• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

PERMANÊNCIA, RECORRÊNCIA, MAGNITUDE DE VAZÃO E MUDANÇA DE PERFIS TRANSVERSAIS EM RIOS NÃO PERENES: UM ESTUDO DE CASO EM UM RIO DO SEMIÁRIDO TROPICAL BRASILEIRO

Autores

  • JEFERSON RODRIGUESUFPBEmail: jefersonmrgeo@gmail.com
  • STEPHANIE LIMAUFPBEmail: stephanie_m.l@hotmail.com
  • JONAS SOUZAUFPBEmail: jonas.souza@academico.ufpb.br

Resumo

Este trabalho analisou entre os anos de 2004 e 2018 a relação entre chuva e vazão no alto curso do rio Piranhas, indicando tempo de recorrência e permanência das vazões e apontando os eventos de alta, moderada e baixa magnitudes. Após definir esses parâmetros estatísticos, foi possível analisar os perfis transversais 2 anos antes e após o ano mais chuvoso e com maior quantidade de eventos de alta magnitude (2008). Percebeu-se que após os eventos chuvosos de 2008 o canal apresentou erosão e aprofundamento do leito, enquanto nos demais anos o processo de deposição foi predominante.

Palavras chaves

CHUVA; VAZÃO; HIDRÓGRAFA; SEMIÁRIDO; PERFIL TRANSVESAL

Introdução

Condições antecedentes de uma bacia hidrográfica podem afetar a magnitude e a forma de um efeito de uma tempestade nos efeitos de escoamento superficial. Isso pode ser responsável pela não linearidade dos modelos que relacionam chuva e escoamento. Todavia, é importante continuar trilhando esse caminho da pesquisa no intuito de definir maneiras aprimoradas que determinem com precisão qual volume, intensidade e distribuição de chuva podem definir determinado evento de vazão (MINDHAM; BEVEN; CHAPPELL, 2023). Todavia, os rios que apresentam baixo fluxo ou nenhum fluxo durante a maior parte do ano tornam-se problemáticos em serem estudados por conta dessa ausência de água no canal, onde eventos específicos por vezes são responsáveis por ajustes drásticos na morfologia do ambiente fluvial (FERNANDEZ, 2023; MINDHAM; BEVEN; CHAPPELL, 2023). Esses rios podem ser definidos como rios não perenes, os quais ocorrem na maior parte das terras secas no mundo. Passam a maior parte do ano com zonas úmidas (alagados) desconectadas que são gradativamente conectados conforme o aumento nos volumes de chuva chega, decorrente da estação chuvosa ou podem também ser canais totalmente secos que apresentam escoamento imediato logo após os eventos de chuva, com vazão curta que dura de dias a horas, ou seja, intermitentes e efêmeros, respectivamente (COSTIGAN et al., 2017; SUTFIN et al., 2014; TOOTH, 2000). A dinâmica de chuvas concentradas espacialmente e temporalmente é comum no semiárido brasileiro, onde as chuvas que alcançam o Nordeste Setentrional são geradas pela Zona de Convergência Intertropical durante o verão Austral (janeiro a maço), garantindo altos volumes de chuva para a região(RODRIGUES, 2020) . O semiárido brasileiro que apresenta predominantemente rios não perenes, possui escassez em dados de vazão, seja por conta da grande área a ser monitorada, principalmente pela falta de incentivos para investimento nessa perspectiva. Nesse sentido, é importante a aplicação de índices e modelos que permitam compreender de maneira estendida como a dinâmica entre chuva e vazão ocorre. O objetivo geral desse trabalho é analisar a relação entre chuva e vazão no alto curso do rio Piranhas, semiárido paraibano. Os específicos são analisar a vazão de permanência e recorrência, além de definir os eventos específicos de maiores magnitudes que podem gerar modificação transversal no ambiente fluvial.

