Autores
- CAMILA LOUZADASEDUC/AMEmail: profcamilalouzada@gmail.com
- ARMANDO BRITO FROTA FILHOSEMED/AMEmail: armando_geomorfo@outlook.com
Resumo
O interior da planície do rio Amazonas é formado por uma complexa formação
flúvio lacustre que é remodelada pela ação das águas transformando a paisagem
constantemente. O presente trabalho tem como objetivo apresentar os elementos da
geomorfologia fluvial comuns na região do médio curso do rio Amazonas, são eles
os furos naturais e artificiais. A metodologia utilizada foi a revisão
bibliográfica e trabalho de campo. Os principais resultados foram que: a) os
furos naturais mapeados encontram-se localizados em áreas de várzea, geralmente
na várzea alta às margens do curso principal do rio Amazonas; b) os furos
artificiais por sua vez também são encontrados nas áreas de várzea alta, todavia
são construídos por ação humana. Diante disso, é possível afirmar que os
elementos da geomorfologia fluvial como os furos naturais e artificiais sofrem
influência seja da dinâmica fluvial do rio Amazonas, como dá ação humana ficou
conhecido como geomorfologia antropogênica.
Palavras chaves
Geomorfologia Fluvial; Furo Natural; Furo Artificial; Geomorfologia Antropogênica; Rio Amazonas
Introdução
O contexto amazônico, local de povos originários e tradicionais como os
ribeirinhos, é marcado por condições geoambientais próprias tornam a região o
palco de grandes dinâmicas fluviais, sendo uma das principais a erosão fluvial,
que proporciona o desbarrancamento das margens e seu processo natural de
deposição influenciam na formação de ilhas e arquipélagos. Esses
processos ocorrem em função das condições climáticas e hidrogeomorfológicas da
região, em especial nas planícies de inundação dos rios de águas brancas, tal
qual os rios Madeira, Solimões e Amazonas.
Para tanto, Farias et al (2020) indica que tais áreas demandam um manejo mais
cuidadoso e previdente dos recursos naturais, pois a relação entre essas áreas e
as comunidades que nela habitam reflete-se em suas formas de uso, e na
transformação do espaço, via apropriação do relevo.
O interior da planície do rio Amazonas é formado por uma complexa formação
flúvio lacustre, que associado aos processos da dinâmica fluvial mais comuns que
são erosão fluvial, transporte e deposição, proporcionam particularidades
regionais distintas ao longo da paisagem do rio Amazonas.
O curso médio do rio Amazonas, como bem definiu Sioli (1951) é formado por águas
brancas, influenciado principalmente pelo grande volume de sedimentos em
suspensão contidos nas águas, e alimentados pelo processo natural de erosão
fluvial e sedimentação muito perceptível nas margens do rio, seja através do
surgimento de ilhas, seja através do total desaparecimento de outras. Nesse
sentido o grande volume de água no canal principal também exercesse influencia
sobre a paisagem de suas margens, é o caso da presença de furos naturais,
esculpidos nas várzeas do médio curso do rio Amazonas, mais especificamente nos
municípios de Careiro da Várzea, Autazes e Itacoatiara.
Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo apresentar os elementos da
geomorfologia fluvial comuns na região do médio Amazonas, como os furos naturais
e artificiais que são frutos da ação humana sobre a paisagem que ficou conhecida
como a geomorfologia antropogênica.
Material e métodos
Este trabalho partiu da revisão bibliográfica analisando dos principais trabalhos
que descrevem a dinâmica fluvial do rio Amazonas, são eles por ordem cronológica
Sioli (1951) que descreve o processo de erosão e sedimentação na calha do rio
Solimões; (STERNBERG, 1998; CARVALHO 2012; STEVAUX e LATRUBESSE 2017; LOUZADA et
al. 2018; LOUZADA 2020), que descrevem os processos de erosão fluvial, tipos de
transporte de partículas e as distintas formas de deposição de sedimentos.
O trabalho de campo foi realizado por via fluvial, com visitas guiadas por
moradores locais nos municípios de Careiro da Várzea, Autazes e Itacoatiara, para
registros de campo.
Resultado e discussão
Os rios são as principais vias de circulação de pessoas e mercadorias na
Amazônia, todavia, também apresentam dinâmicas sistêmicas próprias com destaque
para três processos principais, a erosão fluvial/terras caídas, transporte de
sedimentos e deposição, que são expressivos nos rios de água branca da região,
atuando principalmente nas áreas de várzea, que são fortemente ocupadas pelas
populações ribeirinhas (LOUZADA, 2020).
A unidade geomorfológica de várzea concentra significativas particularidades
influenciadas pelo sistema hídrico dominante, a exemplos dos elementos da
geomorfologia fluvial que são eles os furos naturais e os furos artificiais.
