Autores
- GIOVANNA SILVA RAMOSUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: gr.giovannaramos@gmail.com
- GUSTAVO KISS P. CABRALUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: kisspgc@gmail.com
- NATALIA MARTINS PEIXOTOUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: natpeixoto3@gmail.com
- LEONARDO OLIVEIRA SILVAUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: leugeo25@gmail.com
- MÔNICA SANTOS MARÇALUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROEmail: monicamarcal@gmail.com
Resumo
A conectividade fluvial é um aporte teórico-metodológico para compreensão dos
processos de transmissão de energia e matéria que ajudam no entendimento da
dinâmica dos processos naturais e antropogênicos atuantes na distribuição de
água e do sedimento na bacia hidrográfica. O trabalho se propõe a mapear os
bloqueios existentes na Bacia do rio São Pedro, importante afluente da margem
esquerda do rio Macaé (RJ). Os tipos de bloqueios foram identificados no Estilo
Fluvial Vale Não Confinado, Meandrante, sendo eles: depósitos de encosta,
planícies e terraços fluviais, áreas urbanas e estradas. Tanto os depósitos
naturais como os antropogênicos funcionam como bloqueios, mas os de depósitos
sedimentares são importantes arquivos ambientais e podem subsidiar a compreensão
dos controladores atuantes na conectividade fluvial da bacia e na trajetória
evolutiva dos ajustes e mudanças dos ambientes fluviais.
Palavras chaves
Conectividade Lateral; Tipos de Bloqueios; Estilos Fluviais; Bloqueios Naturais; Bloqueios Antrópicos
Introdução
As paisagens fluviais estão atreladas a diversos fatores e condicionantes
ambientais que ocorrem na bacia de drenagem, onde as especificidades podem
impactar, em maior ou menor escalas, o funcionamento e as configurações dos
processos fluviais associados. O conceito de conectividade fluvial propõe
examinar a maneira pela qual os rios desempenham, através de suas redes de
conexões, as trocas de energia e materiais dentro e entre os diversos
compartimentos fluviais (FRYIRS et al., 2007).
Assim, compondo-se de maneira integrada, qualquer descontinuidade no fluxo do
curso do rio pode se apresentar como um bloqueio ou impedimento que modifica (ou
não) o transporte de sedimentos e altera os diferentes compartimentos do rio
(FRYIRS, 2013; WOHL et. al, 2015). Ou seja, os bloqueios configuram-se como
elementos da paisagem fluvial que podem condicionar a forma do fluxo
determinando a maneira pela qual ocorrem as estocagens e distribuição dos
sedimentos ao longo do tempo e determinando a sua evolução. Esses bloqueios
podem ser feições geomorfológicas naturais e/ou antropogênicas, podendo se
configurarem como: zonas tampão (buffer) que impedem a entrada de sedimentos na
rede de canais e perturbam a conectividade lateral; barreiras (barriers) que
estão presentes no interior da rede de canais e influenciam a conectividade
longitudinal; e como zonas de coberturas (blankets) que rompem as ligações
verticais e podem ocorrer ao longo do canal e sua planície de inundação
(BRIERLEY, et al., 2006; FRYIRS, et al. 2007b). A conectividade lateral refere-
se a relação encosta-canal, a longitudinal a relação montante-jusante do canal e
a vertical a relação do canal com o lençol freático). Elas afetam em diferentes
escalas espaciais e temporais as dinâmicas do rio e estabelecem o ritmo de
evolução dos ambientes fluviais (FRYIRS et al., 2007).
Diferentes fatores poderão atuar como propulsores de (des)conectividade na
bacia, desde o clima até movimentos tectônicos e ações humanas que irão agir em
diferentes escalas temporais e impactar em diferentes magnitudes condicionando a
efetividade de dinâmicas geomorfológicas antes à eventos de perturbação e,
também, na periodicidade e duração de certas entradas de energias. (FRYIRS et
al., 2007). No entanto, as escalas temporais nas relações de (des)conectividade
longitudinal e lateral são bem distintas, onde a primeira relaciona-se às
dinâmicas atuais entre água e sedimentos. Já a conectividade lateral configura-
se na relação entre o canal e planície de inundação e entre o canal e as
encostas podendo compreender períodos desde o Pleistoceno até o atual, onde irão
avaliar a capacidade do rio de retrabalhar os materiais derivados de
deslizamentos das encostas. A caracterização dessas relações auxilia na
compreensão sobre as estocagens e distribuição dos sedimentos e no processo de
evolução dos ambientes fluviais (FRYIRS, 2013).
