Autores
- EDUARDO ADRIANI RAPANOSUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAEmail: aerapanos@gmail.com
- JAIRO VALDATIUNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINAEmail: jairo.valdati@udesc.br
Resumo
O GeoparkCraft apresenta a criação de um ambiente virtual no jogo Minecraft com
o objetivo de transmitir conceitos científicos e educativos sobre a paisagem e
geodiversidade no Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul. A elaboração do
ambiente virtual foi baseada em resultados de pesquisa, incluindo a
caracterização de unidades geológicas, processos geomorfológicos e cobertura
vegetal. Foram realizadas intervenções na paisagem virtual para destacar feições
importantes e facilitar a compreensão para os jogadores. Foram desenvolvidos
sete NPCs para auxiliar os jogadores a entender melhor a paisagem virtual e a
geodiversidade local. Cada NPC possui uma profissão e realiza um diálogo
diferente para transmitir informações úteis sobre a paisagem e sua formação
geológica, geomorfológica e vegetal. O GeoparkCraft apresenta uma abordagem
inovadora e interessante que pode abranger tanto a divulgação científica e
educativa como ser usado como ferramenta de ensino e turismo.
Palavras chaves
geodiversidade; minecraft; geoturismo; jogos educativos; geoprocessamento
Introdução
O Minecraft é um jogo criado pela Mojang em 2009 e comprado pela Microsoft em
2014 onde cerca de 120 milhões de jogadores acessam as suas diferentes versões
em diferentes plataformas mensalmente. Além do jogo ser multiplataforma e
possuir diferentes versões, o Minecraft tem seu sucesso atribuído ao fato de
propiciar aos jogadores experiências aos jogadores nos mais diversos ambientes
terrestres que compõe a geosfera.
O Minecraft possibilita também que sejam simuladas paisagens através do
uso de dados geoespacializados. Dessa forma, segundo Poplin et al. (2018) o
Minecraft pode se inserir dentro do conceito de Geogame uma vez que o software
pode fundamentar-se como um jogo que possibilita a representação realística de
elementos que compõe a paisagem, dessa forma associando feições reais da
paisagem espacialmente dispostas, em um ambiente virtual e interativo. Através
do Minecraft é possível integrar e representar o patrimônio paisagístico –
associação dos patrimônios cultural e histórico com o natural – através da
representação de atributos abióticos e bióticos. Por ser um jogo onde o
indivíduo tem suas necessidades vitais atreladas a paisagem (SAHING e OZGUR,
2016), o Minecraft possibilita a interação entre o jogador e a paisagem virtual.
Os jogos digitais ganham destaque na linha de aplicação voltada a
representação da paisagem e da geodiversidade uma vez que através deles é
possível integrar e abordar os diferentes valores associados ao seu uso e
contexto (SENA, 2019). Através do uso de dados geoespacializados da paisagem, é
possível então de se promover uma melhor compreensão desta através da
representação e simplificação de elementos que a compõe. Dessa forma o uso do
Minecraft se destaca na linha de aplicação dos geogames uma vez que é possível
então se representar esses atributos da geodiversidade e paisagem, comunicando
seus valores científico e educativo de forma transversal.
As justificativas para o uso do Minecraft como ferramenta de
representação da paisagem ocorrem de maneira que é verificada a possibilidade de
se representar dados geoespacializados através do software; direcionar e aplicar
os resultados de levantamentos e produções científicas na forma de produtos e
resultados que possam interagir com o público leigo; promover a compreensão e
elucidação dos atributos e feições da geodiversidade através de seus valores
científico e educativo a partir de recursos que venham a servir para o ensino e
turismo.
A pesquisa foi desenvolvida junto a porção NW do Maciço da Areia Branca,
localizada no município de Timbé do Sul em Santa Catarina. A escolha do recorte
espacial foi feita pois a área está inserida dentro do território do Geoparque
Mundial da UNESCO Caminhos dos Cânions do Sul (GCCS) onde constam dois
geossítios – Paredão da Areia Branca e Fenda da Raia – identificados, avaliados,
inventariados e quantificados pelo geoparque. O GCCS em 2022 entrou para a lista
de Geoparque Mundiais da UNESCO levando a divulgação do território a nível
internacional.
