• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

MAPEAMENTO MULTITEMPORAL PARA O MUNICÍPIO DE ARNEIROZ (CE) USANDO A PLATAFORMA GEE

Autores

  • ADINAN MARZULO MAIA MARTINSUFRJEmail: adinanmaia@gmail.com
  • CARLA BERNADETE MADUREIRA CRUZUFRJEmail: carlamad@gmail.com

Resumo

Análises Espaciais e mapeamentos multitemporais na plataforma Google Earth Engine (GEE) utilizando algoritmos de aprendizado de máquina têm proporcionado cada vez mais análises complexas a cerca de um grande volume de dados. O semiárido brasileiro por ter dinâmicas sazonais climáticas e vegetacionais extremamente complexas exige a necessidade da aplicação de filtros e processamentos através de classificadores para a captação de mudanças na região. Este trabalho tem por objetivo o mapeamento multitemporal com apoio da geração e análise comparativa de imagens médias do município de Arneiroz (CE) referentes ao período seco. Desta forma, foram utilizadas duas composições de imagens, uma referenciando um período mais antigo, representado pela média dos anos 1987, 1989 e 1991; e uma para um período mais recente, com os valores médios dos anos 2018, 2020 e 2021.Foram observadas perdas para as classes de vegetação ,formação campestre e agropecuária, podendo ser indicativos de degradação.

Palavras chaves

semiarido; GEE; caatinga; agricultura; degradação

Introdução

É possível observar nas últimas décadas a intensificação do uso de dados matriciais oriundos de sensores orbitais para análise espacial. Plataformas como o Google Earth Engine (GEE), baseada em nuvem, permitem o acesso a recursos de computação de alto desempenho (GORELICK et al., 2017) possibilitando, gradativamente, processamentos de dados geoespaciais mais robustos e análises espaciais da superfície terrestre cada vez mais complexas, contribuindo para a compreensão de suas dinâmicas (TAMIMINIA et al., 2020). A plataforma GEE possibilita o acesso a um vasto conjunto de dados imagéticos de forma ampla e gratuita (GORELICK et al., 2017), incluindo produtos de sensores ativos e passivos. No caso de imagens óticas, o problema quanto à cobertura de nuvens associada a cada data de obtenção deve ser tratado para viabilizar a realização de estudos temporais. Por outro lado, a plataforma GEE permite a inclusão, em seu ambiente de processamento, de algoritmos que amenizam este problema, possibilitando ainda a filtragem de cenas que apresentam alto teor de influência atmosférica. No caso do semiárido brasileiro, tal procedimento é importante pois grande parte do nordeste brasileiro é influenciado pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) onde a cobertura de nuvens pode atrapalhar a aquisição de dados de sensores remotos passivos na região. É importante citar também que um dos desafios para o mapeamento do semiárido brasileiro é entender as dinâmicas sazonais da vegetação da caatinga, que apresenta diferentes respostas fenológicas nos períodos seco (perdas de folhas, folíolos e aparência esbranquiçada) e úmido (recuperação das folhas). Em um contexto de mudanças climáticas o Bioma Caatinga está entre os mais vulneráveis (OYAMA; NOBRE, 2003), quadro que é agravado por se tratar de um dos biomas que menos recebem atenção da comunidade científica (GANEM, 2020). O uso prolongado das terras pelas atividades econômicas regionais como a pecuária e a agricultura extensiva no semiárido tem levado frequentemente à redução da disponibilidade de água (GIONGO, 2011). Essa pressão exercida pelo Homem nas terras semiáridas e o aumento dos eventos extremos de secas nessa região (IPCC, 2021) podem catalisar processos degradacionais, podendo influenciar no aumento do número de núcleos de desertificação (NOBRE, 2011). Diante da preocupação frente às mudanças climáticas no semiárido brasileiro esta pesquisa tem por objetivo contribuir para o mapeamento multitemporal através de imagens médias (ou composites) dos anos 1987, 1989 e 1991 e dos anos 2018, 2020 e 2021 do município de Arneiroz (CE) com apoio da plataforma em nuvem GEE. Análises de dados multitemporais são importantes pois possibilitam identificar tendências e dinâmicas da paisagem local, ampliando a compreensão das mudanças que ocorreram ao longo do tempo. Dados secundários como os de temperatura superficial, precipitação, agricultura, além do Modelo Digital de Elevação (MDE), foram utilizados de forma auxiliar na interpretação das mudanças na paisagem do município de Arneiroz (CE).