Antes de tudo, é imprescindível deixar claro que os conceitos entre furos
(naturais e artificiais), é diferente do conceito de paraná. Nesse sentido,
Soares (1977) foi pioneiro em conceituar os paranás, como canais paralelos ou
não ao rio principal, geralmente são largos, profundos e extensos, são
responsáveis por ligarem uma parte do rio a montante a outra parte a jusante,
margeando grandes ilhas. Como exemplos temos o Paraná da Eva no município de
Itacoatiara (AM) (LOUZADA, 2020) e o Paraná do Ramos em Barreirinhas (AM)
(AB’SABER, 2003) e Paraná do Cambixe no Careiro da Várzea (AM). Por sua vez,
Guerra e Guerra (2010) complementam afirmando que o termo paraná, é uma
terminologia amazônica de origem indígena que significa o braço de um grande
rio, que geralmente contorna grande ilhas, e é sempre navegável.
Ainda segundo Guerra e Guerra (2010), os cursos d’água da Amazônia que
apresentam furos, formam um verdadeiro labirinto de canais anastomosados, devido
a tonalidade da água do rio principal, quando adentra a planície de inundação.
Como exemplos há o furo (natural) do Paracuúba em Iranduba, entre outros que
estão localizados nos municípios de Careiro da Várzea, Autazes e Itacoatiara
(AM).
Sobre os furos, Louzada (2020) os classificou em duas categorias, o
furo natural e o furo artificial. O furo natural é um tipo de canal de ligação,
esculpido na várzea alta pelo próprio sistema hídrico dominante, eles são
estreitos e rasos, e drenam a água do rio principal durante a enchente, para o
interior da bacia de inundação, e durante a vazante ocorre ao contrário, sendo
comum em alguns trechos, permanecerem com água represada durante o processo de
vazante (LOUZADA, 2020, p.87). Já o furo artificial exerce as mesmas funções que
um furo natural, todavia é fruto de interferência humana na paisagem, através do
rompimento proposital da várzea alta, para que as águas do rio, adentrem com
maior rapidez e facilidade a várzea baixa, dessa forma acelerando o processo de
deposição nessas áreas (LOUZADA, 2020, p.88), criando novas paisagens
antropogênicas na várzea.
1.0 Furo natural
Dentro dos furos naturais mapeados nos municípios supracitados, os mesmos se
localizaram predominantemente em áreas de várzea, em sua área mais elevada que é
descrita como a várzea alta localizada as margens do curso principal do rio
Amazonas, e em alguns casos permanecem com água mesmo no período de vazante
(FIGURA 1).
Os furos naturais são esculpidos nas várzeas pelo próprio curso principal do rio
Amazonas, que em muitos casos acaba por conectar durante o período de enchente o
curso principal do rio a algum lago existente dentro da bacia de inundação,
quando isso ocorre, as águas dos lagos que geralmente apresentam a tonalidade de
água classificada como café, devido a elevada concentração de material em
decomposição, quando recebem as águas do rio Amazonas de coloração barrenta, que
é rica em grande variedade de nutrientes, e micropartículas de depósitos
aluvionais, altera a coloração dos lagos, tornando-os esbranquiçados, e novos
brotos de capins aquáticos começam a nascer nas margens (LOUZADA, 2020),
tornando o lago berçário de vários peixes, que utilizam suas águas para
depósitos de ovos.
1.1 Furo artificial
A planície de inundação exige um manejo mais cuidadoso e prudente das culturas,
da construção de habitação e criação de animais, refletindo nas formas de uso e
produção do espaço, consequentemente refletindo na construção de furos
artificiais. Sobre isso Cruz (2007) afirma que o intuito de construir furos
artificiais, é para acelerar o processo de depósitos de sedimentos, uma vez que
durante as enchentes/cheias, facilitam a entrada da água, levando grande
quantidade de sedimentos.
Por sua vez, Sternberg (1998) complementa ao explicar que há vários exemplos de
campos que foram formados graças à colaboração da água e do homem, e para tal
atravessa a crista justafluvial por meio de uma brecha, os furos, que imitam as
formas encontradas na natureza.
Como detentores de grande volume de conhecimento sobre as paisagens Amazônicas,
alguns ribeirinhos constroem furos artificiais nos trechos côncavos do rio, o
qual processo erosivo é mais intenso, o que Cruz (2007) explica como um
comportamento voltado pela “ânsia de recuperar o mais rápido possível as terras
de cultivos e de pastagens perdidas para o rio”.
