• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

O PAPEL DO RELEVO NA DELIMITAÇÃO DE UNIDADES GEOSSISTÊMICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PAQUEQUER, TERESÓPOLIS, RJ

Autores

  • PIETRO MEIRELLES BRITESUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: pietrombrites@hotmail.com
  • ROBERTO MARQUES NETOUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: roberto.marques@ufjf.br

Resumo

Com base no arcabouço teórico-metodológico dos geossistemas proposto por Sochava, o presente estudo tem como objetivo interpretar as interações entre o sistema geomorfológico e os geossistemas na bacia hidrográfica do rio Paquequer, em Teresópolis, RJ, enfatizando o papel do relevo e a influência antrópica na classificação, interpretação e mapeamento das unidades geossistêmicas. Para isso, foram utilizados os grupos de fácies como unidade de mapeamento em uma escala de 1/50.000, adequada à grandeza sub-regional da bacia, divididos em duas classes: Serra florestada e Morros e planícies sob influência antrópica, que compõem seu topogeócoro. O relevo da região serrana do Estado do Rio de Janeiro, caracterizado por montanhas, escarpas, vales encaixados e altas declividades, apresenta um controle estrutural significativo, exercendo forte influência na composição das paisagens e nos fluxos de matéria e energia, sendo um fator fundamental na delimitação das unidades geossistêmicas.

Palavras chaves

geossistemas; paisagem; bacia do paquequer; Geografia Física; topogeócoro

Introdução

A abordagem geossistêmica privilegia o estudo dos sistemas ambientais e as suas conexões com a esfera socioeconômica, onde as interferências das atividades humanas incrementam os fluxos de matéria e energia, e por isso são fortíssimas influenciadoras da dinâmica dos geossistemas (CHRISTOFOLETTI, 1999). É na década de 1960 que Viktor B. Sochava (1905-1978) elabora a teoria dos geossistemas, em meio às transformações na ciência da paisagem ocorrentes na antiga União Soviética pós-Stalin. A condição material e intelectual para a criação da abordagem geossistêmica tem bases diretas na acepção de Ludwig Von Bertalanffy (1901-1972) e sua Teoria Geral dos Sistemas, a qual impulsionou a Geografia a conceber convergências entre os aspectos biofísicos e humanos do espaço geográfico a partir de uma perspectiva de conjunto (OLIVEIRA; MARQUES NETO, 2015; FROLOVA, 2019). Além disso, a concepção dos geossistemas também parte de uma base teórica construída a partir do conceito de landshaft proposto por Humboldt (1769-1859), bem como dos postulados lançados por Dokuchaev (1846- 1903) para explicar a origem e evolução dos solos, entendidos como reflexo das interações dos elementos bióticos e abióticos da paisagem (GONÇALVES; PASSOS, 2020). A Teoria do Geossistema foi divulgada em diversas publicações (SOCHAVA 1971; 1977; 1978), sendo o geossistema formulado como ferramenta para o entendimento dos mecanismos que regulam a organização das funções, estruturas e dinâmicas das paisagens. Dito isso, objetivo do presente artigo é interpretar as relações entre o sistema geomorfológico e os geossistemas na bacia hidrográfica do rio Paquequer (Teresópolis, RJ), enfatizando as influências do relevo na estruturação e cartografia dos geossistemas. Com cerca de 38 km de extensão, o rio Paquequer tem sua nascente a 1200 metros de altitude no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO), localizado no município de Teresópolis (RJ) em área de relevo fortemente escarpado. Seu sentido é de Sul para Norte, desaguando no rio Preto, por sua vez afluente do Piabanha, já no vale do rio Paraíba do Sul, numa altitude aproximada de 700 metros. A bacia do rio Paquequer possui uma área de aproximadamente 269km², totalmente circunscrita no município de Teresópolis. Seu alto curso encontra-se grande parte no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO), e seu médio curso perpassa a área urbana de Teresópolis, onde incorpora, sobretudo, poluição advinda de resíduos sólidos e esgoto. Em seu baixo curso, o rio Paquequer disseca terrenos cujo uso da terra é dado por atividades rurais (SILVA; SOUZA, 2012). A bacia é dominada por um complexo de rochas metamórficas do embasamento cristalino, que incluem granitos, gnaisses, migmatitos e xistos. Essas rochas formam o sustentáculo das montanhas e serras que circundam a bacia, com elevações que chegam a mais de 2.000 metros acima do nível do mar. A tectônica atuante na região é complexa e envolveu várias fases de deformação e falhamentos, associados à orogenia Brasiliana e à tafrogênese cenozoica. Como resultado, a bacia apresenta uma estruturação complexa de dobras, falhas e fraturas. Essa estruturação é responsável pela formação das montanhas e serras, dos vales, bem como pela distribuição dos recursos minerais na região (ALMEIRDA; CARNEIRO, 1998; HARTWIG, 2006). Existem depósitos colúvio-aluvionares com areias, argilas, cascalhos e matéria orgânica na planície fluvial (QUEIROZ, 2011). Os solos ocorrentes são, principalmente, Cambissolo Háplico, Neossolo Litólico e Latossolo Vermelho Amarelo. O clima na bacia é subquente úmido (Cwb segundo a classificação de Köppen), com temperatura média de 18C° e pluviosidade anual variando entre 1500 mm e 3200 mm. Devido às altitudes elevadas da Serra do Mar e à grande amplitude altitudinal, a dinâmica de temperatura e pluviosidade na bacia apresenta duas principais características: uma para a parte alta e outra para a parte baixa (SILVEIRA; SOUZA, 2012).

