• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Comparação entre dados de campo e de imagens de altíssima resolução na avaliação da dinâmica de taludes de voçorocas

Autores

  • CENIRA MARIA LUPINACCIUNESPEmail: cenira.lupinacci@unesp.br
  • ESTÊVÃO BOTURA STEFANUTOUNESPEmail: estevao.stefanuto@unesp.br

Resumo

Apesar das voçorocas serem estudadas há bastante tempo e por diversas áreas de conhecimento, gaps científicos ainda existem. Assim, o objetivo deste artigo foi colaborar com o desenvolvimento de metodologias para o estudo de voçorocas. Para isso, foram analisados dados de campo, obtidos a partir da quantificação da evolução dos taludes com o uso de estacas, e dados obtidos por imagens de altíssima resolução, produzidas com o uso de VANT. Constatou-se que as imagens de altíssima resolução podem propiciar uma visão mais ampla da evolução dos taludes, enquanto as estacas permitem uma medida pontual, a qual nem sempre reflete a dinâmica da feição. Ainda, as imagens permitem avaliar feições menores, como blocos solapados e alcovas de regressão, as quais indicam as tendências evolutivas das formas. Contudo, os dados de campo, detalhados em nível centimétrico, ainda permitem conhecer detalhes importantes da evolução das voçorocas ao longo do tempo.

Palavras chaves

uso de estacas; expansão do talude; perda de material; alcovas de regressão; blocos solapados

Introdução

As voçorocas constituem-se em um fenômeno altamente complexo, devido a sua condição multicausal e não coincidente, apresentando variações em suas dimensões temporais e espaciais, fatores os quais exigem uma série de metodologias para medição, monitoramento e análise (CASTILLO; GOMÉZ, 2016). Poesen et al. (2003),ao analisarem a produção de sedimentos a partir da erosão hídrica em diferentes partes do mundo, apontam que as voçorocas podem contribuir com 10% a 94% do total de sedimentos (POESEN et al., 2003). Tal variabilidade é um indicativo das respostas não lineares que um sistema em condição de voçorocamento pode emitir. No intuito de buscar caminhos para a análise de voçorocas, algumas pesquisas estreitam a relação entre pecuária e fluxos superficiais (ALFONSO-TERREÑO et al. 2022). De acordo com Alfonso-Terreño et al. (2022) os altos valores do índice de conectividade (IC) entre vertentes e voçorocas está associado diretamente aos caminhos gerados pelo gado. Os mesmos podem ocorrer no sentido de caimento do terreno, contribuindo para o carreamento de grandes porções de sedimentos às voçorocas, assim como de forma paralela à feição, desviando o escoamento superficial. Ainda, Marchioro et al. (2016) apontam, a partir de uma análise temporal de 1970 a 2012, que a gênese de voçorocas pode ocorrer a partir da mudança no uso e cobertura da terra, uma vez que se constatou, no respectivo estudo de caso,uma ampliação da área de pastagem de 1970 para 2007, a qual foi acompanhada pela expressiva expansão de umavoçoroca. Ainda, os autores indicam que o pisoteio de gado provavelmente minimizou a infiltração e potencializou o escoamento superficial, contribuindo para evolução da referida feição erosiva. Já Julian e Nunes (2020) discutem o uso de veículo aéreo não tripulado (VANT) no monitoramento de voçorocas em área de pastagem e afirmam que a metodologia se destaca pela resolução espacial e rapidez no procedimento de monitoramento, permitindo uma análise comparativa, garantindo inclusive a verificação da profundidade da feição e estimativas de perda de solo. Ainda, os autores apontam que o imageamento por VANT, pode ser associado a técnicas convencionais, como as estacas de monitoramento, as quais podendo ser utilizadas para comparar as distâncias medidas de forma remota em campo. Considerando essas questões, o objetivo deste artigo foi colaborar com o desenvolvimento de metodologias para o estudo de voçorocas. Assim, buscou-se analisar dados de campo e dados obtidos por imagens de altíssima resolução, produzidas com o uso de VANT, de taludes de voçorocas, a fim de avaliar as informações passíveis de serem obtidas com essas diferentes técnicas. A área de estudo constituiu-se em um sistema erosivo no estágio de voçorocamento o qual se desenvolveu no entorno de um afluente do Ribeirão Boa Vista, no município de Corumbataí (SP), o qual se posiciona no setor centro-leste do estado de São Paulo.

