Autores
- FRANCIELE DELEVATI BENUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: francielidelevattiben@gmail.com
- ÉRIC MOISES BEILFUSSUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: ericmoisesb@outlook.com
- BEATRIZ DA SILVA FRANÇAUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: beatrizsfranca@gmail.com
- CARINA PETSCHUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: carinapetsch@gmail.com
- LUÍS EDUARDO DE SOUZA ROBAINAUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAEmail: lesrobaina@yahoo.com.br
Resumo
A Cartografia Social é pautada na representação dos territórios pelos sujeitos
que vivem nesse espaço, por meio de diversas técnicas de mapeamento. Para este
trabalho foi escolhida a metodologia de Mapeamento Participativo 3D (MP3D), pois
ainda não é explorada no Ensino de Geografia. O objetivo desta pesquisa é
relatar uma oficina que utilizou a MP3D para identificar processos de
alagamentos e inundações. A oficina reuniu 13 alunos do sexto ano do Ensino
Fundamental. Foram mapeados 25 pontos de alagamentos, sendo a maioria associados
a problemas de infraestrutura urbana, nas imediações da escola e moradias. Foram
mapeados cinco pontos de inundações, já que a maioria dos alunos reside em cotas
altimétricas mais elevadas da bacia hidrográfica. Durante a aplicação da MP3D,
foi possível verificar que os alunos(as) foram estimulados à compreensão do
espaço geográfico vivido. Recomenda-se que sejam realizadas mais aplicações da
MP3D para consolidar essa metodologia no ensino de Geografia.
Palavras chaves
Maquetes; Alfabetização Cartográfica; Letramento Cartográfico; Alagamento; Inundação
Introdução
Na contemporaneidade, a Cartografia Social (CS) e a Cartografia temática tiveram
significativos avanços, essenciais na democratização da informação,
possibilitando aos usuários mapearem e representarem informações do espaço
geográfico, dado que na antiguidade o acesso a Cartografia era limitada à
algumas pessoas detentoras do poder (ARCHELA; ARCHELA, 2002; MARTINELLI, 2019).
Dentro da CS, surgem várias terminologias para se referir a esta nova
Cartografia, como mapeamento colaborativo e mapeamento participativo. Segundo
Macedo (2018, p. 20) isso ocorre porque as conceituações são “[...] múltiplas em
suas concepções teóricas e em suas aplicações metodológicas”.
Diante desse contexto, a CS dispõe de potencialidades no Ensino de Geografia na
educação básica, já que está pautada na representação dos territórios pelos
sujeitos que ali vivem, proporcionando reflexão sobre o espaço do cotidiano
(CARVALHO; SANTOS; SOUZA, 2017; SILVA; GALDINO, 2021; SILVA; CASTROGIOVANNI,
2021; FINATTO; FARIAS, 2021). Ademais, Richter (2017) destaca que é preciso
fortalecer a Cartografia para trabalhar de forma conjunta a Alfabetização
Cartográfica e Letramento Cartográfico na escola, para que os alunos desenvolvam
suas habilidades de representar e compreender o espaço. Destaca-se que a CS pode
proporcionar a Alfabetização e Letramento Cartográfico, nas aulas de Geografia.
Nesse sentido, na CS, emergem diversas técnicas, como o mapeamento efêmero,
mapeamento de esboço, mapeamento de escala, modelagem 3D, mapas com fotografias,
Sistemas de informação multimídia ligados a mapas e Sistema de Informação
Geográfica (SIG) (CORBETT et al., 2006). Assim sendo, para este trabalho foi
escolhida a metodologia de Mapeamento Participativo 3D (MP3D), método proposto
por Rambaldi (2010), já que não é amplamente explorada no Ensino de Geografia.
O processo de construção da maquete através das curvas de nível é relevante para
os(as) participantes envolvidos reconhecerem os processos relacionados ao
relevo, visto que a MP3D é uma metodologia que visa integrar o conhecimento de
indivíduos de uma comunidade e as informações de altitude (RAMBALDI; MENDOZA;
RAMIREZ, 2000). O trabalho com maquetes é bem conhecido na Geografia, no que se
refere à confecção e interpretação da maquete ou nas potencialidades de ensino
do relevo (OLIVEIRA e MALANSKI 2008; SILVA e MUNIZ, 2012) contudo, o diferencial
apresentado pela MP3D é a construção e inserção dos pontos de forma
participativa.
