• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

ANÁLISE PRELIMINAR DA EVOLUÇÃO MORFOLÓGICA DO CANAL FLUVIAL DO RIO ACRE: INDICADORES DE IMPACTOS NA REDE DE DRENAGEM NO SUDOESTE DA AMAZÔNIA-ACRE

Autores

  • JOÃO VITOR DA COSTA NEGREIROSUNIVERSIDADE FEDERAL DO ACREEmail: joao.negreiros@sou.ufac.br
  • MÁRCIO SILVA SOUZA DOS SANTOSUNIVERSIDADE FEDERAL DO ACREEmail: silva.marcio@sou.ufac.br
  • FRANCISCO IVAM CASTRO DO NASCIMENTOUNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIAEmail: ivam.nc@gmail.com
  • WALDEMIR LIMA DOS SANTOSUNIVERSIDADE FEDERAL DO ACREEmail: waldemir.santos@ufac.br

Resumo

O trabalho em questão analisa a evolução lateral do canal fluvial do rio Acre associado ao uso e ocupação da terra, por meio de uma análise espaço-temporal dos anos de 1985 a 2022, em um percurso de 29 km, entre os municípios de Rio Branco e Senador Guiomard, estado do Acre. O estudo foi realizado, por meio da utilização de imagens em ambiente SIG (Sistema de Informações Geográficas) dos satélites Landsat e Formosat dos anos de 1985, 1995, 2008 e 2022. A importância desse estudo foi de realizar apontamentos acerca da evolução lateral do rio Acre e os potenciais impactos sobre o canal. Os resultados encontrados no decorrer da pesquisa estabelecem uma mudança do uso e ocupação da terra e uma evolução lateral do rio que pode estar associada às ações antrópicas, indicando a necessidade de políticas públicas de uso e ocupação das margens do rio Acre para melhor utilização dos recursos naturais.

Palavras chaves

Evolução de canal fluvial; Uso e ocupação da terra; Impactos; Rio Acre; Recursos naturais.

Introdução

A Geomorfologia é uma área de conhecimento, uma geociência, um ramo da Geografia Física muito importante voltada ao estudo das dinâmicas e/ou acidentes geográficos ocorridas na superfície terrestre. (NASCIMENTO et al, SAMPAIO,2005) Por sua vez, a Geomorfologia Fluvial corresponde ao campo de estudo da Geomorfologia que visa o estudo das bacias hidrográficas e cursos d’água, envolvendo os processos fluviais e os aspectos do escoamento das águas. A Geomorfologia Fluvial é o campo da Geomorfologia que se dedica a estabelecer relações entre os processos de erosão e deposição resultantes do escoamento da água em canais fluviais e as formas de relevo dele derivadas (FLORENZANO, 2008; STEVAUX; LATRUBESSE, 2017). Um dos pontos importantes da Geomorfologia Fluvial é o estudo do canal fluvial caracterizado como o lugar em que ocorre o escoamento das águas, ou seja, é um sistema morfológico, no qual o rio corre em diferentes trechos de sedimentos aluviais, que favorecem os ajustes entre as variáveis, o fluxo e material sedimentar, que são elementos importantes na estrutura desse sistema (CHRISTOFOLETTI, 1974 apud PRATES, 2015). Os canais fluviais evoluem a partir de fatores naturais e/ou por interferências antrópicas (PAZ; PAULA, 2023). A medição desta evolução pode ser feita por meio de mapeamento cartográfico com análises de imagens de satélite e visitas ao local de estudo afim de mensurar as variáveis envolvidas no processo de alteração do canal (CHEREM et al., 2020; PAZ; PAULA, 2023). As mudanças no leito dos rios obedecem a uma dinâmica natural que pode ser acelerada pela ação humana. Sendo assim, essas mudanças refletem a intensa ação antrópica sobre os ambientes fluviais, de modo que essas atividades se tornaram um fator contribuinte do aceleramento da modificação da paisagem em intervalo de tempo de décadas ou anos. Os impactos diretos em ambientes fluviais ocorrem, por exemplo, de obras de engenharia construídas ao longo dos cursos d’água, já os indiretos estão relacionados às ações antrópicas provenientes da urbanização, causando mudanças na capacidade do canal e nos processos fluviais (SANTOS et al., 2020). Diversos estudos apontam as atividades que alteram os canais fluviais ao longo da história por meio do uso e ocupação do solo que podem ser obras de engenharia, desmatamento, pecuária, atividades de mineração, agricultura e entre outras (SILVA, LÄMMLE, PEREZ FILHO, 2021; MENDES et al., 2021). Para Hooke (2006), desde do século XX, canais fluviais têm sido modificadores direta e indiretamente através da canalização, construção de barragens e retirada da vegetação ciliar. Dias e Cunha (2017), também verificaram que obras de engenharia podem acarretar alterações morfológicas em redes de drenagem. Tais modificações impactam diretamente no processo de escoamento, erosão e atividades agrícolas nas áreas afetadas. A exemplo de diversos rios do Brasil e do mundo, o rio Acre ao longo dos anos vem sofrendo ações antrópicas negativas devido ao uso e ocupação do solo, contribuindo direta e indiretamente para as mudanças nas características morfométricas do rio. É importante ressaltar que diversas cidades do Acre, incluindo a capital Rio Branco, surgiram as margens do rio Acre, sendo historicamente, um rio de grande importância para os moradores dessas cidades (ALBUQUERQUE, 2018) Nesse sentido, esta pesquisa teve como objetivo elaborar uma análise preliminar da evolução lateral do canal fluvial de um trecho do rio Acre, entre os municípios de Senador Guimard e Rio Branco, recorte espacial significativo para a análise das condições atuais do rio, considerando-se tratar-se de uma área que envolve trecho urbano e rural, com atividade de mineração de areia para construção civil.