Nesse sentido, os furos desempenham duas funções, que não necessariamente são
complementares, (a) intensificar a dinâmica natural de deposição de sedimentos,
com intuito de formas “novas terras”; (b) uma necessidade em otimizar o
transporte fluvial, a fim de reduzir trechos e cortar caminhos, além de
proporcionarem abrigo as embarcações durante tempestades, mais frequentes no
período de enchente.
Furos com intuito de acelerar o processo de deposição de sedimentos nas áreas
baixas, no fundo da restinga, durante as enchentes/cheias anuais tendem a ter
dimensões menores e pode ser feito com uso de maquinário como escavadeiras, algo
que foi encontrado tanto por Cruz (2007) no Careiro da várzea-AM, ou construído
de forma manual como o encontrado por Louzada (2020) no Arquipélago do Januário
em Itacoatiara- AM (FIGURA 2).
É que importante trazer conceitos da Geomorfologia Antropogênica para esta
seara, uma vez que esse ramo da Geomorfologia é “um estudo que não apenas
classifica as formas de relevo, mas considera como foram criadas e/ou alteradas
por agentes humanos/sociais, abrangendo aspectos comportamentais, culturais,
socioeconômicos e das políticas públicas como ações no sistema natural” (FROTA
FILHO, 2021). Observando suas influências nos processos morfodinâmicos naturais
(biofísicos) e antropogênicos, pensando a modelado como um ente que sofre
alterações cumulativas no tempo, ou seja, não esquecendo processos históricos.
Isso pois, o processo ampliação de furos naturais para auxiliar no transporte
fluvial, e os de furos artificiais para intensificação de dinâmicas
deposicionais, é algo relativo ao aspecto cultural dos ribeirinhos amazônidas,
sendo documentado por Geomorfólogos como Sternberg (1998) na década de 1940, e
por outros estudos da Geografia Cruz (2007), Carvalho (2012) e Silva et al
(2014), Cascaes (2020) e Louzada (2020, 2022), e mesmo da sociologia como de
Fraxe (2000).
É importante salientar que há interferência antrópica em furos naturais, e assim
destaca-se o caso do furo do Paracuúba, o qual Silva et al (2014) explicita que
registros de viajantes do século XIX indicavam que canoas passavam por esse
furo, contudo a década de 1960 sofreu a primeira intervenção humana, com
maquinário pesado para alargar e aprofundar o canal, com intuito de favorecer a
passagem de barcos de maior parte e quantitativo superior. Para tanto, no caso
do Furo do Paracuúba, a alteração na carga sedimentar desenvolveu uma ria
fluvial no rio Janauarí induzindo assim, a mudança de direção do curso d’água
antes do contato com Rio Negro do sentido N para NE (CASCAES, 2020)
Ainda que autores como Guerra e Guerra (2010) apontem que os furos não possuem
correnteza, quando há intervenções dessa magnitude nesses canais o processo de
erosão vertical e lateral inicia-se e é acentuado pela passagem de embarcações.
Que por sua vez geram mudanças nos ca
Furo Natural localizado no Arquipélago do Januário, município de Itacoatiara (2022). Fonte: Os autores.
Furo artificial localizado no Arquipélago do Januário (2019). Fonte: Louzada (2020).
Considerações Finais
No contexto amazônico os rios são as principais vias de locomoção e transporte,
e para tanto precisam ser fiscalizadas para seu melhor uso e avaliação, redução
e mitigação de impactos ambientais. As constantes alterações em canais, sejam
eles de origem natural ou antrópica, cresce com o advento do aumento de
embarcações, maior porte e com motores de maior potência. Fatores que
influenciam diretamente na erosão lateral das margens, e consequentemente
afetando outras dinâmicas, como processo deposicionais, o próprio equilíbrio do
canal, e por consequência a navegação e o cotidiano dessas comunidades
ribeirinhas.
O fluxo de embarcações não necessariamente tem relação com as populações
ribeirinhas, pois os rios são vias de transporte intermunicipal e interestadual,
logo é recorrente o trafego de embarcações com transporte de cargas. E há uma
relação direta entre as dimensões das embarcações e seus potenciais em
desencadear erosão lateral intensa, assim como a mesma relação no que concerne a
motores mais potentes.
Como demonstrado ao longo do presente trabalho, foram apresentados os furos
naturais e os furos artificiais enquanto elementos da geomorfologia fluvial
comuns na região do médio curso do rio Amazonas; os furos artificiais são
construídos a partir de interferência humana na paisagem, com o objetivo de
acelerar o processo de deposição, e também construir abrigo para embarcações,
isso tudo devido ao conhecimento tradicional ribeirinho sobre as dinâmicas
geomorfológicas.
Agradecimentos
Agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) pela concessão de bolsa, durante o meu Doutorado em Geografia (2017-2020)
pela Universidade Federal do Ceará- UFC.
Referências
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