Autores
- BEATRIZ COSTA DE JESUSFACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJEmail: biabixxd.costa@gmail.com
- BEATRIZ MOURÃO LOPESFACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJEmail: beatrizmourao1998@gmail.com
- MONIQUI DOS SANTOS MATTOSFACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJEmail: santosmoniqui544@gmail.com
- PHILLIPE CARDOSO VALENTEFACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJEmail: phillipevalente@gmail.com
Resumo
Dentro de uma perspectiva geossistêmica, o estudo da paisagem se torna fundamental
em áreas que apresentam grande dinamismo, pois permite compreender os processos e
eventos decorrentes da inter-relação entre os elementos e componentes da paisagem.
A Bacia Hidrográfica do Rio São João (BHRSJ) está inserida em uma dessas áreas
dinâmicas, pois apresenta uma variedade de ambientes e ecossistemas, incluindo
áreas úmidas (Wetlands) que são consideradas sistemas permanentes ou
temporariamente saturados. O objetivo deste trabalho é analisar as mudanças de
estado da paisagem na BHRSJ ao longo das estações de cheia e estiagem entre os
anos de 2019 a 2021, a fim de compreender as transformações ocorridas na paisagem,
utilizando imagens Landsat 8 (OLI) e a plataforma do Google Earth Engine (GEE).
Palavras chaves
Paisagem; BHRSJ; Landsat-8 ; Áreas úmidas ; GEE
Introdução
As wetlands/áreas úmidas são sistemas que podem estar permanentemente ou
temporariamente saturados e são altamente dinâmicos e importantes do ponto de
vista ambiental, conforme descrito por Gomes (2017). Essas áreas estão presentes
em cerca de 6% de todo o território mundial e são encontradas em diversas partes
da Terra, muitas vezes fragmentadas, como destacado por Moore (2008). Dentro
desse grupo, destacam-se as planícies de inundação, que, segundo Borges e
Ferreira (2019), são unidades geomorfológicas que se formam a partir da
deposição de sedimentos pela água. Essas planícies são encontradas em áreas com
baixo gradiente topográfico, geralmente em vales de rios, onde a deposição e
retenção de materiais transportados pela água é favorecida pela suavidade dos
declives.
A Bacia Hidrográfica do Rio São João (BHRSJ), localizada no Estado do Rio de
Janeiro,inserindo-se em oito municípios (2160 km²), integralmente no de Silva
Jardim, e parcialmente nos municípios de Casimiro de Abreu, Araruama, Cabo Frio,
Rio das Ostras, Rio Bonito, São Pedro da Aldeia e Cachoeira de Macacu.Essa
paisagem tem sido transformada ao longo dos anos devido às suas características
físicas e diferentes usos, um exemplo é a retificação do Rio São João e a
construção da barragem de Juturnaíba com o intuito do abastecimento de água para
a Região dos Lagos que ao rebaixar o nível do lençol freático, gera extensões de
baixadas propensas para atividades agropecuárias, além disso, essas intervenções
destravam uma série de impactos, como sedimentação fluvial à montante da
barragem e erosão à jusante e o incremento da descarga de sedimentos fluviais na
foz do Rio São João. Além da construção de valas e canais artificiais, está
diretamente conexa com a perda da mata fluvial e a perda de áreas alagadas nas
planícies fluviais da bacia. (BIDEGAIN e MICHAEL,2007).
Para entender essas mudanças, é necessário observar sua periodicidade. As
mudanças dinâmicas da paisagem podem ser representadas pela periodicidade e
reversibilidade, ocasionadas pelos processos que ocorrem no interior das
paisagens e em partes da autorregulação. Avaliar os estados da paisagem é uma
tarefa relevante para estudos geossistêmicos, especialmente em áreas onde as
mudanças ocorrem com frequência e profundidade. (RODRIGUEZ et al,2004)
Para este trabalho, foram escolhidos os estados de média duração, que se referem
aos estados estacionários com um período de aproximadamente três meses. Esses
estados se dividem em períodos quentes, frios, secos e úmidos, manifestando-se
de forma rigorosa e cíclica. No Brasil, os períodos secos ocorrem nos meses de
inverno e primavera, enquanto os úmidos ocorrem nos meses de outono e verão.
