• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

IMAGENS DE SATÉLITE DE ALTA RESOLUÇÃO TÊMPORO-ESPACIAL EM ESTUDOS GEOMORFOLÓGICOS: POTENCIALIDADES DO SATÉLITE PLANETSCOPE

Autores

  • CATHARINA DE OLIVEIRA MAIAUFMGEmail: catharinaolm@gmail.com
  • DANIEL MACHADO FACURYUFMGEmail: danielfacury@gmail.com
  • ANTÔNIO PEREIRA MAGALHÃES JR.UFMGEmail: antonio.magalhaes.ufmg@gmail.com

Resumo

O uso de imagens de satélite em estudos geomorfológicos tem se intensificado na última década. O recente lançamento de satélites com alta resolução espacial e temporal tem permitido novas análises em escalas temporais muito detalhadas. Os satélites PlanetScope são usados com frequência em estudos geomorfológicos na literatura internacional, por conta da sua resolução espacial de 3 m e da periodicidade diária de revisita. No entanto, na literatura nacional, esta ferramenta ainda é pouco utilizada. O presente estudo buscou refletir sobre a potencialidade de usos das imagens de satélite de alta resolução têmporo- espacial para estudos geomorfológicos, tendo como base usos já consagrados dessas imagens na literatura nacional e internacional, mas extrapolando-os para outros usos possíveis. Os usos foram resumidos em três categorias: risco ambiental, dinâmicas de sistemas ambientais e impactos de atividades antrópicas, apresentando grande potencial para estudos geomorfológicos.

Palavras chaves

Morfodinâmica; Geotecnologias; Risco Ambiental; Imagem de Satélite; Sensoriamento Remoto

Introdução

O uso de imagens de satélite tem se intensificado nos últimos anos devido ao seu alto potencial para o monitoramento e levantamento de diferentes eventos que ocorrem na superfície terrestre e ao desenvolvimento de técnicas que tem disponibilizado, cada vez mais, imagens de alta qualidade. As imagens orbitais podem ser obtidas por meio de sensores passivos ou ativos (FLORENZANO, 2008). Os sensores ativos operam com a sua própria fonte de energia adicional, diferente dos sensores passivos, os quais necessitam de fonte de energia adicional externa para operarem. Ainda, os sensores passivos permitem a geração de imagens ópticas, que são o foco deste estudo. As diferentes finalidades do uso de imagens de satélite podem ser ilustradas pela diversidade temática de pesquisas que as utilizam. A título de exemplo há estudos que fizeram o uso de imagem de satélite para estimativa de biomassa e carbono em floresta (WALTZLAWICK et al., 2009), análise de lineamentos estruturais (ROLDAN et al., 2010), detecção de queimadas e risco de incêndio (ANTUNES, 2000), entre outros. A geomorfologia é, particularmente, uma das áreas do conhecimento que se beneficia de modo marcante com a disponibilização de imagens de satélite, potencializando as pesquisas em distintos ambientes tais como fluviais, cársticos e costeiros. Como exemplos, Lima (2003) utilizou imagens de satélite para mapear recifes costeiros e analisar processos físicos litorâneos; Scherer (2019) realizou, por meio de imagens orbitais, levantamentos de bordas de platô, tálus e feições de dolinas para definição de feições geomorfológicas em ambientes cársticos; Machado et al. (2011) utilizaram-se de imagens de satélite para identificar depósitos tecnogênicos fluviais e avaliar impactos ambientais, como alteração de feições geomorfológicas e da rede de drenagem. Florenzano (2008) aponta que a contribuição das imagens aeroespaciais para as pesquisas geomorfológicas pode ser sintetizada em três categorias, a saber: 1) como base cartográfica para o lançamento de informações e apoio de campo 2) na extração de dados geomorfológicos e na elaboração de cartas morfométricas, cartas de risco (erosão e inundação) e cartas geomorfológicas completas 3) na análise integrada e no mapeamento da paisagem As geociências tratam de eventos de diferentes magnitudes temporais, como diárias (ex. movimentos de massa) ou milhares ou milhões de anos, como formas e depósitos fluviais (MAGALHÃES JÚNIOR; BARROS, 2020). A morfodinâmica é determinante para compreender os processos responsáveis pela evolução das paisagens, e os arquivos morfológicos e deposicionais são registros potencialmente importantes para a reconstrução paleogeomorfológica. A variação e o dinamismo de certas feições, como ravinas, cicatrizes de movimentos de massa, meandros e barras de canal, são evidenciados, muitas vezes, em um curto intervalo temporal. Dessa forma, as imagens de alta resolução temporal ganham destaque para evidenciar, principalmente, os processos morfodinâmicos na paisagem. Para tanto, são disponíveis de forma gratuitas imagens de satélites como o CBERS04A (câmera WPM, banda PAN), Landsat 8 (Sensor ULI, banda PAN) e Resourcesat (IRS-P6, Sensor LISS-III, bandas G, B, NIR, MIR), os quais apresentam resolução espacial de 2, 15, 23,5 m e período de revisita de 31, 16 e 24 dias, respectivamente (INPE, 2023). O satélite PlanetScope, por sua vez, apresenta resolução espacial de 3 m e período de revisita diário, sendo assim, uma alternativa de destaque para os estudos geomorfodinâmicos. Não obstante, as imagens orbitais disponibilizadas pelo PlanetScope ainda não são utilizadas por grande parte da literatura nacional. O presente estudo se insere nesse contexto e busca refletir sobre o potencial do uso de imagens de satélite de alta resolução têmporo-espacial para estudos geomorfológicos, utilizando-se de imagens disponibilizadas pelo satélite PlanetScope.

