• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

ELEMENTOS DA GEOMORFOLOGIA FLUVIAL: O CASO DOS FUROS NATURAIS E ARTIFICIAIS NO MÉDIO CURSO DO RIO AMAZONAS

Autores

  • CAMILA LOUZADASEDUC/AMEmail: profcamilalouzada@gmail.com
  • ARMANDO BRITO FROTA FILHOSEMED/AMEmail: armando_geomorfo@outlook.com

Resumo

O interior da planície do rio Amazonas é formado por uma complexa formação flúvio lacustre que é remodelada pela ação das águas transformando a paisagem constantemente. O presente trabalho tem como objetivo apresentar os elementos da geomorfologia fluvial comuns na região do médio curso do rio Amazonas, são eles os furos naturais e artificiais. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica e trabalho de campo. Os principais resultados foram que: a) os furos naturais mapeados encontram-se localizados em áreas de várzea, geralmente na várzea alta às margens do curso principal do rio Amazonas; b) os furos artificiais por sua vez também são encontrados nas áreas de várzea alta, todavia são construídos por ação humana. Diante disso, é possível afirmar que os elementos da geomorfologia fluvial como os furos naturais e artificiais sofrem influência seja da dinâmica fluvial do rio Amazonas, como dá ação humana ficou conhecido como geomorfologia antropogênica.

Palavras chaves

Geomorfologia Fluvial; Furo Natural; Furo Artificial; Geomorfologia Antropogênica; Rio Amazonas

Introdução

O contexto amazônico, local de povos originários e tradicionais como os ribeirinhos, é marcado por condições geoambientais próprias tornam a região o palco de grandes dinâmicas fluviais, sendo uma das principais a erosão fluvial, que proporciona o desbarrancamento das margens e seu processo natural de deposição influenciam na formação de ilhas e arquipélagos. Esses processos ocorrem em função das condições climáticas e hidrogeomorfológicas da região, em especial nas planícies de inundação dos rios de águas brancas, tal qual os rios Madeira, Solimões e Amazonas. Para tanto, Farias et al (2020) indica que tais áreas demandam um manejo mais cuidadoso e previdente dos recursos naturais, pois a relação entre essas áreas e as comunidades que nela habitam reflete-se em suas formas de uso, e na transformação do espaço, via apropriação do relevo. O interior da planície do rio Amazonas é formado por uma complexa formação flúvio lacustre, que associado aos processos da dinâmica fluvial mais comuns que são erosão fluvial, transporte e deposição, proporcionam particularidades regionais distintas ao longo da paisagem do rio Amazonas. O curso médio do rio Amazonas, como bem definiu Sioli (1951) é formado por águas brancas, influenciado principalmente pelo grande volume de sedimentos em suspensão contidos nas águas, e alimentados pelo processo natural de erosão fluvial e sedimentação muito perceptível nas margens do rio, seja através do surgimento de ilhas, seja através do total desaparecimento de outras. Nesse sentido o grande volume de água no canal principal também exercesse influencia sobre a paisagem de suas margens, é o caso da presença de furos naturais, esculpidos nas várzeas do médio curso do rio Amazonas, mais especificamente nos municípios de Careiro da Várzea, Autazes e Itacoatiara. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo apresentar os elementos da geomorfologia fluvial comuns na região do médio Amazonas, como os furos naturais e artificiais que são frutos da ação humana sobre a paisagem que ficou conhecida como a geomorfologia antropogênica.

Material e métodos

Este trabalho partiu da revisão bibliográfica analisando dos principais trabalhos que descrevem a dinâmica fluvial do rio Amazonas, são eles por ordem cronológica Sioli (1951) que descreve o processo de erosão e sedimentação na calha do rio Solimões; (STERNBERG, 1998; CARVALHO 2012; STEVAUX e LATRUBESSE 2017; LOUZADA et al. 2018; LOUZADA 2020), que descrevem os processos de erosão fluvial, tipos de transporte de partículas e as distintas formas de deposição de sedimentos. O trabalho de campo foi realizado por via fluvial, com visitas guiadas por moradores locais nos municípios de Careiro da Várzea, Autazes e Itacoatiara, para registros de campo.