Material e métodos

O geossistema é um sistema natural cujos atributos estão espacialmente localizados, figurando como uma tipologia peculiar de sistemas dinâmicos abertos, hierarquicamente organizados, que se consolida em diferentes escalas têmporo-espaciais, firmando relações com aspectos socioeconômicos, os quais influenciam em sua estrutura, dinâmica e forma. Além disso, sua classificação se dá por uma organização bilateral da informação que diferencia as estruturas homogêneas (geômeros) e heterogêneas (geócoros), que incorpora autenticidade e composição dos geossistemas. É no estudo integrado da paisagem que suas bases são consolidadas, interpretando as conexões dos elementos bióticos, abióticos e sociais (SOCHAVA, 1977; 1978; MARQUES NETO et al. 2016; FROLOVA, 2019). A elaboração de produtos cartográficos para o reconhecimento da área foi dada a partir da compilação dos dados geográficos. Os mapas elaborados foram: hipsometria, uso e cobertura da terra, drenagem, localização, geologia, pedologia, formas de relevo, cobertura vegetal e geossistemas. Os produtos cartográficos intermediários foram gerados a partir do modelo digital de elevação (MDE) do banco de dados da Alaska Satellite Facility – ASF (https://search.asf.alaska.edu/), que utilizou imagens da missão Alos Palsar com resolução de 12,5 metros por pixel. Estes foram concebidos em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG), no software QGIS. O mapa de drenagem teve como fonte de dados a AGEVAP e o mapeamento de cursos d’água se deu na escala de 1:50.000. A base geológica foi obtida através do IBGE (https://ibge.gov.br) e do CPRM (https://cprm.gov.br/), em escala de 1:100.000. São as cartas geológicas de Três Rios (SF23-Z-B-I), Nova Friburgo (SF23-Z-B-II) e Casimiro de Abreu (SF23-Z-B-III), que em articulação cobrem toda a extensão da bacia rio Paquequer. Suas bases vetoriais foram obtidas no banco de dados de informações ambientais do IBGE (https://bdiaweb.ibge.gov.br/), inclusive a base dos lineamentos estruturais e pedológica, na escala de 1:100.000 e de 1:250.000 respectivamente. O mapa de uso e cobertura da terra foi obtido através da plataforma do MapBiomas (https://mapbiomas.org/), o qual utiliza-se de imagens de satélite da coleção 7 Landsat, com resolução de 30 m, utilizando o método de classificação digital supervisionada pixel a pixel, onde todo o processo é realizado através de machine learning na plataforma Google Earth Engine. Já o mapeamento das fitofisionomias da cobertura vegetal teve como base o manual técnico de vegetação brasileira do IBGE (2012). A metodologia empregada neste trabalho para o mapeamento das formas de relevo advém da proposta por Nunes et al. (1994), e também de elementos metodológicos propostos por Ross (1992) para definição dos padrões de formas semelhantes. A compartimentação na escala de 1:50.000 se deu a partir das cartas topográficas de Teresópolis (SF-23-Z-B-II-3), Itaipava (SF-23-Z-B-I-4) e Anta (SF-23-Z-B-II- 1) utilizadas em conjunto a observações em Google Earth Pro e mapas de declividade e hipsometria. A morfometria da bacia foi estabelecida manualmente por meio de cálculos de dimensão interfluvial e profundidade de dissecação do relevo, medidas em metros nas folhas topográficas. Após essa etapa, a matriz de dissecação foi organizada conforme a metodologia proposta por Ross (1992). A interpretação, classificação e cartografia dos geossistemas se deu na escala de 1/50.000, representando-se tipologias (geômeros) integralizados nas classes e grupos de fácies, integridades espaciais em níveis topológicos que foram definidas com base na interpretação e sobreposição integrada dos seguintes mapas: declividade, hidrografia, formas de relevo, pedologia, geologia, uso e ocupação e cobertura de vegetal.

