Autores
- MARIANA SAMPAIO DE FREITAS MAIAUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: marimaiageouerj@gmail.com
- PEDRO LUCAS CONTARATOUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: pdrocontarato@gmail.com
- RAPHAEL PILATTIUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: pilattiraphael@gmail.com
- CARLOS EDUARDO DAS NEVESUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: cenuerj@gmail.com
- RODRIGO WAGNER PAIXÃOUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: rodrigowpp1@gmail.com
Resumo
Propõe-se uma ferramenta didática para facilitar o processo de ensino-
aprendizagem de geomorfologia na Geografia Escolar. A ferramenta consiste na
elaboração de uma maquete 3D, com a utilização de peças de encaixe do tipo
bloco, e um mapa temático produzido como apoio à maquete, para a representação
topográfica do relevo de forma lúdica e próximo da realidade dos alunos. A
pesquisa foi realizada em 2 momentos no Colégio Estadual Professor Ernesto
Faria, Complexo da Mangueira–Rio de Janeiro(RJ), totalizando 47 alunos,
divididos em 3 turmas do 2° ano do ensino médio. Como forma de avaliação da
ferramenta foram elaboradas avaliações diagnósticas com e sem o uso da maquete
3D do Morro da Mangueira. Os resultados demonstram que o uso da maquete
possibilitou um aumento em até 20% da média dos alunos avaliados. A ferramenta
didática se mostrou pertinente e acessível, uma vez que diminuiu as dificuldades
no ensino da geomorfologia, além de considerar as limitações econômicas da
escola pública.
Palavras chaves
Geografia Escolar; Relevo; Complexo da Mangueira; Educação Básica; Ensino-Aprendizagem
Introdução
Parte-se da ideia de que a Geografia Escolar não é uma tradução simplificada da
Geografia Científica/Acadêmica, reiterando que uma e outra possuem funções,
objetivos, ações particulares, mas que conversam constantemente. Portanto, os
conteúdos ensinados na escola, entre eles os geomorfológicos, não são apenas uma
tradução simplificada dos conteúdos debatidos na academia (GIROTTO, 2005). É
necessário entender que a Geografia Escolar é um campo de construção do
conhecimento que possui objetivos próprios que não existem alheios à realidade
do aluno.
Apesar da escola não ser apenas um ambiente de aplicação do que é produzido na
universidade, as transformações científicas, tecnológicas e didáticas, como o
uso de geotecnologias e modelagem, ocorridas no interior da Geomorfologia
acadêmica se mostram essenciais para o ensino de Geomorfologia na escola,
permitindo que o professor ressignifique seus conhecimentos e possa refletir
sobre o cotidiano do aluno.
Nota-se que a complexa gama de termos técnicos, a abstração dos conteúdos e a
explicação de certos fenômenos pautadas em obras eurocêntricas e estadunidenses
alheias à dinâmica do mundo tropical, unidas a falta de recursos didáticos
apropriados, tem dificultado o interesse dos alunos do ensino médio pela
Geomorfologia (PEREIRA, 2012).
Visando contornar a problemática mencionada, objetiva-se elaborar uma ferramenta
didática, uma maquete em 3D, atendo-se às feições topográficas do relevo local,
a partir do uso de aparatos lúdicos e acessíveis. A elaboração de uma maquete
tridimensional feita a partir de peças de encaixe do tipo bloco e um mapa
temático produzido como material de apoio à maquete teve como base o recorte
espacial do Morro da Mangueira - RJ.
A união entre a ludicidade do material proposto e o cotidiano dos alunos permite
estimular o interesse dos discentes quanto ao estudo da Geomorfologia.
Sucintamente, procurou-se estimular um ensino-aprendizagem significativo de
feições geomorfológicas, possibilitando a articulação entre o conteúdo e outras
temáticas associadas à Geografia Física (tipos de vegetação e de solos,
deslizamento de terra, escoamento superficial etc.) e Geografia Humana
(urbanização, metropolização, segregação, transporte etc.).