Material e métodos

O presente estudo se baseia em levantamento do referencial bibliográfico em periódicos de geociências nacionais e internacionais, como a Revista Brasileira de Geomorfologia, Journal of South American Earth Sciences e Geomorphology, que utilizam imagens de satélite de alta resolução espacial e temporal para estudos de cunho geomorfológico. Realizou-se, também, uma busca pelo termo “PlanetScope” no repositório de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A partir desse levantamento, e da revisão de outros estudos geomorfológicos já realizados com imagens de satélite com escala temporal e espacial diversa, buscou-se categorizar os principais tipos de estudos que podem ser realizados de posse de imagens com alta resolução têmporo- espacial, o que subsidiou as reflexões propostas neste estudo. O foco do estudo principal consistiu na constelação de satélites PlanetScope, que permite a obtenção gratuita de imagens para atividades de pesquisas associadas a universidades. O levantamento bibliográfico não teve como objetivo esgotar ou levantar todas as publicações que utilizam imagens de satélite PlanetScope para estudos geomorfológicos, mas buscou trazer os principais usos aos quais essas imagens têm sido direcionadas. Características, obtenção e uso das imagens PlanetScope De forma ilustrativa, apresentou-se uma possível utilização das imagens PlanetScope, apresentando a área do município de Buriticupu (MA). O código e a data de cada imagem utilizada nesta etapa são apresentados no Quadro 1. Não foram realizados tratamentos sobre a imagem, apenas uma composição R3G2B1, a partir da qual foram vetorizadas as feições erosivas da área por meio de detecção visual em Sistema de Informação Geográfica (software QGIS versão 3.22.14), buscando demonstrar a variação da área ocupada por essas feições ao longo do tempo. Quadro 1 - Imagens e respectivas datas das imagens PlanetScope utilizadas As imagens ópticas fornecidas pela Planet são originadas de uma constelação de 180 satélites do tipo CubeSats U3, que consistem em cubos de pequenas dimensões equipados com instrumentos de alta resolução. A resolução espacial dessas imagens é de 3 m, enquanto a resolução temporal, ou frequência das imagens, é diária, o que diferencia esse produto em comparação com demais atualmente disponíveis. As imagens dos satélites PlanetScope foram obtidas a partir de 2014 e apresentam quatro bandas espectrais: azul (455–515 nm), verde (500–590 nm), vermelho (590–670 nm), e infravermelho próximo (780–860 nm) (PLANET, 2023). As imagens PlanetScope não são disponibilizadas gratuitamente para fins comerciais. No entanto, a empresa Planet desenvolveu o Education and Research Program, ou Programa de Educação e Pesquisa em tradução livre. Por meio desse Programa, estudantes e pesquisadores podem submeter um pedido para acesso gratuito ao banco de imagens. Em caso de aceite, o estudante ou pesquisador recebe acesso à plataforma Planet Explorer, que permite baixar imagens em um polígono definido de diversas datas selecionadas, estando à disposição, por exemplo, o filtro de cobertura por nuvens das imagens. Por meio dessa plataforma, o usuário pode realizar o download das imagens que podem ser trabalhadas em Sistemas de Informação Geográfica. As imagens de Buriticupu (MA) foram obtidas por meio dessa plataforma.