Material e métodos

A abordagem metodológica considerou o uso do GEE como plataforma de processamento de dados. Foram selecionadas imagens de satélite para a geração de duas composições de imagens através da operação de média para os limites territoriais de Arneiroz (CE). Para isso, foram utilizados dados do sensor Thematic Mapper do Landsat-5, para a referência de dados mais antiga, e dados do sensor OLI do Landsat-8, para a referência de dados mais recente, sendo todas as imagens obtidas na estação seca dos anos 1987, 1989, 1991, 2018, 2020 e 2021. Levou-se em consideração a menor influência de nuvens (< 20% da cobertura da área de estudo), buscando minimizar a interferência no processo de obtenção de dados dos sensores orbitais. Ao todo foram utilizadas 13 imagens para os dias 11/08/1987,12/09/1987, 17/09/1989, 24/09/1989, 22/08/1991, 06/08/1991, 05/07/1991, 17/09/2018, 03/10/2018, 09/06/2020, 10/08/2020, 08/08/2021 e 24/08/2021. Após a formação das imagens médias para a elaboração das duas composições finais de imagens, foram calculados índices espectrais importantes para o modelo de classificação adotado. Os índices espectrais adotados foram: CAI, EVI2, GCVI, HALL COVER, MBI, NDBI, NDWI, NMDI, MBI e o SAVI. Considerando cada índice espectral e as bandas do azul, verde, vermelho, infravermelho próximo, infravermelho de ondas curtas 1 e infravermelho de ondas curtas 2, calculou-se, para cada composição, variáveis estatísticas (desvio padrão, variância, mínimo, máximo, média e mediana) com o apoio de algoritmos de redução presentes na plataforma GEE. Outros parâmetros como as variáveis geomorfométricas foram obtidos através do MDE SRTM pelo GEE, onde foram realizados cálculos das derivadas de terreno pelo algoritmo ee.Terrain, como Elevação, Declividade, Sombreamento e Aspecto. Todas as variáveis foram introduzidas ao modelo de classificação. Para o mapeamento, foram definidas as classes Corpos Hídricos, Vegetação de Alta Densidade, Vegetação de Baixa Densidade, Formação Campestre/Agropecuária e Solo Exposto. Foram selecionadas ainda de 75 a 100 amostras de treinamento (Congalton, 1991). O classificador utilizado foi o Random Forest (RF) que tem por objetivo a construção de diversas árvores de decisão aleatórias e independentes a partir de um conjunto de amostras (BREIMAN, 2001). Neste caso foram utilizadas 250 árvores preditoras para fins de classificação e o Índice Kappa foi gerado através do algoritmo API ConfusionMatrix. Por fim, os produtos classificados para as duas composições de imagens foram exportados para o software QGIS 3.16.3 onde foram elaborados os mapas e as estatísticas. Dados secundários como Área Colhida (SIDRA/IBGE) de 1980 a 2019, temperatura superficial mensal (MODIS) e precipitação mensal (FUNCEME) de 2000 de 2020, além do próprio MDE do SRTM, ajudaram na interpretação dos resultados.