O Morro da Mangueira encontra-se no Complexo da Mangueira que se localiza na
Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, sendo constituído ainda pelos Morro do
Telégrafo e Morro da Candelária. O complexo possui uma área de 487.317m², onde
reside uma população de 20.350 habitantes (IBGE, 2010). Suas feições
geomorfológicas são caracterizadas, basicamente, por morros e planícies. A
escolha para o recorte espacial da feição se deu devido à localização da escola
ser situada no Complexo, o qual é moradia de muitos alunos e pela facilidade em
aproximar conceitos teóricos e abstratos do cotidiano dos discentes.
Material e métodos
Indica-se que o Colégio Estadual Professor Ernesto Faria, localizado na Zona
Norte da cidade do RJ é o local de aplicação e desenvolvimento da pesquisa, a
qual ocorreu nos dias 20, 21, 27 e 28 de março de 2023 em 3 turmas do 2º ano do
ensino médio contemplando 47 discentes. O recorte espacial selecionado para
análise foi a feição topográfica onde se localiza o Morro da Mangueira.
A pesquisa foi dividida em três etapas: 1) aplicação da avaliação diagnóstica
para os alunos; 2) produção das representações cartográficas e da maquete do
relevo em 3D; 3) aplicação da avaliação com as representações criadas. A
primeira etapa consistiu na aplicação da avaliação diagnóstica, a fim de
averiguar o nível de conhecimento dos alunos a partir de um questionário com 5
questões objetivas, onde foram indicados aspectos geomorfológicos relativos à
feição topográfica selecionada. Tal avaliação diagnóstica foi aplicada sem a
exposição prévia dos conceitos, uma vez que os alunos já tinham sido
apresentados a tais conceitos em anos letivos anteriores. A primeira fase
ocorreu nos dias 20 e 21 de março de 2023, aplicando apenas o questionário a um
total de 37 discentes em três turmas do 2º ano.
Após a aplicação da avaliação diagnóstica, a etapa da elaboração do material
didático foi iniciada. Tal etapa consistiu na produção de duas representações
cartográficas: 1) mapa temático com informações hipsométricas, entendido como
material de apoio – o mapa foi produzido no Quantum GIS em uma escala de 1:7500
através de um modelo digital de elevação (MDE). Suas fontes de dados utilizados
foram o DATA RIO (IPP, 2022; IBGE, 2022); 2) maquete em 3D contemplando a área e
relevo do recorte espacial. O gradiente de cores utilizado para representar os
dados altimétricos do recorte foi decidido com finalidade didática de
assimilação, por parte dos alunos, das cores e suas respectivas altitudes em
concordância com as cores das peças de encaixe utilizadas na maquete 3D.
A representação 3D da área estudada foi construída a partir da montagem de peças
de encaixe do tipo bloco. Apresenta-se a área total em uma escala que 1cm² na
representação corresponde a 1845m² da área total do Complexo, sendo 264cm² a
área total da representação. Para realizar a altimetria utilizou-se a mesma
lógica de proporção juntamente com a escolha do gradiente de cores, onde 1cm de
altura na representação corresponde a 15m de altitude na superfície terrestre do
recorte espacial. Com base no exposto, a representação em 3D do Morro da
Mangueira possui 8cm de altura no total, representando 120m.
Estipulada a escala e suas devidas proporções, iniciou-se a etapa da montagem da
maquete. A maquete em 3D foi projetada através do uso de papel milimetrado onde
considerou-se, arbitrariamente, um retângulo de 22x12cm para que representasse a
área em termos de extensão do recorte espacial. Tal procedimento viabilizou o
cálculo de proporcionalidade da escala, haja vista que as peças de encaixe do
tipo bloco mediam 1x1cm, onde, através do papel milimetrado, considerou-se como
se cada quadrado do papel medisse 1x1cm, validando assim, a representação da
área total da feição. Por fim, utilizou-se, para a montagem, 157 peças de
encaixe nas respectivas cores expostas na legenda do mapa temático.