Segundo Florenzano (2011), os usos dessas geotecnologias têm sido muito
empregados pela sua facilidade de aquisição de imagens e as plataformas que
disponibilizam o seu acesso gratuito. Câmara et al. (2001), expõe que o
geoprocessamento pode ser definido como um conjunto de tecnologias que são
direcionadas à coleta e tratamento de informações espaciais por conta de um
objetivo específico. A utilização de imagens de satélite tem facilitado cada vez
mais estudos de impactos ambientais, pois conseguem atender a demanda com
grandes volumes de dados, como também a análise de áreas de grande extensão
(PRINA & MONGUILHOTT, 2011)
A plataforma do Google Earth Engine (GEE), agrega algumas dessas facilidades ao
ter a capacidade para armazenar e processar muitos conjuntos de dados em nuvem -
de maneira rápida e simples. Conta com diversas coleções de imagens de satélite
para uso gratuito para pesquisas, além de outros conjuntos de dados vetoriais
baseados em Sistemas de Informação Geográfica (SIG). (Mutanga e Kumar, 2019;
Zhao et al, 2021). Dito isso, o trabalho tem o objetivo de analisar as mudanças
ocorridas nos períodos de cheia e estiagem na planície de inundação da Bacia
Hidrográfica do Rio São João, nos anos de 2019 a 2021, através do Google Earth
Engine.
Material e métodos
A metodologia empregada consistiu na execução das etapas por meio da plataforma
de computação em nuvem Google Earth Engine (GEE) e a primeira etapa da
metodologia consistiu na escolha dos meses de cheia e estiagem utilizando o
script do CHIRPS (Climate Hazards Group InfraRed Precipitation with Station
Data). Esse script engloba imagens de satélite de resolução de 0,05° e utiliza
dados de estações locais para gerar séries temporais de precipitação em grade,
permitindo estudar e monitorar as secas sazonais. Esse conjunto de dados de
precipitação global abrange mais de 30 anos e foi utilizado para selecionar os
meses de cheia e estiagem. (DEVELOPERS GOOGLE, c2022a) Desta forma, optou-se
pela escolha dos meses de abril e julho de 2019,fevereiro e julho de 2020,
janeiro e setembro de 2021. As imagens utilizadas, pertencem a coleção de
satélite Landsat 8 (OLI), lançado em 2013, possui 11 bandas , 100m de resolução
espacial, resolução radiométrica de 12 bits e a resolução temporal de
aproximadamente 16 dias.
Em seguida, houve a construção de um novo script para a imagem de cheia e
posteriormente adaptada com alguns parâmetros diferentes para a imagem de
estiagem, como também uma função para retirada de bordas e um filtro de nuvens
em 20%, para a diminuição de ruídos. Em seguida a escolha da coleção de imagens,
que foi a USGS Landsat 8 Collection 1 Tier 1 and Real-Time data top-of-
atmosphere(TOA) Reflectance , que tem a capacidade de calcular constantes
necessárias aos sensores de toda família Landsat e com isso fornecer uma base
de comparação padronizada dos dados em uma única cena ou até mesmo entre
imagens de diferentes sensores e datas. (CHANDER et al, 2009)
Para uma melhor visualização das áreas úmidas, foi utilizada a operação
‘rgbToHsv’, que faz a conversão das bandas red (vermelho), green (verde) e blue
(azul) para o modelo HSV, criado no ano de 1974 por Alvy Ray Smith. É um sistema
de cores formado pelas componentes hue (matiz) que verifica o tipo de cor,
saturation (saturação) onde quanto menor for o valor, mais tons de cinza
aparecem na imagem e value (valor) que define o brilho dessa cor. (HISOUR,
c2022) A partir da operação acima, gerou-se uma banda nomeada de ‘hue’, que
serviu de base para a próxima operação, que seria o de intervalo da água (cheia
=0,4 a 0,93 / estiagem = 0,1 a 0,93) para uma melhor visualização das planícies
de inundação. Por fim, foi feita uma última operação, o Normalized Difference
Water Index (NDWI), um índice que consegue destacar as características da água.
