• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

CONSCIÊNCIA PEDOLÓGICA – UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA COM O 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Autores

  • ARMANDO BRITO DA FROTA FILHOSEMED - MANAUSEmail: armandofrota.filho@gmail.com

Resumo

No intuito de exercitar a consciência pedológica entre os discentes do 2º ano do Ensino Fundamental, foram traçadas algumas estratégias metodológicas como o uso de um simulador de chuva e elaboração de tintas com base em solos. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo descrever e discutir uma oficina de solos que ocorreu com alunos da Escola Municipal Aristóteles Comte de Alencar, no município de Manaus (AM). Dentre os principais resultados destacam-se as descobertas dos alunos sobre a textura do solo e como ela influencia na elaboração da tinta, a partir da percepção dos desenhos desenvolvidos por eles. E embora os conceitos de arenoso, argiloso e siltoso não façam parte do cotidiano dos discentes, a prática permitiu relacionar o conhecimento teórico com a realidade local, promovendo uma compreensão mais ampla e contextualizada, além de os levar a reflexões e apreensões sobre aspectos relativos ao solo, mesmo que ele não seja heterogêneo.

Palavras chaves

Educação básica ; Tinta; Solos; Simulador de chuva ; Anos iniciais

Introdução

As temáticas físico-naturais são de grande importância para que os estudantes compreendam de forma integrada as dinâmicas ambientais. Nesse contexto, é válido considerar o viés proposto por Suertegaray (2001), no qual o ambiente, dentro da perspectiva geográfica, é entendido como um espaço no qual o homem é simultaneamente um "ser social produto e produtor de várias tensões ambientais". Para a autora, essa perspectiva privilegia as transformações e interações ocorridas nesses lugares, resultantes da construção da vida em sociedade com a natureza. A Inteligência naturalista é um dos nove tipos de inteligência definidas por Howard Gardner que podem ser desenvolvidas, em especial no âmbito escolar. Ainda que não seja a única, a Geografia é uma das disciplinas que melhor trabalha essas particularidades, visto que está em seu core o trabalho com os aspectos naturais e suas relações com a sociedade, seja através do entendimento de como eles são produzidos ou pela ideia de recursividade, conforme a perspectiva de Morin (2000), onde “um processo recursivo é um processo em que os produtos e os efeitos são, ao mesmo tempo, causas e produtores daquilo que os produziu”. A Geografia, enquanto ciência, desenvolveu um ramo denominado de Geografia Escolar, o qual se dedica à didática no ensino da Geografia, a geograficidade dos temas escolares, alfabetização e desenvolvimento do pensamento espacial, e mais recentemente sobre o desenvolvimento da consciência pedológica. Embora seja importante ressaltar que dentro da perspectiva da geografia escolar, os assuntos que recaem sob a égide da Geografia física são frequentemente tratados com forte caráter descritivo e enumerativo, com abordagens segmentadas, empíricas e descritivas (AFONSO, 2015), dando-lhes uma visão de decorativos para a sociedade (LOUZADA e FROTA FILHO, 2017). Haja vista que no Ensino Fundamental e Médio, o conteúdo referente à Natureza está presente, mas a discussão conceitual sobre Natureza ainda é incipiente (SUERTEGARAY, 2005). Um exemplo disso é a própria questão dos solos, pois como aponta Oliveira (2014) “o solo não é tão valorizado nos estudos de educação ambiental, assim como são o ar, a água, os seres vivos e as rochas”, o qual se traduz como um reflexo do currículo. No caso a BNCC, na Educação Infantil não há menção ao solo, no Ensino Fundamental o termo aparece em Ciências e Geografia, tanto nas séries iniciais quanto finais, enquanto no Ensino Médio o solo aparece em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (OLIVEIRA, 2019). Assim o termo solo aparece 17 vezes, “três vezes em textos introdutórios de capítulos e, em tabelas, foi citado duas vezes nos Objetos de Conhecimento e 11 vezes nas Habilidades”, como explicita Arruda et al. (2021). Nessa perspectiva, de transpor as concepções utilitaristas da “Natureza enquanto objeto” a ser explorado que Barbosa Neto et al. (2019) advogam sobre a relevância de aulas práticas com o desenvolvimento de oficinas sobre solos, como contribuição direta para a formação de uma visão crítica dos estudantes. Quando realizadas no Ensino Fundamental, em especial nos anos iniciais (1º ao 5º ano) em que os conceitos são ensinados, e posteriormente aplicados nos anos finais (6º a 9º ano) e Ensino Médio. Para tanto o artigo tem como objetivo descrever e discutir uma oficina de solos que ocorreu com alunos do 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Aristóteles Comte de Alencar, no município de Manaus – AM, sob a perspectiva de uma educação crítica e cidadã.

