Autores
- THAIS NASATO FIORAVANTIUNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASEmail: thaisnasato@gmail.com
- DIEGO FERNANDES TERRA MACHADOUNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASEmail: ftm.diego@yahoo.com.br
- FRANCISCO SERGIO BERNARDES LADEIRAUNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASEmail: ladeira@unicamp.br
Resumo
No sítio arqueológico Bastos são encontrados diversos artefatos líticos que
foram preservados devido ao soterramento do sítio por eventos deposicionais.
Dessa forma, o objetivo principal foi a caracterização de uma unidade de
escavação, a fim de determinar os processos responsáveis pelos eventos. A seção
estudada foi caracterizada em campo para determinação de suas propriedades
morfológicas e também por análises granulométricas e micromorfológicas. A seção
atingiu 229+ cm de profundidade onde foram identificados 7 perfis de solo
distintos, com diferenças significativas entre as características morfológicas e
granulométricas. Na seção ocorre uma intercalação de perfis mais argilosos e
outros mais arenosos representando diferentes áreas fonte para os sedimentos
depositados na área. Os perfis mais argilosos possuem características
semelhantes aos materiais encontrados ao longo da vertente, enquanto os mais
arenosos e cascalhentos são característicos de uma dinâmica fluvial.
Palavras chaves
eventos deposicionais; dinâmica de encosta; micromorfologia; vertente; pedogênese
Introdução
O sítio arqueológico Bastos é atualmente considerado um dos mais antigos do
Estado de São Paulo. De acordo com Araujo e Correa (2016) as idades obtidas pelo
método de radiocarbono apresenta valor máximo de 12.600 cal A.P. (antes do
presente). Até o presente já foram encontrados diversos tipos de materiais
líticos, sobretudo raspadores, feitos a partir de silcrete e ferramentas
rudimentares, utilizadas para lascar o silcrete (ARAUJO E CORREA, 2016).
Os registros arqueológicos foram preservados devido a eventos
erosivos/deposicionais que levaram ao soterramento do sítio por um cone de
dejeção (SÁ E LADEIRA, 2017), ou leque coluvial (ARAUJO E CORREA, 2016),
formando o que chamamos aqui de compartimento das rampas de colúvio.
As rampas de colúvio são constituídas de superfícies enterradas compostas por
seixos angulares de basalto juntamente com os materiais líticos, imersos em uma
matriz de finos argilosos formando pavimentos (ARAUJO E CORREA 2016). Nos níveis
de terraços, estes pavimentos são intercalados com depósitos arenosos,
relacionados a dinâmica fluvial.
Os terraços apresentam evidências de alternâncias nos ciclos de erosão e
deposição local, onde ocorrem uma sequência de perfis de solo truncados e
enterrados. Estes depósitos são compostos por materiais com diferentes
granulometrias e níveis de alteração, derivados do intemperismo das rochas das
formações Botucatu, Serra Geral e Vale do Rio do Peixe. Nestas condições, solos
enterrados e mesmo paleossolos podem ser importantes indicadores paleoambientais
(LADEIRA, 2010; SEDOV et al. 2003), fornecendo informações a respeito dos
processos que atuam na elaboração do relevo.
Esses eventos estão intrinsecamente ligados às mudanças no ambiente ao longo do
tempo, permitindo-nos reconstruir as condições paleoambientais. Essas
informações podem ser essenciais para compreender as complexas interações entre
os seres humanos e o meio ambiente. Além disso, podem colaborar para identificar
locais onde os materiais arqueológicos estão mais propensos a serem encontrados
e como eles foram preservados.
Dessa forma, o objetivo principal do trabalho foi identificar os eventos
erosivos/deposicionais, ocorridos no sítio, bem como a origem dos sedimentos
responsáveis pelo soterramento dos perfis de solo descritos.
Material e métodos
Caracterização da área
O sítio arqueológico Bastos está localizado na porção centro-leste do estado de
São Paulo. Mais especificamente o local está inserido dentro do município de
Dourado, na Fazenda Monte Alto, a 280 km da capital São Paulo (Figura1).
Este terreno encontra-se na transição entre diferentes unidades
litoestratigráficas correspondentes à Bacia do Paraná. Na área ocorrem arenitos
eólicos da Formação Botucatu, o derrame basáltico da Formação Serra Geral, e os
depósitos da Formação Vale do Rio do Peixe como as litologias associadas ao
sítio, correspondendo às principais formações que influenciam nos processos
deposicionais que ocorrem na área.
