Autores
- JOÃO CANDIDO ANDRÉ SILVA NETOUNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONASEmail: joaocandido@ufam.edu.br
Resumo
O objetivo do trabalho foi analisar a relação das variáveis geomorfométricas
como uma matriz de vulnerabilidade da paisagem à perda de solos na bacia
hidrográfica do Igarapé Jarauá, Alvarães, Amazonas. Como procedimentos
metodológicos realizou-se o processamento do dados geomorfométricos de variáveis
como curvatura vertical, curvatura horizontal, altitude e declividade, em que se
implementou por meio de álgebras de mapas utilizando-se o método AHP, baseada na
metodologia de Crepani et al. (2001). Quanto a Vulnerabilidade Geomorfométrica
da paisagem na bacia hidrográfica analisada predominaram as classes Moderada
com aproximadamente 73%, e Baixa com cerca de 27% da área da bacia, as classes
Muito Baixa e Alta não representaram 1% da área da bacia, a classe Muito Alta
não foi observada.
Palavras chaves
Vulnerabilidade; Formas do terreno; Amazônia; Bacia Hidrográfica; Paisagem
Introdução
Domínio Amazônico pode ser definido como um cinturão de máxima
diversidade biológica do planeta, em que destaca-se a extraordinária
continuidade de suas florestas, pela ordem de grandeza de sua rede hidrográfica,
sutis variações de ecossistemas. (Ab'Sáber 2003. p.65).
Os atributos das paisagens Amazônicas estão diretamente associadas à
localização geográfica em região Equatorial, o que reflete diretamente na
incidência de radiação solar ao longo do ano, além dos altos índices
pluviométricos anuais.
A floresta Amazônica vem sofrendo um processo gradativo de desmatamento,
marcado pela substituição das áreas de florestas por áreas com atividades
agropecuárias e exploração madeireira, verificando-se uma forte pressão, com
maior intensidade, nas “bordas” da Amazônia Legal, e com menor intensidade no
interior da floresta.
A transformação de sistemas naturais em sistemas agrícolas, pode
resultar em diversos problemas de ordem socioambiental, como perda de
biodiversidade, intensificação dos processos erosivos, poluição das águas,
assoreamento dos rios, entre outros relacionados aos processos de apropriação da
natureza.
A demasiada ocupação da Amazônia, inicia-se a partir da década de 1970,
e esse processo de ocupação pode ser associado ao plano nacional de integração
nacional, proposto durante a ditadura militar no Brasil (Fearnside, 2005, Alves,
2001).
Considerando-se a diversidade biológica, as repercussões do processo de
desflorestamento nas regiões tropicais, como no Domínio Amazônico, nessas
paisagens constituem habitats naturais mais frágeis, cujo seu processo de
resiliência muitas vezes são dificultadas pela perda de suas características
originais, e sua recuperação pode levar séculos, ou não ocorrer naturalmente,
devido à ruptura de sua dinâmica natural (Albagli, 2001).
O uso da terra pode ser entendido como um importante elemento na
alteração das paisagens naturais, nesse sentido, a categoria Paisagem, torna-se
importante para a análise geográfica dos aspectos físico-naturais associados aos
aspectos antrópicos no Domínio Amazônico.
Nesse sentido, compreende-se que a geometria das vertentes atua direta e
indiretamente no escoamento superficial e nos desenvolvimento dos processos
erosivos, apresentando uma relação importante das implicações do balanço de
materiais e natureza dos processos morfogênicos e pedogenéticos (IBGE, 2009).
Casseti (1995) salientou a importância da geometria das vertentes,
considerando que além do fator declividade, as formas geométricas das vertentes
devem ser abordadas como intensificadores dos processos morfogenéticos ou
diferenciadores da intensidade de fluxo por terra.
O presente estudo baseou-se na metodologia de vulnerabilidade da
paisagem à perdas de solos proposta por Crepani (2001), que tem como principal
aporte teórico a obra Ecodinâmica elaborada pelo geógrafo francês Jean Tricart
(1977). Essa proposta caracteriza-se por estabelecer uma inter-relação entre os
elementos da paisagem, propondo uma sobreposição dos elementos da paisagem, no
qual para cada elemento é estabelecida uma ponderação conforme a vulnerabilidade
apresentada pela paisagem à perda de solos (Silva Neto, 2013).
A vulnerabilidade da paisagem à perda de solos é entendida como uma estimativa
das áreas com possíveis conjunturas, onde determinadas variáveis associadas
podem desencadear processos de diversas intensidades e tipos, assim como
problemas que afetam a ordem socioambiental de uma região.
Justifica-se o estudo por analisar a relação de variáveis geomorfométricas
como uma matriz, de vulnerabilidade da paisagem à perda de solos na bacia
hidrográfica do Igarapé Jarauá, que poderá ser analisada a partir das inter-
relações com outros elementos físico-naturais como geologia, solos, e clima
associados aos processos de uso da terra, que possibilitará a compreensão das
dinâmicas espaciais das paisagens na Região do Médio Solimões no estado do
Amazonas.
