Autores
- ISADORA QUEIROZ RIBEIRO LEITEUFSJEmail: isadoraleite2001@hotmail.com
- CARLA JUSCÉLIA DE OLIVEIRA SOUZAUFSJEmail: carlaju@ufsj.edu.br
Resumo
O levantamento da percepção ambiental dos estudantes de três escolas públicas do
município de Oliveira-MG faz parte de uma pesquisa de Iniciação científica,
ligada a dois laboratórios, Prática de Ensino de Geografia e Hidrologia. O
estudo almeja conhecer o significado de bacia hidrográfica entre estudantes do
9º ano, assim como a percepção das condições socioambientais referentes ao
Córrego Maracanã. Questionários com questões abertas e fechadas foram aplicados
a 294 estudantes. Neste texto, discute-se os resultados obtidos a partir das
respostas dos estudantes. A maioria, 62,88% não tem clareza sobre o conceito e
36,59% diz conhecer o termo mas não o significado. Entre as respostas, a ideia
de rede hidrográfica como correspondente a bacia prevalece. A falta de clareza
dos conceitos pode implicar em dificuldades ao se discutir a morfologia da
bacia. Os resultados contribuirão para a elaboração de propostas de atividades a
serem aplicadas no âmbito da educação ambiental.
Palavras chaves
Percepção ambiental; Educação ambiental; Bacia hidrográfica ; Ensino de geografia; Sujeito escolar
Introdução
No presente trabalho, são tratados os resultados do projeto de iniciação
científica “Levantamento da percepção de estudantes do 9º ano sobre as condições
socioambientais da bacia do Córrego Maracanã: escolas públicas da cidade de
Oliveira- MG”. A partir dos estudos desenvolvidos, observa-se a importância da
discussão ambiental de bacias hidrográficas urbanas, no contexto escolar como
lócus da educação básica brasileira.
A BNCC, ensino fundamental II, destaca o sujeito e seu lugar no mundo, podendo
trabalhar o conceito de bacias hidrográficas, junto ao ensino de relevo a partir
da paisagem vivida. A temática também pode ser abordada no ensino sobre
Natureza, ambientes e qualidade de vida tendo como foco elementos da bacia que
fazem parte da realidade dos estudantes, para que o ensino seja significativo.
De modo geral, o conteúdo de geografia está previsto na BNCC como
[...] uma oportunidade para compreender o mundo em que se vive, na medida em que
esse componente curricular aborda as ações humanas construídas nas distintas
sociedades existentes nas diversas regiões do planeta. Ao mesmo tempo, a
educação geográfica contribui para a formação do conceito de identidade,
expresso de diferentes formas. [...] (BNCC 2018, p.359)
Nessa perspectiva, a discussão do conceito de bacia hidrográfica urbana e a
questão da educação ambiental são abordados por diferentes pesquisadores.
Segundo Botelho (2011), a ausência da cobertura vegetal nas bacias urbanas
promove a diminuição do tempo de concentração de suas águas no sistema,
resultando em um aumento dos picos de cheias. Loureiro (2003, p.37) acredita
que, as estratégias e ações para uma Educação Ambiental Crítica (EAC) “[...]
podem ser transformadoras, por ser uma inovação educativa recente que questiona
o que é qualidade de vida, reflete sobre a ética ecológica e amplia o conceito
de ambiente para além dos aspectos físico-biológicos”. Ainda segundo o autor, a
“educação não se dá abstratamente, mas em atividade humana coletiva [...]”
(LOUREIRO, 2003, p. 37).
As ações propostas pela educação básica para Geografia auxiliam na formação de
uma cultura de prevenção e segurança quanto à dinâmica de fenômenos naturais.
Conforme Souza (2013; 2020) cabe considerar a discussão dos desastres
decorrentes da interação entre fenômenos da natureza e intervenção antrópica,
que pode levar aos riscos socioambientais, como as inundações e movimentos de
massas em trechos da bacia.
Conforme Rodrigues et al. (2012, p. 100), a partir das ideias do filósofo
Merleau-Ponty (1990, 1999), “[...] a percepção é o componente fundamental em
estudos das funções sociais e abrange os ônus de vivência de cada elemento com o
fenômeno abordado e só pode ser elencado em contato direto com o mesmo”.
Compreender a percepção dos estudantes sobre problemas e riscos relacionados à
bacia hidrográfica, degradação ambiental e riscos geomorfológicos é um passo
fundamental para a promoção de uma educação ambiental e geográfica crítica.
Pode-se dizer que a percepção é inerente a cada ser humano. Este percebe, reage
e responde às relações interpessoais e às ações sobre o meio, a partir da
interação com o lugar e os elementos do espaço de vivência.
Com base na abordagem pedagógica Histórica-crítica Saviani (2021), os conteúdos
ensinados na escola devem ser relevantes socialmente, contextualizados e
significativos para os estudantes. Com base nessa abordagem e a partir dos
resultados da pesquisa, busca-se propor práticas educativas significativas com o
tema bacia hidrográfica, uso e ocupação do relevo e dinâmica dos escoamentos
superficiais.
