais entre água e sedimentos. Já a conectividade lateral configura- se na relação entre o canal e planície de inundação e entre o canal e as encostas podendo compreender períodos desde o Pleistoceno até o atual, onde irão avaliar a capacidade do rio de retrabalhar os materiais derivados de deslizamentos das encostas. A caracterização dessas relações auxilia na compreensão sobre as estocagens e distribuição dos sedimentos e no processo de evolução dos ambientes fluviais (FRYIRS, 2013). O objetivo do trabalho é apresentar o mapeamento dos tipos de bloqueios laterais na bacia do rio São Pedro, maior afluente do rio Macaé, e caracterizá-los de acordo com as relações com os estilos fluviais identificados na bacia (MARÇAL et al., 2017). O rio São Pedro está localizado no norte fluminense e é o maior afluente pela margem esquerda do rio Macaé, onde sua bacia tem área aproximada de 479 Km² (Figura 1). As suas nascentes estão na vertente atlântica de Serra do Mar, sendo atualmente uma área caracterizada por um longo processo de desmatamento para atender a diversas atividades da sociedade que remontam ao período colonial, onde o café e a cana de açúcar deram espaço, atualmente, às atividades de pecuária de corte e leite, além de outras atividades secundárias voltadas para atender a indústria do petróleo com sede na cidade de Macaé, a 50 quilômetros do distrito de Glicério.

Material e métodos

O mapeamento dos tipos de bloqueios laterais foi baseado na relação existente com os estilos fluviais da bacia do rio São Pedro, identificados por Marçal et al. (2017), de forma a direcionar o mapeamento para os trechos nos quais as feições deposicionais fluviais e de encosta atuam como elementos de maior desconexão entre encosta-canal e planície fluvial-canal. De acordo com Marçal et. al. (2017), foram identificados 6 estilos fluviais, sendo eles: EF Confinado com Planícies Ocasionais, Leito Rochoso; EF Confinado com Planícies Ocasionais, Leito de Cascalho; EF Parcialmente Confinado, Leito de Areia; EF Não Confinado, Meandrante; EF Não Confinado, Baixa Sinuosidade e EF Não Confinado, Pântano. O mapeamento geomorfológico de detalhe foi realizado no Estilo Fluvial Vale Não Confinado Meandrante por apresentar amplos depósitos fluviais em forma de planícies e terraços fluviais, além da ocorrência de colúvios (depósitos de encostas). A partir da base cartográfica de 1:50.000 do IBGE foi realizada a extração da rede de drenagem e das curvas de nível da bacia do rio São Pedro através do software ArcGis 10.8 onde, com auxílio das imagens de satélite Alos Palsar, adquiridas na plataforma Alaska Satellite Facility - Distributed Active Archive Center, foi feita a delimitação da bacia do Rio São Pedro. Posteriormente, tais dados foram convertidos do arquivo shp para o kml, compatível com o software Google Earth Pro, a fim de fazer mapeamento geomorfológico de detalhe. Para caracterizar os bloqueios laterais em relação aos estilos fluviais, foi elaborada uma tabela, com base em Fryirs (2007), identificando e descrevendo os 3 tipos de origem natural: 1) planícies de inundação; 2) Terraços; 3) Colúvio; 4) Tributários preenchidos; e 2 tipos de origem antropogênica: 1) áreas urbanas; 2) estradas.