Resultado e discussão

A Bacia do Rio Paquequer não apresenta uma grande diversidade de formas de relevo (Figura 1), mas estas podem ser agrupadas em algumas unidades geomorfológicas principais. A bacia é cercada por uma cadeia de serras, como a Serra dos Órgãos, Serra dos Três Picos e Serra do Capim. Essas serras (DEse ou DEsi) possuem forte controle estrutural com falhas por toda extensão da área, e ainda são responsáveis pela formação de vales estreitos e profundos, o que se associa a divisores estreitos na definição de um alto índice de dissecação do relevo (45 ou 55). Os topos são majoritariamente aguçados, com algumas exceções de topos convexos. Dominantemente, os solos são rasos e pouco desenvolvidos, com presença de afloramentos rochosos e vegetação ombrófila densa montana. Outro padrão de formas expressivo na bacia são os morros (Dm), em grande maioria fortemente dissecados (45 ou 55). Diferentemente das serras, os morros possuem, em sua maioria, topos convexos, declividades mais moderadas e altitudes menores. Os morros na parte baixa da bacia possuem altitudes de 800 a 900 metros, enquanto na parte alta a altitude chega até próximos aos 1050 metros. As colinas (Dc), por sua vez, não possuem grande expressão na bacia, sendo poucas as localidades que possuem simultaneamente altitudes moderadas e declividades mais baixas, com índice de dissecação 35, o que dificultou a diferenciação entre colinas e morros. As planícies fluviais (Apf) na bacia apresentam também duas principais diferenças conforme as formas de relevo supracitadas. As planícies da parte alta chegam a altitudes de até 900 metros aproximadamente, enquanto na parte baixa as altitudes variam de 800 a 700 metros perto da foz do rio Paquequer. Além disso, possuem vales estruturais bem marcados, principalmente na parte baixa, onde o curso principal do rio é retilíneo devido ao controle estrutural na área. São caracterizadas por uma superfície plana formada pelos sedimentos depositados pelo rio em seu curso, e suas declividades não ultrapassam 6%. A área da bacia, no contexto geral, ainda é moderadamente transformada, já que nas partes mais altas os declives extremos restringem a ocupação humana. Os fragmentos vegetacionais observados por imagem de satélite e em campo representam, conjuntamente com suas geoformas de sustentação, espaços que ainda resguardam elementos da estrutura original da paisagem, geralmente associados a altas altitudes, onde a ocupação humana ainda não chegou. Ou seja, a configuração do relevo da bacia obstaculiza, em alguma medida, a ampliação da transformação acentuada, impondo assim um adensamento urbano mais expressivo nas baixas vertentes e planícies fluviais. Assim, a bacia do rio Paquequer foi interpretada, em sua grandeza escalar sub- regional, como um topogeócoro que comporta duas classes de fácies definidas em estreita aderência às principais organizações geomorfológicas locais e regionais: as Serras florestadas e os Morros e planícies sob influência antrópica. Portanto, define-se uma classe de fácies dada pelas serras escarpadas típicas do relevo montanhoso da área de estudo, caracterizado por escarpas e vertentes declivosas revestidas por florestas ombrófilas densas montanas a altomontanas. Já a outra classe define-se pelos morros e planícies presentes na bacia de forma expressiva, deveras distinta dos relevos das serras escarpadas que definem a classe anteriormente citada. Menos restritiva para a ocupação humana, a classe de fácies definida nas morrarias intermontanas também sofre maior influência antrópica, englobando tanto o uso urbano como a pastagem. A correlação entre as formas de relevo e as unidades geossistêmicas (classes e grupos de fácies) presentes no presente estudo é notável. Foi atribuída dessa maneira devida à significativa influência dos condicionantes geomorfológicos na composição dos padrões geossistêmicos, já que as bases invariantes dadas pelo relevo influenciam sobremaneira a organização da vegetação e dos elementos naturais presentes na área, assim como os fluxos de matéria, energia que ocorrem nas vertentes e em subsuperfície. É possível esclarecer ainda mais essa correlação por meio dos mapas apresentados nas figuras 1 e 2. As paisagens de morros e colinas da bacia do rio Paquequer são expressivas no médio curso, sendo que estes morros são emoldurados por granada-hornblenda- biotita-gnaisse e granitos (CPRM, 2009) e possuem altitudes que variam entre 700 e 1050 metros. Embora essas áreas sofram influência da atividade humana, grande parte delas é coberta por floresta ombrófila densa montana, principalmente nas encostas voltadas para o sul. Já as encostas ao norte têm um significativo adensamento populacional, com declividades médias a média-alta e estão sobre Latossolo Amarelo. As serras se caracterizam por apresentar declives acentuados e encostas escarpadas. A classe de fácies Serras florestadas tem em sua composição quatro grupos de fácies (figura 3A/B). As Serras escarpadas com floresta ombrófila densa altomontana sobre Cambissolo Háplico, ocorrem em altas altitudes entre 1400 e 2000 metros aproximadamente, grande parte se encontra nos limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Já as Serras escapadas com floresta ombrófila densa montana sobre Cambissolo Háplico, possuem dominância na paisagem da bacia, ocorrendo em seus diferentes setores. Pontualmente ocorrem afloramentos rochosos da Suíte Serra dos Órgãos de composição granada- hornblenda-biotita gnaisse, principal suporte desse grupo. Por último, dois grupos diferenciados a partir dos usos da terra, quais sejam: as Serras escarpadas com floresta ombrófila densa montana sobre Cambissolo Háplico sob influência urbana, o qual ocorre na porção sudeste da bacia, e Serras escarpadas com floresta ombrófila densa montana sobre Cambissolo Háplico sob influência de pastagem, que ocorre na parte norte da bacia. Ambos possuem altitudes que vão até os 1400 metros, atingindo os limites interfluviais da bacia. O grupo de fácies de Morros com floresta ombrófila densa montana sobre Latossolo Amarelo e Cambissolo Háplico sob forte influência de pastagem ocupa a porção baixa da bacia (figura 3B), onde há uma variação de solos entre Latossolo Amarelo e Cambissolo Háplico, bem como a dominância da pastagem enquanto forma de uso da terra. Este geossistema é separado por vale estruturalmente encaixado, que é a tipicidade fluvial dominante da bacia, quando fica extremamente retilíneo, sendo prolongado. Sua litologia é do Complexo Rio Negro e do Suíte Cordeiro.