O objetivo do trabalho é apresentar o mapeamento dos tipos de bloqueios laterais
na bacia do rio São Pedro, maior afluente do rio Macaé, e caracterizá-los de
acordo com as relações com os estilos fluviais identificados na bacia (MARÇAL et
al., 2017).
O rio São Pedro está localizado no norte fluminense e é o maior afluente pela
margem esquerda do rio Macaé, onde sua bacia tem área aproximada de 479 Km²
(Figura 1). As suas nascentes estão na vertente atlântica de Serra do Mar, sendo
atualmente uma área caracterizada por um longo processo de desmatamento para
atender a diversas atividades da sociedade que remontam ao período colonial,
onde o café e a cana de açúcar deram espaço, atualmente, às atividades de
pecuária de corte e leite, além de outras atividades secundárias voltadas para
atender a indústria do petróleo com sede na cidade de Macaé, a 50 quilômetros do
distrito de Glicério.
Material e métodos
O mapeamento dos tipos de bloqueios laterais foi baseado na relação existente
com os estilos fluviais da bacia do rio São Pedro, identificados por Marçal et
al. (2017), de forma a direcionar o mapeamento para os trechos nos quais as
feições deposicionais fluviais e de encosta atuam como elementos de maior
desconexão entre encosta-canal e planície fluvial-canal. De acordo com Marçal
et. al. (2017), foram identificados 6 estilos fluviais, sendo eles: EF Confinado
com Planícies Ocasionais, Leito Rochoso; EF Confinado com Planícies Ocasionais,
Leito de Cascalho; EF Parcialmente Confinado, Leito de Areia; EF Não Confinado,
Meandrante; EF Não Confinado, Baixa Sinuosidade e EF Não Confinado, Pântano. O
mapeamento geomorfológico de detalhe foi realizado no Estilo Fluvial Vale Não
Confinado Meandrante por apresentar amplos depósitos fluviais em forma de
planícies e terraços fluviais, além da ocorrência de colúvios (depósitos de
encostas).
A partir da base cartográfica de 1:50.000 do IBGE foi realizada a extração da
rede de drenagem e das curvas de nível da bacia do rio São Pedro através do
software ArcGis 10.8 onde, com auxílio das imagens de satélite Alos Palsar,
adquiridas na plataforma Alaska Satellite Facility - Distributed Active Archive
Center, foi feita a delimitação da bacia do Rio São Pedro. Posteriormente, tais
dados foram convertidos do arquivo shp para o kml, compatível com o software
Google Earth Pro, a fim de fazer mapeamento geomorfológico de detalhe. Para
caracterizar os bloqueios laterais em relação aos estilos fluviais, foi
elaborada uma tabela, com base em Fryirs (2007), identificando e descrevendo os
3 tipos de origem natural: 1) planícies de inundação; 2) Terraços; 3) Colúvio;
4) Tributários preenchidos; e 2 tipos de origem antropogênica: 1) áreas urbanas;
2) estradas.
Resultado e discussão
Com a definição dos Estilos Fluviais na Bacia do rio São Pedro, por Marçal et
al., (2017), foi possível selecionar os segmentos fluviais com a formação de
depósitos fluviais que funcionam como bloqueadores laterais ao canal,
interrompendo o fluxo de água e sedimentos que vem das encostas. Os depósitos
fluviais do tipo planície de inundação e terraços fluviais ocorrem lateralmente
aos canais fluviais e o tipo de confinamento do vale irá controlar as dimensões
laterais e longitudinais na formação desses tipos de depósitos.
