• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Desafios do ensino de cartografia e geomorfologia em comunidades tradicionais do Baixo Tocantins, Acará-PA.

Autores

  • EULALIA ROCHA TELESUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: eulalia.teles@ifch.ufpa.br
  • ODILON KEWYM DOS SANTOS SANTOSUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: odilon.santos@ifch.ufpa.br
  • CAUA OLIVEIRA LIMAUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: caua.lima@ifch.ufpa.br
  • ERIK MEDONÇA SILVAUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: erik.silva@ifch.ufpa.br
  • MAIRLA CRISTIANE SILVAUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: mairla.silva@ifch.ufpa.br
  • RITA DENIZE DE OLIVEIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: ritadenize@ufpa.br

Resumo

A pesquisa tem por objetivo apresentar os desafios do ensino de geomorfologia e cartografia em comunidades tradicionais do Acará-PA, com foco no ensino fundamental. A metodologia consiste em método sistêmico realizando-se um levantamento teórico relacionando o patrimônio natural à geomorfologia fluvial, com rodas de conversas e atividades em sala de aula, representados por meio de gráfico e confecção de mapas. Dos resultados, destacamos o conceito de patrimônio não relacionando-se apenas aos aspectos culturais como igrejas, espaços socioeconômicos e festas, mas há variáveis naturais como os rios Moju, Guamá e Acará, e relevo expresso em florestas instaladas em vários níveis topográficos como floresta de terra firme relacionados à unidade de relevo Tabuleiro Paraense e a várzea e igapó relacionados a Planície Fluvio-marinha. Das considerações finais, observou-se uma forte relação das comunidades à natureza e unidades geomorfológicas, resultando-se pela percepção de lugar e território.

Palavras chaves

Ensino; Geomorfologia; Cartografia social; Lugar; Percepção

Introdução

A geomorfologia é uma área fundamental da geografia por classificar e descrever relevos do planeta Terra, desde então, supre a necessidade de correlacionar com o homem e problemas gerados no meio físico pela humanidade. Durante o século XVIII, James Hutton e William Morris Davis foram responsáveis pela oficialização da geomorfologia como uma ciência, surgindo no berço da morfologia, contudo, não é diretamente só ligada com a geologia, aborda também a esfera antrópica, climatológica, hidrológica e outras áreas do meio natural (TORRES et al.; 2009). Os estudos são divididos em três níveis: o primeiro é a compartimentação morfológica que se obtém nas informações sobre áreas separando paisagens. O segundo é a estrutura superficial que consiste em materiais acumulados em cada condição climática dando formas ao espaço, e por último, é a fisiologia da imagem se começa quando o homem passa a modificar o relevo havendo composição. Com o passar do tempo, a percepção das relações de maneira discreta em produtos resultantes das ações de força que modificam nosso relevo, dando grande importância a estas observações e conseguindo estabelecer uma relação entre as causas geradoras de certos tipos de relevo e os produtos que encontramos hoje na superfície (TORRES et al.; 2009). Na educação básica os ivros didáticos são usados como principal fonte pesquisa do docente e discente para estudo das formas de relevo, permitindo o acesso mesmo superficial aos conteúdos e contexto da geomorfologia no planejamento local, subsidiando o desenvolvimento uma boa pratica pedagogica, a qual será refletida pelos alunos após deixarem a escola e precisarem enfrentar os desafios que a sociedade os impõe (TORRES et al.; 2009). Instrumentos lúcido-pedagógicos que ajudam no processo de aprendizagem na geomorfologia no ensino fundamental, com criatividade e participação da turma pode se desempenhar capacidade de observar, analisar, teorizar, sintetizar e aplicar enriquecimento as atividades (TORRES et al.; 2009). Para aplicação do ensino de geomorfologia, antes de tudo, houve uma necessidade da aplicação de conhecimentos básicos de cartografia para estudantes do Baixo-Acará, localizado no sul de Belém, capital do Estado do Pará. A educação nas comunidades tradicionais do Acará, especialmente Quilombolas é desafiador em função acesso, infraestrutura precária e baixa qualidade de ensino. Segundo dados do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), a educação acaraense tem uma nota de 3,3, o que indica que os alunos estão muito abaixo da média esperada para suas respectivas séries, de 7,5 (IDEB, 2021). A distância dos quilombos com o grande centro urbano de Belém, é uma das barreiras para estudantes quilombolas deste a educação básica ao ensino superior. Em contrapartida com a metrópole da Amazônia, a resistência dessas comunidades tradicionais preserva de forma instantânea no uso da natureza, cultura, na dieta alimentar, lazer, atividades no campo e no extrativismo vegetal, em defesa de suas origens e o patrimônio natural amazônico desta localidade (LUNA et al.; 2006). A percepção de patrimônio natural também é uma variável teórica importante, de forma geral, compreende algumas áreas que possuem elevada importância de conservação e preservação pelo valor histórico, beleza cênica, endemismo, potencial turístico e de lazer e transmite aos povos tradicionais ambientes naturais que fornecem recursos essenciais à vida. A valorização do quadro natural em áreas com populações tradicionais na Amazônia, revela a importância da preservação destes ambientes naturais que se referem as áreas úmidas por meio dos ecossistemas de várzea, igapó e terra firme.

