Autores
- EVELYN DE CASTRO PORTO COSTAUFFEmail: evelyncosta@id.uff.br
- MIKAELLA PEREIRA DOS SANTOSUFFEmail: mikaellasantos@id.uff.br
- PAULA MARIA MOURA DE ALMEIDAUFFEmail: paulamoura@id.uff.br
- RAUL SANCHEZ VICENSUFFEmail: rsvicens@id.uff.br
Resumo
O artigo tem o objetivo de contribuir metodologicamente para o mapeamento de
wetlands, ambientes que demandam critérios específicos para seu mapeamento,
devido a sua sazonalidade. O estudo se concentra na identificação desses objetos
em um recorte no estado do Rio de Janeiro, utilizando técnicas de sensoriamento
remoto multitemporal em imagens de sensores óticos (Landsat 8) e imagens de
radar (Sentinel 1). O algoritmo Random Forest de aprendizado de máquina foi
utilizado, na plataforma GEE, para a classificação desses ambientes. Para isso,
foram utilizadas séries temporais mensais de imagens de radar e do índice NDWI,
do ano de 2020, sendo possível testar suas potencialidades na identificação
desses objetos. Como resultados obteve-se a classificação dos wetlands,
considerando o período de inundação no ciclo anual. A validação, através do
índice kappa da classificação de wetlands permanentes foi de 0,82 e de wetlands
temporários foi de 0,76.
Palavras chaves
Série temporal; Aprendizado de Máquina; NDWI; Wetlands ; Radar
Introdução
Estudos que se propõem a identificar, compreender e analisar as questões
ambientais são relevantes no cenário de crise ambiental global. Tais abordagens
dão suporte no entendimento de dinâmicas, no diagnóstico de problemas, assim
como são ferramentas para gerenciá-los. Nesse contexto, o sensoriamento remoto e
seus aportes metodológicos são ferramentas muito importantes, a prospecção da
metodologia mais apropriada a ser usada, considerando as especificidades de cada
objeto de pesquisa ou problema científico, pode otimizar o tempo de pesquisa,
assim como a qualidade dos resultados a serem gerados. A água cobre cerca de 74%
da superfície terrestre. Esse recurso natural existe em vários estados na Terra,
que incluem água doce, água salgada, água em estado gasoso, chuva, neve e gelo
(JENSEN, 2009). Apesar dos wetlands estarem presentes em diversas áreas da
superfície terrestre, esse recurso natural, muita das vezes é invisibilizado e
ignorado por parte das entidades gestoras e até mesmo pela sociedade em geral,
sendo suprimido e degradado. A Convenção de Ramsar (2013) define os wetlands
como áreas cobertas com água, sejam naturais ou artificiais, permanentes ou
temporárias, estagnadas ou em funcionamento, frescas, doce ou salgadas. No
Brasil, os wetlands são definidos como ecossistemas na interface entre ambientes
terrestres e aquáticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais,
permanente ou periodicamente inundados ou com solos encharcados, as águas podem
ser doces, salobras ou salgadas, com comunidades de plantas e animais adaptados
à sua dinâmica hídrica (BRASIL, 2015). É importante mencionar que as áreas de
wetlands não podem ser consideradas como ecossistemas estáticos, mas que estão
sempre em constante alteração, sendo a dinâmica algo inerente a essas áreas.
Dessa forma, há nos wetlands um mosaico complexo de distintos estágios de
desenvolvimento, aumentando a diversidade da paisagem e a variedade de espécies
encontradas (MOORE, 2008). Sendo assim, é extremamente relevante esforços que
deem conta de mapear esses objetos complexos, mas de extrema relevância
ecossistêmica. Como aporte metodológico para mapeamentos e diagnósticos de
variáveis na superfície terrestre, temos as imagens de radar. O radar é
considerado como uma grande ferramenta metodológica para este trabalho devido a
disponibilidade de suas séries mensais de imagens. Outra relevância metodológica
para este trabalho é a utilização do algoritmo de classificação Random Forest em
séries temporais. Esse algoritmo de classificação é um dos mais utilizados para
classificação de uso e cobertura da Terra usando dados de Sensoriamento Remoto,
possuindo maior precisão do que outros classificadores e uma otimização da
velocidade de processamento selecionando variáveis importantes (PHAN et al.