Ao final, todos os dados foram exportados pelo Google Drive e em seguida
compilados para análises de cunho quantitativo pelo ArcGIS 10.8.
Após algumas análises iniciais, houve a transformação do arquivo raster
‘imagemagua’ em arquivo polígono e em seguida, foi feita uma conversão da camada
raster para um arquivo shapefile - utilizando a opção de “ArcToolbox -
conversion tools - from raster - raster to polygon” e a troca do seu Sistema de
coordenadas geográfica (World Geodetic System 84) para projetada (South America
Albers Equal Area Conic). Outra ferramenta utilizada foi o dissolver, que tem
como objetivo de unir os limites com base nos valores de atributos comuns entre
si, ou seja, contribui com a mesclagem dos limites vizinhos se esses tiverem os
mesmos atributos. A nova camada convertida, ainda contava com as diversas
informações individuais sobre cada polígono, por isso, houve a necessidade de
dissolver todas as classes dentro da tabela de atributos, pelo caminho
“geoprocessing - dissolve”, gerando uma tabela mais organizada e simplificada.
Por fim, todas essas ações possibilitaram com que o cálculo de cada classe em
Km² e a sua porcentagem, fossem elaborados.
Resultado e discussão
Foram geradas 2 imagens por ano, totalizando 6 imagens, ou seja, 3 imagens de
cheia e 3 imagens de estiagem, importante salientar que todas as imagens tiveram
algum tipo de ruído, ocasionado por “buracos” de nuvens e pequenas confusões com
sombras, região de extração de areia da bacia, pastagens desnudas e nas
infraestruturas urbanas, mais especificamente no centro do município de Casimiro
de Abreu e na orla de Cabo Frio. Desta forma, houve necessidade de cruzar os
dados da banda Hue com o NDWI, para melhor análise dos resultados.
Nos mapas de estiagem, se obtiveram os seguintes dados: no ano de 2019, a imagem
do mês de julho, apresentou 32,2 km² (1,49%) de área úmida, já em julho de 2020,
cerca de 65,9 km² (3,05%) e por fim setembro de 2021, contando com 101,64 km²
(4,70%). As duas últimas imagens se encontram muito acima da primeira, isso
ocorre por conta das confusões geradas pelo Google Earth Engine. (Figura 1)
Na bacia, nas imagens de estiagem é possível observar uma grande parte de
pastagens desnudas, isso está diretamente ligado a falta de chuvas, como também
das características físicas próprias do solo, como a geomorfologia e a
pedologia, as plantações em larga escala contribuíram para a perda de algumas
propriedades que eram essenciais para a infiltração de água no solo, além de
serem alvo de abandono desde os anos 80, com a desvalorização da agricultura e a
sua conversão para pastagem para o gado leiteiro e de corte. De acordo com
Simões (2021), isso ocorreu porque a maioria dos produtores migrou para as
grandes cidades e os que permaneceram trocaram suas plantações de cítricos pela
pecuária extensiva. Essa foi a resposta encontrada para contornar a economia
local e expandiu-se ao longo dos anos. Essas áreas de pastagem contribuíram
significativamente para a compactação do solo, um fator que, combinado com a
perda de propriedades do solo, levou ao aumento das áreas alagadiças.