Resultado e discussão

Com a definição dos Estilos Fluviais na Bacia do rio São Pedro, por Marçal et al., (2017), foi possível selecionar os segmentos fluviais com a formação de depósitos fluviais que funcionam como bloqueadores laterais ao canal, interrompendo o fluxo de água e sedimentos que vem das encostas. Os depósitos fluviais do tipo planície de inundação e terraços fluviais ocorrem lateralmente aos canais fluviais e o tipo de confinamento do vale irá controlar as dimensões laterais e longitudinais na formação desses tipos de depósitos. A figura 1 apresenta a localização da Bacia do rio São Pedro e a espacialização dos seis estilos identificados no canal principal, sendo eles: EF Vale Confinado com Planícies Ocasionais, Leito Rochoso; EF Vale Confinado com Planícies Ocasionais, Leito de Cascalho; EF Vale Parcialmente Confinado, Leito de Areia; EF Vale Não Confinado, Meandrante; EF Vale Não Confinado, Baixa Sinuosidade e EF Vale Não Confinado, Pântano (MARÇAL et al., 2017). Dentre os estilos fluviais identificados no canal principal do rio São Pedro, destaca-se o EF Vale Não Confinado Meandrante por estar inserido em uma área de transição de compartimentos geomorfológicos, variando de escarpas serranas para a presença do domínio colinoso. Essa transição de relevo permite a formação de amplos depósitos fluviais devido ao maior alargamento dos vales formando expressivas áreas de planícies de inundação, onde atualmente são ocupadas por grandes fazendas particulares voltadas à atividade de pecuária leiteira e de corte. A exemplo do que ocorreu nas áreas das amplas planícies de inundação do rio Macaé, o rio São Pedro que é seu maior afluente pela margem esquerda, teve seu canal e vários afluentes retificados entre as décadas de 1960 e 1980 pelo extinto Departamento de Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), com finalidade de enxugar a área de planície e disponibilizar terras para as atividades voltadas aos grandes proprietários de terra (ASSUMPÇÃO e MARÇAL, 2012). Apesar da justificativa para a realização dessas obras serem para eliminação de focos de doenças como a malária, estas tiveram fortes implicações sobre a dinâmica dos processos fluviais. A conectividade lateral entre a encosta e o canal fluvial pode ser interrompida por tipos de bloqueios que atuam como importantes elementos de (des)conexão entre canal-encosta e canal-planície, ao impedir ou dificultar a entrada de sedimentos provenientes das encostas na rede de drenagem, funcionando como áreas de estocagem de sedimentos (FRYIRS et al.,2007). O Quadro 1 apresenta a caracterização dos principais tipos de bloqueios laterais encontrados na Bacia do rio São Pedro e a figura 2 corresponde ao mapeamento dos tipos de bloqueios na área selecionada para o estudo. Os tipos de bloqueios mapeados são de origem natural (planície de inundação, terraços fluviais, colúvios tributários preenchidos; enquanto os de origem antrópica são as estradas e áreas urbanas. Na figura 2 pode-se observar a formação de dois níveis de terraços fluviais, sendo o T1 o terraço fluvial mais antigo e o T2 o mais recente. Na margem direita do canal principal há predomínio dos dois níveis de terraços fluviais e das planícies de inundação. Já na margem esquerda, há a presença de terraços fluviais, mas posicionados próximos aos terraços superiores e às áreas urbanas. Cabe destacar que as planícies de inundação são áreas de acúmulo de sedimento que se instalam entre a margem do canal fluvial e a margem do vale, já os terraços fluviais se configuram como as antigas planícies de inundação que, devido a uma incisão do rio em seu canal devido a ajustes dos seus processos fluviais, foram abandonadas. Ambas se caracterizam por estarem próximas ao curso do rio e estão sob seu controle, uma vez que sua cheia significa o rompimento da condição de equilíbrio destes, em razão da quantidade de sedimento e água. Entretanto, tais feições estão sob diferentes magnitudes, uma vez que as planícies de inundação têm seu equilíbrio rompido mais facilmente, enquanto para romper o equilíbrio do terraço fluvial é preciso um aumento de vazão mais intenso. Os depósitos de sopé de encosta/ colúvios são feições adjacentes às planícies de inundação e predominantes em áreas de alargamentos dos vales e provenientes dos processos erosivos de encosta, como ravinas, voçorocas e movimentos de massa. Tais depósitos/feições irão atuar como barreiras que impedem a chegada dos sedimentos até o canal, implicando em uma barreira quanto à interação encosta- canal. Tal tipo de bloqueio é presente nas duas margens do canal do rio São Pedro de maneira descontínua, podendo estar associado a planícies e terraços fluviais. Os tributários preenchidos se configuram como um curso de rio afluente que não efetiva a sua conexão ao rio principal em razão de algum tipo de bloqueio, que pode ser um terraço fluvial ou planície de inundação. Tal feição se apresenta como um canal pouco definido e que se encontra preso atrás das feições já citadas, desconectando a rede de canais tributários do canal principal da bacia em chuvas de baixa magnitude. Para chuvas de magnitude moderada a alta, essas feições voltam a se conectar ao canal principal. No trecho analisado, os tributários preenchidos estão presentes na margem direita do canal fluvial de maneira descontínua, se localizando atrás de planícies de inundação e dos terraços (figura 2). Já os bloqueios antrópicos abarcam a construção de áreas urbanas e estradas, estes tipos de bloqueios modificam a morfologia local e interferem nas dinâmicas sedimentares da bacia, se caracterizando, então, como bloqueios na conectividade fluvial. No rio São Pedro as áreas urbanas se apresentam de maneira mais densa em seu baixo curso sobre a margem esquerda do canal, de maneira descontínua, com núcleos urbanos como o distrito de Glicério e as localidades de Trapiche e Óleo. Boa parte da ocupação urbana ocorre principalmente nos terraços e, em menor densidade nas planícies de inundação (figura 2), além de áreas menos íngremes dos colúvios, provocando alterações necessárias para construções do tipo, como um aplainamento do terreno, corte e uma cimentação deste, diminuindo a permeabilidade do solo e, muitas vezes, alterando córregos e os degradando a fim de atender demandas urbanísticas, modificando as dinâmicas de sedimento que ocorrem. Em casos de baixos níveis de precipitações há a dificuldade da transferência de sedimentos entre encosta e rio, entretanto, ante chuvas de alta magnitude ocorre uma facilitação quanto ao escoamento superficial, aumentando o aporte sedimentar para o rio. Não somente, a construção de estradas também dificulta a conectividade dos sedimentos das encostas até o curso do rio, uma vez que faz um corte nesta, impedindo sua interação de troca de sedimentos com o canal fluvial. A existência das estradas ali implica em uma barreira no escoamento de água e sedimento, podendo tais bloqueios serem rompidos somente sob chuvas de elevada magnitude. Não obstante, a construção de uma estrada implica em uma cimentação e compactação do solo, diminuindo a porosidade e permeabilidade do solo.

