Autores
- FELIPE COSTA ABREU LOPESIFSPEmail: fcalopes@ifsp.edu.br
- CAIO VINICIUS WATZECK CIAVARELIIFSPEmail: caiow@ifsp.edu.br
- ANA LUIZA FRANCISCO ROCHAIFSPEmail: rocha.luiza@aluno.ifsp.edu.br
- EMILLY SOUSA DA SILVAIFSPEmail: emily.sousa@aluno.ifsp.edu.br
- DIEGO DOS SANTOS GARCIASIFSPEmail: d.garcias@aluno.ifsp.edu.br
Resumo
As tecnologias têm sido cada vez mais procuradas como ferramentas educacionais
na atualidade, seja por permitir uma aproximação maior com os estudantes ou
facilitar a representação de fenômenos que se tornam muito abstratos quando
representados com as metodologias tradicionais de ensino. Esse trabalho faz uso
da SARndbox como instrumento de operacionalização de metodologias ativas na
educação, a exemplo do Desenho Universal para Aprendizagem e da teoria de
Estilos de Aprendizagem, para explorar a relação da água com o relevo. O uso da
SARndbox permitiu o desenvolvimento de um cenário com a representação do
escoamento superficial em diferentes formas de relevo, trabalhando suas
diferentes origens e discussões sobre as consequências ambientais e
socioeconômicas resultantes do excesso de fluxo hídrico em vertentes. Em
comparação com os métodos tradicionais, o uso da SARndbox permitiu uma
compreensão muito melhor por parte dos estudantes e uma nova aplicação da
ferramenta para educadores.
Palavras chaves
Geografia; SARndbox; Ensino; Metodologias Ativas; Escoamento Superficial
Introdução
Muito se fala sobre impactos causados pela relação entre água e relevo. Esse
assunto se torna cada vez mais relevante conforme seus impactos socioeconômicos
ganham maiores dimensões com a intersecção cada vez mais comum entre adensamento
urbano, falta de políticas públicas e grandes eventos de precipitação. Não
faltam exemplos em nossa sociedade de como essa receita tende a efeitos
desastrosos, como os ocorridos no estado de São Paulo no verão de 2023 e tantos
outros que, infelizmente, são recorrentes nas áreas serranas povoadas no Brasil
e no Mundo.
Uma maneira de alertar a população é através da educação. Nesse sentido, a
Geografia e a Geomorfologia têm protagonismo propiciando explicações da
interação entre ambiente e sociedade, porém a dificuldade é o modo de transmitir
essa mensagem do jeito mais didático possível. Nesse contexto que novas
tecnologias e métodos de ensino são inseridos nos ambientes escolares, a exemplo
do Desenho Universal para Aprendizagem (DUA), os Estilos de Aprendizagem (KOLB,
1976) e a SARndbox (REED et al, 2014), que podem se relacionar para que os
resultados em sala de aula sejam mais eficientes na representação do
comportamento da água sobre o relevo e suas possíveis consequências.
A interação do relevo com o escoamento determinará sua origem entre Hortoniano
(HORTON, 1933), Dunneano (DUNNE; BLACK, 1970), e seu comportamento entre laminar
ou turbulento de acordo com sua rugosidade e obstáculos presentes no terreno.
Diversos trabalhos recentes estudaram o comportamento dos escoamentos
superficiais em bacias hidrográficas, a exemplo de Hollanda et al (2015), Júnior
et al (2017) e Souza e Corrêa (2019), o que mostra sua importância, porém tal
relevância é muito difícil de ser representada em salas de aula e muitas vezes
fica restrita aos laboratórios e grupos de pesquisas. Assim, é necessária uma
abordagem mais ativa para inserir esse conhecimento de modo mais prático e
compreensível para estudantes de diferentes níveis de ensino por meio de métodos
como, por exemplo, o uso da SARndbox e metodologia ativas.
Metodologias ativas são amplamente utilizadas no contexto educacional brasileiro
para descrever uma abordagem de ensino que tem como objetivo envolver ativamente
os estudantes no processo de aprendizagem. Segundo Masetto (2018), as
metodologias ativas podem ser definidas como um conjunto de práticas pedagógicas
que envolvem o aluno de forma ativa, favorecendo a construção de conhecimentos,
habilidades e valores.
O Desenho Universal para a Aprendizagem foi baseado nos trabalhos do arquiteto
Ronald Mace e desde então modificado e usado como base por teóricos da educação.
Este método consiste em usar mídias e tecnologias digitais para apoiar o
desenvolvimento educacional do estudante e assim conseguir abarcar o maior
número de particularidades possíveis e propiciar um ensino mais eficiente.
