• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Geomorfologia fluvial aplicada ao licenciamento da atividade de piscicultura: estudo de caso no Ribeirão Maringá, PR

Autores

  • BRUNA CAROLINE DA SILVA DE MATOSUNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁEmail: bruna.silva_matos@hotmail.com
  • EDUARDO SOUZA DE MORAISUNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁEmail: esmorais2@uem.br

Resumo

O uso e ocupação do solo em planície de inundação pode ocasionar diversos problemas ambientais. Os estudos geomorfológicos apresentam-se como uma abordagem essencial para se conhecer as formas e os processos da paisagem e identificar eventuais alterações no funcionamento da dinâmica fluvial com determinados tipos de uso e ocupação do solo. Para análise da planície de inundação do baixo curso do Ribeirão Maringá, em Maringá, Estado do Paraná, realizou-se mapeamento geomorfológico com técnicas de geoprocessamento utilizando-se dados LIDAR e trabalhos de campo. Constatou-se que um dos principais problemas está ligado aos viveiros de piscicultura na planície de inundação em decorrência de potenciais impactos ecológicos (ex. peixes exóticos). A partir da análise da legislação ambiental recomenda-se a necessidade de implementar laudo de caracterização geomorfológica para instalação deste tipo de empreendimento, como medida preventiva de impactos ambientais nessas áreas.

Palavras chaves

Mapeamento geomorfológico; piscicultura; ecologia; planície de inundação; licenciamento ambiental

Introdução

Os estudos geomorfológicos cada vez mais se caracterizam como importante meio de análise no âmbito do planejamento ambiental e urbano, o objetivo principal é promover um desenvolvimento social, econômico e sustentável, trazendo aportes para tomadas de decisões em discussões sobre o planejamento das cidades e utilização dos recursos naturais (GUERRA, 2018). As análises da morfometria possibilitam sínteses e interpretações que ajudam na caracterização e identificação do espaço. O mapeamento geomorfológico visa trazer técnicas de mapeamento que ajudem na identificação e caracterização dessas formas, facilitando as análises do funcionamento da paisagem aluvial (WHEATON et al. 2015). Partindo desta perspectiva Wheaton et. al (2015) propõem uma metodologia para o mapeamento, caracterização e análises de sistemas fluviais. É definido então as unidades e as escalas de mapeamento de acordo com cada necessidade de análise, classificadas em margem do vale, margem do fundo de vale e margem do canal. As margens representam a fronteira ou borda que diferenciam regiões, e são usadas como configuração do vale fluvial divididas entre antrópicas e naturais. Definidas as margens, a segunda etapa é a identificação dos elementos estruturais fluviais, definidos através da influência que exercem no fluxo dos córregos (WHEATON et al., 2015). Os elementos estruturais são classificados em 4 níveis, diferenciadas pela sua origem (naturais ou antropogênicas), composição (orgânicas ou inorgânicas), orientação, suas características vegetais e/ou sedimentológicas (WHEATON et al., 2015). Os autores apresentam também uma taxonomia hierárquica para as unidades geomorfológicas de quatro camadas, que se classificam pela sua posição vertical ou estágio de fluxo em relação ao canal, a forma, o tipo de geomorfologia específica e características vegetais (WHEATON et al., 2015). Uma forma de facilitar a caracterização e análise da paisagem fluvial é o uso de sensores, radares, que possuam dados com detalhamento necessário em áreas com alta gama de gradientes e maior nível de detalhamento, tornando-se necessário a utilização de MDTs (Modelos Digitais Terreno) gerados a partir de dados LIDAR (Light Detection and Ranging) (ARAÚJO et al.,2021). Este trabalho teve como objetivo mapear e avaliar as unidades geomorfológicas e elementos estruturais antrópicos no vale aluvial do baixo curso do Ribeirão Maringá, buscando interpretar potenciais implicações de alterações antrópicas com o funcionamento da paisagem fluvial, especialmente em relação à regulamentação da piscicultura com viveiros escavados no estado do Paraná.