Já nos dias 27 e 28 de março, última etapa do experimento, ministrou-se uma aula
interativa na qual se explicou os conceitos geomorfológicos associados aos
materiais didáticos produzidos. Pela última vez, após a aula expositiva-
dialogada, aplicou-se o mesmo questionário avaliativo para um total de 39
discentes com a finalidade de mensurar possíveis níveis de melhora no que tange
o aprendizado do conteúdo ministrado, além de possibilitar eficiência dos
materiais didáticos produzidos. As duas atividades avaliativas foram corrigidas,
juntamente com os alunos, nos dias 3 e 4 de abril, após a finalização do
experimento.
Resultado e discussão
No que tange à geomorfologia local estudado, observa-se, no recorte espacial
definido, duas formas de relevo predominantes: 1) morrotes e morros baixos; 2)
planícies colúvio-alúvio-marinhas (EMOP, 2012).
Os morrotes e morros baixos são formas que predominam na área da área de estudo.
Consistem em relevos de degradação e são severamente influenciados pelos
processos erosivos, possuindo altitude relativamente baixa. Cabe explanar que o
Morro do Telégrafo é o ponto de maior altitude, uma vez que possui 120m. Com o
auxílio do mapa, pode-se perceber na imagem 2 que suas vertentes são convexas em
planta e perfil. Observa-se, também, construções de casas em praticamente toda
sua área, inclusive nos pontos de maior altitude (EMOP, 2012).
Já as planícies colúvio-alúvio-marinhas são menos predominantes, no entanto, se
fazem presentes. São relevos de agradação, ou seja, funcionam como depósito de
sedimentos provenientes dos processos erosivos que ocorrem nos relevos mais
altos ao redor de tais planícies. Possuem baixa declividade, são planos e mais
recentes em comparativo com os que o circundam (EMOP, 2012) (Figura 1).
Desse modo, a tabela (Figura 3) apresenta médias aritméticas dos alunos do
Colégio Estadual Professor Ernesto Faria do segundo ano do ensino médio, tanto
da AV1 – avaliação diagnóstica – quanto da AV2 – avaliação utilizando
a maquete –, sobre os processos e formas geomorfológicas citadas acima.
Com base nos dados apresentados na tabela (Figura 3), é possível perceber o
aumento de 20% da média da segunda avaliação em comparativo com a média
referente à primeira avaliação dos alunos participantes das duas atividades
avaliativas. Além disto, destaca-se um aumento de 110% dos alunos que
participaram apenas no 2º dia quando comparado com os dados dos alunos
participantes apenas no 1º dia. Esse aumento pode ser explicado, principalmente,
pela utilização do material didático produzido (Figura 1). Ademais, é evidente
um baixo desempenho das médias obtidas pelos alunos como um todo, esse “baixo”
rendimento pode ser explicado pelas dificuldades encontradas no ensino da
Geomorfologia na educação básica, mas, sobretudo pelo problema estrutural da
educação pública, especialmente em áreas vulneráveis das grandes metrópoles.
Vale destacar que nenhuma avaliação pode quantificar o conhecimento ou a
aprendizagem do aluno de forma completa. Por isso, a intenção do presente
trabalho é demonstrar uma forma de abordagem didática, a partir da
disponibilização de uma ferramenta acessível, lúdica e de baixo custo para a
utilização de professores da rede pública de ensino. A partir do uso do material
didático observou-se que a participação dos alunos é mais ativa, quebrando o
excesso de verbalismo e tornando a aula mais fascinante e prazerosa (FISCARELI,
2007). Deste modo, é de suma importância pensar e repensar possíveis formas de
proporcionar uma abordagem mais ampla de conceitos amparados em novas abordagens
e ferramentas didáticas, sempre associadas ao cotidiano dos alunos, para
permitir que ele também seja parte da construção do conhecimento. Tal
estratégia, leva em consideração as dificuldades e limitações de todo o ambiente
escolar a fim de proporcionar uma aprendizagem significativa de Geomorfologia na
Geografia Escolar.
