• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Avulsões recentes na bacia hidrográfica do alto rio Paraná: distribuição geográfica, características e significados

Autores

  • DÉBORA JANAÍNA TAÇAUNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁEmail: deboraatacaa@gmail.com
  • EDUARDO SOUZA DE MORAISUNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁEmail: esmorais2@uem.br

Resumo

A avulsão é um processo geomorfológico com relevante potencial para modificar à paisagem fluvial. Ainda assim há uma escassez de estudos sobre avulsões na escala de análise da bacia hidrográfica. Esta pesquisa buscou compreender a distribuição espacial e temporal das avulsões na bacia hidrográfica do alto rio Paraná. A pesquisa identificou 57 avulsões, detectadas com base na análise de imagens disponíveis no Google Earth Pro entre anos 2000 a 2022. Cada processo foi mapeado e as características examinadas em sistema de informação geográfica. As avulsões foram predominantemente classificadas em parciais e anexação/incisão. A proposição de um novo índice referente a distribuição longitudinal sugere que os processos estão concentrados na transição do médio para o baixo curso dos rios. Algumas avulsões indicam associação com a agradação dos canais em razão da perda de solo e da elevada conectividade lateral de áreas de drenagem com litologias friáveis e manejo inadequado do uso do solo.

Palavras chaves

mudança de canal; rio Paraná; índice; ;

Introdução

Rios podem apresentar mudanças que causam importantes transformações na paisagem. Como um dos processos que alteram o canal fluvial, destaca-se o processo de avulsão, que causa divergência de uma parte do fluxo do rio, ocasionando uma nova configuração em planta do canal. As avulsões podem ser completas quando se estabelece o abandono do canal principal, ou parciais, enquanto o novo canal coexiste com o canal principal (SLINGERLAND; SMITH, 2004). Também podem ser classificadas pelo modo como originou-se o novo canal: incisão, anexação ou progradação. A avulsão por incisão é quando um novo canal é criado, o rio rompe o dique marginal e escava um novo caminho, já a avulsão por anexação acontece com a ocupação de paleocanais na planície de inundação (SLINGERLAND; SMITH, 2004). Por fim avulsão por progradação decorre com a formação de leque de espraiamento (JONES; HARPER, 1998). Uma outra característica deste processo fluvial é o comprimento da avulsão, que é a extensão do local em que o rio inicia a avulsão até o ponto que novo canal se reconecta ao canal principal (EDMONDS et al. 2016). As causas das avulsões são diferentes para cada rio, que apresenta um arranjo único de fatores relacionados ao contexto da bacia hidrográfica que teve avulsão. Muitas explicações para o início das avulsões foram sugeridas, no entanto os fatores mais relevantes são as taxas de agradação do canal, a redução da capacidade de transporte de água e sedimentos, ocasionado pelo aumento da sinuosidade ou barreiras naturais e artificias (EVANS; POTUCEK, 2019). Outros estudos confirmam que a retirada da vegetação, abalos sísmicos, mudanças climáticas e profundidade do canal, também explicam o desenvolvimento de avulsões (MOHRIG et al. 2000; SAH; KUMAR; DAS, 2022; STEVAUX; SOUZA, 2004). Os estudos conceituais sobre avulsões e suas características são avançados, mas raras são as análises que se dedicam a explicar sua distribuição em sistemas fluviais. De modo geral os processos de avulsão são abordados de forma isolados em trechos fluviais, envolvendo os processos e suas características locais. Todavia pesquisas recentes têm inquerido a espacialização e quantificação das avulsões atuais, em ao menos algumas bacias de antepaís (foreland basin), nas cordilheiras dos Andes e dos Himalaias e também em bacias hidrográficas em áreas de convergência da Nova Guiné (VALENZA; EDMONDS; WEISSMANN, 2022, VALENZA et al. 2020). Novos estudos trazem uma abordagem histórica com o uso de imagens Landsat, tornando possível, por exemplo, a identificação de 286 processos de avulsões entre os anos de 1990 e 2019 na planície aluvial Ganga-Brahmaputra nos Himalaias (SAH; KUMAR; DAS, 2022). A avulsão tem uma importância ambiental, visto que é um mecanismo essencial na construção de áreas úmidas, além de estar associadas com reservatórios de água e hidrocarbonetos (SLINGERLAND; SMITH, 2004). Se a avulsão pode ser vista como algo benéfico para o ecossistema local, pode também desencadear desastres. A avulsão do rio Kosi migrou cerca de 60km a leste da parte central de seu leque, deixou um rastro de destruição e afetou a vida de pessoas (CHAKRABORTY et al. 2010). O objetivo deste trabalho é avaliar a distribuição e as características de avulsões da bacia do alto rio Paraná. Buscou-se compreender como o processo se originou (tipo), se já finalizou ou ainda está em curso (estágio), e ainda, qual a extensão do processo (escala de comprimento). Ademais, também é objetivo deste trabalho a apresentação de um índice de distribuição longitudinal normalizado para análise dos processos de avulsão. O rio Paraná está entre os maiores rios tropicais (LATRUBESSE; STEVAUX; SINHA, 2005). A região tem uma relevância social, ambiental e econômica em um contexto nacional e sua extensão é de aproximadamente 878.347,43 km. A bacia hidrográfica do alto rio Paraná concentra um terço da população brasileira, na área mais urbanizada e industrializada do país (ITAIPU BINACIONAL, 2021).

