Autores
- GUILHERME PAULA CAMPOSIGC-UFMGEmail: contato@guilherme.geo.br
- PEDRO POLI YAMASHIROUFMG-IGCEmail: pedro.yamashiro98@gmail.com
- LUIZ FERNANDO DE PUALA BARROSIGC-UFMGEmail: luizfpaulabarros@gmail.com
- ANTÔNIO PEREIRA MAGALHÃES JUNIORIGC-UFMGEmail: antonio.magalhaes.ufmg@gmail.com
Resumo
Este trabalho busca identificar indícios de reativação neotectônica na borda
sudeste do Cráton São Francisco (CSF) por meio das relações entre o relevo e a
dinâmica sedimentar recente das bacias dos rios Pará e Paraopeba. Para isso, foi
feita uma análise integrada de perfis de varredura, modelos digitais de elevação,
dados hipsométricos, de declividade e imagens de satélite. Os resultados mostram
um maior desenvolvimento das zonas de sedimentação na bacia do rio Pará, assim
como uma organização mais regular do relevo da bacia. Já na bacia do rio
Paraopeba, as zonas de sedimentação são mais expressivas apenas no médio-baixo
curso, podendo indicar movimentações recentes nos trechos à montante, levando a
eventos de dissecação e entulhamento dos vales à jusante.
Palavras chaves
Bacia do rio Pará; Bacia do rio Paraopeba; Perfis de Varredura; Neotectônica;
Introdução
Diversos trabalhos baseados na análise de níveis e sucessões deposicionais fluviais do
Quaternário têm sugerido uma dinâmica tectônica em blocos para a região do Quadrilátero
Ferrífero, inserido na zona da borda sudeste do Cráton São Francisco-CSF (MARQUES,
1997; MOREIRA, 1997; MAGALHÃES JR. et al., 2011; BARROS; MAGALHÃES JR., 2018; 2020;
CARVALHO et al., 2020; OLIVEIRA, 2019). Nesse contexto, a bacia do Rio Paraopeba tem
sido destacada como uma área de tectônica recente mais ativa que as bacias vizinhas
(OLIVEIRA, 2019; BARROS; MAGALHÃES JR., 2020).
Diante desse cenário, o presente trabalho busca identificar nas relações entre o relevo
e a dinâmica sedimentar recente das bacias dos rios Pará e Paraopeba indícios de
reativação neotectônica por meio da movimentação de blocos na zona da borda sudeste do
Cráton São Francisco (CSF). Para esse fim, foram gerados perfis de varredura para
análise do relevo e mapeadas as zonas de sedimentação fluvial recente.
A utilização de perfis de varredura tem sido empregada com frequência em estudos que
buscam entender a morfoestrutura e a morfotectônica do território brasileiro (MEIS,
MIRANDA e FERNANDES, 1982; SILVA e DA SILVA, 2018). Por sua vez, por serem sensíveis a
variações súbitas na topografia, os cursos d’água e os seus registros sedimentares são
indicadores muito utilizados nos estudos sobre movimentação crustal recente (PERUCCA et
al., 2014; DEMOULIN et al., 2017).
As bacias dos rios Pará e Paraopeba estão inseridos no Cráton São Francisco (CSF), na
zona da borda sudeste. As porções superiores da bacia do Paraopeba são margeadas pelo
Quadrilátero Ferrífero (QF) e apresentam diversas evidências de controles
litoestrutural e tectônico da drenagem associados à matriz estrutural herdada do Ciclo
Brasiliano (MAGALHÃES; SAADI, 1994, BARROS; MAGALHÃES, 2018). Por sua vez, o restante
de ambas as bacias se desenvolve no CSF, caracterizado por estabilidade tectônica pós-
arqueana (SAADI, 1991). Sendo assim, a região de transição entre os domínios foi
marcada por uma dinâmica tectônica particular, sob influência das faixas móveis
brasilianas.
Os rios Pará e Paraopeba são importantes contribuintes da margem direita do alto rio
São Francisco (Figura 1). O rio Paraopeba percorre ~550 km até sua foz na represa de
Três Marias e possui ~13.600 km² de área. Por sua vez, a bacia do rio Pará possui área
aproximada de 12.200 km² e o canal principal percorre ~310 km.