A ideia de Estilos de Aprendizagem foi desenvolvida por David Kolb (1976). Ele
consolidou a teoria de que se pode desenvolver um ciclo de aprendizagem
experiencial baseado nas atitudes e sentimentos da pessoa quando se está
aprendendo. Este ciclo apresenta quatro habilidades de aprendizagem: experiência
concreta, observação reflexiva, conceitualização abstrata e experimentação
ativa.
Essas e outras metodologias têm sido amplamente utilizadas no Brasil em diversos
níveis de ensino e têm sido associadas a uma série de benefícios para os
estudantes, como mostrado por Paiva et al, (2016), que pontuam que as
metodologias ativas podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades como
a criatividade, a resolução de problemas e o trabalho em equipe, além de
aumentar o engajamento dos estudantes no processo de aprendizagem.
Baseado no exposto acima, o objetivo desse trabalho foi a aplicação da SARndbox
como instrumento de ensino para facilitar a compreensão do comportamento da água
em diferentes formas de relevo e assim estabelecer discussão sobre suas origens
e consequências para o ambiente e a sociedade.
Material e métodos
A realização desse trabalho consistiu no planejamento e consolidação das
seguintes etapas:
1° - Estudo sobre escoamento superficial e forma do relevo;
2° - Montagem do cenário na SARndbox para a representação adequada de escoamento
superficial em diferentes planos e perfis de curvatura;
3° - Gravação e edição de vídeo para ser usado em salas de aula;
4° - Montagem de material didático.
Os estudos foram realizados pelos estudantes, orientados pelo professor
mediador e iniciados por meio de exemplos de impactos socioeconômicos
resultantes da interação da água com o relevo (movimentos de massa ocorridos no
litoral norte de São Paulo em 2023). A partir disso, com uso de imagens e vídeos
publicados na imprensa e em redes sociais, foi possível estabelecer a relação
entre a forma da vertente, as áreas onde ocorreram os maiores impactos e o
escoamento superficial.
Com a base teórica montada, foi idealizado um cenário (a ser montado na
SARndbox) onde um relevo apresentasse uma face com curvaturas côncavas enquanto
a outra oposta mostraria curvatura convexa. Usando a SARndbox, foi possível
simular o escoamento superficial nas duas vertentes e verificar como o fluxo
hídrico se comportava na curvatura côncava, evidenciando sua concentração na
vertente, enquanto do lado com curvatura convexa ocorria sua divergência.
Até que o cenário fosse considerado finalizado, foram realizados testes
com diferentes tamanhos de modelado de relevo na areia da SARndbox e diferentes
intensidades de curvatura para se alcançar uma melhor representação do fluxo
hídrico, que ficasse o mais didático possível para os estudantes compreenderem a
influência da forma da vertente no comportamento do escoamento superficial.
Foram adicionados ferramentas didáticas ao cenário representando moradias e
vegetação, a fim de mostrar que dependendo da posição desses elementos, eles
podem estar mais ou menos susceptíveis aos impactos causados pela presença da
água em uma encosta.
Com o cenário estabelecido após testes e finalizações dos materiais,
foram realizadas gravações de diferentes ângulos e criada uma página de
instrução com uma breve introdução, sugestão de aplicação e link para o acesso
ao vídeo em canal do YouTube.
Resultado e discussão
Para o desenvolvimento do cenário, inicialmente as representações das curvaturas
côncava e convexa foram o foco da atenção da simulação. A preocupação em
representar a concentração ou divergência do fluxo hídrico de maneira didática
fez com que um modelado de relevo fosse feito na areia da SARndbox com o formato
de uma duna parabólica (Figura 1). Dessa maneira foi possível representar na
mesma estrutura o diferente comportamento do escoamento superficial nos dois
tipos de curvatura (côncava e convexa) apenas simulando a água de um lado ou de
outro do relevo. Essa forma também facilitou a filmagem, já que tudo pôde ser
feito com uma única estrutura de relevo em vez de realizar uma construção para a
representação de cada tipo de curvatura.
A simulação da água na SARndbox pode ser feita de algumas maneiras diferentes. A
mais comum é usando a própria mão como se fosse uma nuvem, o local do
posicionamento da mão sobre a caixa é entendido pelo sistema como onde a água
deve ser simulada. Outras duas maneiras são simular a água sobre o cenário
inteiro de uma vez (usando a ferramenta manage water) ou simular a água apenas
onde se encontra a seta do mouse com a ferramenta manage water locally. Entre as
ferramentas apresentadas, a que obteve melhores resultados foi a última, já que
a primeira prejudicava a filmagem devido à sombra criada sobre o cenário pela
mão da pessoa responsável pela simulação e a segunda simulava a água sobre o
cenário todo de uma única vez diminuindo a atenção dos estudantes para a
interação da água em cada uma das curvaturas individualmente.