Resultado e discussão

Os rios são as principais vias de circulação de pessoas e mercadorias na Amazônia, todavia, também apresentam dinâmicas sistêmicas próprias com destaque para três processos principais, a erosão fluvial/terras caídas, transporte de sedimentos e deposição, que são expressivos nos rios de água branca da região, atuando principalmente nas áreas de várzea, que são fortemente ocupadas pelas populações ribeirinhas (LOUZADA, 2020). A unidade geomorfológica de várzea concentra significativas particularidades influenciadas pelo sistema hídrico dominante, a exemplos dos elementos da geomorfologia fluvial que são eles os furos naturais e os furos artificiais. Antes de tudo, é imprescindível deixar claro que os conceitos entre furos (naturais e artificiais), é diferente do conceito de paraná. Nesse sentido, Soares (1977) foi pioneiro em conceituar os paranás, como canais paralelos ou não ao rio principal, geralmente são largos, profundos e extensos, são responsáveis por ligarem uma parte do rio a montante a outra parte a jusante, margeando grandes ilhas. Como exemplos temos o Paraná da Eva no município de Itacoatiara (AM) (LOUZADA, 2020) e o Paraná do Ramos em Barreirinhas (AM) (AB’SABER, 2003) e Paraná do Cambixe no Careiro da Várzea (AM). Por sua vez, Guerra e Guerra (2010) complementam afirmando que o termo paraná, é uma terminologia amazônica de origem indígena que significa o braço de um grande rio, que geralmente contorna grande ilhas, e é sempre navegável. Ainda segundo Guerra e Guerra (2010), os cursos d’água da Amazônia que apresentam furos, formam um verdadeiro labirinto de canais anastomosados, devido a tonalidade da água do rio principal, quando adentra a planície de inundação. Como exemplos há o furo (natural) do Paracuúba em Iranduba, entre outros que estão localizados nos municípios de Careiro da Várzea, Autazes e Itacoatiara (AM). Sobre os furos, Louzada (2020) os classificou em duas categorias, o furo natural e o furo artificial. O furo natural é um tipo de canal de ligação, esculpido na várzea alta pelo próprio sistema hídrico dominante, eles são estreitos e rasos, e drenam a água do rio principal durante a enchente, para o interior da bacia de inundação, e durante a vazante ocorre ao contrário, sendo comum em alguns trechos, permanecerem com água represada durante o processo de vazante (LOUZADA, 2020, p.87). Já o furo artificial exerce as mesmas funções que um furo natural, todavia é fruto de interferência humana na paisagem, através do rompimento proposital da várzea alta, para que as águas do rio, adentrem com maior rapidez e facilidade a várzea baixa, dessa forma acelerando o processo de deposição nessas áreas (LOUZADA, 2020, p.88), criando novas paisagens antropogênicas na várzea. 1.0 Furo natural Dentro dos furos naturais mapeados nos municípios supracitados, os mesmos se localizaram predominantemente em áreas de várzea, em sua área mais elevada que é descrita como a várzea alta localizada as margens do curso principal do rio Amazonas, e em alguns casos permanecem com água mesmo no período de vazante (FIGURA 1). Os furos naturais são esculpidos nas várzeas pelo próprio curso principal do rio Amazonas, que em muitos casos acaba por conectar durante o período de enchente o curso principal do rio a algum lago existente dentro da bacia de inundação, quando isso ocorre, as águas dos lagos que geralmente apresentam a tonalidade de água classificada como café, devido a elevada concentração de material em decomposição, quando recebem as águas do rio Amazonas de coloração barrenta, que é rica em grande variedade de nutrientes, e micropartículas de depósitos aluvionais, altera a coloração dos lagos, tornando-os esbranquiçados, e novos brotos de capins aquáticos começam a nascer nas margens (LOUZADA, 2020), tornando o lago berçário de vários peixes, que utilizam suas águas para depósitos de ovos. 1.1 Furo artificial A planície de inundação exige um manejo mais cuidadoso e prudente das culturas, da construção de habitação e criação de animais, refletindo nas formas de uso e produção do espaço, consequentemente refletindo na construção de furos artificiais. Sobre isso Cruz (2007) afirma que o intuito de construir furos artificiais, é para acelerar o processo de depósitos de sedimentos, uma vez que durante as enchentes/cheias, facilitam a entrada da água, levando grande quantidade de sedimentos. Por sua vez, Sternberg (1998) complementa ao explicar que há vários exemplos de campos que foram formados graças à colaboração da água e do homem, e para tal atravessa a crista justafluvial por meio de uma brecha, os furos, que imitam as formas encontradas na natureza. Como detentores de grande volume de conhecimento sobre as paisagens Amazônicas, alguns ribeirinhos constroem furos artificiais nos trechos côncavos do rio, o qual processo erosivo é mais intenso, o que Cruz (2007) explica como um comportamento voltado pela “ânsia de recuperar o mais rápido possível as terras de cultivos e de pastagens perdidas para o rio”. Nesse sentido, os furos desempenham duas funções, que não necessariamente são complementares, (a) intensificar a dinâmica natural de deposição de sedimentos, com intuito de formas “novas terras”; (b) uma necessidade em otimizar o transporte fluvial, a fim de reduzir trechos e cortar caminhos, além de proporcionarem abrigo as embarcações durante tempestades, mais frequentes no período de enchente. Furos com intuito de acelerar o processo de deposição de sedimentos nas áreas baixas, no fundo da restinga, durante as enchentes/cheias anuais tendem a ter dimensões menores e pode ser feito com uso de maquinário como escavadeiras, algo que foi encontrado tanto por Cruz (2007) no Careiro da várzea-AM, ou construído de forma manual como o encontrado por Louzada (2020) no Arquipélago do Januário em Itacoatiara- AM (FIGURA 2). É que importante trazer conceitos da Geomorfologia Antropogênica para esta seara, uma vez que esse ramo da Geomorfologia é “um estudo que não apenas classifica as formas de relevo, mas considera como foram criadas e/ou alteradas por agentes humanos/sociais, abrangendo aspectos comportamentais, culturais, socioeconômicos e das políticas públicas como ações no sistema natural” (FROTA FILHO, 2021). Observando suas influências nos processos morfodinâmicos naturais (biofísicos) e antropogênicos, pensando a modelado como um ente que sofre alterações cumulativas no tempo, ou seja, não esquecendo processos históricos. Isso pois, o processo ampliação de furos naturais para auxiliar no transporte fluvial, e os de furos artificiais para intensificação de dinâmicas deposicionais, é algo relativo ao aspecto cultural dos ribeirinhos amazônidas, sendo documentado por Geomorfólogos como Sternberg (1998) na década de 1940, e por outros estudos da Geografia Cruz (2007), Carvalho (2012) e Silva et al (2014), Cascaes (2020) e Louzada (2020, 2022), e mesmo da sociologia como de Fraxe (2000). É importante salientar que há interferência antrópica em furos naturais, e assim destaca-se o caso do furo do Paracuúba, o qual Silva et al (2014) explicita que registros de viajantes do século XIX indicavam que canoas passavam por esse furo, contudo a década de 1960 sofreu a primeira intervenção humana, com maquinário pesado para alargar e aprofundar o canal, com intuito de favorecer a passagem de barcos de maior parte e quantitativo superior. Para tanto, no caso do Furo do Paracuúba, a alteração na carga sedimentar desenvolveu uma ria fluvial no rio Janauarí induzindo assim, a mudança de direção do curso d’água antes do contato com Rio Negro do sentido N para NE (CASCAES, 2020) Ainda que autores como Guerra e Guerra (2010) apontem que os furos não possuem correnteza, quando há intervenções dessa magnitude nesses canais o processo de erosão vertical e lateral inicia-se e é acentuado pela passagem de embarcações. Que por sua vez geram mudanças nos ca

