• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

PROCESSOS GEOMORFOLÓGICOS-GEOTÉCNICOS DEFLAGRADORES DE DESLIZAMENTOS TRANSLACIONAIS RASOS DE 15 DE FEVEREIRO DE 2022 EM PETRÓPOLIS (RJ)

Autores

  • ANDRE DE SOUZA AVELARLIEG - UFRJEmail: andreavelar@acd.ufrj.br

Resumo

Analisou-se os processos geomorfológicos-geotécnicos dos movimentos de massa de Petrópolis em 15/02/2022, com base nas características morfológicas das encostas da região serrana e solos existentes. Usou-se parâmetros de resistência dos solos obtidos na faixa montanhosa da Serra dos Órgãos. Os solos são passíveis de romper após redução da sucção pelo avanço da umidade em períodos chuvosos ou eventos de chuva intensa. Os solos saprolíticos tem coesão efetiva entre 0 e 10 kPa, com rupturas por cisalhamento devido ao aumento do grau de saturação e redução da sucção. Os deslizamentos translacionais rasos são os movimentos de massa predominantes nas encostas com declividade entre 20 e 30 graus, que muitas vezes se fluidificam e geram fluxos de detritos através dos fundos de vale. Tais deslizamentos e fluxos detríticos causaram 238 mortes e destruições de edificações, sendo considerada o maior desastre já ocorrido no distrito sede de Petrópolis.

Palavras chaves

sucção em solos; deslizamentos rasos; movimentos de massa; cisalhamento dos solos; grau de saturação

Introdução

A maioria dos movimentos de massa de encostas podem ser classificados conforme as seis categorias propostas por VARNES (1978), denominadas em português por: (i) Quedas, (ii) Deslizamentos; (iii) Fluxos; (iv) Rastejos; (v) Tombamentos ou (vi) Complexos, sendo este último a mistura de pelo menos dois tipos (LACERDA, 2007; AVELAR et al., 2006; HUNT, 2005; LACERDA & AVELAR, 2003; AVELAR & LACERDA,1997; FERNANDES & AMARAL, 1996; dentre outros). Além dos tipos de movimentos em si, VARNES (1978) também indicou três tipos essenciais de materiais a serem mobilizados: (i) solo, (ii) detritos - solo com blocos de rocha e (iii) rocha. Cabe chamar atenção que na denominação inglesa internacional os termos mass movements e landslides são utilizados como sinônimos, entretanto, para haver ajuste à classificação de VARNES (1978) na língua portuguesa, traduz-se somente o termo landslide como sinônimo de deslizamento (ou escorregamento). Isso enfatiza que o deslizamento é somente um dos tipos de movimentos de massa (mass movements), que está é originado a partir de condições próprias de precipitação e materiais de encosta, uma vez que esse tipo tem sua geração relacionada a processos hidrológicos e geomorfológicos bastante específicos (LACERDA, 2007; AVELAR et al., 2006; LACERDA & AVELAR, 2003). Os deslizamentos precisam ter na sua origem a ocorrência de tensões cisalhantes superiores à resistência ao cisalhamento do material da encosta, isto é, na prática, há que haver redução da resistência do solo sob efeito de chuvas para mobilização neste tipo de movimentos de massa (HUNT, 2005; SASSA, 1985 e 1989). Frequentemente os deslizamentos são diferenciados entre planares (ou translacionais) ou circulares (ou rotacionais), sendo os primeiros mais comuns nas regiões montanhosas do sul e sudeste do Brasil (TOMINAGA et al., 2009; LACERDA, 2007; MENDONÇA & GUERRA, 1997), principalmente onde os solos situam-se logo acima de rocha sã. Tais tipos de deslizamentos ocorrem durante os eventos de chuvas mais intensos (eventos extremos), muitas vezes precedidos de períodos chuvosos antecedentes que facilitam a entrada de água no solo (LACERDA et al., 2014; COELHO NETTO et al., 2009; MENDONÇA & GUERRA, 1997). Esses deslizamentos translacionais rasos ocorrem em encostas íngremes e de deslocam até os fundos de vale, onde se unem e geram fluxos de detritos. Há portanto, uma passagem do comportamento sólido do solo para um comportamento fluido, chamado de liquefação do solo (AVELAR & LACERDA, 2003; TAKAHASHI, 2000; SASSA, 1985). O Município de Petrópolis (RJ) situa-se na região serrana fluminense e apresenta relevo montanhoso com presença de afloramentos de rocha e espessura de solo bastante delgada (GONÇALVES & GUERRA, 2009; GUERRA et al., 2007; MENDONÇA & TIMÓTEO, 1993). No distrito sede tais condições são agravadas pelo reduzido espaço de áreas planas, adequado para a construção de residenciais, comércio, fábricas e instalação da infraestrutura urbana. Frente a isso, ocorrem chuvas muito intensas ou prolongadas, propícias para a geração de movimentos de massa, conforme registrado historicamente (MEMIROVISK et al., 2018; MENDONÇA & GUERRA, 1997; MENDONÇA & TIMÓTEO, 1993). Diante disso, é comum a ocorrência de movimentos de massa neste município, frequentemente levando à perdas e mortes.