Enquanto a bacia do rio Paraopeba apresenta formato estreito e alongado, próximo ao
retangular (SCHVARTZMAN et al., 2002), a bacia do rio Pará possui formato mais
arredondado. O padrão de drenagem é predominantemente dendrítico em ambas e orientação
predominante dos rios principais é SSE–NNW (OLIVEIRA, 2019).
Nas porções superiores das bacias ocorrem rochas arqueanas do embasamento cristalino:
Complexo Belo Horizonte, gnaisse Alberto Flores e gnaisse Fernão Dias (CARNEIRO, 1992;
NOCE et al., 1997; INACHVILI, 2014) – Figura 1. Essas áreas são marcadas por colinas
convexas e cristas alongadas, vales abertos e geralmente entulhados (TULLER et al.,
2010). Na porção oeste do QF predominam rochas dos supergrupos Rio das Velhas e Minas,
sustentando os relevos serranos escarpados. A maior resistência à desnudação das
porções serranas do QF provém dos quartzitos e formações ferríferas bandadas
(itabiritos), cujas taxas de desnudação são inferiores às do embasamento (SALGADO et
al., 2004; VARAJÃO et al., 2009). Na porção inferior das bacias, sobretudo na do rio
Paraopeba, predominam unidades do Grupo Bambuí: formações Serra da Saudade, Lagoa do
Jacaré, Serra de Santa Helena, Sete Lagoas e Carrancas (PERILLO, 1998; OLIVEIRA, 1999;
ROMANO, 2007). Enquanto nas áreas de ocorrência da Formação Sete Lagoas ocorre relevo
cárstico bordejado por morros e serras, nas da Formação Serra de Santa Helena notam-se
elevações suavizadas com coberturas detrito-lateríticas derivadas do intemperismo dos
pelitos (TULLER et al., 2010).
Material e métodos
A delimitação das bacias hidrográficas foi realizada por meio do produto Bacias
Hidrográficas do Brasil (BHB250), em escala 1:250.000, no formato vetorial,
disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A
hidrografia em escala 1:50.000 foi obtida em formato vetorial no portal
Infraestrutura de Dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos (IDE-SISEMA) do Governo do Estado de Minas Gerais, enquanto a
geologia foi obtida em formato vetorial no Portal da Geologia em escala
1:1.000.000. Os dados foram importados para os softwares QGIS e/ou ArcGIS.
As zonas de sedimentação foram vetorizadas em escala de 1:150.000 no software
QGIS, utilizando como base Modelo Digital de Elevação (MDE) disponibilizado pelo
portal da National Aeronautics and Space Administration (NASA) em sua coleção
ALOS-PALSAR – Global Radar Imagery , com resolução de 12,5m. A partir do MDE,
foram elaborados modelos de hipsometria e declividade, sobrepostos a uma camada
de relevo sombreado gerado a partir da mesma base para as duas bacias. Com isso,
foram consideradas zonas de sedimentação fluvial recente os terrenos adjacentes
aos cursos d’água com declividades abaixo de ~7% e que não apresentassem
“rugosidades” acentuadas. A hipsometria foi aplicada para comparação entre cota
altimétrica de interflúvios, sopés de encostas e fundos de vale, a fim de
refinar a delimitação das zonas.
Para elaboração dos perfis de varredura, foi utilizado o MDE Shuttle Radar
Topography Mission (SRTM) com resolução espacial de 30 metros, disponibilizado
pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) no portal TopoData , e o
ArcGIS Desktop 10.5 para processamento dos dados. Após a extração dos topos de
morro é desenhada uma área o mais perpendicular possível em relação a rede de
drenagem para se coletar as informações dos pontos de topo de morro gerados e
plotar em um gráfico. Nos gráficos gerados, buscou-se identificar padrões e
rupturas no relevo, como alçamentos ou basculamentos de superfícies. A técnica
possui a limitação de mascarar as nuances das vertentes, porém é extremamente
competente ao reconstruir a inclinação de blocos morfotectônicos e, assim,
possibilita a identificação de feições tais como horsts e grabens (MEIS, MIRANDA
e FERNANDES, 1982).