Figura 1:

Furo Natural localizado no Arquipélago do Januário, município de Itacoatiara (2022). Fonte: Os autores.

Figura 2:

Furo artificial localizado no Arquipélago do Januário (2019). Fonte: Louzada (2020).

Considerações Finais

No contexto amazônico os rios são as principais vias de locomoção e transporte, e para tanto precisam ser fiscalizadas para seu melhor uso e avaliação, redução e mitigação de impactos ambientais. As constantes alterações em canais, sejam eles de origem natural ou antrópica, cresce com o advento do aumento de embarcações, maior porte e com motores de maior potência. Fatores que influenciam diretamente na erosão lateral das margens, e consequentemente afetando outras dinâmicas, como processo deposicionais, o próprio equilíbrio do canal, e por consequência a navegação e o cotidiano dessas comunidades ribeirinhas. O fluxo de embarcações não necessariamente tem relação com as populações ribeirinhas, pois os rios são vias de transporte intermunicipal e interestadual, logo é recorrente o trafego de embarcações com transporte de cargas. E há uma relação direta entre as dimensões das embarcações e seus potenciais em desencadear erosão lateral intensa, assim como a mesma relação no que concerne a motores mais potentes. Como demonstrado ao longo do presente trabalho, foram apresentados os furos naturais e os furos artificiais enquanto elementos da geomorfologia fluvial comuns na região do médio curso do rio Amazonas; os furos artificiais são construídos a partir de interferência humana na paisagem, com o objetivo de acelerar o processo de deposição, e também construir abrigo para embarcações, isso tudo devido ao conhecimento tradicional ribeirinho sobre as dinâmicas geomorfológicas.

Agradecimentos

Agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa, durante o meu Doutorado em Geografia (2017-2020) pela Universidade Federal do Ceará- UFC.

Referências

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