Material e métodos
Os métodos utilizados para a criação do geogame estão descritos a seguir:
a) Revisão da literatura: a revisão da literatura abrangeu temas
relacionados à geodiversidade, paisagem, patrimônio e à sua representação no
Minecraft. Foram consultadas bibliografias com os temas supracitados, com o
intuito de fornecer o arcabouço teórico para a construção da pergunta e
fundamentação deste trabalho.
b) Levantamento sistemático de dados e informações em campo: para
caracterizar a geologia, geomorfologia e cobertura vegetal da área de estudo.
Foi realizada uma etapa de campo de três dias para a coleta dessas informações
in loco. Foram amostrados 25 pontos, onde foram coletadas as seguintes
informações:
a) Coordenadas geográficas;
b) Descrições sobre o substrato litológico;
c) Informações sobre processos e formas geomorfológicas;
d) Observações sobre o porte, forma e densidade da vegetação
e) Registros fotográficos e de croquis esquemáticos.
c) Geoprocessamento e cartografia no SIG: a partir das informações
levantadas em campo, foram aplicadas técnicas de análise e estruturação de dados
no SIG, utilizando o software QGIS, para criar os mapas geológico,
geomorfológico e de cobertura vegetal da área de estudo, que serviram como base
para a construção da paisagem virtual. As etapas foram as seguintes:
a) Compilação das informações e dados coletados em campo em fichas
catalográficas e tabelas;
b) Integração das tabelas e tematização das informações conforme seus
atributos (geologia, geomorfologia e cobertura vegetal);
c) Análise integrada e desenvolvimento de técnicas de geoprocessamento com
os dados obtidos juntos com um Modelo Digital de Terreno (MDT) de 1 metro de
resolução para a produção da cartografia temática;
d) Elaboração das cartografias geológica, geomorfológica e de cobertura
vegetal em escala de 1:15.000;
e) Desenvolvimento de estilos e desenhos aplicados na tematização
cartográfica com o intuito de se elaborar a representação da diversidade
litológica, formas e processos geomorfológicos e da cobertura vegetal.
d) Modelagem da paisagem virtual: para integrar os mapas temáticos gerados
a partir do geoprocessamento com o software WorldPainter, que elabora a paisagem
virtual para o Minecraft, foram desenvolvidas as seguintes etapas:
a) Foi realizada a conversão da estrutura do raster MDT para 8-byte, com o
intuito de compatibilizar o formato do dado com a estrutura aceita pelo
software.
b) Posteriormente foram importados os mapas gerados para que fossem
inseridas as unidades geológicas e formas geomorfológicas mapeadas para a área
de estudo, com a representação destas foi feita a partir de blocos que simulam a
coesão, coloração, textura e outras características físicas que remetem às
observadas em campo;
c) A cobertura vegetal foi construída a partir de elementos nativos do
Minecraft bem como foi utilizado um repositório Custom Tree Repository by
Lentebriesje que contém outros espécimes vegetais que foram utilizados para
simular o a forma desta cobertura.
d) Ao final foram inseridos os rios e caminhos idealizados para que o
visitante virtual pudesse ter acesso às áreas de interesse do ponto de vista do
entendimento da paisagem e geodiversidade.
e) Na etapa de otimização e intervenções na paisagem virtual, o modelo
criado foi exportado em formato compatível com o Minecraft. Posteriormente,
foram realizados ajustes na topografia para que fosse garantida uma experiência
de jogo mais fluida e agradável. Além disso, foram abstraídas construções e NPCs
(Non-player Characters) para comunicar aos jogadores os valores da paisagem e da
geodiversidade presentes na área de estudo. A presença desses elementos permite
que o jogador explore e aprenda sobre a geologia, geomorfologia e cobertura
vegetal de forma lúdica e interativa, aumentando assim o seu engajamento e
interesse pelo tema.
Resultado e discussão
Os resultados que serviram de base para a elaboração do GeoparkCraft
abrangeram a caracterização de novas unidades geológicas a identificação de
formas e processos geomorfológicos e a classificação da cobertura vegetal para a
área de estudo. Além da descrição textual de cada classe e unidade
caracterizada, também se obteve três mapas com cartografia desenvolvida em
escala 1:15.000 que espacializam as informações desenvolvidas e obtidas através
da pesquisa. A síntese de resultados serviram de base para a representação da
paisagem virtual conforme elucidado na Figura 1, onde se observa a dinâmica e
interação entre as componentes abiótica e biótica da paisagem local. A descrição
detalhada das componentes geológica, geomorfológica e de cobertura vegetal
representada através de registros fotográficos, croquis esquemáticos e os mapas
gerados em escala de detalhe podem ser acessados através da publicação de
Rapanos (2023).