Resultado e discussão

O município Arneiroz (CE) (Figura 1) situa-se na região na macrorregião Sertão Central de Inhamuns presente no Estado do Ceará. Tal relevo é marcado pela presença de maciços e a Serra de Arneiroz localizada na porção sul do município. Essa serra tem importância no regime de chuvas na região, onde há a ocorrência de chuvas orográficas e tal forma de relevo pode funcionar como barreira topográfica impedindo as chuvas de se adentrarem no município. Os mapas classificados para os dois períodos de análise, comparados com o mapa de elevação do MDE SRTM, permitiram observar de forma qualitativa uma relação importante entre a topografia e a distribuição das classes (Figura 2). Áreas com alta elevação representadas pelas cores branca, laranja e vermelho geralmente correspondem às classes de vegetação dos mapas multitemporais gerados. O mapa de referência mais antiga gerado, as classes distribuídas em áreas ficaram da seguinte forma: Corpos Hídricos - 0,52%, Vegetação de Alta Densidade - 1,15%, Vegetação de Baixa Densidade - 34,19%, Solo Exposto- 2,42% e Formação Campestre/Agropecuária - 61,71%. Por outro lado, o mapa de referência mais recente apresentou diferenças quanto a sua distribuição de área por classe onde é possível observar: Corpos Hídricos - 2,29%, Vegetação de Alta Densidade - 1,05%, Vegetação de Baixa Densidade - 18,49%, Solo Exposto- 34,91% e Formação Campestre/Agropecuária - 43,26%. A demarcação do Rio Jaguaribe e seus rios tributários, em azul no mapa de elevação, representa as áreas de topografia mais baixas presente na área de estudo. É possível relacionar o canal principal do Rio Jaguaribe também com as classes correspondentes à vegetação dos mapas classificados. Nos produtos gerados este rio principal presente no município são cobertos pelas classes de vegetação nos períodos secos estudados. É possível observar também o surgimento do açude Arneiroz II (Figura 2 - B), construído e finalizado em 2005 sobre o leito do Rio Jaguaribe, demarcado pelo grande volume de água representado na classe “Corpos Hídricos”, influenciando no aumento da classe de 0,52% a 2,29% no período estudado. Ressalta-se ainda que o trabalho de Brasil (2017), sobre a bacia hidrográfica onde está situado o açude Arneiroz II, mostrou que as áreas mais vegetadas são menos propícias às perdas de solos por erosão. Ao observarmos os mapas multitemporais gerados, é possível verificar perdas das classes de vegetação ao longo do tempo podem favorecer as perdas de solos por erosão e quiçá indicar áreas em processos de degradação nos limites municipais de Arneiroz (CE). Outras fontes de dados podem ajudar na compreensão dos mapas classificados e na compreensão física do município estudado. Dados mensais de precipitação (Figura 3 - A) da FUNCEME (2000 - 2020) indicam que o município apresenta secas meteorológicas (CARVALHO, 2012) expressivas e, também, chuvas irregulares que poderiam estar influenciando em tendências de perdas na agricultura para a área colhida do município (Figura 3 - B). Quando relacionamos dados de precipitação do período seco e as temperaturas mensais do MODIS-TERRA (Figura 3 - A) observa-se uma correlação negativa, uma vez que em períodos de estiagem as temperaturas sobem drasticamente, o que pode influenciar no decaimento das lavouras permanentes e temporárias e, também, no entendimento da variação negativa para a classe “Formação Campestre/Agropecuária” -18,45 %. De 1994 a 2014 houveram perdas significativas na agricultura sob regime sequeiro tais como feijão, mandioca e milho no Estado do Ceará (CE) (SOUSA, 2016) e uma das principais causas para esse revés na agricultura têm sido relacionada com o aumento da ocorrência de extremos de secas, ou seja, a redução expressiva das chuvas locais. Essa compreensão, em um contexto de mudanças climáticas e a influência do homem ao uso da cobertura da terra, podem explicar o decaimento das lavouras permanentes e temporárias presentes no município que vem influenciando em perdas da classe “Vegetação de Baixa Densidade”, “Vegetação de Alta Densidade” variando negativamente. Além disso, as variações negativas para todas essas classes podem estar sendo substituídas pela classe “Solo Exposto”. O que no mapeamento multitemporal mais antigo era ínfimo cobrindo apenas 2,42% se tornou uma das classes mais relevantes no mapeamento multitemporal mais recente chegando 34,91%, variando positivamente em +32,49%. Esses solos descobertos podem ter relação com as perdas para área colhida ao longo do tempo (Figura 2 - B) indicando possíveis processos degradacionais e erosivos, podendo assim, impactar no abandono de terras na região. Apesar da tendência de queda do total de cabeças de gado (Figura 2 - B), a mesma ainda se mostra muito presente no município sendo importante para a atividade econômica local. Porém, ações extensivas sobre o pastoreio pela pecuária têm contribuído ao longo dos anos para que não haja a recuperação ambiental onde tem conduzido a problemas energéticos e a biodiversidade da caatinga, podendo levar à extinção de espécies vegetais e animais característicos da região semiárida. Os mapas multitemporais de uso e cobertura do solo para o município de Arneiroz (CE) obtiveram bons resultados para o índice Kappa sendo que o mapa oriundo da imagem média para a referência mais antiga obteve 91,06% enquanto que o mapa da imagem média mais recente teve um resultado melhor obtendo 97,83% para o mesmo índice. Contudo, destaca-se também a necessidade de mais estudos na região semiárida com o objetivo de elucidar ainda mais as causas degradacionais nessas localidades e entender o porquê das quedas das variáveis agropecuárias e como elas podem ter relação com parâmetros físicos e de uso e cobertura da terra.