Embora possam ocorrer variações regionais, de modo geral, os arenitos da
Formação Botucatu apresentam granulação fina a média, são bem selecionados com
elevado grau de arredondamento e esfericidade (BONGIOLO et al. 2011; MILANI et
al. 2007) e ocasionalmente silicificados (BONGIOLO et al. 2011). Por vezes,
ocorrem intercalados aos derrames basálticos da Formação Serra Geral. De acordo
com Sá e Ladeira (2017), o contato entre estas formações ocorre por volta de
635-640 m de altitude. As rochas basálticas predominam nas cotas altimétricas em
torno de 640m a 722m de altitude. Nas áreas de topo mais elevadas, prevalece a
Formação Vale do Rio do Peixe, que no Planalto de Dourado, ocorre por volta da
cota de 740m de altitude. Os arenitos dessa Formação são descritos como muito
fino a finos, de seleção moderada a boa (FERNANDES E COIMBRA, 2000). Sá e
Ladeira (2017) relatam ocorrência de silcrete a 654-720m de altitude, na forma
de blocos, que podem estar relacionados a uma antiga superfície de alteração,
desmantelada por processos denudacionais.
Localizado na base de uma escarpa, o local da unidade de escavação apresenta
declividade menor que 8%, no entanto, está circundada por vertentes íngremes e
escarpas que podem atingir 75% de declividade, formando um vale inciso. São
esses declives acentuados que fazem com que o sítio apresente evidências de
eventos deposicionais que tiveram papel importante na preservação do mesmo
(ARAUJO E CORREA, 2016; e CORREA, 2017). Desse modo, no local é possível
encontrar uma sequência de perfis de solo truncados e enterrados com grande
quantidade de artefatos líticos produzidos a partir de arenito silicificado.
Descrição do solo e amostragem
A trincheira escolhida para o estudo foi descrita de acordo com suas
características morfológicas e amostradas com base em Santos et al. (2005),
Schoeneberger et al. (2012) e Castro e Cooper (2019). Amostras deformadas foram
coletadas sistematicamente para cada um dos horizontes para análises de rotina
pedológica. Para as análises micromorfológicas, amostras indeformadas foram
coletadas para os horizontes A e Bi e nas transições entre 2C/3C, 4Cg/5Bt e
7Cg1/7Cg2, utilizando caixas de papel com dimensões de 12x9x3 cm.
Análises granulométricas
Para as análises de rotina pedológica, a amostras de solo foram secas em estufa
a 40°C, moídas e peneiradas para se obter a fração terra fina (≤ 2 mm). Para
determinação da distribuição de partículas por tamanho, utilizou-se o método da
pipeta e solução de NaOH 1 mol L-1 como agente dispersante (EMBRAPA 2017).
Análise micromorfológica
As amostras indeformadas passaram por um processo de impregnação com resina
plástica e posteriormente secas em estufa (55°C) por aproximadamente 2 dias até
que ficassem completamente endurecidas para assim iniciar o processo de corte
para confecção das lâminas delgadas. Todas as lâminas foram confeccionadas no
laboratório de laminação IG/USP. A terminologia empregada nas descrições foram
as presente em Stoops (2021) e Castro e Cooper (2019).
Resultado e discussão
Caracterização morfológica
A seção analisada possui 229 cm de profundidade e contém 10 horizontes, (Figura
2). O primeiro perfil exibe coloração bruno-avermelhada 2,5YR 3/3 no horizonte A
e 2,5YR 4/3 no horizonte Bi. A textura é franco-argilosa e a estrutura varia de
granular pequena no horizonte superficial e prismática média, desfazendo-se em
prismática muito pequena no horizonte Bi, ambos com moderado desenvolvimento.
O segundo perfil é composto apenas pelo horizonte 2C, delimitado por
descontinuidades. Sua coloração é vermelho-escuro-acinzentado 2,5YR 3/2. A
textura é argilo arenosa e a estrutura é maciça. Já o perfil 3 apresenta dois
horizontes cujas cores variam de bruno-avermelhado 5YR 4/3 no horizonte 3C1, a
cinzento-rosado 7,5YR 7/2 no horizonte 3C2. A textura é arenosa e a estrutura é
maciça.