Resultado e discussão

O levantamento de estudos geomorfológicos que utilizam imagens PlanetScope revelou que essa base de dados ainda é muito pouco utilizada no Brasil, sendo a única publicação encontrada na literatura nacional até abril de 2023 referente ao trabalho de Costa et al. (2023), que aborda a dinâmica costeira na foz do rio Paraíba do Sul. A literatura internacional, por outro lado, compila diversos estudos que já utilizam essas imagens para a elaboração de estudos geomorfológicos. Ainda, é importante ressaltar que em diversos trabalhos as imagens PlanetScope foram utilizados em conjunto com imagens de outros fontes, como o RapidEye, Landsat, Sentinel, imagens obtidas via Google Earth e imagens aéreas (como em DILLE et al., 2019; SANTOS; LATRUBESSE, 2021; SAITO et al.; 2022; LOPEZ; HESP, 2023). Diante dos estudos levantados e da categorização das temáticas destes trabalhos, foi possível sintetizar as possibilidades advindas do uso de imagens orbitais de alta resolução têmporo-espacial para estudos geomorfológicos em três categorias, discutidas adiante: 1)Subsídios para a Investigação de Risco Ambiental 2)Dinâmica de Sistemas Ambientais 3)Impactos de Ações Antrópicas Subsídios para a Investigação de Risco Ambiental O risco configura-se como a relação entre ameaças (probabilidade de algum evento danoso ocorrer) e vulnerabilidades (magnitude da ocorrência de determinada ameaça). Dessa forma, é necessário que haja o mapeamento das possíveis ameaças e vulnerabilidades que existem em determinado contexto geográfico, por exemplo, para obter a taxa de risco que dado evento possui (FURTADO et al., 2014). Amatya et al. (2022) utilizam as imagens orbitais disponibilizadas pelo satélite PlanetScope e RapidEye para produzir um inventário de deslizamentos de terra com base em eventos de chuva no Sudeste Asiático. Esse inventário possibilitou a criação de um modelo que pudesse quantificar os efeitos que as alterações no uso da terra implicam na suscetibilidade do risco de deslizamentos, sendo essencial a alta resolução têmporo-espacial. Ainda, o trabalho de Bell et al. (2021) teve o objetivo de discorrer sobre a distribuição espaço-temporal de diversos eventos geomórficos e seus riscos durante a precipitação de 2018 no Nepal. Segundo os autores, estas imagens foram essenciais para detalhar e desvendar a cronologia dos eventos. O prévio mapeamento de ameaças e vulnerabilidades tendem a diminuir a taxa de risco uma vez que as ações necessárias para amenizá-lo ou cessá-lo serão previamente tomadas. A título de exemplo, o mapeamento e o monitoramento diário da alteração do uso do solo em diversas regiões no estado do Maranhão (SANTOS, 2022; RIZZO et al., 2023), mostram que a alteração do uso do solo tem se intensificado cada vez mais pela expansão de sulcos e voçorocas. Com o objetivo de cessar o risco ambiental, diferentes ações podem ser tomadas de forma prévia devido ao mapeamento exato e acompanhamento da evolução da erosão acelerada em questão. Nesse sentido, o uso das imagens do PlanetScope podem auxiliar no monitoramento dessas áreas de risco. A seguir, a Figura 1 apresenta o exemplo de uma área sujeita a esse risco que pode ser monitorada com o auxílio de imagens de alta resolução têmporo-espacial, localizada em Buriticupu (MA), que tem ganhado notoriedade pela expansão das voçorocas na proximidade da área urbana. (Figura 1) Dinâmica de Sistemas Ambientais Esta é a categoria que aparece com a maior quantidade de estudos nos periódicos consultados, sendo aparentemente o campo que mais se beneficiou com a grande resolução temporal das imagens em estudo. Esses estudos utilizam essas imagens para identificação e análise de movimentos de massa, como os realizados por Dille et al. (2019), Fiolleau et al. (2023), Cheung e Giardino (2023) e Saito et al. (2022); de dinâmica e processos em ambientes costeiros, como os trabalhos de Lopez e Hesp (2023) e Costa et al. (2023); de dinâmicas fluvial e lacustre, como em Cooley et al. (2017) e Bell et al. (2021); e de mobilidade de dunas em sistemas continentais (SANTOS; LATRUBESSE, 2021). Os estudos que se concentraram na identificação e caracterização de movimentos de massa apresentam como destaque o uso do Normalized Difference Vegetation Index (NDVI), que, quando aplicado de forma comparativa a diversas imagens permite a verificação de mudanças drásticas na qualidade da vegetação, se tornando chave para a identificação de mudanças abruptas no uso e para a recuperação de vegetação. possibilitando a identificação, por exemplo, de limiares de precipitação diários para a deflagração de movimentos erosivos em diversas condições topográficas e litológicas. Os trabalhos de Lopez e Hesp (2023), Costa et al. (2023) e Santos e Latrubesse (2021) utilizaram a identificação visual de feições morfodinâmicas para a compreensão das mudanças no relevo em escala local, tais como a migração de dunas e a abertura ou fechamento de canais de maré, que consistem em feições importantes de contato entre corpos costeiros e oceânicos. Identifica-se grande potencial de uso das imagens PlanetScope também para a compreensão da dinâmica hídrica de áreas úmidas. O trabalho de Cooley et al. (2017) apresenta técnicas que podem ser aproveitadas nos estudos do acompanhamento de inundação e encharcamento em wetlands, podendo identificar tendências que indiquem conexões com a rede de drenagem, com águas subterrâneas ou dependência exclusiva dos eventos pluviométricos. O estudo supracitado utiliza o Normalized Difference Water Index (NDWI) para identificar áreas de acumulação hídrica. Ao elaborar esse índice ao longo de uma série temporal detalhada, pode-se compreender parcialmente as dinâmicas sazonais de circulação hídrica de áreas úmidas. Por fim, estudos que utilizam conceitos de equilíbrio podem se aproveitar de imagens de grande resolução temporal para o entendimento de rupturas de limiares de equilíbrio em sistemas ambientais, ilustrando o papel de grandes eventos na evolução do relevo (AMORIM et al., 2016). Impactos de Ações Antrópicas Em comparação com as categorias supracitadas, há poucos trabalhos de cunho geomorfológico na literatura internacional que utilizam as imagens em análise para estudo de impactos de ações antrópicas. O trabalho de Schaeffer et al. (2022) utiliza imagens do PlanetScope para monitorar as manchas de óleo na costa dos Estados Unidos, sendo um exemplo da capacidade dessas imagens em identificar alterações nos materiais transportados por corpos hídricos, o que pode se expandir para a visualização de sedimentos, por exemplo. Diversos trabalhos de cunho geomorfológico que envolvem a temática de impactos de ações antrópicas podem utilizar as imagens Planet para detalhar e fundamentar ainda mais o escopo metodológico e os resultados obtidos. Nesse sentido, têm-se como exemplo o trabalho de Carvalho et al. (2021), o qual os autores identificaram as alterações hidrogeomorfológicas nos fundos dos vales atingidos pelo rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Minas Gerais. Esse trabalho identificou as alterações nos diversos canais, como a extensão da pluma de rejeito, mudança da coloração do canal, elevação da carga de sedimentos em suspensão, dentre outras. Importante ressaltar que, como apontado por Sledz et al. (2021), o uso de Imagens Planet, apesar de apresentar resolução de 3 m, não apresenta o mesmo nível de detalhamento de imagens obtidas por Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs), que conseguem imagens de altíssima resolução espacial com qualidade difícil de ser obtida via imagens de satélite. O uso de VANTs tem se tornado cada vez mais comum em estudos geomorfológicos de detalhe, o que certamente apresenta melhores resultados para o monitoramento geomorfológico, mas apresenta dificuldades por conta da grande capacidade de processamento necessária, o que pode limitar a área em estudo.