Material e métodos
A pesquisa de natureza qualitativa, de caráter exploratório Gil (2006), assume o
estudo de caso como processo metodológico e se fundamenta, então, no
levantamento de informações sobre a percepção dos estudantes, por meio de
questionário. Para isso, foram selecionados os estudantes do 9º ano da Escola
Estadual Dr. José Maria Lobato, Escola Estadual Mário Campos e Silva e Escola
Municipal Walfrido Silvino Mares Guia na cidade de Oliveira, como sujeito da
pesquisa. A escolha desse ano de escolaridade se deve ao fato de ser o período
que fecha o ciclo do ensino fundamental II, anterior ao ensino médio. No ciclo
espera-se ter construído a base dos principais conceitos, teorias, conteúdos e
discussões que fundamentam o pensamento e o raciocínio geográfico, dentre eles o
conceito de bacia hidrográfica.
Espera-se que com as respostas e a pesquisa possamos responder questões como:
Qual o entendimento que alunos do 9º ano, fase final do Ensino Fundamental II,
têm sobre o conceito Bacia Hidrográfica? Eles percebem o objeto bacia como uma
unidade de relevo cuja dinâmica hidrográfica funciona como um sistema aberto?
As respostas obtidas com os discentes foram tabuladas, organizadas em categorias
e analisadas, a fim de se conhecer elementos comuns e os que mais se destacam
entre as respostas. As questões fechadas foram representadas graficamente e
posteriormente analisadas.
Embora o assunto bacia hidrográfica seja trabalhado nas escolas, é importante
trabalhar além das conceituações, considerando o estudo integrado da bacia e do
espaço geográfico. Segundo Bacci e Pataca (2008) os espaços das bacias
hidrográficas vão além das suas características físicas, pois seu uso e o grau
de interferência é determinado pela população e seus interesses. Quando levadas
ao âmbito escolar elas promovem o entendimento de todo um contexto histórico e
social, gerando possibilidades para a mobilização de habilidades e raciocínios
relacionados à questão socioambiental a partir de um fenômeno na realidade dos
estudantes.
Resultado e discussão
O contato com a direção e professores da escola foi amistoso e bem-vindo, com
ampla abertura e acolhida da pesquisa junto aos seus estudantes, que foram
orientados a responder o questionário como atividade no contexto da escola. Para
isso, foi necessário, inicialmente, apresentar à direção escolar o Termo de
Consentimento livre e esclarecido (TCLE), que esclarece sobre a pesquisa e
convida os alunos a participarem respondendo ao questionário, sem caráter
obrigatório e com data e horário agendado previamente pela escola para a
realização da atividade.
A aplicação do questionário aconteceu em março de 2023 com a participação de
treze turmas totalizando 389 alunos matriculados nas três escolas participantes.
Porém, desse total, somente 294 discentes (75,48 %) responderam o questionário.
Durante a fase de tratamento das respostas dos questionários, as mesmas foram
registradas em planilha, sem a identificação dos alunos, e ordenadas de acordo
com as perguntas.
Neste texto são apresentados e discutidos os resultados obtidos com quatro das
vinte questões que compõem o referido instrumento para levantamento de dados e
informações, a saber: Você sabe o que é bacia hidrográfica? (Questão fechada,
Sim, Não, Talvez); Para você, o que significa bacia hidrográfica? (Questão
aberta), você conhece o Córrego Maracanã? (Questão fechada, Sim, Não, Talvez) e
Você sabe que o Córrego Maracanã faz parte de um sistema maior de drenagem?
(Questão fechada, Sim, Não, Talvez).
Como hipótese, acreditava-se que os estudantes reconhecem os termos citados no
questionário, podendo apresentar alguma dificuldade conceitual. Do total de
estudantes, 33,67% responderam que sabem o que é bacia hidrográfica, 41,49%
responderam que não sabem, 24,14% responderam talvez e 0,68% não responderam.
Quando perguntados sobre o significado do termo bacia hidrográfica, as respostas
abertas foram organizadas em categorias e, posteriormente, quantificadas, a
saber: 54,08% dos alunos responderam que bacia hidrográfica são rios que se
unem, 31,29% não sabem, 6,46% não responderam, 3,40% responderam corpos d'água,
1,70% responderam relevo, 1,02% algo ambiental e 0,30% ar.
Como previsto, muitos alunos não sabiam ou não tinham certeza do conceito de
bacia hidrográfica, além disso, possuem dificuldade para explicar o termo,
fazendo referência à questão da rede hidrográfica e não a bacia.
Segundo Coelho Netto (2007, p. 97) bacia hidrográfica é uma área da superfície
que drena água, sedimentos e materiais dissolvidos para uma saída em comum em um
determinado ponto. Além disso, esse termo vem sendo cada dia mais utilizado como
unidade de gestão de área de planejamento ambiental. Como já citado por Bacci e
Pataca (2008) os espaços das bacias hidrográficas vão além das suas
características físicas, pois seu uso e o grau de interferência é determinado
pela população e seus interesses, sendo assim, esse termo se faz relevante em
análises de questões socioambientais, principalmente no âmbito da educação.