Material e métodos

Características físico-geográficas O rio Acre nasce em território peruano, no Departamento de Madre de Dios (BONFANTI et al., 2020), passando pelo distrito de Pando, na Bolívia até chegar ao Acre pelo município de Assis Brasil e desemboca no rio Purus, afluente da margem direita do rio Amazonas, perfazendo um total de 1.190 km (IBGE, 2016). A área de estudo está localizada entre os municípios de Rio Branco e Senador Guiomard cujo quadrante está nas coordenadas de 9° 58' 26'' S e 67° 48' 27'' W e 10° 8' 53'' e 67° 43' 55'' W (fig. 1). O trecho pesquisado do rio Acre foi de 29 km de canal fluvial, correspondente a 2% da sua extensão total, sendo selecionado como uma amostra representativa, sendo suficiente para abordagem da pesquisa. Na área da pesquisa e grande parte do estado do Acre predomina uma geologia caracterizada por depósitos sedimentares do Mio-Plioceno por sistemas flúvio- acustre-pantanosos e Terraços Fluviais Quaternários. O rio Acre, portanto, é um típico rio de ambiente tropical transportando abundante carga de sedimentos (LATRUBESSE, 1996).A área de estudo conta com as seguintes características físicas em relação à declividade: predomínio de 85% de áreas planas, 13% suave ondulado e 1% ondulado. Em relação às classes de solos a área apresenta um predomínio dos Gleissolos e dos Latossolos. A hipsometria da região varia de 140 a 220 metros. O estado do Acre apresenta um clima tropical chuvoso de floresta (Af), com temperatura média anual em torno de 24,5 C, havendo pelo menos 3 meses secos durante o ano (AYOADE, 1996). A região possui índices pluviométricos que ultrapassam os 2000 mm e o período chuvoso inicia-se em meados de outubro e prolonga-se até o final de abril. Os meses mais chuvosos são janeiro, fevereiro e março (RADAMBRASIL, 1976). Coleta e processamento dos dados As cenas/imagens utilizadas foram obtidas da plataforma Earth Explorer do United States Geological Survey (USGS), com qualidade de processamento e critério C1 (Nível-1) para a composição de imagens dos anos de 1985, 1995 e 2008 e C2 (Nível 2) para a composição de 2022. Os satélites da série Landsat completam 14 órbitas completas por dia, cruzando todos os pontos da Terra pelo menos uma vez a cada 16 dias. Pelo fato do sensor RBV/Landsat 1, 2 e 3, TM/Landsat 5 e sensor TIRS/Landsat 8 serem passivos, as imagens com a menor cobertura por nuvens são sempre registradas entre os meses de julho, agosto, setembro e outubro na região amazônica. A partir destas imagens foi mapeado o curso médio do rio nos anos de 1985, 1995, 2008 e 2022 a fim de identificar áreas com mudanças significativas.De posse das imagens de satélite, também foi possível delimitar a linha do talvegue do rio Acre nos anos 1985, 1995, 2008 e 2022. Nesse sentido, a partir dessa linha do talvegue foi estabelecido um buffer de 300 metros de cada lado a partir da linha do talvegue. Essa delimitação foi estabelecida como a área de influência do canal, sendo o mesmo valor para todas as linhas elaboradas (1.980 hectares). Com o buffer foi utilizado a ferramenta diferença simétrica disponível no software QGIS para calcular a modificação em hectares entre os buffers, permitindo chegar ao valor modificado em percentual da área de influência do rio. A pesquisa também contou com ida a campo para levantamento de imagens aéreas por meio de veículo aéreo não tripulado, modelo Phantom 4 adv, produzido pela empresa chinesa DJI. O registro de imagens aéreas permitiu visualizar as características de uso e ocupação da terra do trecho do canal que teve a maior evolução lateral. Por fim foi realizada uma análise com o uso do software estatístico R para efetuar o cálculo de correlação de Pearson (r) entre as variáveis, assumindo valores entre -1 e 1, onde zero indica independência entre as variáveis, com utilização do pacote corrplot. Valores próximos a 1 indicam correlação positiva, e próximos a -1 indicam para correlação negativa (PARANHOS, 2014).