O uso da ferramenta manage water locally permitiu a simulação da água primeiro
na vertente com curvatura côncava e depois na vertente com curvatura convexa
proporcionando a análise separada de cada uma e o desenvolvimento da discussão
sobre o comportamento do escoamento superficial e suas possíveis consequências
ambientais e/ou socioeconômicas em regiões com essa configuração, a exemplo dos
eventos ocorridos no litoral norte de São Paulo no início do ano de 2023 (Figura
2).
O experimento com o cenário permitiu a representação do escoamento superficial
de modo bem sucedido e sua variação com a curvatura da vertente se mostrou muito
didática. A representação do escoamento foi condizente com o escoamento
Hortoniano (HORTON, 1933), já que a SARndbox não é capaz de simular o escoamento
subterrâneo de modo a permitir a representação do método Dunneano (DUNNE; BLACK,
1970) de modo satisfatório.
O escoamento superficial Hortoniano é um fenômeno hidrológico que ocorre quando
a taxa de precipitação excede a taxa de infiltração do solo, fazendo com que a
água se acumule na superfície e comece a se mover em direção aos canais de
drenagem. A representação desse tipo de escoamento na SARndbox permite
discussões de temas comuns, tal qual a impermeabilização do solo por superfícies
duras como asfalto, concreto e telhados, que pode aumentar significativamente a
quantidade de escoamento, reduzindo a capacidade de infiltração da água (NUNES e
ROSA, 2020).
Tanto em áreas urbanas quanto rurais, o escoamento superficial Hortoniano pode
estar atrelado à ocorrência de uma série de impactos socioeconômicos, como
inundações (STOMPH et al, 2002), erosão do solo, assoreamento de rios e
córregos, e transporte de poluentes para as áreas de drenagem. Para gerenciar
adequadamente o escoamento superficial em áreas urbanas e rurais, diversas
técnicas de controle de águas pluviais têm sido desenvolvidas. Entre elas,
destacam-se a pavimentação permeável, os telhados verdes, as bacias de retenção
e os sistemas de infiltração, que visam aumentar a capacidade de infiltração da
água no solo e reduzir a quantidade de água que chega aos canais de drenagem
(BRECKENFELD, 2019).
Todos esses conceitos discutidos acima são trabalhados em salas de aula de
diversos níveis educacionais, porém com um nível muito grande de abstração para
os estudantes quando utilizadas apenas as metodologias de ensino tradicionais.
Nesse sentido os resultados das simulações atrelados às análises dos ocorridos
no litoral norte de São Paulo estão diretamente atrelados às metodologias ativas
como colocado por Masetto (2018), já que os estudantes assumiram o protagonismo
desde o estudo do tema até a montagem e execução do cenário. Isso permitiu o
exercício de diferentes percepções e modos de aprender para chegar a um objetivo
comum, indo ao encontro das ideias da teoria dos Estilos de Aprendizagem (KOLB,
1976) e fazendo uso de ferramentas tecnológicas que tornam o ensino mais
acessível, como preconizado pela ideia do Desenho Universal de Aprendizagem
(DUA).
Além disso, foi muito explícito a mudança de percepção dos estudantes envolvidos
sobre o tema, o que converge para as constatações de Paiva et al. (2016), que
colocam as metodologias ativas como uma ponte para o desenvolvimento de
diferentes características dos estudantes, que variam da criatividade à
resolução de problemas.
Visando a réplica desse trabalho por outras(os) educadores e estudantes,
juntamente com o vídeo do cenário finalizado e disponibilizado on-line (que pode
ser acessado pelo QR Code na Figura 3), uma página explicativa foi desenvolvida
(Figura 3).
Essa página traz uma breve introdução ao tema, indicações de níveis educacionais
e disciplinas que poderiam trabalhar a proposição do cenário, assim como
exemplos de propostas educacionais que podem ser usadas em sala de aula. Essa
página faz parte de uma apostila que compreende vários outros cenários didáticos
desenvolvidos pela equipe do Laboratório Multidisciplinar do IFSP - Câmpus
Jundiaí para uso na SARndbox.
(A): Relevo em formato de duna parabólica. (B): simulação do escoamento em curvatura côncava. (C): simulação do escoamento em curvatura convexa.
Página da apostila com informações básicas sobre o cenário desenvolvido e um QR Code de acesso ao vídeo editado em canal próprio no YouTube.