Material e métodos

Os dados de campo referem-se ao monitoramento dos taludes erosivos da voçoroca, a partir da proposta de Guerra (2002), a qual indica a mensuração da evolução de feições erosivas a partir de estacas instaladas em seu entorno. Foram instaladas 29 estacas, em três setores localizados no médio curso do sistema erosivo, sendo os mesmos classificados em “A, B e C” (Figura 1). Ainda, aos setores B e C foram atribuídas as designações “inferior” e “superior”, devido a morfologia dos taludes, levando em consideração a posição topográfica. O Setor A apresenta talude erosivo proeminente, com desnível altimétrico de aproximadamente 14m do topo do talude ao canal. Já os setores “B e C” apresentam talude erosivo desdobrado em dois patamares (superior e inferior), sendo o inferior em contato com o canal e o superior em contato com o topo do patamar inferior. Os setores “B e C” estão em uma dinâmica espelhada, estando o B na margem esquerda do canal e o C na margem direita. Assim, considerando as características de cada setor monitorado e as condições dos terrenos, variou-se o distanciamento lateral entre as estacas instaladas, sendo de, aproximadamente, 2 m ou 3 m em relação às estacas vizinhas. Em relação à distância da estaca ao talude erosivo, foram instaladas a 3 m do limite superior, visando atribuir margem de segurança mediante evoluções intensas. Para garantir um padrão de medida e reduzir as interferências, foram adicionados pinos de forma alinhada entre a estaca e o talude erosivo, garantindo a obtenção de uma reta e, consequentemente, um ponto de leitura padrão entre os monitoramentos. Com o auxílio de uma régua alinhada paralelamente ao lado esquerdo dos pinos, identificaram-se os pontos de leitura no talude erosivo, posicionando a régua de leitura, de forma nivelada, na borda do talude. A régua de leitura possibilitou a projeção do talude, permitindo traçar uma reta suspensa até as estacas de monitoramento, desconsiderando possíveis irregularidades do terreno. Destaca-se, que a cada levantamento as estacas foram niveladas em cruz, no intuito de reduzir ruídos nas medidas. Com as estacas niveladas, a trena a laser modelo Leica DISTOTM D5 foi posicionada sobre a cabeça da estaca e com seu sensor de leitura no limite da face voltada para o talude erosivo. Assim, as medidas da distância entre as estacas e os taludes erosivos foram obtidas, obedecendo ao intervalo de 3 meses, entre agosto de 2020 a fevereiro de 2023. Para a produção das imagens de altíssima resolução do talude erosivo da voçoroca utilizou-se um VANT DJI MAVIC Pro com voo estacionário e posicionamento visual ativo de +/- 0,1 m (vertical) e +/- 0,3 m (horizontal), tendo embarcado um sensor RGB com 1/2.3” (CMOS), pixels efetivos de 12.35 M (pixels totais 12.71 M). Os planos de voo foram organizados no software DroneDeploy. Para os imageamentos definiram-se os seguintes parâmetros: altitude fixa de 40m com sobreposição frontal de 75% e 70% de sobreposição lateral, garantindo resolução espacial de 1,3 cm. Os imageamentos foram realizados trimestralmente, no período de maio de 2021 a fevereiro de 2022,conjuntamente ao monitoramento analógico. Com as imagens levantadas em campo, os ortomosaicos foram processados a partir do software Open Drone Map em sua versão online(WebODM), utilizando como “nó de processamento” um servidor com configurações básicas: processador Intel(R) Core (TM) i7-5820K, memória RAM de 64GB e GPU NVIDIA GeForce GTX 1060 6GB. No WebODM atribui-se a função “manual” em “nó de processamento”, em “opção” selecionou-se “high resolution” e a função “redimensionamento” foi desativada. Ainda, desenvolveu-se o procedimento de georreferenciamento no software QGis, mantendo- se o padrão de erro residual inferior à 2 cm por ponto.

