Autores
- ADRIELLY FERREIRA DE FRANÇAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: adrielly.ferreira@upe.br
- GUSTAVO WILLIAM DA SILVA AZEVEDOUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: gustavo.william@upe.br
- KLEBER CARVALHO LIMAUNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - CAMPUS GARANHUNSEmail: kleber.carvalho@upe.br
Resumo
Pesquisas geomorfológicas sobre drenagens efêmeras no semiárido do Brasil são
recentes e de extrema importância para discutir interferências antrópicas no
ambiente. No semiárido brasileiro, a combinação entre o elevado déficit hídrico
e formas inadequadas de uso dos recursos hídricos, gera alterações no sistema
fluvial, sendo necessário a realização de pesquisas que analisem a questão.
Desse modo tem-se como objetivo compreender as características fluviais do
riacho do Boi e contribuir com o conhecimento sobre as drenagens efêmeras. Para
a realização da pesquisa foi feita a base cartográfica e a identificação das
feições fluviais. Observou-se que a rede de drenagem da bacia hidrográfica do
riacho do Boi possui os padrões dendrítico, em treliça e retangular, típicos de
áreas planas com influência estrutural do semiárido. Aponta-se que a combinação
entre o elevado déficit hídrico e formas inadequadas de uso dos recursos
hídricos, conduzem a alterações nos sistemas fluviais como um todo.
Palavras chaves
Drenagens efêmeras; Geomorfologia; Dinâmica fluvial; Características fluviais; Semiárido
Introdução
Os rios são considerados como agentes significativos de elaboração do relevo,
onde a ação fluvial ocorre devido a energia gerada pela corrente de água,
desenvolvendo processos de erosão, transporte e deposição de material (STEVAUX;
LATRUBESSE, 2017). Como termo sinônimo, os rios também são denominados de canal
de drenagem, sendo constituídos essencialmente por leito e margens que o definem
lateralmente, responsável pelo fluxo de água fluvial (GUERRA E GUERRA, 2011). De
acordo com o comportamento temporal do fluxo hidrológico, os canais de drenagem
podem ser classificados em perene, intermitente e efêmero. Segundo
Christofoletti (1980), rios perenes são aqueles que contém água durante todo o
ano e os intermitentes são aqueles que apresentam água durante o período chuvoso
e ausência no período de estiagem. Graf (1988), definiu os canais efêmeros como
aqueles cujo fluxo hídrico ocupa o leito episodicamente, durante e logo após as
chuvas, permanecendo secos na maior parte do tempo.
De modo a se compreender a sua importância para a elaboração do relevo, torna-
se fundamental a compreensão da morfodinâmica fluvial (STEVAUX; LATRUBESSE,
2017). Isso implica no entendimento teórico sobre os seus processos, formas de
relevo resultantes, assim como suas características morfométricas (LIMA et al.,
2013). No semiárido do Brasil, a combinação entre o elevado déficit hídrico e
formas inadequadas de uso dos recursos hídricos, conduzem a alterações nos
sistemas fluviais como um todo. Por isso é necessário que haja a compreensão da
dinâmica fluvial no sentido de garantir a preservação ambiental. Assim, o
objetivo desse trabalho é compreender as características fluviais do riacho do
Boi, Semiárido de Pernambuco, de modo a contribuir com o conhecimento sobre a
dinâmica das drenagens efêmeras.
Material e métodos
2.1 Caracterização da área de estudo
A área está inserida, geologicamente, na Província Borborema, sendo constituído
pelos litotipos do Complexo Cabrobó, Complexo Belém do São Francisco, Depósitos
aluvionares e os Granitóides Indiscriminado. Apresenta clima semiárido, com
temperatura média anual variando de 24°C a 26°C, precipitação pluviométrica em
torno de 431,8 mm e índice de aridez de 0,31 (CPRM,2005). Segundo Melo (1988), a
ausência relativa de elevações reduz as influências orográficas, acentuando as
condições da semiaridez do ambiente. Essas características resultam em altas
taxas de evapotranspiração anual, resultando em frequentes estiagens
queinfluenciam na escassez dos recursos hídricos por longos períodos. O relevo
está inserido na Depressão Sertaneja, que representa o relevo mais comum do
semiárido nordestino, caracterizado por uma superfície de pediplanação
(Pediplano Sertanejo), predominantemente suave-ondulada, pouco dissecada,
cortada por vales amplos e canais de drenagem efêmeros (figuras 2 e 3). As
elevações residuais, cristas e/ou outeiros são comuns e indicam a ocorrência de
ciclos intensos de erosão que atingiram grande parte do sertão nordestino, esses
relevos residuais ocorrem de forma esparsa (CPRM, 2005).
