Autores
- CENIRA MARIA LUPINACCIUNESPEmail: cenira.lupinacci@unesp.br
- ESTÊVÃO BOTURA STEFANUTOUNESPEmail: estevao.stefanuto@unesp.br
Resumo
Apesar das voçorocas serem estudadas há bastante tempo e por diversas áreas de
conhecimento, gaps científicos ainda existem. Assim, o objetivo deste artigo foi
colaborar com o desenvolvimento de metodologias para o estudo de voçorocas. Para
isso, foram analisados dados de campo, obtidos a partir da quantificação da
evolução dos taludes com o uso de estacas, e dados obtidos por imagens de
altíssima resolução, produzidas com o uso de VANT. Constatou-se que as imagens
de altíssima resolução podem propiciar uma visão mais ampla da evolução dos
taludes, enquanto as estacas permitem uma medida pontual, a qual nem sempre
reflete a dinâmica da feição. Ainda, as imagens permitem avaliar feições
menores, como blocos solapados e alcovas de regressão, as quais indicam as
tendências evolutivas das formas. Contudo, os dados de campo, detalhados em
nível centimétrico, ainda permitem conhecer detalhes importantes da evolução das
voçorocas ao longo do tempo.
Palavras chaves
uso de estacas; expansão do talude; perda de material; alcovas de regressão; blocos solapados
Introdução
As voçorocas constituem-se em um fenômeno altamente complexo, devido a sua
condição multicausal e não coincidente, apresentando variações em suas dimensões
temporais e espaciais, fatores os quais exigem uma série de metodologias para
medição, monitoramento e análise (CASTILLO; GOMÉZ, 2016).
Poesen et al. (2003),ao analisarem a produção de sedimentos a partir da erosão
hídrica em diferentes partes do mundo, apontam que as voçorocas podem contribuir
com 10% a 94% do total de sedimentos (POESEN et al., 2003). Tal variabilidade é
um indicativo das respostas não lineares que um sistema em condição de
voçorocamento pode emitir.
No intuito de buscar caminhos para a análise de voçorocas, algumas pesquisas
estreitam a relação entre pecuária e fluxos superficiais (ALFONSO-TERREÑO et al.
2022). De acordo com Alfonso-Terreño et al. (2022) os altos valores do índice de
conectividade (IC) entre vertentes e voçorocas está associado diretamente aos
caminhos gerados pelo gado. Os mesmos podem ocorrer no sentido de caimento do
terreno, contribuindo para o carreamento de grandes porções de sedimentos às
voçorocas, assim como de forma paralela à feição, desviando o escoamento
superficial.
Ainda, Marchioro et al. (2016) apontam, a partir de uma análise temporal de 1970
a 2012, que a gênese de voçorocas pode ocorrer a partir da mudança no uso e
cobertura da terra, uma vez que se constatou, no respectivo estudo de caso,uma
ampliação da área de pastagem de 1970 para 2007, a qual foi acompanhada pela
expressiva expansão de umavoçoroca. Ainda, os autores indicam que o pisoteio de
gado provavelmente minimizou a infiltração e potencializou o escoamento
superficial, contribuindo para evolução da referida feição erosiva.
Já Julian e Nunes (2020) discutem o uso de veículo aéreo não tripulado (VANT) no
monitoramento de voçorocas em área de pastagem e afirmam que a metodologia se
destaca pela resolução espacial e rapidez no procedimento de monitoramento,
permitindo uma análise comparativa, garantindo inclusive a verificação da
profundidade da feição e estimativas de perda de solo. Ainda, os autores apontam
que o imageamento por VANT, pode ser associado a técnicas convencionais, como as
estacas de monitoramento, as quais podendo ser utilizadas para comparar as
distâncias medidas de forma remota em campo.
Considerando essas questões, o objetivo deste artigo foi colaborar com o
desenvolvimento de metodologias para o estudo de voçorocas. Assim, buscou-se
analisar dados de campo e dados obtidos por imagens de altíssima resolução,
produzidas com o uso de VANT, de taludes de voçorocas, a fim de avaliar as
informações passíveis de serem obtidas com essas diferentes técnicas.
A área de estudo constituiu-se em um sistema erosivo no estágio de voçorocamento
o qual se desenvolveu no entorno de um afluente do Ribeirão Boa Vista, no
município de Corumbataí (SP), o qual se posiciona no setor centro-leste do
estado de São Paulo.
Material e métodos
Os dados de campo referem-se ao monitoramento dos taludes erosivos da voçoroca,
a partir da proposta de Guerra (2002), a qual indica a mensuração da evolução de
feições erosivas a partir de estacas instaladas em seu entorno. Foram instaladas
29 estacas, em três setores localizados no médio curso do sistema erosivo, sendo
os mesmos classificados em “A, B e C” (Figura 1). Ainda, aos setores B e C foram
atribuídas as designações “inferior” e “superior”, devido a morfologia dos
taludes, levando em consideração a posição topográfica. O Setor A apresenta
talude erosivo proeminente, com desnível altimétrico de aproximadamente 14m do
topo do talude ao canal. Já os setores “B e C” apresentam talude erosivo
desdobrado em dois patamares (superior e inferior), sendo o inferior em contato
com o canal e o superior em contato com o topo do patamar inferior. Os setores
“B e C” estão em uma dinâmica espelhada, estando o B na margem esquerda do canal
e o C na margem direita.