Material e métodos

A bacia hidrográfica do alto curso do rio Piranhas está localizada no Sertão paraibano, cobrindo uma área de 1540,6 km². Na escala de alcance, o trecho possui substrato cristalino pré-cambriano com cobertura aluvial, o que lhe garante sedimentos arenosos em todo o trecho. A vazão é regulada anualmente através do açude Engenheiro Ávidos, o que atribui vazão permanente artificializada durante o ano inteiro, todavia, não interfere nas captações laterais que ocorrem à jusante do barramento (FIGURA 1). Os dados de chuva e vazão foram disponibilizados pela ANA (Agência Nacional das Águas) através do portal eletrônico Hidroweb, disponível de maneira gratuita. O recorte temporal analisado foi entre 2004 e 2018, tendo em vista o comportamento contínuo dos dados sem falha. Para gerar o gráfico da hidrógrafa que permite uma análise mensal dentro do período estudado entre chuva e vazão foi utilizado o software Hidro 1.3, também de acesso gratuito e que gera os resultados automaticamente a partir da inserção correta dos dados de chuva e vazão. O tempo de retorno de ocorrência de vazões máximas anuais (Qmax) na estação Várzea Grande foram calculadas pelas fórmulas de Weibull (GORDON, et al., 1993). Para estimar o tempo de retorno das vazões (T, em anos) os dados de vazão máximas anual foram organizados em uma sequência crescente, na qual a maior vazão da série de dados ocupa a primeira posição (m=1). O valor de T para cada cheia anual foi estimado empregando a seguinte equação: T=n+1/m. Onde n= número de anos com dados de vazões máximas anuais disponível e m=posição da vazão máxima na ordem crescente. A probabilidade de ocorrência de uma determinada vazão máxima (P, em %) foi estimada também seguindo a fórmula de Weibull, através da seguinte equação: P= (m/n+1).100 Por fim foram analisadas todas as vazões diárias da série analisada, no intuito de buscas a quantidade total de eventos de alta, moderada e baixa magnitude. Para tal, foi utilizada uma adaptação da proposta de Souza (2014), que consiste em considerar os eventos de vazão de alta magnitude como aqueles que superam a média dos eventos anuais de vazão máxima. Nessa perspectiva, esses eventos seriam anômalos que podem causar alterações em ambientes fluviais. Os eventos de magnitude moderada são eventos que estão entre a média dos máximos e o valor médio menos o desvio padrão. Os eventos de baixa magnitude são àqueles que estão entre a média dos máximos menos o desvio padrão e 0,1, considerando que 0 indica ausência de fluxo no canal.

Resultado e discussão

De acordo com os dados históricos da estação pluviométrica Várzea Grande, as chuvas estão concentradas nos 4 primeiros meses do ano, indicando que elas são mal distribuídas no tempo (Figura 2). Em contrapartida, o restante do ano é caracterizado como seco, com ausência de chuvas. A vazão responde diretamente a essa dinâmica das chuvas, onde as maiores vazões mensais estão associadas aos meses com maiores volumes de chuva. Por exemplo, março de 2008 foi o ano com o maior volume de chuva registrado, com total mensal de 509,4 mm. Isso fez com que o final do mês de março e início de abril registrassem as maiores vazões médias mensais do período analisado, com valores acima dos 38 m³/s. Entretanto, a curva de permanência de vazão indica que as vazões acima de 20 m³/s ocorreram em apenas 2,5% do período analisado, ou seja, ocorrendo em apenas 5 meses da série histórica. O restante do período é caracterizado com baixa permanência de vazão. É importante salientar que o gráfico indica a curva de permanência das vazões diárias, ou seja, não corresponde à vazão média mensal retratada no parágrafo anterior. O tempo de recorrência de vazão indica que conforme maior os valores de vazão, maiores são os períodos de recorrência delas, ou seja, de acordo com a Figura 2, a imagem inferior esquerda indica que as vazões acima de 20 m³/s tem um tempo de recorrência maior que 35 meses para ocorrer, ou seja, um longo intervalo de tempo. Nesse sentido, não necessariamente um período chuvoso pode gerar eventos de vazão acima da média. Como também, altos picos de chuva não necessariamente podem gerar eventos de vazão, pois depende das condições antecedentes da bacia hidrográfica, distribuição espacial dessa chuva e intensidade. Assim, como este trabalho analisou apenas a perspectiva mensal, não é possível indicar eventos específicos de chuva que geraram vazão, mas é possível indicar que os meses mais chuvosos da bacia são correspondentes aos maiores eventos de vazão. Em relação à magnitude diária dos eventos de vazão, o ano de 2008 foi o que apresentou a maior quantidade de eventos de alta magnitude, correspondendo a mais de 25 eventos; 82 de magnitude moderada e 53 de baixa magnitude. Ou seja, além de apresentar-se como o ano mais chuvoso, superou os demais anos em eventos de alta magnitude. Para pensar em evolução do ambiente fluvial numa perspectiva transversal, o ano de 2008 foi o ano de referência para analisar a seção transversal do trecho em que a estação Várzea Grande estava inserida (Figura 3). Observa-se que os níveis de talvegue do perfil transversal de 2006 e 2007 estão situados alguns centímetros mais altos que o que foi registrado em 2009, com uma diferença de aproximadamente 40 cm entre os pontos mais baixos desses anos em relação à 2009. Nesse sentido, observa-se que houve erosão no leito após os eventos de chuva de 2008. Entretanto, em 2010 observa-se elevação no perfil topográfico transversal indicando que o processo de deposição está predominando. É importante destacar que o ano de 2010 não apresentou eventos de alta magnitude.