No que se refere aos solos, ocorrem na paisagem, três classes: Luvissolos
Crômicos, Planossolos Nátricos e os Neossolos Regolíticos, os quais sustentam
uma vegetação característica da caatinga, que é resultante da interação de
diversos elementos como a ação do clima, do tipo de solo, do relevo e dos
processos histórico-biogeográficos, decorrente de um complexo ambiental dinâmico
(FIGUEIRÓ, 2015). Com relação às ações antrópicas, ocorrem problemas em relação
ao controle do desmatamento, pois, a pecuária ocupa grande parte dos terrenos da
região, aumentando de forma significativa a degradação da vegetação (EMBRAPA,
2001).
2.2 Métodos
Para a realização da pesquisa, foi elaboração a base cartográfica em escala
1:100.000, no software QGIS, contendo curvas de nível, pontos cotados, canais de
drenagem, lagoas e açudes/represas, dentre outros elementos antrópicos. Estes
foram extraídos a partir de dados obtidos em ortofotos, modelos digitais do
terreno (MDT) e modelos digitais de elevação (MDE) do Projeto Pernambuco
Tridimensional (PE3D), disponibilizados pela Agência Pernambucana de Águas e
Clima (APAC). Posteriormente, foram elaborados mapas temáticos, como Geologia,
Hipsometria, Declividade, Relevo sombreado, Solos e Uso da terra, a partir de
bases cartográficas da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), do
portal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e de imagens
orbitais do satélite LandSat-8, do ano de 2021. A partir do mapeamento da rede
de drenagem em escala 1:5.000, foram identificados setores representativos da
rede de drenagem da bacia do riacho do Boi, além da identificação das formas de
relevo de origem fluvial.
Resultado e discussão
A bacia hidrográfica riacho do Boi é uma sub-bacia do Rio Pajeú, que por sua
vez, constitui-se em afluente do Rio São Francisco. Quase toda área da bacia
está situada no município de Itacuruba- PE, e montante, uma pequena área situa-
se no município de Belém do São Francisco (figura 1).
Foi observado que a rede de drenagem da bacia hidrográfica do riacho do Boi
possui os padrões dendrítico, em treliça e retangular. Os trechos dendríticos
são predominantes (figura 3-A), apresentam semelhança com a configuração de uma
árvore, por se desenvolver em terrenos com rochas relativamente homogêneas, além
dos canais de drenagem se unirem entre si, formando ângulos agudos variados, mas
sem chegar ao ângulo reto. Os trechos em treliça ocorrem devido as estruturas
falhadas e aos terrenos com diferentes graus de resistência litológica. Suas
características são de confluências que apresentam ângulos retos, um certo
lineamento geral dos cursos de água com direção reta, havendo também alterações
no curso de água em ângulos retos. O padrão retangular, por sua vez, ocorre em
terrenos com sistemas de falhas e apresenta aspecto ortogonal. Este padrão tem
por característica, alterações retangulares bruscas nos rios, tanto no principal
quanto nos tributários.