Assim, considerando as características de cada setor monitorado e as condições
dos terrenos, variou-se o distanciamento lateral entre as estacas instaladas,
sendo de, aproximadamente, 2 m ou 3 m em relação às estacas vizinhas. Em relação
à distância da estaca ao talude erosivo, foram instaladas a 3 m do limite
superior, visando atribuir margem de segurança mediante evoluções intensas. Para
garantir um padrão de medida e reduzir as interferências, foram adicionados
pinos de forma alinhada entre a estaca e o talude erosivo, garantindo a obtenção
de uma reta e, consequentemente, um ponto de leitura padrão entre os
monitoramentos. Com o auxílio de uma régua alinhada paralelamente ao lado
esquerdo dos pinos, identificaram-se os pontos de leitura no talude erosivo,
posicionando a régua de leitura, de forma nivelada, na borda do talude. A régua
de leitura possibilitou a projeção do talude, permitindo traçar uma reta
suspensa até as estacas de monitoramento, desconsiderando possíveis
irregularidades do terreno. Destaca-se, que a cada levantamento as estacas foram
niveladas em cruz, no intuito de reduzir ruídos nas medidas. Com as estacas
niveladas, a trena a laser modelo Leica DISTOTM D5 foi posicionada sobre a
cabeça da estaca e com seu sensor de leitura no limite da face voltada para o
talude erosivo. Assim, as medidas da distância entre as estacas e os taludes
erosivos foram obtidas, obedecendo ao intervalo de 3 meses, entre agosto de 2020
a fevereiro de 2023.
Para a produção das imagens de altíssima resolução do talude erosivo da voçoroca
utilizou-se um VANT DJI MAVIC Pro com voo estacionário e posicionamento visual
ativo de +/- 0,1 m (vertical) e +/- 0,3 m (horizontal), tendo embarcado um
sensor RGB com 1/2.3” (CMOS), pixels efetivos de 12.35 M (pixels totais 12.71
M). Os planos de voo foram organizados no software DroneDeploy. Para os
imageamentos definiram-se os seguintes parâmetros: altitude fixa de 40m com
sobreposição frontal de 75% e 70% de sobreposição lateral, garantindo resolução
espacial de 1,3 cm. Os imageamentos foram realizados trimestralmente, no período
de maio de 2021 a fevereiro de 2022,conjuntamente ao monitoramento analógico.
Com as imagens levantadas em campo, os ortomosaicos foram processados a partir
do software Open Drone Map em sua versão online(WebODM), utilizando como “nó de
processamento” um servidor com configurações básicas: processador Intel(R) Core
(TM) i7-5820K, memória RAM de 64GB e GPU NVIDIA GeForce GTX 1060 6GB. No WebODM
atribui-se a função “manual” em “nó de processamento”, em “opção” selecionou-se
“high resolution” e a função “redimensionamento” foi desativada. Ainda,
desenvolveu-se o procedimento de georreferenciamento no software QGis, mantendo-
se o padrão de erro residual inferior à 2 cm por ponto.
Resultado e discussão
A área de estudo localiza-se no setor leste da Bacia Sedimentar do Paraná, na
província geomorfológica da Depressão Periférica, na Zona do Médio Tietê. Tal
zona é constituída principalmente por sedimentos, com expressivas intrusões de
rochas basálticas. A região caracteriza-se,segundo IPT (1981a), por “relevo de
morrotes”, os quais apresentam interflúvios sem orientação preferencial, topos
angulosos e achatados e vertentes ravinadas com perfis retilíneos. A drenagem
apresenta de média a alta densidade, padrão dendrítico e vales fechados (IPT,
1981a, p.58).
A área de estudo aloca-se sobre a Formação Piramboia (IG, 1984), a qual se
encontra sobreposta aos folhelhos e siltitos da Formação Corumbataí e sotoposta
aos arenitos da Formação Botucatu, com ambos os contatos discordantes (CORTÊS;
PERINOTTO, 2015). Segundo IPT (1981b), a Formação Pirambóia data do período
entre o Triássico Inferior e o Jurássico Superior, apresentando estratificação
cruzada do tipo diagonal, com sedimentos de origem fluvial relacionados a rios
meandrantes e pequenas lagoas com condição climática dominante de oxidação
(BÓSIO, 1973). Sobre tal formação, desenvolvem-se solos do tipo Argissolo
Vermelho Amarelo Distrófico, da unidade Serrinha (KOFFLER et al.,1992), os quais
apresentam mudança textural abrupta caracterizada por um horizonte B textural.
Em superfície ocorre um domínio de areia de granulometria fina (OLIVEIRA; PRADO,
1984).