Desse modo, a maquete contribui no ensino de Geomorfologia, visto que é um
recurso didático que auxilia o aluno compreender melhor as relações do espaço
físico atrelado com o uso antrópico, ou seja, fica mais próximo de entender suas
relações com o espaço em que vive (SIMIELLI, 2018). Conforme Simielli, Girardi e
Morone (2007, p. 133) “a construção da maquete traduz-se, assim, em um processo
de educação cartográfica e este raciocínio é válido tanto para as séries
iniciais (...).”
Em vista disso, é importante salientar que o trabalho com maquetes não se limita
somente a sua elaboração, dado que abrange um conjunto de conhecimentos de
Cartografia, trazendo ao aluno a compreensão do caminho que é realizado do
bidimensional para o tridimensional (SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007; SILVA;
MUNIZ, 2012; SIMIELLI, 2018). Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é relatar
uma oficina em que a MP3D foi adaptada para o ensino de Geografia, para
identificar processos de alagamentos e inundações.
Material e métodos
A MP3D exige uma organização detalhada em cada etapa, sendo que houveram algumas
adaptações em relação à metodologia de Rambaldi (2010). A primeira etapa foi a
seleção da área a ser trabalhada. Diante disso, foi realizado um trabalho de
campo, e situações de alagamentos foram observadas em ruas próximas a uma escola
situada no bairro Camobi, Santa Maria (RS). Além disso, próximo as imediações da
escola, tem-se a Sanga Lagoão do Ouro (Figura 1), onde Rizzatti (2018) evidencia
que esta rede de drenagem possui problemas ambientais. Portanto, trata-se de uma
área com possibilidades dos alunos terem vivenciado alagamentos e inundações.
No que tange à etapa de escolha dos participantes levou-se em consideração os
conteúdos da BNCC, referente a habilidade EF06GE04, que abrange o ciclo da água,
escoamento superficial na área urbana e rural, bacias hidrográficas,
localização, cobertura vegetal, entre outros (BRASIL, 2018). Portanto, foi
selecionado o sexto ano.
Na sequência, a elaboração do mapa base (Figura 1) para as maquetes foi
realizada no SIG QGIS 3.10.13, utilizando curvas de nível geradas a partir de
uma imagem Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), com equidistância de 5 m.
Após estabelecer as classes hipsométricas (<100 a >120 metros), foram gerados os
moldes, a partir da generalização das curvas de nível. Baseado nisso, Simielli,
Girardi e Morone (2007) destacam que é importante haver uma generalização
cartográfica para facilitar o recorte dos moldes no isopor. As ruas e rodovias
são referentes à base de dados do OpenStreetMap (OSM).
Prosseguindo com a organização da oficina, a próxima etapa baseou-se em
reunir os materiais para serem disponibilizados aos alunos, no formato de kits.
Cada kit continha: alfinetes de cor azul, vermelho, branco e preto para mapear,
respectivamente, pontos de inundação e alagamento, casa dos alunos e a escola;
tinta guache para pintar as diferentes classes hipsométricas e barbantes para
mapear as ruas e rios. Foi disponibilizado, aos alunos, o mapa hipsométrico
representando a mesma área da maquete.
Na escola, no primeiro momento foram apresentados os slides. A discussão
foi baseada em termos voltados ao entendimento de alagamento e inundação: água
disponível no Planeta, ciclo hidrológico, bacia hidrográfica, infiltração e
escoamento; e termos associados a alfabetização e letramento cartográfico:
localização da escola, conceito da MP3D, diferença de bidimensional e
tridimensional, curvas de nível, discussão sobre os pontos cardeais e visão
vertical e horizontal.
Para a conclusão da oficina, foi aplicado um questionário com os
alunos(as), com os seguintes questionamentos: (1) Há quanto tempo você mora
próximo à escola? (2) Qual a diferença entre inundação e alagamento? (3) Os
colegas colaboraram para mapear os pontos de inundação e alagamento, casas e
escola? (4) A maquete ajudou no processo de compreensão da inundação e
alagamento?
Após o término da oficina foram feitos registros fotográficos das
maquetes produzidas pelos alunos, para posteriormente, em ambiente SIG realizar
a união de todos os pontos mapeados em somente um mapa. As maquetes ficaram na
escola, para que os alunos continuassem o mapeamento, na medida em que vivenciam
situações de alagamento e inundações.
Resultado e discussão
O município de Santa Maria está localizado na Mesorregião Centro Ocidental Rio-
Grandense e encontra-se entre as coordenadas geográficas 54°09’ ao oeste e
53°33’ ao leste e entre 29º33’ ao norte e 30°02’ ao sul (Figura 1). A área da
unidade territorial do município é de 1.780,194 km² (IBGE, 2021) e apresenta
altitudes de 58 a 421 metros (RIZZATTI, 2022).