Figura 1

Mapa de localização do alto curso do rio Piranhas e do trecho onde a restação fluviométrica Várzea Grande está inserida. Fonte: autores (2023).

Figura 2

Hidrógrafa na parte superior. Permanência de vazão na parte inferior esquerda. Recorrência de vazão na parte inferior direita.

Figura 3

Superior: gráfico com os eventos de alta, moderada e baixa magnitude de chuva diária. Inferior: , os perfis transversais antes e após o ano de 2008.

Considerações Finais

A análise estatística é uma ferramenta fundamental para os estudos que envolvem hidrogeomorfologia, especialmente em ambientes semiáridos, onde a fonte de dados é tão escassa. O avanço nessas pesquisas pode permitir imaginar cenários futuros e apontas estratégias de conservação dos cursos fluviais. Este trabalho analisou a partir de parâmetros básicos o comportamento da vazão relacionada à chuva, tempo de permanência e recorrência dos eventos aos eventos de alta, moderada e alta magnitude para entender como a evolução transversal ocorre. Foi possível definir que os eventos de maiores magnitudes foram responsáveis pela evolução transversal do canal. Pretende-se avançar nas pesquisas referentes à essa temática, incluindo outros índices/parâmetros de análise em uma perspectiva diária, no intuito de aprimorar a metodologia e permitir que seja aplicada em diversos ambientes morfoclimáticos, não apenas no semiárido. Correlacionar essa abordagem com caracterizações morfológicas também serve de subsídio para pensar na relação entre processo e forma em ambientes fluviais incluindo a perspectiva quantitativa nas análises, o que é bem-visto atualmente no cenário internacional.

Agradecimentos



Referências

COSTIGAN, K. H. et al. Chapter 2.2 - Flow Regimes in Intermittent Rivers and Ephemeral Streams. Em: DATRY, T.; BONADA, N.; BOULTON, A. (Eds.). Intermittent Rivers and Ephemeral Streams. [s.l.] Academic Press, 2017. p. 51–78.
FERNANDEZ, A. E. Mudanças morfológicas na seção transversal de um rio com alta açudagem: estudo de caso no rio Jaguaribe no município de Quixeré - Ceará. 2023.
GORDON, N. et al., Stream Hidrology, na introduction for ecologistis. John Wiley e Sons. 1993.
RODRIGUES, J. ESPACIALIZAÇÃO DAS CHUVAS EM UMA BACIA HIDROGRÁFICA NO SEMIÁRIDO DA PARAÍBA. Northeast Geosciences Journal v, v. 6, p. 1, 2020.
MINDHAM, D.; BEVEN, K.; CHAPPELL, N. Rainfall–streamflow response times for diverse upland UK micro-basins: quantifying hydrographs to identify the nonlinearity of storm response. Hydrology Research, v. 54, n. 2, 1 fev. 2023.
SUTFIN, N. A. et al. A geomorphic classification of ephemeral channels in a mountainous, arid region, southwestern Arizona, USA. Geomorphology, v. 221, p. 164–175, 2014.
TOOTH, S. Process, form and change in dryland rivers: a review of recent researchEarth-Science Reviews. [s.l: s.n.] 2000.

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