Autores
- DEBORA RODRIGUES BARBOSAUNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁEmail: deborarod@gmail.com
Resumo
O trabalho de campo é uma ferramenta de ensino-aprendizagem importante para o
entendimento dos objetos do espaço geográfico e reconhecimento das
possibilidades ambientais aliando diferentes segmentos geográficos. Na Zona
Oeste do Rio de Janeiro, o Maciço da Pedra Branca serve de sede logística para a
inúmeras trilhas altimétricas da população local e suas demandas
socioambientais. No Morro do Lameirão, entre os bairros de Campo Grande,
Senador Vasconcelos e Santíssimo, a trilha percorre mais de quatrocentos metros
de altitude e ao seu longo, é possível identificar aspectos geológico-
geomorfológicos da cidade, assim como reconhecer os processos urbanos
(pretéritos e presentes) e sua conjunção com a dinâmica geográfica. Nesse
sentido, o objetivo desse trabalho é apresentar uma proposta metodológica de
trabalho de campo para o ensino superior no Morro do Lameirão, na Zona Oeste do
Rio de Janeiro, após amplo estudo bibliográfico e trabalhos de campo.
Palavras chaves
Maciço da Pedra Branca; Ferramenta de ensino-aprendizagem; Trilhas ambientais; Santíssimo; Zona Oeste Continental
Introdução
A Geografia desempenha um papel crucial na compreensão do mundo contemporâneo e
faz uma contribuição vital para o conhecimento dos desafios ambientais e sociais
em rápida mudança que se enfrenta e como deve-se enfrentá-los.
Com a crescente importância de questões como mudanças climáticas, migrações,
degradação ambiental, epidemiologia espacial e desigualdades, a ciência
geográfica aumentou a sua consolidação nas perspectivas de conhecimento, análise
e observação do espaço e território.
Os conceitos geográficos permitiram o reexame ativo e crítico da educação e de
seus sistemas e práticas em várias escalas espaciais e temporais. Isso inclui a
consideração das microGeografias de espaços como salas de aula e o exame dos
processos e padrões que moldam a educação, quer sejam em escalas internacional,
nacional e local.
As investigações geográficas são muitas vezes carregadas de valor e envolvem
habilidades de pensamento crítico. É dentro desse contexto que se compreende o
trabalho de campo, como ferramenta de ensino-aprendizagem em qualquer nível
educacional, desde a educação básica até o ensino superior. As excursões
técnicas servem de arcabouço para a análise e interpretação da paisagem e
recursos naturais a partir das concepções teóricas pré-estabelecidas.
Reunindo diferentes campos do conhecimento geográfico, os trabalhos de campo
servem para conciliar as concepções teóricas historicamente fragmentadas de
Geografias Física e Humana, oferecendo oportunidade de uma análise holística e
debate dos objetos e sua interligação no espaço geográfico.
No Rio de Janeiro, as múltiplas paisagens associadas ao relevo acidentado
entremeado de baixadas e vales fluviais servem de arcabouço para o conhecimento
geográfico. Na Zona Oeste da cidade, o Maciço da Pedra Branca, protegido por um
Parque Estadual, é um ambiente adequado para as excursões técnicas, sobretudo em
sua vertente norte, onde diferentes trilhas turísticas servem ao propósito
ambiental.
A trilha em direção ao cume do Morro do Lameirão, entre os bairros de Campo
Grande, Santíssimo e Senador Vasconcelos tem sido cada vez mais utilizado pela
população local e um trabalho de campo em suas vertentes pode servir de
referencial para o entendimento da histórica local, o processo de ocupação e os
diferentes usos materializados, no acidente geográfico.
Nesse sentido, esse trabalho busca apresentar uma proposta metodológica de
trabalho de campo para o ensino superior no Morro do Lameirão, na Zona Oeste do
Rio de Janeiro.
Material e métodos
Os procedimentos metodológicos para a construção deste artigo basearam-se na
pesquisa bibliográfica e no trabalho de campo. A metodologia parte da revisão de
literatura, com base em livros, dissertações e artigos científicos visando
promover um embasamento teórico do tema desenvolvido. Autores como Leibão e
Silva (2018) Ab´Saber (2007) e Suetergaray (2018) serviram de arcabouço teórico
inicial sobre a aplicação dos trabalhos de campo em Geografia.