Material e métodos

A identificação das avulsões foi fundamentada no conceito estabelecido por Slingerland e Smith (2004) que relata que a avulsão é um processo de divergência do fluxo com a formação de um novo canal. As avulsões foram mapeadas com imagens de satélite disponíveis no Google Earth Pro, em sua maioria entre os anos de 2000 e 2022. A série histórica de imagens de satélite possibilitou a classificação do tipo de avulsão e escala de comprimento. Utilizou-se o limite das Macrorregiões Hidrográficas, elaborada em conjunto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA; IBGE;2021). A bacia hidrográfica do alto rio Paraná foi dividida em sete Mesorregiões Hidrográficas, o que proporcionou uma sistematização e observação mais organizada. Rios principais foram identificados de acordo com a Base Hidrográfica Ottocodificada da Bacia do Rio Paraná (ANA,2018). A quantificação e na categorização de atributos do processo de avulsão foram avaliados (Quadro 1) no sistema de informações geográfica QGIS. As avulsões foram consideradas completas, na condição em que se identificou abandono do canal com o estabelecimento do fluxo no novo canal, e parcial com a manutenção do funcionamento dos dois canais (SLINGERLAND; SMITH, 2004). É importante salientar que as avulsões parciais ainda estão em processo de evolução, e podem vir a ser completas, como também, pode vir a não ter sucesso, quando o fluxo é reestabelecido para o canal principal. Foi analisado o tempo médio que uma avulsão completa demora para se estabelecer. Porém, com a baixa frequência de imagens do Google Earth Pro disponibilizadas na plataforma, não foi possível acompanhar o desenvolvimento das avulsões em todos os anos. Fato esse que dificultou o cálculo com exatidão de quanto tempo levou para que as avulsões completas finalizassem seu processo e em que ano teve início, em algumas regiões houve um intervalo de mais de 10 anos sem imagens. Na situação em que não foi possível investigar a imagem anterior a mudança, e que a avulsão não se tornou completa, foi considerado como intervalo de tempo indeterminado. A medida da escala de comprimento das avulsões foi determinada a partir da distância em linha reta, do local do rompimento do dique do canal principal ao local em que o canal avulsionado se reintegra ao canal principal (MACK; LEEDER, 1998). Com os dados de medição de todos os processos identificados na bacia hidrográfica do alto rio Paraná foram calculados a média, mediana e desvio padrão. As avulsões também foram distinguidas entre locais quando o canal de avulsão se reintegra ao próprio canal principal e regionais as avulsões que alteraram a confluência (SLINGERLAND; SMITH, 2004). Para classificar o tipo de avulsão apoiou-se na concepção de Slingerland e Smith (2004) que diferencia a avulsão em anexação, incisão e progradação. Este estudo reconheceu como avulsões por anexação aquelas em que o canal de avulsão se estabeleceu em partes ou totalmente sob um paleocanal, ou ainda sobre um canal de planície de inundação. As avulsões por incisão foram reconhecidas como naquelas estabelecidas na ausência de paleocanais ou canais de planícies de inundação preexistentes em segmentos do canal de avulsão. Na condição em que não foi possível observar a área anterior a mudança, devido a imagens com baixa qualidade ou inexistência das mesmas, classificou as avulsões como anexação/incisão. Por progradação foram classificados os processos que se iniciaram com um leque de espraiamento (crevasse), caracterizando inicialmente num sistema distributário. Para avaliar a variação da distribuição espacial dos nós das avulsões (locais com início da avulsão) ao longo da extensão dos rios foi proposto um índice que contabiliza essa variação de modo normalizado.