O canal principal da bacia possui trechos com tipologia anastomosado, sendo o
predominante nas áreas amostrais mapeadas em detalhe (Figura 3-B). Os canais
anastomosados apresentam um volume de sedimento formadores da carga de fundo até
cinco vezes a carga de fundo de um canal não anastomosado (GOUDIE, 2013). A
relação de longos períodos de estiagem, pouca cobertura vegetal favorecem o
aumento da carga de fundo e a formação dos canais anastomosados (BIGARELLA,
SUGUIO e BECKER, 1979). Esse volume maior de carga de fundo é responsável pela
formação de depósitos de areia e cascalho como barras, longitudinais e laterais,
que podem sofrer processo de estabilização e transformar-se em ilhas. A
quantidade de ilhas e barras no canal o subdivide, assim os canais anastomosados
são formados por diversos “sub-canais” entrecortados pelas ilhas e pelas barras
(BIGARELLA, SUGUIO; BECKER, 1979; STEVAUX; LATRUBESSE, 2017). Durante as cheias
há rápidas mudanças na localização e geometria desses canais, podendo gerar,
através de relocação lateral, os chamados canais enterrados (GRAF, 1988).
Em alguns trechos, identificou-se a tipologia de canais retilíneos. Em regiões
secas, como na área de estudo, ocorrem quando há um controle litológico das
margens e uma maior declividade, normalmente próximo das cabeceiras, onde não há
um grande aporte de sedimentos no canal, sendo comum a sequência de corredeiras
e depressões no seu leito (GRAF, 1988). Eles também podem se encaixar em linhas
de fraqueza e entalhá-las, sendo comuns canais retilíneos em áreas com forte
controle estrutural.
Localização da bacia hidrográfica do riacho do Boi (PE).
Trecho representativo do riacho do Boi (PE). Fonte: trabalho de campo realizado em fevereiro de 2023.
Bacia hidrográfica do riacho do Boi com trecho representativo demonstrando padrão dendrítico (A) e trecho de canal anastomosado (B).
Considerações Finais
Diante do objetivo e da metodologia proposta, observou-se que a classificação de
canais de drenagem é de suma importância para a compreensão da dinâmica fluvial da
área de estudo. Isso implica no entendimento teórico sobre os seus processos,
formas de relevo resultantes, assim como suas características morfométricas.
Desse modo, acredita-se que o mapeamento dos recursos hídricos superficiais em
escalas detalhadas, deve ser desenvolvido com procedimentos técnicos específicos
voltados para a finalidade de compreender o funcionamento da dinâmica fluvial e
como a ação antrópica interfere na rede de drenagem. Considerando que estudos
geomorfológicos sobre drenagens efêmeras no semiárido do Brasil ainda precisam
avançar de forma a contemplarem as especificidades locais. Aponta-se a necessidade
de se fazer estudos sobre a dinâmica fluvial pois, a combinação entre o elevado
déficit hídrico e formas inadequadas de uso dos recursos hídricos, conduzem a
alterações nos sistemas fluviais como um todo.
Agradecimentos
Referências
BIGARELLA, J. J.; SUGUIO, K.; BECKER, R. D. Ambiente Fluvial: Ambientes de Sedimentação, sua interpretação e importância. 1ª. ed. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná. Associação de Defesa e Educação Ambiental, 1979.
CPRM. Serviço geológico do Brasil- Disponível em <http://www.cprm.gov.br/>
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo. Editora Edgard Blücher. 1980. 188 p.
EMBRAPA - Portal Embrapa. Embrapa.br. Disponível em: <https://www.embrapa.br/solos>.
FIGUEIRÓ, Adriano S. Biogeografia: dinâmicas e transformações da natureza / Adriano S. Figueiró. -- São Paulo :Oficina de Textos, 2015.
GOUDIE, A.S. Arid and semi-arid geomorphology. Cambridge university press, 2013.
GRAF, W.L. Fluvial processes in Dryland Rivers. Berlin: Spring-Verlag, 1988. 346 p.
GUERRA, A.T.; GUERRA, A.J.T. Novo dicionário geológico-geomorfológico. Nona edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. 648 p.
LIMA, K. C.; CUNHA, C. M. L.; PEREZ FILHO, A Dificuldades e possibilidades da cartografia geomorfológica no semiárido brasileiro. Revista Brasileira de Cartografia, n.65, v. 6, p. 1063-1073, 2013.
MELO, M. L. Áreas de exceção da Paraíba e dos Sertões de Pernambuco. Recife: SUDENE, 1988. 321 p.
STEVAUX, J.C.; LATRUBESSE, E. M. Geomorfologia fluvial. São Paulo: Oficina de Textos, 2017.