As informações e dados descritos anteriormente serviram como base para a
representação da paisagem no Minecraft, uma vez que o software permite a
integração de informações geoespaciais em sua estrutura. Para aprimorar a
experiência dos jogadores e transmitir conceitos científicos e educativos da
paisagem e geodiversidade, foram realizadas intervenções na paisagem virtual,
abstraindo elementos e criando construções que auxiliam na narrativa. Essas
intervenções permitiram destacar certas feições da paisagem, facilitando a
compreensão para os jogadores do GeoparkCraft.
Para representar a diversidade de ocorrências das unidades geológicas,
formas e processos geomorfológicos e da cobertura vegetal, foi levado em
consideração suas características texturais, de aparência e espacialização.
Dessa forma, foi possível compor a diversidade abiótica através de blocos
específicos disponíveis no Minecraft.
A integração das componentes abiótica e biótica com as intervenções
feitas na paisagem foi possível de representear as unidades geológicas,
geomorfológicas e as classes vegetais através de caminhos e estruturas que
permitem a orientação, observação e compreensão da paisagem conforme observado
na Figura 2.
Foram desenvolvidos sete NPCs para o GeoparkCraft, cada um com uma função
específica para ajudar os jogadores a entender melhor a paisagem virtual e a
geodiversidade local. Esses personagens foram posicionados em pontos
estratégicos da paisagem, conhecidos como waypoints, e podem ser facilmente
localizados no mapa ou no minimapa.
Cada NPC possui uma profissão e realiza um diálogo diferente, que se
inicia quando o jogador se aproxima e interage com ele. Os diálogos foram
elaborados de forma clara e objetiva, com o intuito de transmitir informações
úteis sobre a paisagem e sua formação geológica, geomorfológica e vegetal. Os
personagens também fornecem dicas sobre como se locomover na paisagem virtual.
Abaixo a lista de NPCs (Figura 3) criados para o GeoparkCraft
acompanhado de o tema de seus diálogos: a) Carolina – Geomorfóloga: a NPC
Carolina foi atribuída a profissão de Geomorfóloga devido a importância dessas
profissionais no estudo das paisagens e sua evolução e dinâmica. A Carolina fala
justamente sobre a paisagem e sua evolução, trazendo informações sobre os
processos de escoamento de águas superficiais e gravitacionais e suas formas
associadas como os leques e as rampas. Também aborda o assunto do risco inerente
ao visitar o geossítio devido à possibilidade do acontecimento de enxurradas e
movimentos gravitacionais de massa.
b) Jairo – Geógrafo: ao NPC Jairo foi atribuída a função de Geógrafo. O
Jairo fala sobre temas relacionados a paisagem estrutural, geodiversidade e
geomorfologia. Através do diálogo aborda assuntos relacionados aos
compartimentos de relevo, sua gênese e formação. c) Gislael – Gestor da área: ao
NPC Gislael foi atribuída o cargo de Gestor da Área uma vez que, ao estar
inserido em um território reconhecido pela UNESCO, a gestão dessas áreas de
forma holística e que parte da geodiversidade é uma referência. Dessa maneira, o
Gislael fala sobre como se localizar na área do GeoparkCraft através do Minimapa
localizado na porção superior direita da tela. Ele também dá dicas de
comportamento, sobre utensílios, mantimentos e ferramentas necessárias para
explorar o mapa e também dá noções sobre o que são os geoparques UNESCO.
d) Bernardo – Guia: ao Bernardo foi atribuída a função de Guia uma vez
que estes profissionais possuem a atribuição de instruir e informar os
visitantes. O NPC orienta o visitante virtual sobre os comandos utilizados para
a sua locomoção através da paisagem virtual. e) Isabella – Turismóloga: a
Isabella foi atribuída a função de Turismóloga uma vez que uma das principais
atividades econômicas desenvolvidas nos geoparques é o turismo. A NPC desenvolve
com o visitante virtual o diálogo relacionado com o relevo ruiniforme. Ela traz
informações que contam a história sobre a origem e formação dessas feições que
compõe a geodiversidade e a paisagem.
f) Ângela – Historiadora: a NPC Ângela foi atribuída a função de
Historiadoria devido a importância do aspecto cultural e de uso e ocupação do
solo para a área de estudo nas últimas décadas. A Ângela realiza o diálogo sobre
temas relacionados ao relevo antrópico originada a partir da desativação de uma
mineração. Ela conta a história sobre o motivo da existir uma mineração ali,
fornecendo informações sobre a finalidade da extração do material e dando noções
sobre o tempo geológico e a paisagem antrópica. g) Eduardo – Geólogo: ao NPC
Eduardo foi atribuída o cargo de Geólogo uma vez que estes profissionais são
responsáveis pela caracterização e descrição de rochas e sua contextualização
dentro do tempo geológico. O NPC dialoga sobre os conceitos de geossítio e
geodiversidade e sobre a origem e formação das rochas, trazendo a noção de
geopatrimônio de relevância internacional.
