Autores
- GLEICE SANTANA PEREIRAFCT - UNESPEmail: gleice.santana@unesp.br
Resumo
O artigo apresenta uma análise acerca da Fragilidade Ambiental e do
comportamento/distribuição dos focos erosivos na UGRHI 21 - São Paulo. Com base
na metodologia proposta por Ross (1990, 1994), a aferição da fragilidade se dá
através de um produto cartográfico de síntese resultante da sobreposição
ponderada das variáveis de relevo, tipos de solo, clima, usos da terra e
cobertura vegetal. No que tange aos resultados, 65% da bacia hidrográfica é
classificada com "Alta" fragilidade aos processos erosivos pluviais e através do
estudo individual de cada uma das variáveis correlacionadas a localização e
distribuição das erosões é possível indicar que elas são mais frequentes na
unidade morfoescultural do “Planalto Centro Ocidental”, em solos do tipo
“Argissolos” e associados a “Pastagens” e menos em áreas localizadas nas
planícies do baixo curso do Rio do Peixe, na presença de “Latossolos” e em
culturas de “Cana-de-açúcar”.
Palavras chaves
Geomorfologia; Geoprocessamento; Álgebra de mapas; Fragilidade; Erosão acelerada
Introdução
A remoção da cobertura natural do solo, sua compactação por maquinários
agrícolas e impermeabilização em áreas urbanas, têm alterado e intensificado os
processos de escoamento superficial, erosão e assoreamento dos corpos hídricos,
constituindo o debate em torno de sistemas adequados de gestão integrada das
águas como primordial (TUNDISI, 2006; PIROLI, 2016). O entendimento aprofundado
a respeito dos processos que envolvem as dinâmicas erosivas (partindo do momento
em que as gotas da chuva incidem sobre o solo) se torna essencial para que se
constituam metodologias que possam intervir ou mesmo reverter o cenário de
degradação dos solos e do ambiente, partindo do pressuposto de que o
conhecimento aprofundado das ocorrências e seus processos permitem pôr em
prática ações que operem sobre o manejo do solo de maneira eficaz e objetiva.
O relevo e os demais componentes da natureza devem ser analisados sob as
potencialidades dos recursos naturais diante das novas necessidades que vêm
sendo criadas pelas sociedades humanas e as fragilidades dos ambientes naturais
em função das interferências que as tecnologias, cada vez mais desenvolvidas,
permitem. A modelagem vem sendo muito utilizada como ferramenta de análise nos
diferentes campos da Geografia Física, e representa, em geral, um conjunto de
instrumentos úteis na busca de previsões de comportamentos, seja de cenários
futuros ou pretéritos, nas mais variadas escalas espaciais e temporais. Segundo
Pereira (2021, p. 40) a modelagem se constitui em:
“[...] uma importante ferramenta para diagnósticos e prognósticos ambientais e
consequentemente, pode oferecer subsídios à tomada de decisões relacionadas ao
uso e manejo adequado dos solos e à preservação dos recursos hídricos, uma vez
que permite a identificação de áreas mais e menos suscetíveis”.
Dentre os diversos métodos de classificação dos terrenos que utilizam uma
abordagem integrada ou sistêmica, apoiada no conceito de paisagem, destacam-se,
no Brasil, dois sistemas de mapeamento integrado que adotam as unidades de
relevo como informação principal: Mapas de Fragilidade Ambiental (ROSS, 1994) e
Mapas de Vulnerabilidade à Erosão (CREPANI et al., 2001). Segundo Florenzano
(2008), “ambos os sistemas vêm sendo utilizados na elaboração de zoneamentos
ambientais, mais especificamente no Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), como
definido institucionalmente” (p. 122). Neste trabalho, foi aplicada a
metodologia de Fragilidade Ambiental, proposta por Ross (1990, 1994) e que foi
baseada nos princípios da Ecodinâmica de Tricart (1977), onde são avaliadas as
relações entre as componentes do meio físico e antrópico (como o relevo, solo,
pluviometria cobertura vegetal e uso da terra).