Figura 1 - Bacia do rio Paquequer (RJ): formas do relevo

Mapa de forma do relevo da bacia hidrográfica do rio Paquequer, Teresópolis, Rio de Janeiro. Foram divididos em modelados de dissecação e agradação.

Figura 2 – Bacia do rio Paquequer (RJ): geossistemas

Mapa de geossistemas da bacia hidrográfica do rio Paquequer, Teresópolis, Rio de Janeiro. O topogeócoro foi divido em grupo de fácies.

Figura 3 – Aspectos dos grupos de fáceis da bacia do Paquequer nas mes

Fotografias da área de estudo com os limites dos grupos de fácies delimitados conforme as cores utilizadas no mapa de geossistemas.

Considerações Finais

A abordagem geossistêmica oferece um importante conjunto de ferramentas teórico- metodológicas para as pesquisas geográficas, permitindo a classificação e compreensão dos padrões da paisagem. Através de mapeamentos e classificações exploratórias, como o realizado nesta pesquisa, é possível obter informações que orientem o planejamento da paisagem, identificando áreas prioritárias para conservação e usos diversos. Foi necessário considerar os diferentes elementos e processos que dominam os geossistemas, os quais são intensamente transformados pelos diferentes tipos de uso e ocupação da terra na bacia do rio Paquequer. O relevo foi reconhecido como o fator mais crucial na definição dos geossistemas da bacia hidrográfica do rio Paquequer, porque influencia como os fluxos de matéria e a energia transitam pela paisagem, afetando as características do solo, da vegetação, da hidrologia, da erosão e ocupação humana. Tal influência fica ainda mais realçada em contextos geomorfológicos tectônicos e com forte controle estrutural. Observa-se ainda que as ferramentas teórico-metodológicas adotadas no presente trabalho foram adequadas para atingir o objetivo geral da pesquisa. Além disso, considerando o relevo como um dos componentes mais importantes para a compreensão dos geossistemas, é fundamental estabelecer os elementos invariantes como ponto focal no estudo dos geossistemas em diferentes escalas, procurando compreender de forma cada vez mais abrangente e precisa suas relações com as variáveis de estado que influenciam nos processos que as diferentes morfologias aportam.

Agradecimentos



Referências

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