A figura 1 apresenta a localização da Bacia do rio São Pedro e a espacialização
dos seis estilos identificados no canal principal, sendo eles: EF Vale Confinado
com Planícies Ocasionais, Leito Rochoso; EF Vale Confinado com Planícies
Ocasionais, Leito de Cascalho; EF Vale Parcialmente Confinado, Leito de Areia;
EF Vale Não Confinado, Meandrante; EF Vale Não Confinado, Baixa Sinuosidade e EF
Vale Não Confinado, Pântano (MARÇAL et al., 2017). Dentre os estilos fluviais
identificados no canal principal do rio São Pedro, destaca-se o EF Vale Não
Confinado Meandrante por estar inserido em uma área de transição de
compartimentos geomorfológicos, variando de escarpas serranas para a presença do
domínio colinoso. Essa transição de relevo permite a formação de amplos
depósitos fluviais devido ao maior alargamento dos vales formando expressivas
áreas de planícies de inundação, onde atualmente são ocupadas por grandes
fazendas particulares voltadas à atividade de pecuária leiteira e de corte.
A exemplo do que ocorreu nas áreas das amplas planícies de inundação do rio
Macaé, o rio São Pedro que é seu maior afluente pela margem esquerda, teve seu
canal e vários afluentes retificados entre as décadas de 1960 e 1980 pelo
extinto Departamento de Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), com finalidade de
enxugar a área de planície e disponibilizar terras para as atividades voltadas
aos grandes proprietários de terra (ASSUMPÇÃO e MARÇAL, 2012). Apesar da
justificativa para a realização dessas obras serem para eliminação de focos de
doenças como a malária, estas tiveram fortes implicações sobre a dinâmica dos
processos fluviais.
A conectividade lateral entre a encosta e o canal fluvial pode ser interrompida
por tipos de bloqueios que atuam como importantes elementos de (des)conexão
entre canal-encosta e canal-planície, ao impedir ou dificultar a entrada de
sedimentos provenientes das encostas na rede de drenagem, funcionando como áreas
de estocagem de sedimentos (FRYIRS et al.,2007). O Quadro 1 apresenta a
caracterização dos principais tipos de bloqueios laterais encontrados na Bacia
do rio São Pedro e a figura 2 corresponde ao mapeamento dos tipos de bloqueios
na área selecionada para o estudo. Os tipos de bloqueios mapeados são de origem
natural (planície de inundação, terraços fluviais, colúvios tributários
preenchidos; enquanto os de origem antrópica são as estradas e áreas urbanas.
Na figura 2 pode-se observar a formação de dois níveis de terraços fluviais,
sendo o T1 o terraço fluvial mais antigo e o T2 o mais recente. Na margem
direita do canal principal há predomínio dos dois níveis de terraços fluviais e
das planícies de inundação. Já na margem esquerda, há a presença de terraços
fluviais, mas posicionados próximos aos terraços superiores e às áreas urbanas.
Cabe destacar que as planícies de inundação são áreas de acúmulo de sedimento
que se instalam entre a margem do canal fluvial e a margem do vale, já os
terraços fluviais se configuram como as antigas planícies de inundação que,
devido a uma incisão do rio em seu canal devido a ajustes dos seus processos
fluviais, foram abandonadas. Ambas se caracterizam por estarem próximas ao curso
do rio e estão sob seu controle, uma vez que sua cheia significa o rompimento da
condição de equilíbrio destes, em razão da quantidade de sedimento e água.
Entretanto, tais feições estão sob diferentes magnitudes, uma vez que as
planícies de inundação têm seu equilíbrio rompido mais facilmente, enquanto para
romper o equilíbrio do terraço fluvial é preciso um aumento de vazão mais
intenso.
Os depósitos de sopé de encosta/ colúvios são feições adjacentes às planícies de
inundação e predominantes em áreas de alargamentos dos vales e provenientes dos
processos erosivos de encosta, como ravinas, voçorocas e movimentos de massa.
Tais depósitos/feições irão atuar como barreiras que impedem a chegada dos
sedimentos até o canal, implicando em uma barreira quanto à interação encosta-
canal. Tal tipo de bloqueio é presente nas duas margens do canal do rio São
Pedro de maneira descontínua, podendo estar associado a planícies e terraços
fluviais.