Figura 1

Área da bacia do rio São Pedro e a espacialização dos estilos fluviais identificados por Marçal et al., (2017). Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 1

Relação tipos de bloqueios laterais e sua relação com o estilo fluvial selecionado para bacia do rio São Pedro. Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 2

Mapeamento dos tipos de bloqueios no rio São Pedro no EF Vale Não Confinado, Meandrante. Fonte: Elaborado pelos autores.

Considerações Finais

A investigação da conectividade fluvial de uma bacia hidrográfica é importante para se entender as áreas que se comportam de forma sensível ante a perturbações que ocorrem dentro e entre seus compartimentos de relevo, com reflexos nos segmentos de rios garantindo, com isso, a observação da complexidade e estruturação do ambiente fluvial. O mapeamento dos tipos de bloqueios no rio São Pedro apontou a formação de importantes feições geomorfológicas que interagem com as de formação nas encostas, mas que podem representar respostas às dinâmicas dos ajustes dos processos fluviais devido às interferências naturais e antrópicas impostas ao longo do tempo na área da bacia e nos rios. Os estudos sobre os tipos de bloqueios fluviais aqui apresentados são importantes para subsidiar uma análise mais complexa sobre a paleoconectividade e a conectividade atual da Bacia do rio São Pedro. Essas informações em conjunto irão permitir compreender as configurações e evolução da paisagem fluvial e de que forma as interferências naturais e antrópicas podem estar interferindo no processo e na trajetória de evolução do sistema fluvial da bacia. Por fim, destaca-se que o rio São Pedro apresenta trechos de rios na qual são importantes arquivos ambientais que ajudam na análise da conectividade fluvial da bacia.

Agradecimentos

À FAPERJ pela concessão da bolsa de Iniciação Científica à primeira autora. Ao CNPQ pela concessão das bolsas de Iniciação Científica ao segundo e terceiro autores e pelo auxílio concedido à pesquisa.

Referências

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