Figura 1. Município de Arneiroz (CE)

Mapa de Localização do Município de Arneiroz (CE). Fonte: Elaborados por Autores com dados do IBGE(2021), SUDENE(2017) e ESRI.

Figura 2. Mapas sintéticos de uso e cobertura do solo para o município

A - Mapa de referência antiga. B - Mapa de referência Recente. C - Elevação (metros). Fonte: Elaborado por autores com dados do SRTM e Landsat-5 e 8.

Figura 3. Gráficos de Precipitação Observada (2000 - 2020), Temperatur

A - Precipitação e Temperatura Superficial. B - Variáveis Agropecuárias. Elaborado a partir dos dados da FUNCEME, MODIS- TERRA e SIDRA/IBGE.

Considerações Finais

Os mapas multitemporais denotam mudanças expressivas quanto à paisagem do município de Arneiroz (CE) quando comparamos os dois períodos de análise no período seco. Tal mudança paisagística local reflete na variação de ganhos e perdas de classes presentes nos limites territoriais do município. Classes como “Vegetação de Alta Densidade”, “Vegetação de Baixa Densidade” e “Formação Campestre/Agropecuária” variaram de forma negativa, o que pode ser relacionado a processos históricos degradacionais pelo uso da terra no semiárido. Tal realidade expõem tendências de decrescimento para variáveis agropecuárias ao longo do tempo corroborando com o aumento da ocorrência da classe “Solo Exposto” que no mapeamento multitemporal mais recente apresentou uma área bem maior. Dados de temperatura de superfície e de precipitação mensais (2000 - 2020) demarcam de forma satisfatória os períodos secos e úmidos do município. Esses dados revelaram que as ocorrências de estiagens presentes no semiárido refletem temperaturas de superfície altas que trazem dificuldades para a agricultura regional, contribuindo para possíveis decaimentos da economia local. Assim, essa metodologia voltada ao mapeamento multitemporal, acompanhada de outras fontes de dados, pode ser aliada do processo de monitoramento do semiárido, contribuindo para uma melhor tomada de decisão por parte das autoridades locais.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer ao apoio de minha família e amigos. Gostaria de agradecer também os apoios, em especial a minha orientadora, a professora Carla Madureira e o Laboratório ESPAÇO - UFRJ.

Referências

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