Estas características físicas dos terrenos, junto ao domínio de um padrão de uso
da terra por pastagens, criaram as condições para o desenvolvimento do sistema
erosivo estudado. Assim, as imagens de altíssima resolução permitiram avaliar um
conjunto de feições detalhadas que auxilia no entendimento do setor em
voçorocamento. Blocos solapados podem ser verificados nos diferentes períodos de
imageamento, fato que atesta uma típica atuação de processo de solapamento
(Figura 2).A variação no nível freático também pode ser atestada, uma vez que o
volume de água é diferente a depender do período do ano, como pode ser
verificado na dimensão do espelho d’água do canal (Figura 2). Algumas alcovas de
regressão também são identificadas, evidenciando possíveis setores com futura
evolução (Figura 2).
Como se pode constatar durante o período imageado (Figura 2), os setores
concernentes as estacas 15B, 16B, 21C e 22C registram perda de material
significativa, a qual é ratificada pelos dados de campo. A estaca 15B registrou
um recuo de talude de 2,22m, a 16 B de 1,88m, a 21C de 1,84me a 22C de 0,93mno
período entre agosto de 2020 a fevereiro de 2023. Destaca-se, que todos os
pontos estão localizados no setor inferior, o qual está em contato com o canal
fluvial. Neste aspecto, verifica-se, principalmente na ortofoto de 05/02/2022
(Figura 2), uma variação na dimensão do espelho d’água do canal. Entende-se que
tais setores apresentam maior profundidade no leito, permitindo,
consequentemente, maior acúmulo de água. O fato do canal ser mais profundo em
áreas com a presença de espelhos d’água, pressupõe maior energia e com isso
maior disponibilidade para o destacamento de materiais do talude erosivo e
atuação de processos como o solapamento, fato que pode justificar a
significativa perda de material nos pontos de monitoramento 15B, 16B, 21C e 22C.
Em uma análise pormenorizada, priorizando os setores de monitoramento, verifica-
se que no setor A ocorre uma variação no formato do talude, tendo como destaque
o setor alinhado com a estaca de monitoramento 3A (Figura 3).O respectivo setor
do talude erosivo evidencia uma nítida evolução no decorrer do tempo registrado
pelas imagens, sendo esta ratificada pela própria variação no formato deste. No
entanto, analisando o monitoramento de campo, verifica-se que o período imageado
(de 08/05/2021 a 05/02/2022) não apresenta perda de material. Com isso, aponta-
se para uma questão interessante no ponto de vista das técnicas utilizadas, pois
o monitoramento de campo coleta a informação pontualmente, sendo que a imagem
permite o registro de um setor do talude, o qual evidencia uma compreensão mais
ampla da dinâmica erosiva.
Apesar da potencialidade dos dados das imagens de altíssima resolução, os dados
de campo permitiram avaliar alguns aspectos da dinâmica erosiva de forma
detalhada. Assim, as medidas de campo apontam perda de material, mas também
expansão dos taludes, isto é, aumento da distância entre a estaca e o talude,
sendo este um processo variável no decorrer dos trimestres, assim como em cada
ponto. A estaca 16B, apresentada na figura 2, apesar de evidenciar um recuo
total do talude de 1,88m, apresentou expansão da distância entre estaca e talude
com posterior perda de material em três monitoramentos. Após estes períodos de
expansão, os monitoramentos seguintes registraram recuos significativos, tanto
na estaca mencionada como em outras.
Compreende-se que a perda de material se constitui em uma característica
clássica dos taludes erosivos de voçorocas, na qual materiais se desprendem do
mesmo, se acumulando ou sendo transportados pelo canal. Já a dinâmica
caracterizada como expansão, pode ser atribuída a três hipóteses, construídas a
partir de observações de campo: 1) a inclinação do talude erosivo para o
interior da voçoroca, devido à formação de alcovas de regressão no sopé deste,
desencadeando pouca sustentação na parte superior. Esta hipótese justificaria a
ocorrência de períodos de expansão seguidos por recuos significativos; 2)o
aumento de volume dos solos, devido ao preenchimento dos poros por água de
infiltração ou variação no nível freático; e 3) a oscilação na vitalidade de
gramíneas instaladas no ponto de monitoramento, fruto da disponibilidade de água
no solo. Estas hipóteses ainda estão sendo estudadas, contudo os dados
preliminares apontam que estas três situações podem ocorrer no
voçorocamento analisado.
Identificação da área de estudo
Setor de monitoramento B e C inferiores com evidência para as estacas 15B, 16B, 21C e 22C. Destaque para duas imagens representativas.
Setor de monitoramento A com destaque para o ponto de monitoramento alinhado com a estaca 3A.
Considerações Finais
Constatou-se que as imagens de altíssima resolução podem propiciar uma visão mais
ampla da evolução dos taludes, enquanto as estacas permitem uma medida pontual, a
qual nem sempre reflete a dinâmica da feição. Ainda, as imagens permitem avaliar
feições menores, como blocos solapados e alcovas de regressão, as quais indicam as
tendências evolutivas das formas. Contudo, os dados de campo, detalhados em nível
centimétrico, ainda permitem conhecer detalhes importantes da evolução das
voçorocas ao longo do tempo. Assim, a complexidade envolvida nos processos de
voçorocamento necessita de estudos detalhados e com metodologias variadas a fim de
resolver os gaps científicos ainda existentes.
Agradecimentos
Referências
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