Material e métodos

Com base nos estudos realizados por autores, como Mugler et al. (2006), Oliveira (2014; 2019), Afonso (2015), Louzada e Frota Filho (2017), Barbosa Neto et al. (2019) e Arruda et al. (2021), além da análise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para os Anos Iniciais (BRASIL, 2019), especificamente no que se refere ao 2º ano do Ensino Fundamental, pôde-se embasar teoricamente a preparação das atividades da oficina relacionada ao tema dos solos. As atividades didático-pedagógicas foram realizadas com um grupo de dezessete alunos de uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Aristóteles Comte de Alencar, localizada em Manaus (AM). As atividades foram integradas às aulas já planejadas para abordar os conceitos de solos, nos componentes curriculares de Geografia e Ciência, de forma interdisciplinar. Foram desenvolvidas duas atividades didático-pedagógicas que abordaram os seguintes temas: 1) relação entre solo e água; 2) importância da cobertura do solo; e 3) vida no solo. Para isso, utilizou-se diferentes tipos de solos, frascos contendo solos com diferentes cores e texturas, folhas para colorir e cola branca. A oficina foi dividida em três partes distintas. Primeiramente, foi realizada uma roda de conversa, na qual foram feitos questionamentos para avaliar o entendimento prévio dos alunos sobre o conceito de solo. Em seguida, foram utilizados materiais concretos para exemplificar a importância do solo, iniciando pelo uso de um simulador de escoamento superficial. Por fim, foi dedicado um momento mais lúdico, no qual os alunos produziram tintas a partir da mistura de água, cola branca e amostras de solo de diferentes cores, utilizando o Latossolo amarelo, encontrado em diversos horizontes na cidade de Manaus.