Material e métodos

O município do Acará está localizado na mesorregião do nordeste paraense e na microrregião de Tomé-Açu, a uma latitude 01º57'39" sul e longitude 48º11'48" oeste, e quais as comunidades foram locais da pesquisa (Figura 01). Todas estão na zona rural do município, ao norte, contendo as comunidades de: Boa Vista do Acará, Guajará-Miri e Itacoã-Miri. As comunidades majoritariamente formadas por remanescentes de antigos quilombos são Guajará-Miri e Itacoã-Miri. Entretanto, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) não reconhece a comunidade de Guajará como quilombola, apenas como comunidade com povos tradicionais. Boa Vista é uma comunidade com ribeirinhos, remanescentes de antigos quilombos e de antigos povos indígenas que habitavam na comunidade. No sudoeste da Comunidade de Guajará, encontra-se a comunidade de Boa Vista do Acará, composta por remanescentes de quilombos, ribeirinhos e descendentes de indígenas. Uma comunidade extremamente plural, com maior diversidade entre povos e agrega uma das escolas sedes do munícipio: Escola Boa Vista com discentes do sexto e sétimo ano. Foi proposta uma trilha educativa para o ensino de cartografia, geomorfologia, estudos Amazônicos e humanidades, correlacionando o trajeto com conceitos chaves da geografia com conteúdo programático da educação básica: natureza, relevo (paisagem) patrimônio natural, paisagem e território. A pesquisa foi realizada em quatro etapas: a) revisão bibliográfica; b) trabalho de campo; c) produção de mapas autorais dos discentes e aplicação de questionário; d) laboratório. Do referencial teórico destacamos conceito de paisagem, relações entre o meio natural e a sociedade (ROSS, 1985; IBGE, 2009; MAXIMIANO, 2004), lugar visto pelo tempo vivido em determinado ambiente, o que leva a constituição do apego como sentimento mútuo ao espaço (TUAN, 2013) e a proteção do patrimônio natural com os processos culturais (SCIFONI, 2006). Em campo a pesquisa realizou coleta de dados por meio de questionários aplicável a qualquer segmento da comunidade, desde idosos a adolescentes (OLIVEIRA et al; 2016), correlacionado informações sobre educação, território, cartografia social e participativa (DA COSTA LIMA, et al.; 2012). Nesta etapa foram realizados registros fotográficos seguido de descrição da paisagem (relevo) e produção das representações sociais com os discentes por meio de croquis autorais. A última etapa constitui-se na elaboração dos mapas por meio do software Qgis com shapes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BDIA/IBGE), da Agência Nacional de Água (ANA) e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) para identificação das comunidades tradicionais.