Resultado e discussão

Os resultados encontrados durante o andamento da pesquisa, verificou-se que ao longo dos anos ocorreu uma diminuição de áreas de floresta e um aumento nas áreas de solo exposto e pecuária. No ano de 1985 a área em questão apresentava um predomínio de floresta relevante com cerca de 89%, pecuária inexistente naquele ano. Porém, no ano de 1995, devido à expansão da pecuária ocorreu uma diminuição de áreas de floresta para 66%, enquanto a área de pecuária apresentou 10% de aumento. Nos anos de 2008 e 2022 as porcentagens para floresta e pecuária foram de 46% e 33%, e 27% e 30%, respectivamente (Tab. 1). Em relação à classe de solo exposto, houve um aumento significativo. Em 1985 essa classe apresentava cerca de 9% na área em estudo. Nos anos seguintes, 1995, 2008 e 2022, as porcentagens respectivas foram de 22%, 26% e 35%. Dessa forma, na área em questão ocorreu uma transformação relacionada ao uso e ocupação da terra. Segundo Knighton (1984), as alterações ligadas às atividades humanas realizadas no âmbito fluvial, tais como remoção da vegetação, agricultura, urbanização, entre outras, geram efeitos que podem ser transmitidos a longas distâncias e podem trazer consequências para o sistema de drenagem. Na figura 2, observam-se as alterações ocorridas na área de estudo aos longo dos anos, demonstrando a pressão antrópica através da ocorrência do desmatamento, aqui entendido como solo exposto, advento das áreas de pastagem para a criação de bovinos (pecuária) e, em consequência disto, a diminuição expressiva das áreas de floresta. A retirada da vegetação às margens do rio Acre ocorreu em meio ao avanço do processo de urbanização (ARCOS; SANTOS; LIMA, 2012) e de substituição das áreas de florestas por pastagens para a criação de gado e atividades agropecuárias de subsistência (SOUZA et al SANTOS, 2022). A construção de equipamentos urbanos como por exemplo as obras de construção civil e exploração de recursos naturais às margens do rio Acre como por exemplo, a atividade de mineração de mineração de área que se deu de forma desordenada, e por vezes, com a conivência do poder público, por meio da incapacidade de fiscalização e aplicação das leis de proteção ambiental. Considerando-se a normalidade dos dados, foi possível realizar a correlação de Pearson,A correlação entre Solo Exposto e Floresta obteve valor de r = -0.98, indicando correlação forte e negativa, indicando crescimento desproporcional entre as variáveis. Também houve forte correlação negativa entre a Pecuária e a Floresta, indicando que a retirada da floresta deu lugar para atividades ligares basicamente a criação de gado (r = -0,99). Esta retirada da floresta através do desmatamento é resultado da necessidade de formação de novas terras para a atividade pecuária (DOMINGUES, 2012). Essa alteração pode ser responsável pela diminuição da profundidade do rio com o depósito de sedimentos, que antes eram retidos pela cobertura vegetal. A retirada da vegetação também pode promover aumento dos processos erosivos das paredes do canal fluvial resultando em impactos negativos (ROCHA,2007). A figura 3 apresenta um trecho da área de estudo com supressão da mata ciliar para fins de dragagem de sedimentos arenosos do leito do rio e que atualmente ainda é utilizada para mineração de areia para construção civil. Nesse trecho a linha do talvegue, medido a partir de imagens de satélite chegou a se deslocar 200 metros entre os anos de 1985 a 2022, tornando esse trecho mais retilíneo. Porém, ainda não se pode afirmar que as atividades ligadas à mineração foram as principais responsáveis por esta mudança. Estudos elaborados por Santos e Stevaux (2010), concluíram que as atividades de dragagem praticamente não alteraram o balanço de sedimentação e erosão no alto curso do Rio Paraná na região de Porto Rico, PR. A grande quantidade de sedimentos na área destacada na figura 4 também pode ser influência das taxas de desmatamento, pois em ambiente amazônico, o desmatamento pode multiplicar as taxas de runnof de 1,5 a 3,3 vezes (LEPRUN, 1993; SANTOS, OLIVEIRA, CRISÓSTOMO, 2021). Os valores do deslocamento do talvegue do rio nos anos analisados estão dispostos na tabela 2. Que apresenta os seguintes dados, nos anos de 1985 a 1995, o deslocamento apresentado foi equivalente a 39,8 Hectare, nos anos de 1995 a 2008 o talvegue apresentou um deslocamento de 75,7 Hectare e por fim de 2008 a 2022 o deslocamento apresentado foi equivalente a 59,3 8 Hectare. Desse modo, o total do deslocamento foi de 171,8 Hectare. Destaca-se que o percentual modificado aumentou entre 1985 e 2022, acompanhando o processo de substituição da vegetação por atividades agropecuárias e de exploração de áreas em alguns trechos do rio, esse processo foi equivalente a cerca de 9 % de evolução lateral do canal fluvial. No intervalo dos anos de 1995 a 2008, o percentual de alteração foi de 3,82%. Este fato pode estar relacionado a dinâmica de cheias e secas extremas que ocorreram no rio Acre nos últimos anos. No ano de 1997 ocorreu a cheia extrema, cujo nível das águas foram os mais altos até então (17,66 m) (CPRM, 2015). Já no ano de 2005, ocorreu o período de seca extrema, considerada a maior dos últimos 100 anos, com as águas chegando abaixo de 2 m (CENA/USP,2011). Estes eventos podem ter favorecido os processos erosivos laterais e consequentemente a evolução lateral do canal fluvial do rio Acre naquela década (1995 a 2008). O mesmo processo se seguiu nos anos posteriores, sempre apresentando períodos extremos de seca e cheia, permitindo haver alterações no rio Acre, notadamente no trecho analisado, chegando a 2,99% de alteração em 14 anos (2008 a 2022).