Já nas imagens de cheia, foram quantificados no ano de 2019, na imagem de abril
cerca de 63 km² (2,92%), quase o dobro encontrado em julho de 2019, no ano de
2020, no mês de fevereiro um total de 57,5km² (2,66%), um pouco abaixo de julho
de 2020 e janeiro de 2021, com 104,2 km² (4,82%). (Figura 2)
As áreas úmidas em sua maioria estão localizadas próximas do canal retilíneo do
rio São João e alguns de seus afluentes, e estão intimamente relacionadas com as
obras realizadas na década de 60. Isso ocorre devido à baixa retenção de água e
à alta velocidade dos fluxos nos canais, o que provoca uma acentuada erosão nas
margens fluviais. Esse fenômeno é resultado da possível restauração do
equilíbrio dinâmico dos rios, que ocorria quando suas margens seguiam uma curva
natural. (PIMENTA et al., 2021)
Como também têm sido objeto de conflitos entre a represa de Juturnaíba, os
proprietários rurais, os assentados e acampados. O ICMBio (2008) explica que,
embora ocorram fortes chuvas no médio curso do rio São João, as áreas úmidas
alagam ainda mais devido à barragem da represa, causando prejuízos aos
agricultores localizados a montante da represa. Esses agricultores disputam a
abertura das comportas da barragem para permitir que a água acumulada siga pelo
baixo curso. No entanto, a abertura das comportas pode afetar negativamente os
moradores do assentamento Sebastião Lan I e do acampamento Sebastião Lan II, que
residem no local. (ICMBio, 2008)
Mapa comparativo das estiagens
Mapa comparativo das cheias
Considerações Finais
A partir do mapeamento das áreas úmidas das planícies de inundação da BHRSJ, foi
possível justificar de que forma o uso das geotecnologias se torna plausível.
Foi através da construção do script que contou com a inserção de operações
vistas até então como necessárias para chegar ao produto final.
Além disso, a mudança sazonal na área de estudo se torna muito evidente ainda
nas primeiras operações utilizadas no script, a banda hue demonstrada na
metodologia, foi de grande ajuda na identificação das áreas úmidas. Como também
o uso de índices como o NDWI, que tiveram uma grande participação na análise
mais aprofundada na classe água. Infelizmente com a confusão do Google Earth
Engine através dos parâmetros utilizados, se faz necessário o uso de outras
operações para melhor identificação mais detalhada das áreas de inundação em
estudos próximos. Importante salientar que mesmo havendo meses com uma maior
precipitação, os mesmos apresentaram problemas como grandes “buracos” nas
imagens e até mesmo uma péssima qualidade, desta forma, foi necessário buscar
outros meses que tivessem próximos do objetivo do trabalho.
Em suma, a partir da análise dos mapas de cheia e estiagem, se tornou viável
identificar os principais focos das áreas alagadas, como também observar quais
ações possibilitaram o fator da mudança que vem ocorrendo desde tempos passados.
Por fim, o trabalho foi capaz de fornecer um banco de dados, que pode servir de
base para trabalhos futuros.
Agradecimentos
Agradecimentos a instituição CAPES, que possibilitou que essa pesquisa conseguisse
ser efetuada e ao grupo de Pesquisa Dinâmicas Ambientais e Geoprocessamento, da
Faculdade de Formação de Professores (UERJ).
Referências
BIDEGAIN, P. MICHAEL, C. Bacias Hidrográficas dos rios São João e das Ostras - Águas, terras e conservação ambiental. Consórcio Intermunicipal para Gestão das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos, Rio São João e Zona Costeira - CILSJ. 2007. Disponível em: <http://www.lagossaojoao.org.br/>. Acesso em: 10 mar. 2023
BORGES, F. O. FERREIRA, V. O. Planícies de inundação e áreas inundáveis: análise comparativa dos conceitos mediante aplicação nas bacias hidrográficas do Ribeirão Bom Jardim e Rio das Pedras, Triângulo Mineiro. Revista Cerrados, Montes Claros–MG, v.17, n.1, p. 114-130, jan./jun.-2019. Disponível em:
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