Resultado e discussão

3.1- Caracterização do quadro ambiental do município de Acara. O relevo do território acaraense insere-se no Planalto Rebaixado da Amazônia. Na hidrografia, ao oeste de Boa Vista do Acará, destaca-se o rio Acará com sua foz integrada a do rio Guamá, todos com regime de maré associado que de acordo Agência Nacional de Águas (ANA, 2004). Admite inclusive a denominação de Bacia do Guamá-Capim, em função da expressão areal da bacia do rio Capim que, por ultrapassar o limite estadual, é considerada uma bacia federal. O comportamento hidrográfico no Acará é importante para o planejamento do uso de recursos hídricos onde pode-se avaliar características da bacia em declividade e topografia. Com a influência do regime de maré, o norte do município é predominantemente formado por floresta de várzeas, com abundância de arraias, peixes e camarões no Furo do Benedito. Do ponto de vista geomorfológico do munícipio, observa-se uma constituição predominante do nordeste paraense: Tabuleiros Paraenses e Planície Costeira de acordo com Banco de Dados de Informações Ambientais do IBGE. Os Tabuleiros Paraenses Área de relevo muito homogêneo, caracterizando por largas superfícies planas a suavemente dissecadas, com morfologia do tipo tabular, esculpido sobre os sedimentos terciários areno-argilosos da Formação Barreiras. A Planícies e Terraços Fluviais incluem várzeas e terraços aluviais elaborados em depósitos sedimentares holocênicos. Ocorrem principalmente ao longo dos principais rios, onde se apresentam como trechos descontínuos de planície fluvial (Figura 02). 3.2- Ensino de cartografia e a geomorfologia fluvial As primeiras entrevistas ocorreram desde o trapiche até o Centro Comunitário dos Quilombolas de Guajará-Miri, através de uma roda de conversas com líderes comunitários foram obtidos vários resultados sobre os pontos mais representativos da comunidade que podem ser utilizados como uma proposição de trilha educativa. Após o término da roda de conversas, o grupo se deslocou para o alojamento cedido por dois moradores da comunidade de Itacoã-Miri realizando sempre as observações empíricas. No último dia de pesquisa, foi feito um translado de ônibus do alojamento até a Escola M.E.I.F. Boa Vista, localizado na Comunidade de Boa Vista do Acará, com finalidade de ministrar aulas na instituição. No final do dia, o embarque ocorreu no porto do Boa Vista e o desembarque no trapiche da Universidade Federal do Pará. Dos principais resultados sob orientação de uma docente da escola uma oficina de cartografia social e hidrografia, abordando assuntos que conectassem desde a realidade dos alunos até patrimônio natural com a geomorfologia do município. Foi utilizada uma atividade em que pedia aos alunos do 6º e 7º ano que fizessem croquis mostrando o caminho que percorriam de sua casa até a escola, com a utilização das rosas dos ventos nestes “mapas”. As crianças se identificaram com o assunto abordado e tiveram liberdade para montar croquis com o caminho traçado, também, a paisagem que lhes chamava a atenção, como: rios, açaizeiros, igrejas, centro comunitário, entre outros. Resultando em várias representações do espaço geográfico e dos patrimônios naturais. Foram discutidos os conceitos da importância ao patrimônio natural relacionado à cartografia e a hidrografia do local. Cada aluno fez seu mapa através de folhas dadas pela equipe e após explicações em sala do que seria um mapa e a importância dele para localização geográfica. Nas atividades em sala, os alunos podiam colocar um ou mais pontos de referências no mapa, como: escola, casa, igreja, igarapés, rios e outros relacionados ao conceito de lugar e a importância socioeconômica e no lazer das populações dos pontos como várzeas que são principais fornecedoras de matéria prima como o açaí (Euterpe sp.), e igarapés (palavra indígena que quer dizer caminho de canoa), bem como um canal fluvial de pequena magnitude que serve para o lazer, geralmente são rios de primeira ordem. A trilha educativa foi construída com fins de construir as noções geoespaciais dos alunos através cartografia social, com levantamento da vegetação, hidrografia e geomorfologia da região aos aspectos socioambientais pela preservação do patrimônio, sejam culturais e naturais. Assim, é interessante observar como muitas vezes as casas fabricadas em madeira adaptada a inundações nas várzeas, áreas de planícies fluviais, de maior conforto térmico, assim como a vegetação de várzea açaí (Euterpe sp.), buriti (Mauritia flexuosa) e aninga (Montrichardia sp.). Nas áreas de terra firme, conhecidas como Tabuleiros Paraenses área de relevo caracterizado por largas superfícies planas com morfologia do tipo tabular, esculpido sobre os sedimentos terciários areno- argilosos da Formação Barreiras são usados pela comunidade para roças para produção de alimentos de subsistência principalmente a farinha de mandioca base da alimentação ribeirinha, acompanha o açaí, peixe, serve para preparo de mingaus e etc. (Tabela 01). A terra firme é importante para plantio de outras culturas de subsistência como feijão e milho (IBGE, 2008) que dinamizam relações de troca e venda de excedente. Tabela 1. Tabela com o número de alunos que referenciaram tais pontos em seus mapas (pelos alunos do 7° ano A/B e 6° A/B). Totalizando o uso de 99 pontos e que cada aluno podia colocar um ou mais pontos de referências durante a criação dos mapas em sala, subdivididos em: AR, árvores não descritas; AC, açaizeiros; CA, casas; IG, igrejas; RI, rios e igarapés; TO, torres; CP, campos; CC, comércios; PS, posto de saúde; PO, portos; DE, delegacia; CO, comunidade. O acolhimento de todos os dados coletados nas aulas anteriores com os alunos do sexto e sétimo ano, resultou-se na tabela (Tabela 1) e no gráfico condicionado à cartografia social e aos pontos distribuídos e ordenados pelos alunos, diante seus entendimentos do que seria o patrimônio com base da explicação dada no quadro. Para isto, os patrimônios das comunidades estão interligados a grande expansão e preservação a cultura do manejo dos açaizais, tais pontos referidos por 15 alunos. Dentro do patrimônio as árvores foram escolhidas pela maioria em seus respectivos croquis, em seguida com rios e igarapés da região. A hidrografia da região está na proporção de bacia intermediária, diante a grande dimensão e complexidades das bacias vizinhas das comunidades, entre elas: Bacia do Rio Moju, Bacia do Rio Acará e Bacia do Rio Guamá. Os alunos relataram aos seus respectivos mapas o que estavam como pontos importantes para seu caminho até a escola. Na tabela acima, 58% dos pontos colocados estavam relacionados ao patrimônio natural, como: rios, igarapés, açaizeiros e árvores de espécies não identificadas. A conscientização da importância do patrimônio cultural relacionada à natureza (SCIFONI, 2006), com a definição de lugar para eles e quanto a defesa do patrimônio natural é explícito. Por isso, destaca-se a importância da criação de mapas relacionados ao território ocupado por essas crianças, inter-relacionando à cartografia social e participativa (GIRALDO, 2016). Durante a criação deles, o açaizeiro foi colocado em mais de 15 mapas (total de quatro turmas) comprovando a importância do fruto para economia nas comunidades tradicionais do município. Gráfico 1. Mostrando que 58% dos pontos de referências utilizados por alunos foram de patrimônio natural, que estão em abundância nas comunidades acaraenses, como: árvores (não informadas pelos alunos), açaizeiros, rios e igarapés. Com a cartografia social, resultou-se na percepção da importância do agente natural nas respectivas comunidades dos alunos, com a relação direta com o meio físico natural desde a extração do açaí até a utilização para o bem-estar e lazer social, com a citação de rios e igarapés do lugar. O desbravamento das atividades na escola sede construíram novas expectativas no ensino de cartografia, hidrografia e geomorfologia, com a apresentação das áreas relacionadas ao município.