Ademais, Santa Maria apresenta problemas com inundações e alagamentos, sendo que
autores como Martins e Werlang (2006), Scariot, Robaina e Pires (2003) e Avila
(2015) já trabalharam com esses contextos. Nesse viés, Scariot, Robaina e Pires
(2003, p.3) destacam que “as inundações e os alagamentos são os desastres
naturais associados a riscos ambientais mais frequentes no município de Santa
Maria”.
Em relação à oficina, houve a participação de 13 alunos, que estavam empolgados
e curiosos no momento de chegada à sala. Após a apresentação dos ministrantes da
oficina, iniciou-se a apresentação de slides. Ressalta-se que a maioria dos
alunos participaram de forma ativa no debate, principalmente, trazendo suas
vivências acerca do ciclo hidrológico e alagamentos. Porém, destaca-se a
participação de um aluno que soube explicar todos os conceitos trabalhados,
inclusive aqueles ligados à Alfabetização e Letramento Cartográfico. Em seguida,
os alunos formaram quatro grupos, para iniciar a atividade prática.
Na construção da maquete, dois grupos de alunos demonstraram dificuldade
na montagem, não compreendendo que se tratava da mesma área que a do mapa
hipsométrico. Alguns alunos relataram que a cor verde seria a porção mais alta,
pois era a área que mais chamava a atenção na leitura do mapa, portanto a
maquete não fazia sentido para eles. Enquanto, nos outros dois grupos, os alunos
compreenderam que as curvas de nível do mapa delimitaram os moldes do isopor,
logo, tiveram facilidade na montagem e pintura da maquete.
No que tange a legenda, a maioria dos grupos tiveram dificuldades sendo que
copiaram a legenda do quadro, sem compreender que se tratava das cores da
maquete. Somente um aluno, compreendeu as classes de elevação na legenda e sua
associação com as cores da maquete. À vista disso, Simielli (2018) enfatiza que
a dificuldade relacionada em inserir símbolos e a legenda, faz referência a uma
Cartografia de mapas prontos e acabados. Isto é, o aluno(a) não está habituado a
criar e interpretar seu próprio mapa, mas apenas contemplar como uma figura
ilustrativa.
Dessa forma, os alunos que estavam acostumados aos mapas prontos, não se
adaptaram de imediato a metodologia ativa de aprendizagem proporcionada pela
aplicação da MP3D. Porém, também destacam-se as dificuldades nos processos de
Alfabetização Cartográfica e Letramento Cartográfico, que foram evidenciados ao
longo da atividade.
Em relação à localização, a maioria dos alunos também apresentaram
dúvidas. Diante disso, recorreram a pontos de referência como um mercado que
está próximo à escola, para encontrarem no mapa as suas casas, enquanto, outros
participantes se basearam em avenidas, como a Roraima. Percebeu-se que os alunos
possuem uma vivência espacial ligada às proximidades da escola e tiveram
dificuldade, por exemplo, de identificar a Faixa Nova (RSC-287), rodovia que
atravessa o bairro Camobi e está mais afastada da escola.
Somente em um grupo os alunos tiveram facilidade ao encontrar as ruas em que
residiam, utilizando a rosa dos ventos e as quadras representadas no mapa
hipsométrico, para depois localizar na maquete. Ainda, ao localizar os pontos
para mapear, um aluno comentou sobre ruas novas que ainda não aparecem no mapa
hipsométrico. Destaca-se que estes alunos já possuíam um nível mais avançado de
conhecimento espacial.
De forma geral, os alunos superaram essas dificuldades em relação à Cartografia,
com o debate e auxílio dos colegas, fomentando o mapeamento participativo
proposto na oficina. A respeito disso, a Cartografia Social dá oportunidades aos
alunos para serem protagonistas dos seus próprios saberes, sujeitos ativos ao
trabalharem em grupo e na troca de experiências, desenvolvendo a criatividade e
autonomia no processo participativo (CARVALHO; SANTOS; SOUZA, 2017). Nesse viés,
mais de 80% dos alunos indicaram que os colegas os auxiliaram a encontrar pontos
nos mapas.