Resultado e discussão

Antes de iniciar a discussão sobre os resultados é necessário um preambulo sobre a atual situação dos conteúdos referentes a solos na BNCC. Como dito anteriormente há apenas 17 menções ao termo “solo” em todo o documento. É nessa tônica que, de tal é a concepção de autores que – por vezes até sem se dar conta – usam a expressão “recursos naturais” como sinônimos de “elementos da Natureza”, “meio ambiente” (AFONSO, 2015), pensando no solo apenas como um recurso, um bem a ser utilizado e não como parte de um (eco)sistema com múltiplas funções e serviços ecossistêmicos. Somado a isso, não são considerados os serviços de ordem cultural, relevantes para os povos originários. Por essa razão, Oliveira (2014) ressalta que, no contexto escolar, o solo não recebe a mesma valorização nos estudos de educação ambiental como o ar, a água, os seres vivos e as rochas, embora seja igualmente vital para a manutenção da vida. Nesse sentido, em termos da própria BNCC (2019) é importante elencar quais as unidades temáticas, objetos do conhecimento e habilidades de cada componente que foram desenvolvidas com os educandos. Em Ciências da Natureza, as unidades temáticas: 1) Matéria e energia; 2) Terra e universo. Os objetos do conhecimento: 1) Propriedades e usos dos materiais; 2) Prevenção de acidentes domésticos; 3) Movimento aparente do Sol no céu; e 4) O Sol como fonte de luz e calor. E as Habilidades: (EF02CI01) Identificar de que materiais (metais, madeira, vidro etc.) são feitos os objetos que fazem parte da vida cotidiana, como esses objetos são utilizados e com quais materiais eram produzidos no passado; (EF02CI02) Propor o uso de diferentes materiais para a construção de objetos de uso cotidiano, tendo em vista algumas propriedades desses materiais (flexibilidade, dureza, transparência etc.); (EF02CI03) Discutir os cuidados necessários à prevenção de acidentes domésticos (objetos cortantes e inflamáveis, eletricidade, produtos de limpeza, medicamentos etc.); (EF02CI08) Comparar o efeito da radiação solar (aquecimento e reflexão) em diferentes tipos de superfície (água, areia, solo, superfícies escura, clara e metálica etc.). Em Geografia, as unidades temáticas: natureza, ambientes e qualidade de vida. Os objetos do conhecimento: 1) Os usos dos recursos naturais; 2) solo e água no campo e na cidade. A habilidade: (EF02GE11) Reconhecer a importância do solo e da água para a vida, identificando seus diferentes usos (plantação e extração de materiais, entre outras possibilidades) e os impactos desses usos no cotidiano da cidade e do campo. Além disso, é apenas em Ciências da Natureza que há uma explicação do conteúdo de solos e sua importância: “Espera-se também que os alunos possam reconhecer a importância, por exemplo, da água, em seus diferentes estados, para a agricultura, o clima, a conservação do solo, a geração de energia elétrica, a qualidade do ar atmosférico e o equilíbrio dos ecossistemas” (BNCC, 2019, p.325); e “Nos anos finais, há uma ênfase no estudo de solo, ciclos biogeoquímicos, esferas terrestres e interior do planeta, clima e seus efeitos sobre a vida na Terra, no intuito de que os estudantes possam desenvolver uma visão mais sistêmica do planeta com base em princípios de sustentabilidade socioambiental” (p.328). Optou-se por iniciar os resultados com essas informações para fundamentar e justificar a necessidade de práticas de ensino sobre solo, abordando de forma contextualizada junto aos educandos. Além disso, utiliza-se a BNCC como suporte para o desenvolvimento das atividades relacionadas aos solos. Dessa maneira, a oficina teve início com questões básicas sobre solos, como: "O que é o solo?", "Qual a função do solo?" e "Todos os solos são iguais?". A partir dessas perguntas, foi possível construir coletivamente a compreensão sobre o solo. Em seguida foi mostrado o simulador de escoamento superficial (FIGURA 1), com garrafas transparentes e incolores para melhor visualização do perfil de solo. A atividade teve o intuito de exemplificar a importância da vegetação para o controle erosivo, ainda que essas questões não tenham sido aprofundadas. Após os alunos terem observado o funcionamento do simulador, que demonstrou como a quantidade de sedimentos transportados aumentava conforme a quantidade de água, foi realizada a segunda atividade. A atividade de criação de tintas, a partir de amostras de solo foi baseada na metodologia proposta por Vital et al. (2019) e Santos e Catuzzo (2020), que envolve a mistura de solo, cola branca e água. É importante ressaltar as descobertas feitas pelos alunos em relação à textura do solo e como ela influencia na elaboração da tinta e consequentemente os desenhos que eles criaram. Mesmo que os conceitos de solo arenoso, argiloso e siltoso não façam parte do dia a dia dos alunos, essa prática proporcionou reflexões e compreensões sobre o solo, mostrando que ele não é homogêneo. Foi evidenciado que, dependendo da textura, a tinta pode ser mais ou menos vibrante, ou apresentar diferentes aderências ao papel (FIGURA 2). Os próprios alunos tiveram a oportunidade de descobrir as consistências ideais para suas intenções, permitindo que eles tivessem total liberdade para criar desenhos utilizando as tintas (FIGURA 3). O objetivo era mostrar que o solo pode ser utilizado como um pigmento de tinta, assim como era feito no passado e ainda é utilizado em rituais por povos tradicionais, proporcionando uma conexão com os componentes curriculares de Geografia, Ciências da Natureza, História e Arte. Essa estratégia permitiu uma reinterpretação da atividade, uma vez que envolveu o aspecto lúdico (FALCONI et al., 2013), proporcionando aos alunos a oportunidade de criarem diversos desenhos, como corações, casas, arco-íris e pinturas aleatórias. Essa abordagem reforçou a ideia de que era um momento de expressão livre e lúdica, enfatizando a importância da liberdade de expressão dos alunos. Como a ideia foi usar o solo como um recurso didático que pudesse fazer conexões dos elementos da realidade dos educandos com os conhecimentos escolares, entende-se que a dinâmica foi positiva. Uma vez que estamos falando de alunos com faixa etária de 7 a 9 anos, que passaram por dois anos de aulas remotas ou hibridas, referentes aos anos de 2020 e 2021 da pandemia de COVID-19. Como aponta Afonso (2015) é necessário compreender as questões ambientais e integrar os conhecimentos dentro da própria Geografia (Física e Humana), por meio de uma abordagem interdisciplinar. Para tanto, usa-se o argumento de Suertegaray e de Paulo (2019) ao contextualizarem o uso do termo ambiente, já que: “a abordagem da Geografia não se resume a apresentar as transfigurações produzidas na natureza pelas formas de exploração dos recursos, mas busca, também, descrever a repercussão desta degradação/transfiguração nas comunidades que dependem dos recursos locais, que vivem no local, que têm identidade com aquele lugar” (p.20). Assim, pode-se utilizar a mesma discussão para o contexto do solo, ressaltando que este não deve se limitar apenas às questões relacionadas aos recursos naturais e à degradação, mas também considerar o papel social, cultural, político e natural que o solo desempenha e pode desempenhar para cada comunidade ou sociedade. É necessário ultrapassar a visão utilitarista que é questionada por autores como Mugler et al. (2006), Oliveira (2014; 2019), Afonso (2015), Louzada e Frota Filho (2017) e Barbosa Neto et al. (2019), tanto em relação aos livros didáticos quanto ao currículo escolar. Para tanto, Barbosa Neto et al. (2019) explicam a importância de práticas relacionadas ao solo, destacando que essas práticas contribuem diretamente para o desenvolvimento de uma visão crítica por parte dos estudantes. Além disso, Afonso (2015) e Oliveira (2014; 2019) mostram que esse tipo de atividade com os alunos está se tornando cada vez mais comum, evidenciando a relevância de abordar o tema do solo de maneira ampla e reflexiva.