Resultado e discussão

A área de estudo localiza-se no setor leste da Bacia Sedimentar do Paraná, na província geomorfológica da Depressão Periférica, na Zona do Médio Tietê. Tal zona é constituída principalmente por sedimentos, com expressivas intrusões de rochas basálticas. A região caracteriza-se,segundo IPT (1981a), por “relevo de morrotes”, os quais apresentam interflúvios sem orientação preferencial, topos angulosos e achatados e vertentes ravinadas com perfis retilíneos. A drenagem apresenta de média a alta densidade, padrão dendrítico e vales fechados (IPT, 1981a, p.58). A área de estudo aloca-se sobre a Formação Piramboia (IG, 1984), a qual se encontra sobreposta aos folhelhos e siltitos da Formação Corumbataí e sotoposta aos arenitos da Formação Botucatu, com ambos os contatos discordantes (CORTÊS; PERINOTTO, 2015). Segundo IPT (1981b), a Formação Pirambóia data do período entre o Triássico Inferior e o Jurássico Superior, apresentando estratificação cruzada do tipo diagonal, com sedimentos de origem fluvial relacionados a rios meandrantes e pequenas lagoas com condição climática dominante de oxidação (BÓSIO, 1973). Sobre tal formação, desenvolvem-se solos do tipo Argissolo Vermelho Amarelo Distrófico, da unidade Serrinha (KOFFLER et al.,1992), os quais apresentam mudança textural abrupta caracterizada por um horizonte B textural. Em superfície ocorre um domínio de areia de granulometria fina (OLIVEIRA; PRADO, 1984). Estas características físicas dos terrenos, junto ao domínio de um padrão de uso da terra por pastagens, criaram as condições para o desenvolvimento do sistema erosivo estudado. Assim, as imagens de altíssima resolução permitiram avaliar um conjunto de feições detalhadas que auxilia no entendimento do setor em voçorocamento. Blocos solapados podem ser verificados nos diferentes períodos de imageamento, fato que atesta uma típica atuação de processo de solapamento (Figura 2).A variação no nível freático também pode ser atestada, uma vez que o volume de água é diferente a depender do período do ano, como pode ser verificado na dimensão do espelho d’água do canal (Figura 2). Algumas alcovas de regressão também são identificadas, evidenciando possíveis setores com futura evolução (Figura 2). Como se pode constatar durante o período imageado (Figura 2), os setores concernentes as estacas 15B, 16B, 21C e 22C registram perda de material significativa, a qual é ratificada pelos dados de campo. A estaca 15B registrou um recuo de talude de 2,22m, a 16 B de 1,88m, a 21C de 1,84me a 22C de 0,93mno período entre agosto de 2020 a fevereiro de 2023. Destaca-se, que todos os pontos estão localizados no setor inferior, o qual está em contato com o canal fluvial. Neste aspecto, verifica-se, principalmente na ortofoto de 05/02/2022 (Figura 2), uma variação na dimensão do espelho d’água do canal. Entende-se que tais setores apresentam maior profundidade no leito, permitindo, consequentemente, maior acúmulo de água. O fato do canal ser mais profundo em áreas com a presença de espelhos d’água, pressupõe maior energia e com isso maior disponibilidade para o destacamento de materiais do talude erosivo e atuação de processos como o solapamento, fato que pode justificar a significativa perda de material nos pontos de monitoramento 15B, 16B, 21C e 22C. Em uma análise pormenorizada, priorizando os setores de monitoramento, verifica- se que no setor A ocorre uma variação no formato do talude, tendo como destaque o setor alinhado com a estaca de monitoramento 3A (Figura 3).O respectivo setor do talude erosivo evidencia uma nítida evolução no decorrer do tempo registrado pelas imagens, sendo esta ratificada pela própria variação no formato deste. No entanto, analisando o monitoramento de campo, verifica-se que o período imageado (de 08/05/2021 a 05/02/2022) não apresenta perda de material. Com isso, aponta- se para uma questão interessante no ponto de vista das técnicas utilizadas, pois o monitoramento de campo coleta a informação pontualmente, sendo que a imagem permite o registro de um setor do talude, o qual evidencia uma compreensão mais ampla da dinâmica erosiva. Apesar da potencialidade dos dados das imagens de altíssima resolução, os dados de campo permitiram avaliar alguns aspectos da dinâmica erosiva de forma detalhada. Assim, as medidas de campo apontam perda de material, mas também expansão dos taludes, isto é, aumento da distância entre a estaca e o talude, sendo este um processo variável no decorrer dos trimestres, assim como em cada ponto. A estaca 16B, apresentada na figura 2, apesar de evidenciar um recuo total do talude de 1,88m, apresentou expansão da distância entre estaca e talude com posterior perda de material em três monitoramentos. Após estes períodos de expansão, os monitoramentos seguintes registraram recuos significativos, tanto na estaca mencionada como em outras. Compreende-se que a perda de material se constitui em uma característica clássica dos taludes erosivos de voçorocas, na qual materiais se desprendem do mesmo, se acumulando ou sendo transportados pelo canal. Já a dinâmica caracterizada como expansão, pode ser atribuída a três hipóteses, construídas a partir de observações de campo: 1) a inclinação do talude erosivo para o interior da voçoroca, devido à formação de alcovas de regressão no sopé deste, desencadeando pouca sustentação na parte superior. Esta hipótese justificaria a ocorrência de períodos de expansão seguidos por recuos significativos; 2)o aumento de volume dos solos, devido ao preenchimento dos poros por água de infiltração ou variação no nível freático; e 3) a oscilação na vitalidade de gramíneas instaladas no ponto de monitoramento, fruto da disponibilidade de água no solo. Estas hipóteses ainda estão sendo estudadas, contudo os dados preliminares apontam que estas três situações podem ocorrer no voçorocamento analisado.

Figura 1

Identificação da área de estudo

Figura 2

Setor de monitoramento B e C inferiores com evidência para as estacas 15B, 16B, 21C e 22C. Destaque para duas imagens representativas.

Figura 3

Setor de monitoramento A com destaque para o ponto de monitoramento alinhado com a estaca 3A.

Considerações Finais

Constatou-se que as imagens de altíssima resolução podem propiciar uma visão mais ampla da evolução dos taludes, enquanto as estacas permitem uma medida pontual, a qual nem sempre reflete a dinâmica da feição. Ainda, as imagens permitem avaliar feições menores, como blocos solapados e alcovas de regressão, as quais indicam as tendências evolutivas das formas. Contudo, os dados de campo, detalhados em nível centimétrico, ainda permitem conhecer detalhes importantes da evolução das voçorocas ao longo do tempo. Assim, a complexidade envolvida nos processos de voçorocamento necessita de estudos detalhados e com metodologias variadas a fim de resolver os gaps científicos ainda existentes.

Agradecimentos



Referências

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