2020). Também chamamos a atenção para a utilização de uma plataforma que tem
auxiliado de maneira muito efetiva os estudos e pesquisas na área das
geotecnologias, o uso de programação para mapeamentos de sistemas terrestres, a
exemplo, a plataforma Google Earth Engine (GEE), que é baseada em nuvem para
processamento computacional de dados geoespaciais em grande escala (GOOGLE,
2022). Outra importância se deve ao uso de imagens óticas, que propiciam o uso
de índices radiométricos na identificação de wetlands, tendo em vista sua
dinâmica de alagamento. Neste trabalho foi usada uma serie temporal mensal de
imagens-índice do grau de umedecimento/alagamento da superfície: o índice de
umedecimento por diferença normalizada (NDWI pelas suas siglas em inglês),
utilizado como descritor na classificação de wetlands, buscando então avaliar o
desempenho desse índice na identificação de objetos complexos, como os wetlands.
Por fim, o objetivo deste trabalho é contribuir para o mapeamento de wetlands,
ambientes que demandam critérios específicos para seu mapeamento, devido a sua
sazonalidade.
Material e métodos
A área de estudo definida para esta pesquisa possui uma extensão de 9.917 km², e
se configura como uma área no Norte Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Ela
comporta uma abundância de wetlands, com grande diversidade ecossistêmica.A
pesquisa foi desenvolvida na plataforma do Google Earth Engine (figura 1), que
permite o acesso e processamento das imagens de satélite por meio de códigos em
linguagem de programação, tais como Javascript e Python. Cada vez mais o GEE tem
se tornado uma plataforma usual para pesquisas acadêmicas, tendo em vista o
crescimento e a influência da programação na área de geotecnologias. Na
plataforma foram então desenvolvidos dois scripts separadamente. O primeiro,
para classificar corpos d’água, sem cobertura vegetal, e o segundo, para
classificar wetlands vegetados. Em ambos os casos, as classificações foram
binárias e posteriormente combinadas no mapeamento final. Essa divisão foi
necessária devido à natureza das imagens a serem processadas e os tipos de
amostras veiculadas aos códigos. No algoritmo utilizado para a classificação da
variação sazonal da água, foram utilizadas imagens Sentinel 1B (SAR) do ano de
2020, com resolução espacial de 10 metros, imagens de órbita descendente, IW,
banda VH. Foram adotadas 4.666 amostras de todas as classes existentes na área
de estudos. Para ser possível realizar o processamento anual, foram elencados
todos os dias de cada mês do ano de 2020, sendo processadas 12 classificações
diferentes, correspondendo a uma para cada mês do ano. Como métricas da
classificação Random Forest no GEE foram utilizados a média, mediana, percentis,
desvio padrão e uma máscara de relevo, advinda do SRTM. Na classificação mensal
foi adotado um filtro espacial denominado “majority”, que utiliza de padrões de
vizinhança para evitar a presença de ruídos na classificação. No algoritmo
utilizado na classificação de wetlands vegetados foram adotadas imagens Landsat
8, sensor OLI, do ano de 2020, com resolução espacial de 30 metros. As imagens
foram pré processadas, adotando filtro de nuvens e inserindo o índice
radiométrico NDWI proposto por McFeeters (1996), que corresponde a (NIR -
G)/(NIR + G). Esse índice foi adotado como banda espectral e inserido no script.
Como métricas das imagens foram adotadas média, mediana, desvio padrão e uma
máscara de relevo, originada pelo SRTM. Como resultados, obteve-se a
classificação mensal de 2020, totalizando 12 classificações binárias de wetlands
ao longo do ano. Ambos os resultados foram inseridos no ArcGis, utilizando as
ferramentas do repositório “Data Management Tools”: Copy Raster, Tabulate Area e
Combine para processar os dados e obter valores para a representação final. A
validação do mapeamento ocorreu através de metodologia de validação
estratificada e aleatória, no software GEE. Devido a proporcionalidade de áreas
de wetlands serem menores na área de estudos, foi utilizado o desenho amostral
do AREA 2. O objetivo principal dessa metodologia de validação é estimar
precisão específica da classe. A amostragem aleatória estratificada oferece a
opção de aumentar o tamanho da amostra em classes que ocupam uma pequena
proporção da área para reduzir os erros padrão das estimativas de precisão
específicas da classe (OLOFSSON et al, 2014). Foram então selecionados 100
pontos de não wetland e 20 de wetland permanente, bem como 100 pontos de não
wetlands e 20 de wetland temporário, para realizar a validação visual no Google
Earth Engine. As validações ocorreram separadamente, para avaliar o desempenho
das duas classificações de sensores diferentes. Os resultados, que possuem
resoluções espaciais diferentes (10 metros e 30 metros), tiveram que ser
exportados na resolução de 30 metros, a fim de adequar os mapeamentos e evitar
os ruídos de escala.