Figura 1

Expansão de Voçorocas em direção ao centro urbano de Buriticupu. As duas feições, separadas em novembro/2022, se uniram em maio/2023.

Quadro 1

Quadro 1 - Imagens e respectivas datas das imagens PlanetScope utilizadas

Considerações Finais

O presente estudo buscou apresentar algumas potencialidades de uso das imagens PlanetScope tendo como base estudos que estão sendo produzidos na literatura internacional e propondo outras possíveis inserções. Assim, foram identificados três grandes grupos de aplicação de imagens do satélite PlanetScope: subsídios para investigação de riscos ambientais, dinâmicas de sistemas ambientais e impactos de ações antrópicas. As imagens de alta resolução temporal e espacial se apresentam, portanto, como importantes ferramentas para a análise geomorfológica, em especial para a análise morfodinâmica, compondo um importante leque em conjunto com atividades de campo e imagens provenientes por meio de sensores ativos, como os Modelos Digitais de Elevação. Importante ressaltar que as escalas temporais e espaciais devem ser analisadas em conjunto nas investigações geomorfológicas. Sendo assim, a grande resolução temporal das técnicas utilizadas deve ser acompanhada por uma resolução espacial de mesma magnitude. Nesse sentido, o uso de VANTs apresenta, ainda, melhores resultados no acompanhamento de detalhes de feições geomorfológicas de pequena extensão; em contrapartida, as imagens PlanetScope permitem análises de grandes áreas. Ademais, as imagens PlanetScope podem apresentar resolução espacial inferior àquelas disponibilizadas pelo Google Earth dependendo da região em estudo, podendo complementar possíveis lacunas temporais.

Agradecimentos

Ao CNPq pela bolsa de pesquisa; à FAPEMIG pelo auxílio financeiro (Projeto APQ- 00511-21); ao grupo de pesquisa RIVUS – Geomorfologia e Recursos Hídricos / UFMG; à Planet pela concessão de imagens.

Referências

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