Os estudos integrados de um determinado território pressupõem o entendimento da
dinâmica de funcionamento do ambiente natural com ou sem as intervenções
humanas, dessa forma, a metodologia compreende a elaboração da Fragilidade
Potencial (que seria a suscetibilidade natural do ambiente face aos processos
erosivos) e da Fragilidade Emergente/Ambiental (a suscetibilidade natural
associada aos graus de proteção que os diferentes tipos de uso e cobertura
vegetal exercem).
Para tal, o estudo foi realizado utilizando como objeto de estudo a Unidade de
Gerenciamento de Recursos Hídricos do Rio do Peixe - UGRHI 21 (Política Estadual
de Recursos Hídricos – Lei 7663/91) do Estado de São Paulo, que corresponde,
quase que integralmente, à bacia hidrográfica do Rio do Peixe.
Material e métodos
No modelo proposto por Ross (1994) a análise empírica da fragilidade é realizada
a partir da sobreposição ponderada de produtos cartográficos temáticos pré
existentes, atribuindo pesos para cada uma das suas respectivas classes. Para a
variável relevo, utilizou-se os Padrões de Formas Semelhantes (3º táxon) e os
índices de dissecação do relevo como parâmetro morfométrico. Essas informações
foram obtidas no Mapa Geomorfológico do estado de São Paulo, em escala 1:500.000
elaborado por Ross e Moroz (1997) e foram atribuídos níveis hierárquicos de
fragilidade para cada categoria identificada na área de estudo.
Os níveis de fragilidade atribuídos às categorias morfométricas do relevo foram
estabelecidos de acordo com os padrões de formas semelhantes de relevo e índices
de dissecação do relevo, da seguinte forma: Muito baixo (1) - Dc11 /Dt 11; Baixo
(2) - Dc12, 22/Dt 12; Médio (3) - Dc 13, 23/Dt 13; Alto (4) - Dc 14, 24, 34; e,
Muito alto (inundação) - Atf / Apf; onde as formas agradacionais são
representadas pela letra maiúscula A (agradacional/ acumulação) e as formas
denudacionais recebem a letra maiúscula D (denudacional/ dissecação). O nível
“Muito alto (inundação)” é classificado no programa como “Restrito” por serem
áreas de planícies de inundação e embora apresentem fragilidade baixa em relação
aos processos erosivos, são áreas onde a ocupação deve considerar aspectos
legais (APPs), a instabilidade dos terrenos e a ocorrência de inundações.
Para a variável solo foi empregado o Mapa Pedológico do estado de São Paulo, em
escala 1:250.000 de Rossi (2017). Os níveis atribuídos para as classes de solo
são: Baixo (2) - Latossolos; Alto (4) - Argissolos; Muito alto (5) - Neossolos;
e Muito alto (inundação) - Planossolos e Gleissolos.
Em relação ao uso da terra, é indispensável considerar o grau de proteção que
cada tipo de cobertura oferece aos solos, face aos processos erosivos
ocasionados pela ação das águas pluviais. Os níveis que foram atribuídos para
cada classe de uso da terra, conforme sugerido por Ross (1994) são: Muito baixo
(1) - Cobertura arbórea; Médio (3) - Cana, Área urbana; Alto (4) - Pastagem;
Muito alto (5) - Solo exposto; e, Muito alto (inundação) - Área úmida, corpos
d’água.
Para a pluviometria, uma distribuição regular ao longo do ano e com volumes
anuais não superiores a 1000 mm/ano é considerada pela metodologia como "Muito
baixo (1)" e até 2000 mm/ano é classificado como "Baixo (2)" (ROSS, 1994).