Também foi necessária uma ampla pesquisa bibliográfica sobre o Maciço da Pedra
Branca e, por isso, trabalhos como Costa (2006), INEA (2013) e PCRJ (2023),
dentre outros, foram utilizados. Os mapas em escalas de 1:50.000 e 1:10.000
contribuíram para oferecer um arcabouço topográfico, assim como o software
Google Earth e o portal Wikiloc - Trilhas do Mundo.
De acordo com Marconi e Lakatos (1996), o estudo bibliográfico deve preceder o
estudo de campo, para que o pesquisador tenha um bom conhecimento sobre o
assunto, pois tem como finalidade aprofundar o conhecimento do pesquisador sobre
o tema estudado e também visa clarificar conceitos.
Os trabalhos de campo aconteceram em junho de 2020, em duas etapas. A primeira
mais informal, reconhecendo os geossítios, identificando os pontos destacados
pelos relatos de terceiros (verbalmente ou por publicações on line) e fazendo
uma análise geográfica ampla. O segundo trabalho de campo foi mais específico,
fazendo medições sobre distância e altitude, cadastrando os geossítios e fazendo
registros fotográficos e locacionais.
Resultado e discussão
O trabalho de campo, conhecido também como excursão técnica ou excursão didática,
é uma potente ferramenta de processo de ensino-aprendizagem na área de Geografia,
uma vez que oferece oportunidade de vivência aliando a teoria, a prática e os
registros fotográficos.
Na ciência geográfica, o trabalho de campo serve tanto para a coleta de dados,
observação prática, registro investigado e exploratório.
Destaca-se que a excursão técnica é fundamental para a produção do conhecimento
geográfico e sua importância dá-se pela compreensão das relações dos objetos no
espaço geográfico, como também pela observação e reconhecimentos dos elementos da
paisagem.
O trabalho de campo, enquanto ferramenta de aprendizagem, deve ser utilizado em
várias composições geográficas, seja no viés ambiental, urbano, físico,
paisagístico, geomorfológico ou cultural dentre outros. Com as excursões, é
possível desfazer a fragmentação clássica entre Geografia Humana e Geografia
Física e garantir análises holísticas sobre as relações ambientais existentes em
diferentes paisagens, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem (LEIBÃO
e SILVA, 2018).
Na cidade do Rio de Janeiro, os trabalhos de campo têm inúmeras opções de
aprendizado, uma vez que o seu relevo representado por morros mamelonares e
maciços montanhosos acidentados (entremeado com vales e baixadas) inseridos no
que Ab´Saber (2007) chama de Planalto Atlântico Sul, serviu de suporte para a
formação do tecido urbano.
Geograficamente localizado no centro da cidade, o Maciço da Pedra Branca é
invariavelmente utilizado como base para os trabalhos de campo, em diferentes
campos científicos, tanto na Educação Básica como Superior. Dentre os geossítios
observados, estão praias, morros, paredões, desníveis topográficos, adensamento
populacional, tuneis, pontes-canais, adutoras, dentre outros.
Desde 1974, que o Maciço serve de fundamento para a criação e funcionamento de
uma Unidade de Conservação Estadual, que contribui para a multiplicação de
conhecimento, consolidação de base logística e conservação da natureza (INEA,
2013b).
A administração da Unidade de Conservação conta com uma sede, três núcleos e dois
postos avançados. A sede localiza-se no bairro de Jacarepaguá, na Estrada do Pau
da Fome, onde o visitante pode acessar a sede administrativa, estruturais de
apoio e atrativos biomecânicos, como bromeliário e minhocário.
O Parque Estadual da Pedra Branca ocupa toda a faixa de terra acima de 100m de
altitude e incorpora bairros da Zona Oeste Continental e Oceânica (Barbosa,
2021). Ao longo do tempo, muitas trilhas foram abertas ou associadas à educação
ambiental e vigência natural e INEA (2013a) desenvolveu um guia que contribui
para o planejamento e aplicação de trabalhos de campo em suas diferentes
vertentes.