Quanto aos pontos inseridos sobre alagamento, a maioria dos alunos indicaram que
as ruas em que vivem tem buracos “que se enchem de água quando precipita”,
portanto, foram mapeados 25 locais (Figura 2). Destaca-se que em torno de 54%
dos(as) alunos(as) moram próximo à escola há mais de cinco anos, contudo nem
sempre, de acordo com os participantes eles “prestam atenção no caminho”. Por
outro lado, no grupo 1, os participantes, mesmo morando a menos de um ano no
bairro, conseguiram identificar e mapear 10 pontos de alagamentos. Nesse
sentido, levar para a aula de Geografia na Educação Básica a proposta de ensinar
e aprender a respeito do pensamento espacial e do reconhecimento do lugar que o
aluno vive, poderá auxiliar na compreensão e construção da sua leitura da
espacialidade (CALLAI, 2005; RICHTER, 2017; BEN et al., 2021).
Quanto aos pontos de inundação, somente cinco locais foram mapeados (Figura 2).
Isso pode estar ligado ao fato de realmente não terem presenciado a inundação,
ou então, não considerarem o canal de drenagem próximo a escola, como um rio. A
maioria dos alunos(as) não sabiam que ao irem para a escola, cruzam o rio que
estava sendo mapeado na maquete. Se referiram ao rio como “valão”, “esgoto” e
“água poluída”. Sobre isso, Costa, Petsch e Rosa (2020) em uma sequência
didática sobre problemáticas ambientais, constataram que os(as) alunos(as)
chamavam os rios de “valões”, devido ao “cheiro ruim” e presença de “animais
mortos”.
Após a inserção dos pontos na maquete, evidenciou-se que os participantes
conseguiram compreender espacialmente como ocorrem os alagamentos e inundações.
Dessa forma, o uso da maquete com a visualização do relevo, foi apontada por
todos os alunos como positiva para compreender o “que ocorre com a água quando
chove” e “para onde o rio vai quando tem muita água”. Um dos alunos relatou que
“amei o trabalho, a maquete ajuda a ver os pontos mais baixos e os pontos mais
altos.”
Mais de 80% da turma afirmou que entenderam os conceitos de inundação e
alagamento, e souberam explicar diferindo que o primeiro conceito está atrelado
à presença de um rio e o segundo está diretamente associado às chuvas. Destaca-
se que alguns alunos apontaram que tiveram mais facilidade para compreender o
conceito na maquete, do que escrevendo no questionário. Nesse sentido, os demais
participantes do grupo os auxiliaram a descrever no questionário.
No que se refere ao mapa mostrando todos os pontos mapeados (Figura 3), observa-
se que há a predominância de alagamento nas imediações da escola, das moradias e
do mercado, configurando estes espaços como os mais vivenciados pelos alunos,
dentro do bairro. Ademais, destaca-se que um dos alunos que reside na porção
norte do mapa, quis inserir vários pontos em volta da casa, porque segundo ele
“alagava em todas as direções”. No que se refere a inundação, inseriram dois
pontos próximos a praça que frequentam nos horários de lazer e outros pontos que
visitam quando vão à casas de parentes.
Localização da escola em que foi aplicada a oficina e mapa hipsométrico utilizado para criação dos moldes da maquete.
Fotografias das maquetes elaboradas pelos alunos.
Demonstra todos os pontos mapeados pelos alunos(as).
Considerações Finais
Foram verificadas dificuldades dos alunos em relação a algumas noções
cartográficas como a localização, elaboração da legenda e compreensão da
tridimensionalidade, denotando defasagens na Alfabetização e Letramento
Cartográfico. Além disso, muitos alunos tiveram uma resistência inicial para se
adaptarem ao MP3D, já que estão acostumados a uma Cartografia “pronta”.
Em relação ao mapeamento, tem-se um total de 25 pontos de alagamentos demonstrando
que estes processos se fazem mais presentes no cotidiano dos(as) alunos(a),
principalmente em função de problemas na infraestrutura urbana, como ruas
esburacadas no bairro. Somente cinco pontos de inundações foram mapeados,
demonstrando que os(as) alunos(as) não vivenciaram tão intensamente este processo,
pois a maioria reside em cotas altimétricas mais elevadas. Outro fator associado é
que muitos alunos não consideram a Sanga Lagoão do Ouro como um rio, e sim como um
“valão de esgoto”, portanto, não compreendendo que inundações possam ocorrer nesta
drenagem.
Ao término da oficina, foi possível analisar que a aplicação da MP3D, juntamente
com as discussões teóricas foram essenciais para a realização do mapeamento
participativo na perspectiva do ensino de Geografia, estimulando os alunos(as) à
compreensão do espaço geográfico em que vivem. Nesse viés, a metodologia foi
válida. Por último, recomenda-se que sejam realizadas mais aplicações da MP3D para
consolidar essa nova metodologia no ensino de Geografia.
Agradecimentos
À Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); à CAPES; ao CNPQ; ao FIEX e a
FAPERGS.
Referências
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