Material e métodos

Para o mapeamento da paisagem fluvial foi necessário a obtenção e processamento da base de dados LIDAR disponibilizados pela Prefeitura de Maringá no ano de 2017, o sistema de projeção é UTM, o meridiano central é 51ºW, o Datum horizontal é o SIRGAS 2000 e o vertical o Imbituba/SC, a precisão é definida como classe “A” segundo o decreto n.º 89.817 e a altitude média do voo foto/laser foi de 850 a 4.200 m (MARINGÁ, 2017). A nuvem de pontos gerado pela base de dados foi rasterizada e processada por SIGs (Sistemas de Informações Geográficas), para a obtenção de MDTs (Modelos Digitais do Terreno) com uma maior qualidade de escala. As ortofotos disponibilizadas pela prefeitura de Maringá também foram produzidas através da base de dados LIDAR. Os terraços e a planície de inundação foram mapeados mediante perfis topográficos traçados em SIG na escala de 1:5.000, o canal foi identificado pelas ortofotos geradas em 2017 em uma escala de 1:1.000 devido à necessidade de um melhor detalhamento. Os elementos estruturais antrópicos e as unidades geomorfológicas de 2º nível foram mapeados com o auxílio das ortofotos de 2017 e da série temporal do Google Earth Pro de 2003 a 2021 na escala de 1:500. A série temporal foi muito importante para identificar as unidades geomorfológicas de 2º nível, visto que são morfologias dinâmicas e necessitam de uma análise com maior detalhamento. O ordenamento taxonômico da paisagem levou em consideração o proposto por Morais e Rocha (2016), no vale aluvial foram identificadas as unidades geomorfológicas de 1º nível: terraços, planície de inundação e canal e de 2º nível hierárquico, que estão contidas nas unidades geomorfológicas de 1º nível, como, por exemplo, paleocanais, bacias de inundação e barras. Para o mapeamento do 2º nível hierárquico das unidades geomorfológicas considerou-se o 1º e 3º nível de mapeamento proposto por Wheaton et al. (2015), o 2º nível não foi caracterizado tendo em vista a necessidade de técnicas mais complexas (MORAIS; ROCHA, 2016; WHEATON et al., 2015). Foi calculado o índice de sinuosidade do baixo curso do Ribeirão Maringá conforme mostra a Eq.1, calculando o comprimento do canal (Cc) divido pelo comprimento do vale em linha reta (Cv) em dois pontos do vale, um mais a montante e outro mais a jusante, portanto, realizou-se uma média ponderada para chegar ao resultado de sinuosidade. Equação 1: Índice de sinuosidade S=Cc/Cv Para a identificação dos elementos estruturais antrópicos conforme a metodologia proposta por Wheaton et al. (2015), levou-se em consideração que os elementos estruturais são objetos discretos que influenciam diretamente o fluxo fluvial, como, por exemplo, estradas, drenos, construções, detritos lenhos, entre outros. O 1º nível é a divisão entre elementos naturais e antropogênicos e o 2º nível é a definição da terminologia desses elementos. Foram realizados dois trabalhos de campo durante o desenvolvimento do estudo, ambos em áreas próximas de propriedades de piscicultura. Um foi realizado no dia 26/08/2022 e o outro no dia 22/12/2022 visando conhecer e entender a dinâmica da área, o acesso se deu pelas propriedades de piscicultura, onde foram obtidas informações sobre o baixo curso do Ribeirão Maringá através do relato de proprietários e de registros fotográficos da área, possibilitando a identificação de algumas unidades geomorfológicas de 1º e 2º nível e alguns elementos estruturais antrópicos. Foi realizada uma análise da legislação ambiental vigente das atividades de piscicultura no estado do Paraná, para compreender como a legislação atual pode atuar em relação à conservação e mitigação dos impactos ambientais causados pelo mau uso do solo nas áreas aluviais.