(A): Fluxo em vertente côncava e impactos (B): Movimentos de massa em vertente côncava (C): fluxo em vertente convexa (D): Imagem de curvatura convexa
Considerações Finais
Os resultados iniciais, utilizando a SARndbox para o melhor entendimento da
influência da forma da vertente sobre o comportamento do escoamento superficial,
apresentaram um efeito muito positivo na representação do fenômeno, tornando-o
muito mais compreensível para os estudantes participantes e para outras(os) que
acompanharam seu desenvolvimento.
O uso dessa ferramenta em sala de aula se enquadra perfeitamente com as ideias das
metodologias ativas e permite diversificar o modo como as informações são passadas
de educadores para estudantes.
Temas mais abstratos, que seriam um obstáculo a mais no processo de ensino-
aprendizagem, a exemplo das formas de vertente e do escoamento superficial e suas
consequências, se tornaram mais compreensivos com o uso da SARndbox aliado ao
estudo de caso do episódio de precipitação extrema ocorrido no litoral norte de
São Paulo no início de 2023.
As metodologias ativas no ensino utilizadas aqui permitiram a imersão dos
estudantes no tema e foram potencializadas pelo uso da SARndbox, o que e ajudou a
abrir horizontes para futuras ideias de sua aplicação em diferentes níveis
educacionais.
Agradecimentos
A equipe agradece ao Laboratório Multidisciplinar do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Câmpus Jundiaí pela viabilização e
apoio à realização da pesquisa.
Referências
BRECKENFELD, K. A. A. Eficiência de telhados verdes no controle da geração do escoamento superficial em áreas urbanas por meio de modelagem hidrológica. - Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental, Natal, 2019. 74p.
DUNNE, T.; BLACK, R.D. Partial Area Contributions to Storm Runoff in a Small New England Watershed. Water Resour. Res. v. 6, n. 5, p. 1296–1311, 1970. https://doi.org/10.1029/ WR006I005P01296.
HOLLANDA, M. P.; CECÍLIO, R. A.; CAMPANHARO, W. A.; ZANETTI, S. S.; ANDRADE, L. N.; GARCIA, G. O. Avaliação do TOPMODEL na estimativa do escoamento superficial em microbacia hidrográfica em diferentes usos. Rev. bras. eng. agríc. ambient. v.19, n.5, 2015. https://doi.org/10.1590/1807-1929/agriambi.v19n5p489-496.
HORTON, R.E. The Role of Infiltration in the Hydrologic Cycle. Transactions of the American Geophysical Union, v. 14, p. 446-460, 1933. http://dx.doi.org/10.1029/TR014i001p00446.
JUNIOR, M. A. S.; OLIVEIRA, J. N.; FELIZARDO, L. M.; ZAMBRANO, K. T. Modelagem hidráulica do escoamento superficial com a utilização do sig: o exemplo de ilha solteira-sp. In: XXII SBRH - Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2017, Florianopolis. ISSN: 2318-0358.
KOLB, D. A. Learning Style Inventary Technical Manual. Boston. McBer and Company, 1976. 45p.
MASETTO, M. T. Metodologias ativas no ensino superior: para além da sua aplicação, quando fazem a diferença na formação de profissionais?. e-Curriculum. vol. 16, n. 3, p. 650-667. 2018. https://doi.org/10.23925/1809-3876.2018v16i3p650-667.
NUNES, E. D.; Rosa, L. E. Compactação e impermeabilização do solo e implicações nos canais fluviais urbanos. Mercator, v.19 , 2020. https://doi.org/10.4215/rm2020.e19023.
PAIVA, M. R. F.; PARENTE, J. R. F.; BRANDÃO, I. R.; QUEIROZ, A. H. B. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem: revisão integrativa. SANARE, v. 15, n. 02, p. 145-153, 2016.
REED, S.; KREYLOS, O.; HSI, S.; KELLOGG, L.; SCHLADOW, G.; YIKILMAZ, M.B.; SEGALE, H.; SILVERMAN, J.; YALOWITZ, S.; SATO, E. Shaping Watersheds Exhibit: An Interactive, Augmented Reality Sandbox for Advancing Earth Science Education, In: American Geophysical Union (AGU) Fall Meeting, 2014, São Francisco.
SOUZA, J. O.; CORRÊA, A. Escoamento superficial e balanço hídrico em ambientes secos com topografia complexa – bacia do riacho do saco – Pernambuco. GEOgraphia, v.21, n.46, 2019 DOI:10.22409/GEOgraphia2019.v21i46.a14159.
STOMPH, T.J.; DE RIDDER, N.; STEENHUIS, T.S.; VAN DE GIESEN, N.C. Scale effects of Hortonian overland flow and rainfall-runoff dynamics: Laboratory validation of a process-based model. Earth Surf. Process. Landf. V. 27, p. 847-855, 2002.
ARTIGO EM PDF