O horizonte 4Cg possui cor G2 4/5 PB cinzento-azulado-escuro, com variação para
2,5YR 5/8 vermelho e 7,5YR 6/8 amarelo-avermelhado. A textura é franco arenosa e
sua estrutura é maciça. Por sua vez, o perfil 5Btn é predominantemente vermelho-
acinzentado 2,5YR 4/2. A textura é argilosa com estrutura prismática pequena a
média e grau de desenvolvimento moderado. Possui cerosidade comum e moderada.
O penúltimo perfil (6C) apresenta cores amarelo-avermelhado 7,5YR 6/8 e cinzento
7,5YR 6/1. A textura é areia franca e a estrutura é maciça. Neste perfil há um
nível de conglomerado composto por fragmentos de basalto e silcrete.
Por fim, o perfil 7 contém dois horizontes (7Cg1 e 7Cg2) que apresentam
coloração variegada, vermelhas (10YR 5/8; 10YR 4/8; 10YR 7/8; 2,5YR 4/8), em
algumas partes associada a raízes oxidadas, e amarelo-avermelhada (7,5YR 6/8) em
meio a uma matriz G2 4/5 PB cinzento-azulado-escuro. A textura é franco argilosa
e a estrutura é maciça. No horizonte 7Cg1 foram encontradas marcas de raízes
muito abundantes e oxidadas.
Análise Granulométrica
A análise granulométrica dos solos (Figura 2) mostra elevados teores de areia,
sendo a fração areia grossa predominante nos horizontes 2C, 3C1 e 3C2, 4Cg e 6C,
cujos valores estão entre 53,2% e 84,8%. A fração areia fina apresenta valores
semelhantes para todos os horizontes, em média 19,9% com exceção dos horizontes
3C2 e 6C, cujos valores são 6,9% e 7,1% respectivamente. Os maiores valores de
silte e argila são encontrados nos horizontes A, Bi, 5Bt e 7Cg1 e 7Cg2, com
valores médios de 25,3% e 34,4% respectivamente. Para os demais horizontes (2C;
3C1; 3C2; 4Cg e 6C), os teores de argila variam de 5% a 14% e os de silte ficam
entre 2,2% e 12,2%.
Caracterização Micromorfológica
Das cinco lâminas analisadas, A e Bt, e a porção representativa do horizonte 5Bt
foram classificadas com microestrutura em blocos subangulares com distribuição
relativa porfírica, enquanto 2C/3C é quito-enaúlica e a 7Cg1/7Cg2 maciça. Poros
fissurais e canais predominam em todas as amostras com exceção da 2C/3C. O fundo
matricial é composto predominantemente por grãos de quartzo abrangendo desde
grãos arredondados a angulares, com ampla variação de tamanho. Outros grãos
minerais são observados, mas em pequenas quantidades, como piroxênios,
feldspatos, e fragmentos de rochas com diferentes estágios de intemperismo.
Material orgânico é encontrado nas lâminas A, Bt e 2C/3C. São descritas marcas
de raízes e carvão (específico do horizonte A). As feições pedológicas estão
presentes em todas as amostras, no geral ocorrem revestimentos microlaminados
(Bt, 7Cg1/7Cg2), não laminado (4Cg/5Bt), preenchimentos denso incompletos (A,
Bt, 4Cg/5Bt), excrementos esféricos (A) e nódulos típicos que são comuns em
todas as lâminas. Algumas das feições descritas estão representadas na Figura 3.
Discussão
Com base nos resultados apresentados, há evidências de que na seção estudada
houve uma sucessão de eventos de deposição seguidos de pedogênese ocorridos ao
longo do tempo. Os depósitos são caracterizados por ao menos duas fontes de
materiais distintos, um mais argiloso proveniente da encosta, correspondendo aos
materiais derivados do basalto, e outro material mais arenoso, possivelmente de
origem fluvial. Esses diferentes materiais podem ser distinguidos ao longo da
seção e apresentados intercalados entre si.
Na base da seção, o perfil 7 apresenta elevado teor de argila associado a
feições pedológicas como revestimentos e hiporevestimentos, em meio a uma matriz
acinzentada decorrente de processos de gleização. De acordo com Stoops (2021),
esses tipos de feições pedológicas são sempre formadas in situ, mas que podem
ser herdadas de fases pedogenéticas anteriores. Tais evidências sugerem que este
perfil já esteve em condições de boa drenagem e infiltração, e atualmente
encontram-se em condições hidromórficas justificado pelo seu posicionamento
abaixo do nível do canal.