Mapa de localização

Figura 1. Mapa da localização das Comunidades Tradicionais do Acará.

Mapa geomorfológico

Figura 02: Mapa geomorfológico do município de Acará.

Aula

Figura 3. Alunos do 6° ano A e B criando croquis após a aula de conceitos básicos de cartografia.

Considerações Finais

A natureza integrada é inseparável das comunidades, apesar de, estarmos em meio técnico-científico–informacional com paradigma mecanicista que considera a natureza como uma mercadoria, o conceito de paisagem como interações do meio natural com elementos sociais (MAXIMIANO, 2004) são notório a conexão entre o gênero de vida das comunidades e o meio que o cerca. Os principais resultados da pesquisa, que ao contrário do que se esperava que os patrimônios fossem apenas aspectos culturais como igrejas, espaços socioeconômicos, mas demonstraram variáveis naturais: a hidrografia com igarapés e grandes bacias, como do Moju, Guamá e Acará. O relevo expresso em florestas instaladas em vários níveis topográficos como floresta de terra firme relacionada à unidade de relevo Tabuleiro Paraense e a várzea e igapó relacionados à Planície Fluvio-marinha que estabelecem relações intrínsecas com fazeres na agricultura. Nas matas nativas relacionam-se com suas dietas por meio das palmeiras de açaí e buriti e afetividades remetendo ao conceito de lugar, portanto, compondo patrimônios integrados. De forma indireta, nos faz refletir sobre as áreas comuns da comunidade, assim a comunidade não se refere ao núcleo de casas, mas a todo o entorno rios, floresta e relevo que fornecem recursos naturais para subsistência.

Agradecimentos



Referências

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