Material e métodos
O presente trabalho abordou como área de estudo a bacia hidrográfica do Igarapé
Jarauá no município de Alvarães, localizada na região do Médio Solimões no
estado do Amazonas (Figura 1).
A escolha da bacia hidrográfica no município de Alvarães, deve-se
principalmente pelo processo de uso e ocupação que ocorre de modo mais intenso
próximo da sede municipal. É importante considerar, quanto ao uso da terra, que
o acesso ao município de Alvarães exclusivamente por vias fluviais.
O município de Alvarães está localizado no interior do Estado do
Amazonas, e sua sede é considerada de porte pequeno com características
especiais, na análise da rede urbana do estado realizada por Oliveira e Schor
(2008), devido à ausência de infraestrutura que possibilite exercer plenamente
as funções urbanas e por sua localização geográfica, tornando complicada a sua
relação com a calha central do rio e encontrando-se dependente das cidades
médias e pequenas de responsabilidade territorial do estado.
Segundo o IBGE (2022) a população estimada para o município de Alvarães
para o ano de 2018 é de 15.860 e sua distância com Manaus, capital do Estado do
Amazonas é de 668 km por via fluvial.
A sede do município de Alvarães está inserida na bacia hidrográfica do
Igarapé da Jarauá, localiza-se na margem direita do Rio Solimões, apresentando
uma área de aproximadamente 53000 hectares (Figura 1).
Para elaboração da análise da variáveis geomorfométricas foram
consultados trabalho de Calil et al (2012), Silva Neto (2013), Crepani (2001),
Costa Neto (2010), Furlan e Trentin (2019), Mota e Valladares (2011) e Oliveira
et al. (2009), e sobre análise de vertentes e vulnerabilidade do terreno em
trabalhos como de Santos e Ferreira (2010), Souza (2005), Silva e Cunha (2008) e
Santos e Sobreira (2008), além de obras da Geomorfologia como Bigarella (2003),
Bloom (1970), Casseti (1995), Christofoletti (1980), Guerra (1994) e Tricart
(1977).
Os procedimentos metodológicos tiveram como aportes técnico-operacionais o
Sistema de Informação Geográfica, pois estes possibilitaram o manuseio de um
conjunto de dados, que podem ser integrados e, posteriormente visualizados e
explicados por meio da representação dos mapas temáticos, gráficos e tabelas.
Para se alcançar o objetivo foram utilizadas de técnicas de
geoprocessamento que possibilitaram a compilação e análise de dados em ambiente
de Sistema de Informação Geográfica.
A caracterização físico-ambiental da área de interesse, foi realizada a
partir de consulta e compilação de material bibliográficos do Projeto
RADAMBRASIL (1982), Embrapa (2006), e em banco de dados disponíveis do IBGE
(2021) e Mapeamento Geológico do Estado do Amazonas (CPRM - 2004).
Para se identificar os tipos de usos da terra e cobertura vegetal na
área de estudo, utilizou-se dados da plataforma do MapBiomas, a partir da
realização do mapeamento temporal do uso da terra.
Elaborou-se a matriz de Vulnerabilidade geomorfométrica, conforme Silva
Neto (2013), a partir de dados geomorfométricos fornecidos pelo Projeto Topodata
SRTM do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em que se utilizou as
variáveis altitude, formas do terreno (curvatura vertical e horizontal) e
declividade, analisado de modo integrado a partir de álgebras de mapas
utilizando-se método AHP (Analytic Hierarchy Process).
Resultado e discussão
Na bacia hidrográfica do Igarapé Jarauá observou-se duas classes litológicas, a
Formação Içá com aproximadamente 96% da área da bacia. A outra classe verificada
foram os Depósitos Aluvionares com 4% da área da bacia.
A Formação Içá, que caracterizam-se por arenitos pouco consolidados a
inconsolidados, de origem fluvial de sedimentos do Pleistoceno.
Os Depósitos Aluvionares Holocênicos, caracterizam-se por depósitos
inconsolidados das acumulações mais expressivas que ocorrem nas planícies dos
rios maiores, sobretudo daqueles com cursos meândricos e sinuosos, como o
Solimões e seus tributários da margem direita (IBGE, 2020).
Quantos aos solos presentes na bacia, se verificou o predomínio da
classe de solo Argissolos Vermelho-amarelo, com aproximadamente 73% da área da
bacia. Os Argissolos Vermelho-amarelo caracterizam-se pela textura argilosa sem
cascalho/muito argilosa sem cascalho, horizonte superficial A moderado, com
material originário de produto da alteração de argilitos sílticos ou arenosos,
em relevo local plano e bem drenados (IBGE, 2018).
Os Gleissolos Háplicos, observados nos fundos de vales da bacia,
correspondeu a cerca de 4% da área. Os Gleissolos Háplicos são solos
constituídos por material mineral com horizonte glei iniciando-se dentro dos
primeiros 150 cm da superfície do solo ou a profundidades entre 50 cm e 150 cm
desde que imediatamente abaixo de horizonte A ou E (Santos, et al, 2006).