Resultado e discussão

Resultados A bacia hidrográfica do Ribeirão Maringá localiza-se na porção norte do Estado do Paraná, no município de Maringá. A altitude média da bacia hidrográfica é de 540 m e à área é de ~ 89 km². Como a maioria das bacias hidrográficas da região, as nascentes do Ribeirão Maringá se concentram na porção mais urbanizada da bacia hidrográfica, ocasionando mudanças significativas à jusante caracterizada por áreas rurais (Fig. 1) (SALA, 2005). As unidades geomorfológicas de 1º nível identificadas foram: terraços, planície de inundação e canal. As unidades geomorfológicas de 2º nível foram identificadas como paleocanais, lagoas, bacias de inundação e barras fluviais (Fig. 2). Terraços Os terraços foram interpretados como às áreas relativamente planas entre a planície de inundação e as vertentes, que são antigas planícies de inundação e áreas de retrabalhamento fluvial abandonadas pelo rio e, portanto, não apresentam fluxos das inundações. Os terraços do Ribeirão Maringá não possuem unidades geomorfológicas de 2º nível taxonômico (p. ex. bacias de inundação ou lagos), porém, devido a intensa modificação antrópica destas unidades podemos identificar vários elementos estruturais antrópicos, como a presença de viveiros escavados de piscicultura ativos e inativos, drenos, estradas rurais e edificações. Planície de inundação A planície de inundação foi identificada pela área do vale aluvial inundada recentemente pelo rio (~40 anos), compreende uma área total de aproximadamente 1,5 km², a largura varia de 11 m (montante) a 673 m (jusante). As unidades geomorfológicas de 2º nível, identificadas como aquelas morfologias criadas a partir da deposição de sedimentos e/ou erosão no relevo, correspondem a paleocanais, bacias de inundação, lagoas e lagos em ferraduras. Devido as intensas modificações antrópicas os elementos estruturais na planície de inundação são caracterizados por estradas, trilhas de acesso, drenos e viveiros escavados ativos e inativos (Fig. 3). Canal O canal do baixo curso do Ribeirão Maringá possui cerca de 6 km de extensão, a variação da largura é de aproximadamente 5 m à 15 m e a sinuosidade do canal é baixa no valor de 1,09. No mapeamento foram possíveis identificar barras e uma ilha que são indicativas da dinâmica do rio, principalmente em relação ao transporte de sedimentos e fluxo do canal. Os elementos estruturais antrópicos presentes no canal se caracterizam por pontes, a ponte do baixo curso do Ribeirão Maringá está localizada no segmento a montante da área de estudo, com uma largura de aproximadamente 7 m e 10 m de comprimento. Discussão O vale aluvial do baixo curso do Ribeirão Maringá apresenta intervenções antrópicas principalmente na planície de inundação. No Brasil alguns estudos mostraram que as alterações antrópicas podem causar vários problemas ambientais na dinâmica fluvial, como o assoreamento em algumas áreas e erosões em outras áreas da bacia, tornando-as mais sensíveis às mudanças morfológicas e aos problemas ambientais (SANTOS; OLIVEIRA; CRISÓSTOMO, 2021; KLEINA; SANTOS, 2017; MIRANDA e AROEIRA, 2016; NASCIMENTO; MOURA; SOUZA, 2017). O processo de alteração antrópica na paisagem fluvial do baixo curso do Ribeirão Maringá está associado ao uso e ocupação do solo da planície de inundação e dos terraços, com infraestruturas de drenos, pontes, viveiros escavados, construções e estradas. Os viveiros escavados de piscicultura funcionam como um reservatório de água e sedimentos, interferindo na dinâmica do transporte de sedimentos da vertente para o canal, porém, o principal problema ocasionado por essa prática em áreas de planície de inundação é a migração de peixes comumente criados nesses viveiros (que em sua maioria são peixes exóticos) (SIMABUKU, 2005; ALVES, 2006). Quando há o extravasamento do rio para a planície de inundação e inunda- se a área dos viveiros podem ocorrer uma migração desses peixes exóticos para o canal, uma vez inseridos no canal esses peixes competem por recursos e podem transmitir patógenos e parasitas para os peixes nativos, diminuindo as diversidades de espécies nativas e desequilibrando todo o ecossistema (TOLEDO et al. 2003; ALVES, 2006; AMÉRICO et al. 2013; REZENDE; KAISER; PEIXOTO, 2018). Ao analisar a disposição dos drenos é possível perceber que estão concentrados nas áreas onde há uma presença significativa de viveiros de piscicultura, o objetivo principal deste tipo de construção é drenar as áreas para viabilizar a atividade de piscicultura na região, esse processo modifica o padrão de drenagem da bacia e diminui a quantidade de inundação do canal para planície, causando perda de águas residuais e desestabilizando todo o ecossistema que depende dessas áreas úmidas, como, a fauna e flora (ABDEL-DAYEM; EL-SAFTY, 1993; QUEIROZ; ROCHA, 2010; DIAS; CUNHA, 2017; BAPTISTA; 2020). No âmbito do licenciamento ambiental para atividades de aquicultura no estado do Paraná, a resolução SEDEST n.º 042/2021, prevê a necessidade de licenciamento completo para empreendimentos e atividades aquícolas de médio a grande porte, sendo necessário o pedido da Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). Os estudos solicitados são o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), o Plano de Controle Ambiental (PCA) e o Plano de Monitoramento Ambiental (PMA), já as atividades consideradas de pequeno porte são passíveis de Dispensa de Licenciamento Ambiental (DLAE). Os itens necessários para o desenvolvimento do EIA/RIMA em áreas de piscicultura são definidos pela resolução CONAMA n.º 26/2009, que não específica a necessidade de uma análise geomorfológica e não prevê restrições em planície de inundação, o PCA por sua vez não possui modelo específico para o desenvolvimento do estudo em atividades de piscicultura. Documentos produzidos pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) como manuais de implantação de piscicultura em viveiros escavados, mencionam a necessidade de verificar as áreas que são inundadas, principalmente a frequência dessas inundações e até onde elas chegam. Entretanto, o viés da discussão de ambos os documentos é o potencial prejuízos de produção com escape de peixes (SENAR, 2018; REZENDE; BERGAMIN, 2013).