Figura 1: Passos para elaboração do terrário e simulador de escoamento

C: areia como horizonte C. D: material argiloso, horizontes A e B. E: M.O. para um dos perfis. F: terrários prontos

FIGURA 2: Tintas de solo usadas para criação de desenhos



FIGURA 3: Discentes do 2º ano realizando as misturas paras tintas com



Considerações Finais

A discussão curricular apresentada tem como objetivo evidenciar a necessidade de uma educação sobre solos no ensino fundamental, abrangendo tanto os Anos Iniciais quanto os Anos Finais. É fundamental que essa educação seja contextualizada, relacionando-se com os demais conteúdos curriculares e com a realidade dos estudantes. Caso contrário, corre-se o risco de reproduzir um discurso conteudista e meramente decorativo, reforçando a percepção limitada a qual Geografia Física foi taxada. Não se pretende transformar disciplinas básicas em cursos avançados de pedologia, mas sim aprimorar o ensino do solo dentro dos limites e possibilidades do currículo escolar, demonstrando como ele pode ser abordado de maneira prática e interdisciplinar. O solo, nesse sentido, torna-se um veículo para o desenvolvimento de diversos conteúdos, não apenas no campo da Geografia, mas também em outras áreas do currículo. Dessa forma, ao integrar o ensino do solo de forma contextualizada, amplia-se o entendimento dos estudantes sobre a importância desse recurso para a compreensão dos processos naturais, sociais, culturais e políticos que ocorrem em suas comunidades e no mundo. Além disso, promove-se uma visão crítica e reflexiva, proporcionando uma educação mais significativa e conectada com a realidade dos educandos.

Agradecimentos



Referências

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