Resultado e discussão
Se tratando dos resultados, é relevante dizer que pesquisas desenvolvidas nas
geotecnologias cada vez mais tem ganhado a contribuição das chamadas IA
(inteligência artificial), que tem otimizado o processamento de dados e a
geração de resultados. Isso também é tocante a utilização de machine learning,
como no caso deste trabalho, que auxiliou em um mapeamento e processamento muito
mais automatizado, permitindo com que fossem feitos mais testes de
aperfeiçoamentos, com curtos períodos, até que se chegasse a resultados mais
satisfatórios.
Há uma grande diversidade de wetlands existentes no Norte Fluminense, tais como:
costeiros, lagunares, fluviomarinhos, mangues, antrópicos, antropizados ou com
cobertura vegetal inundada. No processo de classificação foram utilizadas toda
essa diversidade amostral, que permite observar uma maior amplitude na
classificação.
A metodologia da pesquisa permitiu a identificação de wetlands no Norte
Fluminense, sendo possível caracterizá-los segundo o seu regime de inundação.
Para tanto, o resultado obtido foi processado e representado em duas classes
principais de wetlands: wetlands permanentes, que corresponde aos wetlands que
permanecem durante os 12 meses do ano inundados; e wetlands temporários,
equivalente aos wetlands que possuem cobertura de água sazonalmente, durante o
ano de 2020.
Como principal resultado deste trabalho, foi obtido um mapa da classificação de
wetlands de inundação permanentes e temporários (figura 2). O mapeamento
elaborado foi representado a partir da soma dos 12 meses do ano de 2020. Logo, a
figura representa uma síntese dos dados gerados, com o objetivo de representar o
limite espacial de maior incidência desse fenômeno para o ano de 2020, somando
assim, a área total de wetlands do recorte de estudos.
A partir do mapa é possível identificar os wetlands permanentes presentes na
área de estudos (figura 2). A delimitação desta classe está diretamente
associada ao desempenho das imagens SAR. Os wetlands temporários foram
classificados pelo desempenho das imagens SAR e das imagens ópticas, assim como
do uso de índices radiométricos, como o NDWI, que apoiou o classificador na
detecção da umidade.
Os wetlands temporários são encontrados ao redor de grandes corpos hídricos como
a Lagoa Feia e a Lagoa do Campelo, assim como em áreas próximos aos rios da
região, apontando também essa estreita relação entre as wetlands permanentes e
temporários.
Já no que tange a realização de uma análise mais quantitativa do estudo,
apresenta-se como resultado uma extensão estimada de 322 km² de wetlands
permanentes e 2.510 km² de wetlands temporários, em uma área de estudos que
corresponde a 9.917 km². Estima-se que os wetlands permanentes correspondam a
cerca de 3% da área em estudos, enquanto os wetlands temporários alcançam cerca
de 25% da área.
Em relação ao resultado da validação (figura 3) da classificação de wetlands
permanente inundados, obteve-se um valor de kappa de 0,82; Exatidão Global de
0,950; Acurácia do Produtor (Precision) 0,900; Acurácia do Usuário (Recall)
0,818; e F-score de 0,857. Já se tratando do resultado da validação da
classificação de wetlands temporariamente inundado, o valor do kappa foi de
0,76; Exatidão Global de 0,933; Acurácia do Produtor 0,800; Acurácia do Usuário
0,800; e F-score de 0,80.
É importante destacar que os erros de omissão encontrados durante a validação
estão relacionados a áreas de wetlands que foram classificadas, erroneamente,
como solo exposto, afloramento rochoso ou áreas de agricultura.
Uma análise associada ao regime de inundação dos wetlands temporários foi
realizada através dos dados espaciais gerados, conforme dados do gráfico do
mapa. Ressalta-se que os meses de maior inundação são os meses de novembro a
março, sendo estes caracterizados por obterem maiores irradiações solares e
consequentemente maiores índices pluviométricos, conforme as características
climáticas do Rio de Janeiro. Esses meses correspondem a áreas de wetlands
temporários de cerca de 20% a 25% da área de estudos.
Já nos meses de menores índices pluviométricos, encontram-se as menores
dimensões espaciais de wetlands, correspondendo a cerca de menos de 20% da área
de estudos nos períodos entre abril e outubro.