Figura 1: Localização do baixo curso do ribeirão Maringá



Figura 2: Unidades geomorfológicas no baixo curso do ribeirão Maringá



Figura 3: Elementos estruturais na planície de inundação



Considerações Finais

Identificou-se que uma das principais intervenções na planície de inundação do baixo curso do Ribeirão Maringá refere-se à piscicultura e drenagem de áreas úmidas, essas modificações podem trazer problemas para dinâmica fluvial, principalmente com a diminuição de áreas inundadas e alterações na morfologia do canal. As inundações em áreas com atividades de piscicultura possibilitam que peixes exóticos cheguem até os rios causando uma série de problemas ecológicos, portanto, este estudo ressalta que a Geomorfologia é uma ferramenta importante para prevenir a dispersão de espécies de peixes exóticos nos canais. As análises geomorfológicas são um fator necessário para o licenciamento ambiental de atividades de piscicultura do estado do Paraná, atualmente essas análises não são mencionadas nas resoluções e legislações pertinentes. Recomenda-se a revisão das resoluções e/ou estudos ambientais envolvendo os empreendimentos de piscicultura, sendo de extrema importância a necessidade de identificar no início do processo de licenciamento a localização da área utilizada com laudo de localização ou não em planície de inundação. As análises deste tipo de empreendimento, geralmente, ficam limitadas ao entendimento de áreas de preservação permanente, neste caso o viés geomorfológico contribui com a prevenção de potenciais impactos ambientais.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro no processo nº 130859/2023-0.

Referências

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