Segundo os dados do “Relatório de situação dos Recursos Hídricos das Bacias do
Rios Aguapeí e Peixe” (CBH-AP, 1997), a precipitação média anual é de 1.250 mm;
dessa forma, como as chuvas na UGRHI se apresentam em um volume baixo, foi feita
a opção de não incluir esse material nas sobreposições para conseguir avaliar
com mais destaque o papel do relevo, solo e uso da terra.
Após a organização dos mapas temáticos, realizou-se a sobreposição ponderada
entre o relevo e o solo, obtendo assim o Mapa de Fragilidade Potencial; ao
correlacionar este último com o uso da terra, foi elaborado o Mapa de
Fragilidade Emergente (Ambiental).
Num segundo momento, os focos de processos erosivos (disponibilizados pelo
Instituto de Pesquisas Tecnológicas no ano de 2012) foram sobrepostos ao mapa
síntese a fim de verificar se os locais com as maiores e menores densidades
erosivas corresponderiam aos níveis de fragilidade atribuídos; já que segundo a
teoria, nos níveis mais altos haveria uma maior densidade (erosão/km) quando
comparados aos outros. Por fim, foi realizada uma análise individual de cada uma
das variáveis utilizadas nas sobreposições para identificar quais seriam os
condicionantes e o que diferenciaria as áreas com maior e menor densidade
erosiva.
Resultado e discussão
Segundo estudo da CETEC (2008), a UGRHI apresenta uma alta criticidade em
relação aos processos erosivos visto que das 78 sub bacias do rio do Peixe, 62
possuem alto potencial à degradação por erosão (79,49%), 10 têm médio potencial
(12,82%) e 6 (7,69%) baixo potencial. Neste trabalho, para avaliar a UGRHI, foi
elaborado um produto síntese que expressam os diferentes graus de fragilidade do
ambiente (expresso na Figura 1).
Figura 1 - Mapa de Fragilidade (Emergente) Ambiental.
Fonte: Pereira, 2021.
É possível identificar que o nível mais expressivo é o “Alto” e de acordo com
Pereira (2021, p. 96) “a Unidade de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Rio
do Peixe apresenta as fragilidades: “Baixo” (3%), “Médio” (27%), “Alto” (65%) e
“Muito alto” (2%) face aos processos erosivos, além das áreas de planície de
inundação”, ou seja, o nível “Muito baixo” não representa nem 1% do total
enquanto 65% têm uma alta suscetibilidade.
Conceitualmente, dos processos erosivos pluviais, é importante distinguir os
processos por escoamento laminar dos processos lineares que envolvem a
movimentação de grandes massas de solo e sedimentos, conhecidos como sulcos,
ravinas e voçorocas (estas últimas são o foco do trabalho); em 2010/2011 foi
desenvolvido no Estado de São Paulo o “Cadastramento de pontos de erosão e
inundação no Estado de São Paulo”, resultado de uma demanda do Departamento de
Águas e Energia Elétrica – DAEE, que possibilitou o aprofundamento do
conhecimento a respeito dos processos erosivos no território paulista e na bacia
do Rio do Peixe, foram identificados 6902 focos erosivos, sendo 172 erosões
urbanas (76 ravinas e 89 voçorocas) e 6730 rurais (1461 ravinas e 5364
voçorocas) - indicadas na Figura 2.
Figura 2 - Localização dos focos erosivos no Mapa de Fragilidade (Emergente)
Ambiental.
Fonte: Elaborado pela autora.
Ao analisar a localização dos focos erosivos nota-se que não há uma distribuição
homogênea em toda a UGRHI já que algumas das áreas apresentam uma menor
densidade ou mesmo “vazios”. Quando se compara essas áreas com menor quantidade
de processos erosivos com o “Mapa de Fragilidade Ambiental”, é possível ver que
a maior parte do nível de fragilidade “Médio” está visível, sendo assim, é
possível dizer que os níveis mais baixos de fragilidade concentram o menor
percentual de processos erosivos; apenas 2,5% do total de erosões estão
localizados no nível “Baixo”, 11% no “Médio”, 83% no “Alto” e 2,5% no “Muito
alto”.