Resultado e discussão
Na bacia do rio Pará, as zonas de sedimentação recente foram mapeadas em toda a
bacia (Figura 2), porém elas são um pouco menos comuns no baixo curso. As zonas
de sedimentação mais expressivas estão associadas aos principais tributários da
margem esquerda do Rio Pará, rios Itapecerica, Lambari e, especialmente, o rio
Picão. Destaca-se que elas são mais desenvolvidas, inclusive, que aquelas
associadas ao próprio Rio Pará.
Em relação aos perfis de varredura (Figura 3), há marcantes diferenças entre os
trechos alto, médio e baixo da bacia. No alto rio Pará, os topos de morro não
ultrapassam 1.190 m de altitude, apresentando padrão muito bem definido, típico
de área com relevo maduro (ROMANO, 2007). Os vales do ribeirão Santo Antônio, do
rio Itapecerica e do rio Pará são bem marcados e estão posicionados em cotas
relativamente semelhantes.
No médio rio Pará, a análise do perfil de varredura (Figura 3), permite
identificar os topos de morro no interflúvio da margem esquerda com ~1.000 m de
altitude, enquanto os topos de morro no interflúvio na margem oposta,
compartilhado com a bacia do rio Paraopeba estão a ~1.130 m de altitude,
resultando em uma amplitude de pouco mais de cem metros entre os limites da
bacia. Também é notório o arrasamento da superfície promovido pelo rio Pará,
observado no centro do perfil de varredura, reforçando a tendência de um relevo
maduro (ROMANO, 2007). Seu vale está posicionado no centro da bacia e em cotas
marcadamente inferiores que os vales dos tributários.
No baixo rio Pará, a análise do perfil de varredura (Figura 3) permite
identificar a suavização do relevo na área de ocorrência das rochas do Grupo
Bambuí. Os topos de morro apresentam baixas altitudes e certo nivelamento. Chama
a atenção no perfil, a configuração do vale rio Picão, consideravelmente
rebaixado em relação ao restante da bacia. O rio Picão também aparece deslocado
para W, estando muito próximo do interflúvio. O perfil como um todo também
apresenta um marcante caimento de E para W. Em conjunto, esses fatos sugerem a
hipótese de controle tectônico, havendo basculamento e abatimento de blocos no
baixo curso.
Na bacia do Rio Paraopeba, as zonas de sedimentação recente foram mapeadas em
quase toda a bacia (Figura 2), pois elas são pouco comuns no baixo curso. Em
geral, elas são bastante estreitas, estando as zonas de sedimentação mais
expressivas localizadas no trecho médio da bacia, com destaque para aquelas do
rio Vermelho, ribeirão Grande, dos Macacos e São João.
Em relação aos perfis de varredura (Figura 3), também há marcantes diferenças
entre os trechos alto, médio e baixo da bacia. No alto rio Paraopeba, o perfil
de varredura permite identificar topos de morro com altitude de até ~1.220 m no
interflúvio na margem esquerda e caimento suave para o vale do rio Brumado,
alçado em relação aos demais. Os interflúvios internos têm altitude máxima de
~1.070 m, separando os vales dos rios Camapuã, Paraopeba (levemente assimétrico)
e Maranhão. Este tem seu limite no QF/borda do CSF, onde é possível verificar
topos de morro com até ~1.420 m de altitude. Assim, é possível identificar a
formação de uma feição escarpada no interflúvio da margem direita.
No trecho entre os fechos de Jeceaba e Funil, as zonas de sedimentação (Figura
2) possuem baixa expressividade, configurando somente como áreas das atuais
planícies de inundações dos respectivos canais fluviais. A análise do perfil de
varredura (Figura 3), permite identificar topos de morro com altitude de até
~1200m no interflúvio na margem esquerda, com caimento suave até o canal do rio
Manso, onde o formato em “V” da dispersão dos pontos de topo de morro, pode
sugerir um processo de incisão vertical da drenagem. Já o rio Paraopeba, após
atravessar o fecho de Jeceaba, se estabelece em um vale ligeiramente mais
alargado com características de processos de arrasamento da superfície. Já no
interflúvio na margem direita, é possível identificar a formação de uma feição
escarpada no QF/borda do CSF em razão da distribuição dos topos de morro (~1520m
de altitude).