Associado ao Núcleo da Piraquara, está a Trilha do Lameirão que liga os tecidos
urbanos de Santíssimo, Senador Vasconcelos e Campo Grande ao Morro do Lameirão
(486 metros).
A principal Trilha do Morro do Lameirão localiza-se a norte do Parque, no bairro
de Senador Vasconcelos (Trilha 1 – Figura 01) e pode ser iniciada de diferentes
pontos bairro, embora aquela que tem ponto de partida na Rua Irapuru, seja de
acesso mais fácil. A maior parte do trajeto é bem demarcado, embora falte
sinalização, com a apresentação dos geossítios mais importantes.
Nessa rua, fica a Elevatória do Lameirão, uma importante obra de engenharia que
transporta água da Zona Oeste, para as Zonas Norte e Sul da Cidade do Rio de
Janeiro (INEA, 2013a). Nesse sentido, o debate sobre o processo histórico de
construção dos reservatórios e distribuição de água pode servir de contrapartida,
considerando as condições geomorfológicas da Região Metropolitana.
Segundo Passos (2010), a água é captada no Rio Guandu, em Nova Iguaçu, e um de
seus destinos é a Elevatória do Lameirão, através de um túnel subterrâneo
pressurizado (onde a água é aduzida por gravidade). Desse lugar, a água corta do
Maciço da Pedra Branca, passando por túneis adutores e pontes-canais e as
condições geológico-geomorfológicas do Maciço podem ser abordadas, com o apoio de
cartas topográficas em escala 1:50.000 (PCRJ, 2023).
O trajeto em direção ao Pico do Lameirão é permeado de uma vegetação secundária e
um solo compactado, fortemente impactado pela atividade turística e o
desmatamento contínuo e histórico. Os arredores do maciço foram utilizados para
a produção de café, no período imperial e depois para a produção de laranja (em
meados do século XX) e atualmente encontra-se degradado pela atividade pecuária
extensiva. Na verdade, a criação do Parque é uma forma institucional de proteção
de suas vertentes, fragmentos florestais, biodiversidade e paisagens (INEA,
2013b).
Costa (2006) nos informa que é preciso realizar um diagnóstico físico-ambiental
detalhado das trilhas da unidade de conservação, aliado ao mapeamento periódico
(considerando que uma trilha é dinâmica)
Entre 100m e 150m de altitude, na subida, há um fragmento florestal que pode
servir de subsídios para deliberar sobre a importância da vegetação para a
infiltração da água no solo e a proteção do extrato pedológico do efeito splash.
Perto da cota 200m, é possível observar a ampla paisagem do Saco Viegas, Jardim
Violeta e Rio da Prata, localidades dos bairros de Senador Camará e Bangu, a
leste da trilha. Desse ponto, é possível observar o Morro do Exército, Fazenda
do Viegas, o Shopping Bangu e, ao fundo, a Serra do Mar (Figura 02 A). É
pertinente debater a importância histórica das Fazendas Bangu e Viegas para o
desenvolvimento dos bairros adjacentes, sobretudo após a implantação da Fábrica
Bangu e sua necessidade logística de proximidade das fontes hídricas, para o seu
processo produtivo. Na ocasião, será possível mencionar a questão da cobertura
florestal e a oferta hídrica pretérita e atual.
A área descampada no entorno do fragmento florestal, permitirá o desenvolvimento
do processo de ensino-aprendizagem associado diferentes tipos de intemperismo e
declividade e suas consequências para a formação dos solos. Há uma ampla área
com afloramento de rochas cristalinas, que, de acordo com Dantas (2001), são
biotita-granitóides de granulação fina a média, recobertos com musgos e líquens
(Figura 02 B).
Logo depois, há um trecho recoberto com uma vegetação baixa, áreas inclinadas
pontilhadas por pipings que contribuem para explicar os processos erosivos
desenvolvidos na trilha e áreas imediatamente vizinhas (Figura 02 C).