Material e métodos

O presente trabalho traz uma análise dos tipos de movimentos de massa ocorridos no município de Petrópolis (RJ) em 15 de fevereiro de 2022, quando inúmeras edificações foram destruídas e 238 pessoas morreram. Após analisar imagens locais, aéreas de sobrevoos de terceiros e obtidas por satélites no perímetro envolvendo os movimentos de massa e através de trabalhos de campo foi observado que a maioria das ocorrências foram deslizamentos translacionais rasos e alguns fluxos de detritos. Isso permitiu que fossem concentradas as atenções de pesquisa essencialmente nos deslizamos translacionais rasos, conforme será explicitado mais à frente. É conhecido que no distrito sede de Petrópolis os fundos de vale com terrenos planos são escassos e apresentam expressiva ocupação urbana formal (ANTUNES & FERNADES, 2020; ANTUNES, 2017), contudo são áreas caras e, devido a isso, há ocupação ainda mais densa também nas encostas adjacentes (GONÇALVES & GUERRA, 2009) Estes movimentos de massa ocorreram no período mais chuvoso do ano (verão), que na passagem de 2021-2022 apresentou chuvas muito frequentes e no dia dos eventos (15/02/2022) foi descrita uma intensidade de 200 mm em 2 horas no início da tarde, seguindo-se em precipitações menores no decorrer do dia até o dia seguinte, totalizando 259 mm em 24 horas (PORTAL G1, 2022 – via Internet). Apesar da vasta divulgação do desastre através das emissoras de televisão e plataformas da Internet, praticamente em tempo real, há poucos registros das precipitações ocorridas em equipamentos oficiais (MODESTO et al., 2022). A sede do município de Petrópolis está situada na zona central da faixa de relevo montanhoso da região serrana fluminense conhecida como Serra dos Órgãos, que por sua vez faz arte do conjunto maior denominado de Serra do Mar (Figura 01). A Serra dos Órgãos é marcada geologicamente pela presença de granitos sin- e pós-tectônicos e ortognaisses pertencentes ao chamado complexo Rio Negro (TUPINAMBÁ et al., 2012). Esse conjunto montanhoso apresenta amplos afloramentos rochosos nos topos mais elevados (relevo dômico) e nas encostas circundantes, em geral, é possível apenas a ocorrência de solos rasos, com no máximo 2 m de espessura (MENEZES et al., 2013; BORGES et al., 2014). Na base destas encostas e nos fundos de vale predominam depósitos de colúvio (AVELAR et al., 2011), que em geral possuem blocos de rocha predominantemente arredondados com diâmetros de poucos centímetros até cinco metros. Tais blocos de rocha arredondados apresentam-se com frequência nos solos residuais (saprolitos) dos granitos e ortognaisses, mostrando nitidamente que são decorrentes do processo de intemperismo associado à exfoliação esferoidal. A partir disso, foi feita uma busca de literatura e de resultados de ensaios de cisalhamentos em solos, a fim de permitir a compreensão dos mecanismos deflagradores desses deslizamentos translacionais rasos. Diante disso, está sendo exposto no presente trabalho as causas mais plausíveis para a explicação desses tipos de movimentos de massa. Utilizou-se também parâmetros geológico- geotécnicos pré-existente de solos da região serrana fluminense, a fim de permitir uma análise teórico-conceitual dos efeitos de sucção, coesão verdadeira e ângulo de atrito para dar suporte ao entendimento dos deslizamentos translacionais rasos ocorridos.