Figura 1

Mapa de localização da área de estudo.

Figura 2

Evolução do uso e ocupação da terra na área em estudo.

Figura 3 e Tabela 2

Alteração em trecho do rio acre associada ao uso e ocupação da terra

Considerações Finais

Os resultados apontaram para mudanças no leito fluvial ao longo do trecho analisado, sendo o trecho que passa por processo de retirada de areia o que pode ser um fator de transformação em seu leito. Aliado à retirada da vegetação e a substituição por atividades agropecuárias, acredita-se que a ação antrópica está contribuindo para acelerar os processos de mudança do leito do rio Acre, fato que pôde ser observado a partir da diminuição na ordem de 20% das áreas de floresta e aumento de 17% nas áreas destinadas à pecuária, corroborando os 3,82% observados na evolução lateral do canal fluvial. Por se tratar de uma primeira tentativa de correlacionar uso e ocupação da terra com a evolução lateral do rio Acre, recomenda-se que haja a continuidade das pesquisas na região para a obtenção de dados contundentes que, de fato, sejam capazes de indicar se a dinâmica geomorfológica do ambiente fluvial está sendo influenciada pelas atividades antrópicas. Desse modo, faz-se necessário a elaboração de políticas públicas que promovam o uso sustentáveis dos recursos naturais e a conservação do ambiente hídrico, considerando-se ser o rio Acre o principal fornecedor de água potável para a população da cidade de Rio Branco/AC.

Agradecimentos

Agradecemos a Ufac e ao Lagese- Laboratório de geomorfologia e sedimentologia, pelo apoio a pesquisa.

Referências

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