O Morro do Lameirão é isolado e fora do Maciço Central, por isso o seu cume
oferece uma visão de 360 grau e o panorama apresenta uma paisagem que abrange os
bairros de Campo Grande, Santíssimo, Paciência, Bangu e até mesmo de Guaratiba e
Santa Cruz.
Do ponto culminante é possível observar várias outras elevações do Maciço da
pedra Branca, como a Pedra do Ponto (a leste), Serras do Quitungo e Mendanha (a
norte e noroeste), Pedra dos Carvalhos e os Morros Caboclos e Cabuçu (a
sudoeste). Em dias de boa visibilidade, é possível ver a Restinga da Marambaia,
a Baía de Sepetiba e as serras mais próximas da cidade de Itaguaí (Figura 03).
O debate sobre os degraus geomorfológicos oferece amplas oportunidades de ensino-
aprendizagem, utilizam-se dos acidentes geográficos declivosos e as formas de
vales e/ou baixadas locais.
No topo do Morro, ao se dirigir para Oeste, é possível observar a paisagem do Rio
da Prata de Campo Grande, uma localidade conhecida pelo pólo gastronômico,
lavouras sazonais variadas, cachoeiras ativas e encostas ocupadas por
quilombolas. Essa multiplicidade ambiental pode servir para a discussão sobre
ocupação do relevo, implantação de unidades de conversação, produção agrícola e
comunidades tradicionais.
Localização da Trilha do Morro do Lameirão no Parque Estadual da Pedra Branca. Adaptado de Google Earth
A - Leste da trilha. B - Granitóides, recobertos com musgos e líquens. C - Matagal com presença de pipings
Ampla paisagem observada do cume do Morro do Lameirão
Considerações Finais
A ciência geográfica é um campo disciplinar que busca aliar a teoria com análises
empíricas, o que nos permite acreditar que estimula a observação, a análise e a
descrição dos objetos do espaço geográfico.
Há uma consonância entre distintas abordagens teórico-metodológicas, na Geografia
em reconhecer a importância das excursões técnicas, enquanto prática de pesquisa
científica contributiva para a formação de geógrafos e de futuros professores.
Essa ferramenta de ensino-aprendizagem contribui para uma melhor compreensão dos
processos educacionais, correlacionando a teoria proposta em sala de aula com os
estudos e análises práticas da paisagem do ambiente observado
No Rio de Janeiro, os diferentes degraus geomorfológicos, formados por baixadas,
vales e morros mamemolares, servem de subsídio para os estudos dos trabalhos de
campo, alinhando os distintos segmentos da Geografia.
O Maciço da Pedra Branca e sua biodiversidade, localizados paradoxalmente no
centro da cidade é protegido por uma unidade de conservação e pode ser utilizado
com o propósito didático. As vertentes voltadas para a Zona Oeste Continental
são atendidas pela estrutura administrativa do Rio da Prata de Campo Grande e da
Piraquara e, nesse lugar, destaca-se a trilha do Morro do Lameirão, entre os
bairros de Senador Vasconcelos e Santíssimo.
A trilha conta diferentes parâmetros geográficos aliando processo de ocupação,
uso do solo, degraus geomorfológicos, reversão de intemperismo-erosão, extratos
geológicos, dentre outros, que são fundamentais para o processo de ensino-
aprendizagem em uma aula de campo.
É pertinente destacar que a Zona Oeste Continental possui um conjunto de trilhas
geográficas que podem ser utilizadas para o estudo acadêmico, mas que precisam de
melhor sinalização e trabalho de divulgação.
Agradecimentos
Referências
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BARBOSA, Debora Rodrigues. Você sabe onde fica a Zona Oeste? Publicado em 29 jan 2021. Disponível em https://oestecarioca-estudos.blogspot.com/2021/01/zona-oeste-continental-x-zona-oeste.html. Acesso em 09 abr 2023.
COSTA, Vivian Castilho da. Propostas de Manejo e Planejamento Ambiental de Trilhas Ecoturísticas: um estudo no Maciço da Pedra Branca - Município do Rio de Janeiro (RJ). Tese (Doutorado em Geografia). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências. 2006
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