Os tributários preenchidos se configuram como um curso de rio afluente que não
efetiva a sua conexão ao rio principal em razão de algum tipo de bloqueio, que
pode ser um terraço fluvial ou planície de inundação. Tal feição se apresenta
como um canal pouco definido e que se encontra preso atrás das feições já
citadas, desconectando a rede de canais tributários do canal principal da bacia
em chuvas de baixa magnitude. Para chuvas de magnitude moderada a alta, essas
feições voltam a se conectar ao canal principal. No trecho analisado, os
tributários preenchidos estão presentes na margem direita do canal fluvial de
maneira descontínua, se localizando atrás de planícies de inundação e dos
terraços (figura 2).
Já os bloqueios antrópicos abarcam a construção de áreas urbanas e estradas,
estes tipos de bloqueios modificam a morfologia local e interferem nas dinâmicas
sedimentares da bacia, se caracterizando, então, como bloqueios na conectividade
fluvial.
No rio São Pedro as áreas urbanas se apresentam de maneira mais densa em seu
baixo curso sobre a margem esquerda do canal, de maneira descontínua, com
núcleos urbanos como o distrito de Glicério e as localidades de Trapiche e Óleo.
Boa parte da ocupação urbana ocorre principalmente nos terraços e, em menor
densidade nas planícies de inundação (figura 2), além de áreas menos íngremes
dos colúvios, provocando alterações necessárias para construções do tipo, como
um aplainamento do terreno, corte e uma cimentação deste, diminuindo a
permeabilidade do solo e, muitas vezes, alterando córregos e os degradando a fim
de atender demandas urbanísticas, modificando as dinâmicas de sedimento que
ocorrem. Em casos de baixos níveis de precipitações há a dificuldade da
transferência de sedimentos entre encosta e rio, entretanto, ante chuvas de alta
magnitude ocorre uma facilitação quanto ao escoamento superficial, aumentando o
aporte sedimentar para o rio.
Não somente, a construção de estradas também dificulta a conectividade dos
sedimentos das encostas até o curso do rio, uma vez que faz um corte nesta,
impedindo sua interação de troca de sedimentos com o canal fluvial. A existência
das estradas ali implica em uma barreira no escoamento de água e sedimento,
podendo tais bloqueios serem rompidos somente sob chuvas de elevada magnitude.
Não obstante, a construção de uma estrada implica em uma cimentação e
compactação do solo, diminuindo a porosidade e permeabilidade do solo.
Área da bacia do rio São Pedro e a espacialização dos estilos fluviais identificados por Marçal et al., (2017). Fonte: Elaborado pelos autores.
Relação tipos de bloqueios laterais e sua relação com o estilo fluvial selecionado para bacia do rio São Pedro. Fonte: Elaborado pelos autores.
Mapeamento dos tipos de bloqueios no rio São Pedro no EF Vale Não Confinado, Meandrante. Fonte: Elaborado pelos autores.
Considerações Finais
A investigação da conectividade fluvial de uma bacia hidrográfica é importante
para se entender as áreas que se comportam de forma sensível ante a perturbações
que ocorrem dentro e entre seus compartimentos de relevo, com reflexos nos
segmentos de rios garantindo, com isso, a observação da complexidade e
estruturação do ambiente fluvial.
O mapeamento dos tipos de bloqueios no rio São Pedro apontou a formação de
importantes feições geomorfológicas que interagem com as de formação nas encostas,
mas que podem representar respostas às dinâmicas dos ajustes dos processos
fluviais devido às interferências naturais e antrópicas impostas ao longo do tempo
na área da bacia e nos rios.
Os estudos sobre os tipos de bloqueios fluviais aqui apresentados são importantes
para subsidiar uma análise mais complexa sobre a paleoconectividade e a
conectividade atual da Bacia do rio São Pedro. Essas informações em conjunto irão
permitir compreender as configurações e evolução da paisagem fluvial e de que
forma as interferências naturais e antrópicas podem estar interferindo no processo
e na trajetória de evolução do sistema fluvial da bacia. Por fim, destaca-se que o
rio São Pedro apresenta trechos de rios na qual são importantes arquivos
ambientais que ajudam na análise da conectividade fluvial da bacia.
Agradecimentos
À FAPERJ pela concessão da bolsa de Iniciação Científica à primeira autora. Ao
CNPQ pela concessão das bolsas de Iniciação Científica ao segundo e terceiro
autores e pelo auxílio concedido à pesquisa.
Referências
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