Resultado e discussão

A pesquisa resultou na identificação de 57 processos de avulsão na bacia hidrográfica do alto rio Paraná entre os anos de 2000 e 2022. Dentre as unidades geográficas de gerenciamento (Quadro 1), a Mesorregião Hidrográfica Paraná Oeste apresentou a maior concentração de avulsões, com 54% dos processos. Com relação à litologia, a subprovíncia de Coberturas Cenozoicas Indiscriminadas, concentrou a maior parte das avulsões (79%). Os processos avulsivos se aglutinam em tributários da margem direita do rio Paraná (58%). Uma quantidade semelhante de avulsões se desenvolvem na margem direita de cada curso fluvial, representando 56%. Todas as avulsões foram registradas em tributários do rio Paraná. Os rios que apresentam o maior número de avulsões são os rios Tibiriçá e Guiraí, ambos com oito processos. As avulsões por anexação/incisão correspondem a 60% dos processos. Das avulsões que foram classificadas, o tipo mais recorrente na bacia do alto rio Paraná é por anexação com 23%. Esse resultado é consistente com Valenza et al. (2020) que descobriu que anexação é o estilo de avulsão dominante entre os 63 processos estudados em bacias dos Andes, Himalaia e Nova Guiné. Assim como também em outro estudo um destes pesquisadores constatou que de 55 avulsões mapeadas nas bacias de antepaís dos Andes e do Himalaia que ocorreram entre 1984 a 2014, mais da metade dos processos de avulsão (60%) são por anexação (EDMONDS et al. 2016). Embora 34 avulsões da pesquisa foram classificadas como anexação/incisão, a maior parte parece derivar de anexação, pelo fato de apresentar largas planícies de inundação com cicatrizes de canais abandonados, ainda que não seja possível observar o local exato em que o processo se aproveitou da paleodrenagem. Todas as avulsões analisadas foram locais, ou seja, se reintegraram ao canal principal e não alteraram a confluência. As avulsões observadas na bacia hidrográfica do alto rio Paraná, são predominantemente parciais, constituindo 63% dos processos. As avulsões completas levaram em média 8 anos para transferir totalmente o fluxo do canal principal para o canal de avulsão. Esse intervalo é sutilmente menor, se comparado a outros estudos. Em um processo registrado no rio do Peixe, há uma avulsão parcial que já dura ao menos 42 anos (MORAIS; MONTANHER, 2022). Jones e Harper (1998) documentaram uma avulsão no rio Grande, EUA, em que o fluxo mudou para o canal de avulsão em um intervalo de 9 a 14 anos. Nas de antepaís dos Andes e do Himalaia, um estudo revelou que as avulsões completas levaram em média 11 anos para se estabelecer (EDMONDS et al. 2016). A maior escala de comprimento documentada foi por anexação, resultando 12.450,02m, o processo ocorre no rio do Peixe no estado de São Paulo e se distingue das demais amostras por apresentar um valor superior, podendo ser considerada atípica. Por este motivo foi excluída na contabilização da média das demais avulsões por anexação. A avulsão por anexação deteve a maior média de escala de comprimento (2.696,71m) em detrimento das avulsões por incisão (468,05m) ou progradação (936,46m). A avulsão por anexação apresenta a maior média, provavelmente relacionada com condições morfológicas vantajosas. O processo de avulsão por anexação é favorecido porque compartilha das mesmas características do sistema primordial, e normalmente precisa passar por ajustes mínimos na largura do canal (VALENZA; EDMONDS; WEISSMANN, 2022). A reocupação pode ser amparada por canais abandonados não preenchidos que representam menor resistência (MOHRIG et al. 2000). As avulsões estão concentradas em altitudes menores que 500m, 88% das ocorrências situam-se entre 454,7m a 229,9m de altitude (Figura 1). As duas avulsões em maiores níveis altimétricos foram identificadas com 777,7m e 774,3m, no sudoeste mineiro próximo ao município de Formiga, no rio Pouso Alegre. A localização e o gradiente dos rios são importantes para compreender questões como eficiência de fluxo, características do vale aluvial e transporte de sedimentos. Os trechos de gradiente mais alto possuem maior conectividade longitudinal, enquanto que trechos mais baixos possuem menor conectividade longitudinal (WOHL et al. 2016). O índice longitudinal do nó da avulsão (Ilna), proposto neste trabalho, indica de modo normalizado a distribuição do processo em detrimento da extensão do rio, ou seja, aferir se a avulsão está mais próxima à confluência ou a nascente. Os valores próximos a 0 demonstram que a avulsão se desenvolve próximo à confluência, já os valores próximos a 1 demonstram que a avulsão está próxima a nascente. O valor médio do Ilna foi de 0,33. Esse índice não apresentou correlação significativa entre a escala de comprimento e a altitude das avulsões. Um estudo realizado no rio Chacoura, perto de Trois-Rivières (Quebec), apontou que as mudanças são mais prováveis próximos a confluência, apenas alguns registros mostram mudanças a montante, já muitas cicatrizes de deslizamentos de terra foram constatadas a jusante, ou seja, na área com menor altitude (LEVY et al. 2012). Isso coincide com Sah, kumar e Das (2022) que afirma que, quando o rio se afasta da cordilheira e se aproxima de áreas planas ele perde sua capacidade de transporte, fato que leva a deposição de sedimentos mais grossos, resultando em canais com pouca coesão. A análise da paisagem de onde ocorreram avulsões modernas mapeadas neste estudo indicou que, ao menos parcialmente, há relevante contribuição de fatores antrópicos para este processo. A bacia do alto rio Paraná passou por alterações significativas no século XX, grande parte da vegetação natural foi retirada em resposta ao aumento da população, produção de alimentos e geração de energia (RUDKE et al. 2022), intensificando, consequentemente, a produção de sedimentos. A avulsão no rio Guiraí (fig. 2), próximo ao município de Novo Horizonte do Sul, no sudoeste do Mato Grosso do Sul, é representativa da elevada transferência de sedimentos das vertentes para as planícies de inundação e canais. A conectividade lateral que resultou nessa avulsão possui forte associação com o tipo de uso do solo e as subprovíncias geológicas. Estes fatores potencializaram a perda de solo das vertentes para a planície de inundação e o canal. A fig. 2 demonstra o antes e depois de uma avulsão provocada pelo manejo inadequado do solo. A fig.12.A de março de 2010, mostra que o canal principal está se assoreando, e que com a obstrução inicial é formado um leque aluvial. Na fig.12.B de setembro de 2018, a avulsão anexação já está completa, é notável que a erosão deposita uma grande carga de sedimento barrando o fluxo da água e que o canal de avulsão se aproveita do final de um pequeno trecho no outro lado da margem.