Os alunos, quando perguntados sobre o Córrego Maracanã, 88,77% responderam que o
conhecem, 4,76% que não conhecem, 6,12 % talvez e 0,34% não responderam. Quando
perguntados sobre sua inserção em um sistema de bacia hidrográfica somente
38,43% responderam que sim, que sabiam, já 48,29% responderam não, 12,24 %
talvez e 1,02% não responderam. Esses dados mostram que a maioria conhece o
Córrego Maracanã, no seu trecho urbano, mas não o percebem como parte de uma
área maior como bacia hidrográfica. Nos livros didáticos o assunto é tratado com
base no estudo de bacias com dimensões regionais e continentais, distante de
suas realidades.
Nesse sentido, pouco se discute a realidade local, cabendo ao professor fazer a
contextualização dos aspectos da bacia local com o conceito geral de bacia
hidrográfica. Além disso, acredita-se que os mesmos não a percebem como uma
unidade sistêmica, aberta e integrada à dinâmica social do espaço. A falta de
clareza dos conceitos pode implicar em outras dificuldades quando for discutir a
morfologia da bacia, que demanda a aplicação de outros termos e a visualização
espacial da bacia.
Neste caso, discussões referentes à ocupação do relevo e os possíveis impactos
negativos na dinâmica, forma e fluxo do canal ficam comprometidas no âmbito de
uma aprendizagem significativa entre os estudantes, uma vez que a maioria não
concebe a bacia com uma área e unidade integrada pela rede de drenagem e pela
sua delimitação morfológica.
Considerações Finais
Apesar da pesquisa estar em andamento, esses resultados preliminares indicam a
necessidade de retomar o estudo sobre o conceito de bacia hidrográfica entre os
alunos. Podendo ser retomado em forma de oficinas a serem propostas como
atividades escolares complementares, para as escolas envolvidas na pesquisa.
As demais respostas, referentes aos aspectos socioambientais do córrego do
Maracanã, ainda em análise, ajudarão a conhecer mais sobre a percepção dos
estudantes sobre a relação população, uso do solo e canal fluvial do Córrego
Maracanã. Os resultados contribuirão para a elaboração de propostas no âmbito da
educação ambiental.
Dados referentes a uma pesquisa anterior, relacionada à bacia do Córrego
Maracanã e os impactos nela presente, realizada junto ao Laboratório de
Hidrologia, poderão ser aproveitados também para se trabalhar as características
da bacia hidrográfica, quanto ao uso e ocupação de solos nas vertentes da bacia.
Esses conceitos ajudam a entender e a interpretar o espaço geográfico no qual os
estudantes estão inseridos. Ao compreenderem sobre a dinâmica do canal e dos
escoamentos superficiais da bacia hidrográfica, pode-se explicar o ambiente
físico-natural de maneira sistêmica e integrada com as ações antrópicas. Esse
pensamento contribui para entender, em parte, também, a formação de áreas de
riscos de inundação, por exemplo. Para isso, a importância, também, de se
discutir riscos de desastres decorrentes da interação entre sistema natural e
social.
Agradecimentos
Agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pela
qual a presente pesquisa foi desenvolvida através da concessão de bolsa de
iniciação científica.
Referências
BACCI, D.L.C.; PATACA, E. Educação para a água. Estudos avançados, v.22, n.63, p.211-226, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
BOTELHO, R. G. M. Bacias hidrográficas urbanas. In: GUERRA, A.J. T. Geomorfologia Urbana. Ed Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2011, p 71- 116.
COELHO NETTO, A. L.. Hidrologia de encosta na interface com a geomorfologia. In: GUERRA, A. J. T., CUNHA, S. B. da (Orgs.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 93-148.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas. 2006.176p.
LOUREIRO, C. F. B. Premissas teóricas para uma educação ambiental transformadora. Ambiente & Educação, v. 8, n. 1, p. 37-54, 2003.
RODRIGUES, M. L. et. al. A Percepção Ambiental Como Instrumento de Apoio na Gestão e na Formulação de Políticas Públicas Ambientais. Saúde e Sociedade. São Paulo, v.21, supl.3, p.96-110, 2012.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-crítica.12ªed. Campinas: Editora Autores Associados, 2021.
SOUZA, C. J. de O. Riscos, geografia e educação. In: L. F.Lourenço; M. A. Mateus. (Orgs.). Riscos naturais, antrópicos e mistos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1 ed., 2013, p. 127-142. Disponível em: https://www.riscos.pt/publicacoes/outras-publicacoes/outras/riscos-naturais-antropicos-e-mistos-homenagem-ao-professor-doutor-fernando-rebelo.Acesso em: 02/04/2023.
SOUZA, C. J. O. Contribuição do conhecimento geográfico para a redução do risco de desastres (RRD): conhecimentos, experiências e ações. In: Magnoni Júnior, L. et al. (Orgs.). Redução do risco de desastres e a resiliência no meio rural e urbano. São Paulo: Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, 2 ed., 2020. p. 659-678.