Resultado e discussão

Dentre as diferentes litologias que ocorrem no primeiro distrito de Petrópolis (sede municipal) predominam granitos e ortognaisse granítico, que possuem comportamento geomorfológico-geotécnico muito semelhantes, podendo-se considerar como uma mesma unidade em relação à geração dos mantos de intemperismo e seus parâmetros de resistência ao cisalhamento, isto é, coesão efetiva e ângulo de atrito. Estes mantos de intemperismo geralmente aparecem pouco espessos e frequentemente formam um contraste de comportamento geomecânico muito abrupto no contato entre o solo e a rocha sã. Apesar de serem comuns os movimentos de massa nesse distrito (Figura 02), não há registros de artigos que mencionem tais parâmetros de resistência ao cisalhamento para os solos saprolíticos ou colúvios existentes e, em virtude disso, foi produzida uma Tabela 01 com valores obtidos de perfis de intemperismo semelhantes na região serrana fluminense. Tendo em vista que a maioria dos solos saprolíticos possuem coesão verdadeira relativamente baixa ou nula, isto é, entre 10 kPa e 0 kPa, é possível considerar que em condições de chuvas intensas ou mais prolongadas o processo hidrológico de infiltração geram aumento há aumento expressivo do grau de saturação (ou até mesmo saturação), que causa a diminuição ou perda da sução (também chamada de coesão aparente). A infiltração das águas das chuvas com o consequente aumento do grau de saturação, ou mesmo a saturação no manto de intemperismo, fazem com que os meniscos capilares que estavam conferindo maior resistência aos solos pela sucção percam sua eficiência (Figura 03) e o solo rompe por cisalhamento no decorrer do aumento da poro-pressão. Este é o mecanismo gerador dos deslizamentos translacionais rasos que são comuns no contato solo-rocha, tal como observado em diversas situação de Petrópolis, em especial na localidade denominada de Morro da Oficina (Figura 02). Como o material relacionado a ruptura possui muita água a tendência é um aumento rápido da poro-pressão, de modo que ocorre a liquefação dos solos e há a geração de fluxos de detritos (Figura 02) no decorrer do transporte em direção aos dos fundos de vale. Os deslizamentos translacionais rasos e os fluxos de detritos foram os movimentos de massa responsáveis pela impactante destruição de edificações e infraestrutura urbana na área do 1º distrito municipal, que produziram o desastre mais severo já registrado em Petrópolis, totalizando 238 vítimas fatais. Torna-se nítido em campo e através da análise de mapas geológicos e geomorfológicos que estas rochas controlam o posicionamento dos picos, afloramentos e maciços mais expressivos da região da Serra dos Órgãos, uma vez que se apresenta pouco fraturado e está associado com solos muito delgados. Tais condições geomorfológicas possibilitam a geração de movimentos de massa frequentes e induz ao aparecimento de afloramentos de maior dimensão junto aos divisores do cetro sul da área, compondo picos rochosos com vertentes íngremes e cumes arredondados à pontiagudos. Tabela 01 – Parâmetros médios de resistência ao cisalhamento para solos de municípios da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. TIPO COESÃO ÂNGULO DE EFETIVA DE ATRITO SOLO c´(kPa) phi (graus) LOCAL AUTORES colúvio fundo de vale 0,0 29,0 Teresópolis EHRLICH et al., 2018 colúvio de encosta 18,0 32,0 colúvio de encosta 25,0 35,0 colúvio fundo de vale 16,7 30,2 Nova Friburgo SILVA et al., 2022 saprolito maduro 23,6 28,1 saprolito jovem 8,6 32,0 colúvio fundo de vale 6,0 42,0 colúvio de encosta 0,0 38,0 Nova Friburgo AVELAR et al.,2011 saprolito maduro 14,0 38,0 saprolito jovem 25,0 37,0 saprolito de granito 8,7 36,6 saprolito de granito 0,0 37,0 Teresópolis AVELAR et al., 2013 saprolito de granito 0,0 54,0 saprolito de granito 8,7 48,0 Nova Friburgo MENEZES et al., 2013 saprolito maduro 2,7 26,0 saprolito jovem 0,0 36,6 Nova Friburgo GOMES & CAMPOS, 2020 saprolito jovem 5,6 49,6 saprolito jovem 21,7 36,7 Teresópolis CONDORELI et al., 2018

Figura 01

Figura 1. Localização da área de estudo

Figura 02

Deslizamento translacional raso no contato solo- rocha com modificação para fluxo de detritos em 15/02/2022, Morro da Oficina, 1º distrito, Petrópolis

Tabela 01 e Figura 03

(1) Parâmetros médios de resistência ao cisalhamento para solos da Região Serrana do RJ.(2) Meniscos capilares e sução, saturação sem sucção.

Considerações Finais

Os deslizamentos translacionais rasos e fluxos de detritos ocorridos em Petrópolis em 15/fev/2022 foram gerados após cerca de 200 mm em 2h, que proporcionaram acentuada redução de sução no interior dos solos, com consequente perda de resistência, principalmente próximo ao contato solo-rocha sã. Os solos residuais das encostas entre 20 a 30 graus da região tentem a apresentam cessão efetiva entre 0 e 10 kPa, que os tornam bastante susceptíveis a romper por redução ou perda de sucção. Os granitos e ortognaisses graníticos são predominantes no 1º distrito de Petrópolis e após intemperismo químico destas rochas é comum a ocorrência de saprolito delgados, que após deslizamentos permitem o aparecimento de afloramentos e geração do relevo dômico. Isto caracteriza a configuração geomorfológica, chamada de relevo dômico, que é a morfologia típica da Região Serrana de Petrópolis. Nas escarpas mais íngremes com afloramento de rocha pode haver a queda de blocos ou lascas, dependo em geral da conjunção de fraturas tectônicas e de alivio de tensão, quando existem. Além disso, as associações de granitos ou ortognaisses graníticos com os solos saprolíticos variando de rasos para os mais espessos mostram coloração entre rosada a avermelhada, com granulometria predominantemente arenosa. Nestas condições tendem a possibilitar a ocorrência de deslizamentos translacionais rasos, na maioria das vezes devido à elevação de poro-pressão ou redução de sucção junto ao contato solo-rocha.

Agradecimentos

Agradecimentos aos integrantes do LIEG/UFRJ e PPGG/UFRJ, CNPq, CAPES e FAPERJ.

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