A Figura 3 apresenta localização dos processos erosivos, as variáveis utilizadas
na elaboração do Mapa de Fragilidade e os Pontos 1 e 2 (que apresentam uma menor
ocorrência de focos erosivos).
Figura 3 – (a) Processos erosivos; (b) Mapa Geomorfológico; (c) Esboço
Pedológico; e, (d) Mapa de Uso.
Fonte: Elaborado pela autora.
As formas de relevo apresentam relações diretas com o desencadeamento dos
processos erosivos; em relação a geomorfologia, predomina o Planalto Ocidental
que apresentam “formas de dissecação média a alta, com vales entalhados e com
densidade de drenagem média a alta, apresentando um nível de fragilidade
potencial médio/alto a erosão” (ALMEIDA FILHO & HELLMEISTER JUNIOR, 2018, p.
03). No geral 79% das erosões estão localizadas no “Planalto Centro Ocidental” e
21% no “Planalto Residual de Marilía”.
No ponto 1, por estar localizado no baixo curso da UGRHI em que encontra a
planície fluvial entende-se o porquê dos processos erosivos se encontrem mais
escassos (correspondendo a menos de 1%) já que, geralmente, nessas áreas os
processos de sedimentação/deposição superam os de erosão e ao favorecer a
infiltração da água da chuva e a formação do solo faz com que sejam terrenos
estáveis com relação à erosão.
Em relação a geomorfologia, predomina o “Planalto Ocidental” que apresenta
“formas de dissecação média a alta, com vales entalhados e com densidade de
drenagem média a alta, apresentando um nível de fragilidade potencial médio/alto
a erosão” (ALMEIDA FILHO & HELLMEISTER JUNIOR, 2018, p. 03).
Quanto à pedologia, os “Argissolos” ocupam 78% da UGRHI enquanto os “Latossolos”
são apenas 16% (PEREIRA, 2021, p. 68). Sabe-se que solos do tipo “Argissolos”
são mais suscetíveis à erosão que o do tipo “Latossolos”, pois o primeiro ocorre
principalmente em topografias mais movimentadas que o segundo e, além disso,
apresentam um horizonte B textural, com maior concentração de argila, que
representa uma “barreira” para a infiltração das águas, favorecendo o escoamento
superficial e acelerando os processos erosivos. Ao analisar a Figura 3, é
possível identificar que nas áreas onde a ocorrência dos processos erosivos é
menor há a presença, mesmo que pequena, de latossolos, o que poderia contribuir
para o entendimento dos "vazios".
Em relação ao uso e ocupação, predomina a “Pastagem” (63%) que é uma vulnerável
aos processos erosivos, já que a vegetação é mais rala e menos densa do que a
cultura da “Cana-de-açúcar” (18%) que aparece nos Pontos 1 e 2. Porém, é
importante olhar para esse resultado com cuidado já que Sparovek e Schnug (2001)
estimaram perdas de solo de 31 t.ha-1.ano-1 por erosão hídrica nos canaviais
paulistas; neste sentido, vale pontuar que este estudo é apenas uma amostra,
onde a predominância da “Pastagem” faz com que culturas com vegetação/folhagem
mais desenvolvida e outras formas de manejo possam oferecer um maior grau de
proteção ao solo.
Considerações Finais
Em linhas gerais, observa-se que a erosão hídrica está entre os graves problemas
que afetam a Bacia do Peixe e a metodologia da Fragilidade Ambiental pode se
constituir em um importante subsídio à tomada de decisões relacionadas ao uso e
manejo adequado dos solos e à preservação dos recursos hídricos já que possibilita
a identificação de áreas mais e menos susceptíveis aos processos erosivos
lineares.
Agradecimentos
Referências
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