De modo transversal à pesquisa, um aspecto importante a ser levado em
consideração com o uso do material didático foram as contestações críticas
provenientes dos discentes. Os termos “Complexo da Mangueira” e “Morro do
Telégrafo” foram alvos de contestação pelos alunos que no momento da análise da
maquete passaram a ter um papel ativo de transmissores do conhecimento adquirido
no cotidiano, possibilitando a ressignificação na utilização do termo por parte
do professor no decorrer das aulas. Por exemplo, os alunos não reconhecem a
comunidade da Mangueira como um “complexo” como retratado nas bibliografias,
muito menos reconheciam que o ponto mais alto do morro se chamava “Morro do
Telégrafo” e, sim, apenas como “pedra”. Reconhecendo estas e outras
características é possível construir materiais didáticos mais próximos ao
público-alvo. Esse aspecto fundamentou todo o intuito central da pesquisa: a
aproximação do debate sobre geomorfologia do cotidiano do aluno.
Considerações Finais
Considera-se que a pesquisa alcançou o objetivo proposto, uma vez que elaborou uma
ferramenta de fácil acesso sobre feições topográficas utilizando elementos não
convencionais. De modo específico, pode-se dizer que o desenvolvimento de
atividades associadas à construção de maquetes 3D com enfoque no ensino de
geomorfologia é pertinente para alunos do 2° ano do ensino médio. A partir da
maquete, mas também do mapa temático, os alunos apresentaram melhoras
significativas no processo de ensino-aprendizagem. Isto pode ser corroborado pelo
aumento das notas alcançadas na segunda avaliação, bem como, pelos questionamentos
das toponímias do relevo apresentados pelos alunos.
A utilização de maquetes elaboradas com peças de encaixe do tipo bloco pode servir
como ferramenta didática no ensino de geomorfologia para distintos níveis de
ensino, uma vez que são de fácil acesso e não necessitam de recursos tecnológicos
sofisticados, além de possuírem um caráter lúdico importante. É necessário que
para o desenvolvimento das aulas com a ferramenta indicada, o professor
correlacione conteúdos, como os cartográficos que são base para a representação em
3D, bem como utilize a ferramenta como apoio a outros conteúdos sobre as
características físico-geográficas e sociais da área de estudo.
Agradecimentos
Agradecemos à supervisora Profª. Vanessa Telles e os coordenadores Andressa
Lacerda e Vinícius Moraes do PIBID. Ao apoio de Cleo Labre, Guilherme Canuto e
Yasmin Luzorio. E a orientação de Rodrigo Paixão e Carlos E. das Neves.
Referências
CALLAI, H. C. A formação do profissional da geografia: o professor. Ijuí: Ed. Unijuí, 2013.
DATA RIO - INSTITUTO PEREIRA PASSOS. Disponível em: https://www.data.rio/. Acesso em: 23 de março, 2022.
EMOP. Elaboração de Projetos e Orçamentos para Melhorias Urbanas e Habitacionais – PAC 2. Rio de Janeiro: EMOP, 2012. 80p.
FISCARELLI, R. B. O. Material didático e prática docente. Revista Ibero-Americana de estudos em educação, v. 2, n. 1, p. 31-39, 2007.
GIROTTO, E. D. A relação entre Geografia Escolar e Acadêmica na obra de Delgado de Carvalho: uma análise a partir do Boletim Geográfico (1943-1947). Boletim Paulista de Geografia, v. 94, p.12-31, 2016.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
PEREIRA, J. S.; SILVA, R. G. S. O ensino de geomorfologia na educação básica a partir do cotidiano do aluno e o uso de ferramentas digitais como recurso didático. Revista de Ensino de Geografia, Uberlândia, v. 3, n. 4, p. 69-79, 2012.