No perfil 6 a transição abrupta para o horizonte inferior, ausente de horizonte
A, indica um intenso processo erosivo seguido de deposição. A presença de
clastos de silcrete imersos em uma matriz arenosa formando um nível
conglomerático sugere uma mudança na origem dos materiais depositados, apontando
para um depósito aluvial. Nas áreas mais elevadas, o córrego do Silvestre drena
sobre os arenitos da formação Vale do Rio do Peixe, compostos por arenitos finos
a muito finos, com boa seleção. Os materiais alterados nessas áreas, incluindo
os blocos de silcrete próximos às escarpas, provavelmente foram transportados
pelo canal e depositados nos terraços. Nas encostas e rampas de colúvio,
predominam materiais finos (silte e argila) resultantes da alteração do basalto.
Dados granulométricos de uma seção vertical próxima a uma rampa coluvial mostram
horizontes predominantemente argilosos (FIORAVANTI e LADEIRA, 2019; FIORAVANTI,
2019). Portanto, é improvável que os materiais arenosos tenham sido
transportados exclusivamente pelas rampas de colúvio, uma vez que não há
evidência de níveis arenosos incorporados nessa área.
O contato entre os perfis 5 e 6 revela uma descontinuidade textural resultante
de processos ao longo da encosta, originando um novo depósito na área. O
escoamento superficial concentrado em canais estreitos forma depósitos em
formato de leque devido à diminuição da energia de transporte. Esses depósitos
truncam os solos e incorporam materiais líticos pouco selecionados, como clastos
de basalto com diferentes graus de intemperismo e ocasionalmente silcrete, com
alto teor de argila. Após a deposição desses sedimentos, ocorreu uma fase
dominada por processos pedogenéticos, evidenciados pelo desenvolvimento de um
horizonte Bt com estrutura prismática, cerosidade nos agregados e revestimentos
de argila.
A descontinuidade entre os perfis 5 e 4, marca um período de deposição do canal,
resultando em um nível arenoso bastante espesso, representado pelos perfis 2, 3
e 4, em que o contato entre os perfis 2 e 3, marca o último evento deposicional
fluvial neste terraço. Durante este intervalo a deposição não se deu de forma
ininterrupta. Marcas de raízes, canais e preenchimentos nos perfis 4 e na
transição entre os horizontes 2C e 3C, são evidências de atividade biológica.
Segundo Castro e Cooper 2019 a origem mais comum dos preenchimentos se dá pela
escavação de animais do solo e ação de raízes, formando canais que
posteriormente são preenchidos por diferentes materiais.
Por fim, o perfil 1, ao apresentar características semelhantes às apresentadas
por Fioravanti e Ladeira (2019) e também ao perfil 5, indica um novo e também o
último evento deposicional de materiais argilosos provenientes da encosta, na
área. Sendo assim, atualmente o local está passando por um período de relativa
estabilidade em que predominam os processos pedogenéticos.
Mapa de localização da área de estudos e contexto fisiográfico.
Características morfológicas e texturais da seção vertical
Características dos horizontes A e Bi (A); transição dos horizontes 2C/3C (B); transição dos horizontes 4Cg/5Bt (C) e transição 7Cg1/7Cg2 (D).
Considerações Finais
A análise dos depósitos revela uma interação dinâmica entre os processos
geomorfológicos e pedogenéticos, evidenciando eventos sucessivos ao longo do
tempo. Esses depósitos são compostos por pelo menos duas fontes de materiais
distintos: um de natureza argilosa proveniente da encosta, relacionado aos
materiais derivados do basalto, e outro de natureza mais arenosa, possivelmente de
origem fluvial. Essas diferentes origens dos materiais podem ser observadas ao
longo da seção, apresentando-se intercaladas entre si. Essa complexidade na origem
dos materiais encontrados no sítio arqueológico indica uma dinâmica geomorfológica
intricada no vale, com contribuições tanto de processos aluviais quanto coluviais.
Atualmente o canal segue retrabalhando os depósitos de encostas que colmatam o
vale e se distribuem por toda área de estudo. O hidromorfismo que avança sobre o
horizonte 7Cg e a posição do talvegue do canal, situado aproximadamente 70 cm
abaixo do evento deposicional mais recente (2C) e 10 cm acima do mais antigo (6C),
evidencia a dinâmica contínua de deposição e erosão que ocorre no vale.
Agradecimentos
O segundo autor agradece a CAPES pela concessão de bolsa de estudos que permitiu a
colaboração nesta pesquisa. O terceiro autor agradece ao CNPq pela Bolsa
Produtividade em Pesquisa (307951/2018-9).
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