No médio rio Paraopeba, as zonas de sedimentação (Figura 2) possuem maior
expressividade, havendo entulhamento do vale principal e dos seus afluentes. É
possível considerar que o conjunto de falhas da zona de cisalhamento
transcorrente (N-S a W-E) presente na região possa ter passado por reativações
neotectônicas que intensificaram os processos erosivos à montante, promovendo
eventos de sedimentação neste trecho (CARVALHO et al., 2020). O perfil de
varredura (Figura 3) permite identificar topos de morro com altitudes de até
~930 m no interflúvio na margem esquerda, porém há interflúvios internos
levemente mais elevados, com ~1.000 m de altitude, coincidentes com cristas
sustentadas por grandes veios de quartzo, conforme aponta Romano (2007).
Destaca-se, no centro do perfil, um interflúvio interno muito bem demarcado. Uma
hipótese para sua gênese é a presença de rochas mais resistentes do Maciço
Granitóide de Maravilhas-Cachoeira da Prata. Porém, tendo em vista a
concentração de estruturas tectônicas antigas na margem direita e o visível
deslocamento do rio Paraopeba para sua margem esquerda, é possível aventar
também a possibilidade de causas tectônicas. No interflúvio da margem direita,
os topos de morros chegam a ~960 m de altitude. Apesar de, em termos absolutos,
ser uma diferença pequena em relação ao interflúvio da margem direita, na margem
esquerda aparecem um número muito superior de pontos em cotas superiores aos da
margem esquerda. Assim, certo caimento topográfico E-W é percebido neste trecho
da bacia.
No baixo rio Paraopeba, as zonas de sedimentação (Figura 2) desaparecem por
completo a jusante do knickpoint onde foi instalada a UHE Retiro Baixo. Isso
pode indicar que há retenção dos sedimentos neste ponto e/ou condições mais
erosivas à jusante, não permitindo o desenvolvimento de planícies
significativas. Por sua vez, a análise do perfil de varredura (Figura 3) permite
identificar que os topos de morros não ultrapassam os 810 m de altitude, os
vales fluviais possuem morfologia mais alargada, evidenciando relevo mais
suavizado. Em média, os terrenos na margem esquerda são mais elevados que na
margem direita, em direção à qual o Rio Paraopeba certo deslocamento.
Mapa principal: Agrupamentos geológicos (simplificado). Encartes: a) Hipsometria.
Mapa de zonas de sedimentação e delimitação da área do perfil de varredura.
a) Alto Paraopeba; b) Entre fecho de Jeceaba e Funil; c) Médio Paraopeba; d) Baixo Paraopeba; e) Alto Pará; f) Médio Pará; g) Baixo Pará.
Considerações Finais
A análise conjunta de zonas de sedimentação fluvial recente e perfis de varredura
possibilitou investigar o controle geológico na organização e evolução da drenagem
e do relevo nas bacias dos rios Pará e Paraopeba. De modo geral, as zonas de
sedimentação da bacia do rio Pará estão presentes de forma mais generalizada ao
longo de toda a bacia, que apresenta também topos mais regulares, exceto na sub-
bacia do Picão, onde são encontrados indícios de controle neotectônico, tendo em
vista seu perfil de varredura assimétrico e rebaixado. Na bacia do rio Paraopeba,
as zonas de sedimentação do alto curso até a porção superior do médio curso são de
menor expressão, estando principalmente localizadas no vale do rio principal e de
seus maiores afluentes. A partir da porção média-inferior até o início do baixo
curso, as zonas de sedimentação se tornam mais expressivas, com possibilidade de
indicarem a reativação de falhas na área, o que é sugerido também pela
configuração do perfil de varredura neste trecho. Desse modo, as análises
empreendidas são complementares de deverão ser associadas a outros indicadores
morfológicos, morfométricos e morfossedimentares a fim de se aprofundar as
investigações.
Agradecimentos
Ao CNPq pela bolsa de pesquisa; à FAPEMIG pelo apoio financeiro (Projeto APQ-
00511-21); ao grupo de pesquisa RIVUS - Geomorfologia e Recursos Hídricos (UFMG),
em especial, o Prof. Dr. Luis Felipe Soares Cherem.
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