QUADRO 1:

Dados do conjunto de avulsões na bacia hidrográfica do alto rio Paraná.

Figura 1:

Mesorregião Hidrográficas e avulsões identificadas na bacia hidrográfica do alto rio Paraná.

FIGURA 2:

Avulsão por anexação, ocasionada pela obstrução do canal principal.

Considerações Finais

A pesquisa identificou 57 avulsões ao longo de 22 anos, apenas poucos destes processos haviam sido reportados anteriormente. A avulsão por anexação é o tipo dominante, e apresenta a maior média de escala de comprimento, isso se deve ao fato de condições favoráveis para se estabelecer, se apoiando em partes ou totalmente sob um canal abandonado. Aproximadamente 60% das avulsões não completou seu processo em até 20 anos, dentre as avulsões completas o intervalo médio foi de 8 anos. Os resultados iniciais indicam que os processos ocorrem, majoritariamente, na transição do médio para o baixo curso do rio, onde geralmente há o acumulo de sedimentos, extensas áreas de planícies de inundação e variação da declividade do canal. O resultado sugere, preliminarmente, que há avulsões associadas a elevada produção de sedimentos e conectividade lateral proveniente de áreas de drenagem com solos friáveis e manejo inadequado. O índice desenvolvido neste estudo possibilitou avaliar de modo comparativo a distribuição longitudinal dos processos de avulsão.

Agradecimentos



Referências

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