Dentre as análises espaciais que podem ser evidenciadas por esta classificação,
destaca-se a disposição espacial do fenômeno estudado, que se localiza em áreas
ao entorno de wetlands permanentes, como grandes lagoas. As suas formas
geométricas e dimensão espacial variam de acordo com o corpo hídrico associado
ao wetland temporário.
A disposição dos wetlands também está associada a geomorfologia da região
estudada, onde predominam planícies costeiras e fluviomarinhas. Conforme a
classificação aponta, os wetlands ao sul da área de estudo são caracterizados
por zonas úmidas entre feixes de cordões arenosos do Paraíba do Sul.
Há outras áreas de planície que apresentam características úmidas, tal como
áreas no entorno da Lagoa Feia, Lagoa de Cima e a Lagoa do Campelo, corpos
hídricos de maiores dimensões da área de estudos, que são caracterizadas por
este mapeamento como wetlands permanentes. Outros wetlands permanentes estão
localizados em áreas próximos a linha de costa, localizados nas áreas próximas à
UCs como Restinga de Jurubatiba e Parque Estadual da Lagoa do Açu (PELAG).
Ressalta-se que uso da máscara de relevo, originada pelo SRTM e adotada como
métrica, auxiliou na classificação dos wetlands, ajudando a minimizar os erros
de áreas úmidas que se confundiam com áreas de afloramentos rochoso, sombras e
pastagens. Ou seja, com o uso do da máscara de relevo, o classificador pode
entender a restrição dos wetlands dentro do limiar de superfícies planas.
Fluxograma metodológico das etapas das classificações
Mapa da cobertura de wetlands na área de estudo
Resultados da validação das classificações
Considerações Finais
É importante mencionar que as classificações desenvolvidas em aprendizado de
máquina foram essenciais para a realização deste estudo, pois o processamento em
nuvem otimizou as 12 classificações correspondentes aos meses do ano de 2020 e a
representação da dimensão temporal do fenômeno. O uso de radar em classificações
de wetlands permanentes, alvos complexos no sentido de sua correta identificação,
pode ser considerado como um diferencial metodológico e, a abertura de caminhos
para diversos outros testes e análises, objetivando um mapeamento cada vez mais
detalhado, dando conta de representar corretamente a cobertura desses objetos e
suas dinâmicas sob a superfície terrestre. O uso de imagens multiespectrais, como
as imagens Landsat-8, foi satisfatório para essa pesquisa, tendo em vista que
possibilitou a utilização do índice radiométrico NDWI, auxiliando na identificação
dos wetlands, que são alvos bastante complexos, tendo em vista que sua resposta
espectral muita das vezes se confunde com demais classes, como áreas agropastoris
e afloramentos rochosos. Ressalta-se que o uso de algoritmos computacionais que
adotam a inteligência artificial como método são de grande relevância para estudos
de ambientes complexos, tais como os wetlands. O uso destes recursos pelas
geotecnologias otimiza o tempo de processamento de dados para investigações no
âmbito das geociências.
Agradecimentos
Agradecemos a CAPES pelo apoio com a concessão de bolsas de estudos, e ao PROEX e
POSGEO-UFF pelo financiamento aos trabalhos de campo da pesquisa.
Referências
BRASIL. Recomendação CNZU n. º 07 de 11 de junho de 2015. Brasília, DF. 2015. GOOGLE, Google Earth Engine. 2022. JENSEN, J. R. Sensoriamento Remoto do Ambiente: uma perspectiva em recursos terrestres. Tradução José Carlos Neves Epiphanio (Cor.) et al. São José dos Campos, SP. 2ª Edição. 2009. 600p. MOORE, Peter D. Ecosystem: Wetlands. Revised Edition. New York, NY, 2008. 270p. OLOFSSON, P. et al. Good practices for estimating area and assessing accuracy of land change. Remote sensing of Environment, v. 148, p. 42-57, 2014. DOI: https://doi.org/10.1016/j.rse.2014.02.015. PHAN, T. N.; KUCH, V.; LEHNERT, L. W. Land Cover Classification using Google Earth Engine and Random Forest Classifier – The Role of Image Composition. Remote Sensing. 2020, 12, 2411; DOI:10.3390/rs12152411 SECRETARÍA DE LA CONVENCIÓN DE RAMSAR. Manual de la Convención de Ramsar: Guía a la Convención sobre los Humedales (Ramsar, Irán, 1971), 6ª Ed. edición. Secretaría de la Convención de Ramsar, Gland (Suiza), 2007. 116p.