Os Plintossolos Argilúvicos, caracterizam-se como são solos constituídos
por material mineral, apresentando horizonte plíntico ou litoplíntico ou
concrecionário, e horizonte B textural ou caráter argilúvico. (Santos, et al,
2006). Os Plintossolos Argilúvicos, foram observados em aproximadamente 23% da
área da bacia.
Quanto ao uso da terra na bacia hidrográfica do Igarapé Jarauá realizou-se a
análise do desmatamento na área de estudo a partir de 2010, visto que a partir
da primeira década dos anos de 2000, ocorrem incrementos de áreas desmatadas com
áreas de atividades agropecuárias (Mapbiomas, 2022).
Nesse sentido, ao se analisar as áreas de floresta e desmatamento na
bacia hidrográfica do Igarapé Jarauá, observou-se um aumento gradativo no ano de
2010, que apresentou no período 638 hectares de área desmatada, e no ano de
2020, aproximadamente 2370 hectares de área desmatada. Essas áreas desmatadas
correspondem ao aumento de aproximadamente 3%, da área da bacia, no período
analisado. A substituição das áreas de floresta por desmatamento, destinam-se
principalmente à áreas utilizadas para pastagem e pequenas culturas.
Quanto à dinâmica do desmatamento, observa-se que inicia-se e se expande
a partir no baixo curso da bacia, na margem direita onde localiza-se a sede
municipal de Alvarães, com população aproximada de16.000 habitantes, com
aproximadamente 56% de população urbana (IBGE, 2020).
A partir do ano de 2020, observa-se a expansão das manchas de
desmatamento no sentido do médio curso da bacia, acompanhando seus principais
afluentes, observa-se que o padrão das manchas de desmatamento se consolidam e
expandem, principalmente em pontos do médio curso e próximo da área urbana.
Para variáveis geomorfométricas foi elaborada uma matriz de
Vulnerabilidade Geomorfométrica da bacia hidrográfica do Igarapé Jarauá,
associando-se as variáveis Formas do terreno (Curvatura Vertical e Curvatura
Horizontal), declividade, e hipsometria. (Quadro 1).
Assim, observou-se que a Vulnerabilidade Geomorfométrica da paisagem na
bacia hidrográfica analisada, predominaram as classes Moderada com
aproximadamente 73%, e Baixa com cerca de 27% da área da bacia, as classes Muito
Baixa e Alta não representaram 1% da área da bacia, a classe Muito Alta não foi
observada.
Na área de estudo encontra-se na região da Planície Amazônica e
Depressão Purus-Juruá, com baixa amplitude altimétricas, predominando altitudes
que não ultrapassam os 90 metros, com relevo variando de plano a suave ondulado
(Figura 2).
Enfatiza-se que apesar da bacia hidrográfica do igarapé Jarauá, predominar as
classes de Vulnerabilidade Geomorfométrica Baixa e Moderada, deve-se considerar
essa matriz em um contexto integrado à outras variáveis como pedologia,
litologia e erosividade, que pode apresentar diversos níveis de instabilidade,
cujo grau de vulnerabilidade estará condicionado à intensificação no uso da
terra.
Localização da bacia hidrográfica do Igarapé Jarauá no município de Alvarães – AM.
Graus de Vulnerabilidade para variáveis Geomorfométricas.
Mapas das Variáveis: Altitude, Formas do Terreno, Declividade e Vulnerabilidade do relevo da bacia hidrográfica do Igarapé Jarauá – Alvarães, Amazonas
Considerações Finais
A matriz de vulnerabilidade geomorfométrica quando analisada utilizando-se
qualquer método multicritério hierárquico, como por exemplo, o método AHP
(Processo Analítico Hierárquico), deve-se considerar que outras variáveis, como
tipos de solos, erosividade e uso da terra e cobertura vegetal, assumem um papel
significativo na análise da Vulnerabilidade da paisagem à perda de solos.
Na bacia hidrográfica do igarapé Jarauá os graus de Vulnerabilidade podem estar
relacionadas à intensificação no uso da terra associadas às variáveis que
apresentam instabilidade na paisagem, como Depósitos Aluvionares, classes de
solos com Gleissolos Háplicos e Plintossolos Argilúvicos, vertentes com
declividades acentuadas, e formas de convergentes do terrenos, associados aos
altos índices pluviométricos da bacia.
Paisagens com Vulnerabilidades Moderadas e Baixas, estão suscetíveis à
transitarem para as classes Altas e Muito Altas, à menor perturbação dessas
paisagens, como a intensificação no uso da terra devido à substituição das área
de Florestas Ombrófilas Densa por usos com atividades de agropecuárias.
Os resultados alcançados podem contribuir para subsidiar futuros
diagnósticos-prognósticos socioambientais, de modo a participar de maneira
efetiva na elaboração de políticas públicas que visem promover o planejamento e
gestão de recursos hídricos, diretrizes para uso da terra, buscando o melhor
aproveitamento das potencialidades existentes, mitigação dos impactos negativos
à biodiversidade amazônica e à degradação dos recursos naturais.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). À
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) pelo Programa de
Apoio à Pós-doutores (PRODOC).
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