Esses resultados são importantes para a compreensão da geodiversidade da
área de estudo, uma vez que permitem identificar e mapear as diferentes unidades
e características geológicas, geomorfológicas e vegetacionais presentes na
paisagem. Isso pode ser utilizado para a elaboração de estratégias de
conservação e gestão ambiental, além de servir como base para futuros estudos na
área.
A representação dessas informações na paisagem virtual por meio do
geogame também permite a divulgação e comunicação dos valores científicos e
educativos da área para um público mais amplo, incluindo estudantes e outros
interessados em geociências e conservação ambiental. A criação de NPCs e outras
intervenções na paisagem virtual também possibilita a exploração e aprendizagem
interativa por meio do jogo, o que pode contribuir para uma maior compreensão e
engajamento do público em relação à conservação e proteção da área de estudo.
a) mapa geomofológico de detalhe; b) mapa geológico de detalhe; c) mapa de cobertura vegetal; d) mapa da paisagem virtual do GeoparkCraft.
Paisagem no GeoparkCraft :a,b) contexto geomorfológico; c,d) diversidade litológica; e,f) diversidade da vegetação; g, h) estruturas criadas
Representação dos Non-Player Characters para o GeoparkCraft. a) Carolina; b) Jairo; c) Gislael; d) Bernardo; e) Isabella; f) Ângela; g) Eduardo.
Considerações Finais
Pode-se destacar a importância da utilização de ferramentas tecnológicas para a
representação de paisagens em um ambiente virtual, como é o caso do Minecraft. A
criação do GeoparkCraft, permitiu a integração de informações geoespaciais, a
abstração de elementos e a criação de construções que auxiliaram na narrativa,
favorecendo a compreensão dos jogadores sobre as características da paisagem e sua
formação geológica.
Além disso, a utilização de personagens não-jogáveis (NPCs) para fornecer
informações sobre a paisagem e sua geodiversidade foi uma estratégia interessante
para tornar a experiência dos jogadores mais educativa. Os diálogos elaborados
para cada NPC, com informações claras e objetivas, foram fundamentais para
transmitir conceitos científicos e educativos sobre a área de estudo. Dessa forma
o GeoparkCraft pode ser usado como uma ferramenta auxiliar no ensino ou então para
substituir visitas de campo em condições de tempo desfaforável.
Por fim, pode-se destacar a relevância da criação de um trabalho
científico que apresente a descrição detalhada das características da paisagem,
bem como dos processos de sua formação geológica, geomorfológica e vegetal em um
contexto de um Geoparque reconhecido pela UNESCO. A disponibilização dessas
informações pode contribuir para o conhecimento e a preservação dessas áreas, além
de ser uma fonte importante de pesquisa para a comunidade científica.
Agradecimentos
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC e ao programa de bolsas
universitárias UNIEDU/FUMDES - SC. Agradeço ao Grupo de Pesquisa Biogeo pelo apoio
e discussões e ao Geoparque pela parceria e apoio no campo.
Referências
POPLIN, A. et al. Serious GeoGames for civic engagement in urban planning: discussion based on four game prototypes. In: ROUTLEDGE RESEARCH IN PLANNING AND URBAN DESIGN (ed). The Virtual and the Real in Planning and Urban Design: Perspectives, Practices and Applications. London: Routledge, 2018. p. 189-212.
RAPANOS, Eduardo Adriani. A representação da paisagem no Minecraft: jogo digital na promoção de um geoparque mundial da unesco no brasil. 2023. 138 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Geografia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2023.
SAHIN, Emine Çoban; OZGUR, Duygu. Landscape Awareness of Childhood in Computer Games: in the case of "minecraft". Journal Of Digital Landscape Architecture. Berlin, p. 316-326. jan. 2016.
SENA, Ítalo Sousa de. Visualização e valorização da paisagem a partir de geogame. 2019. 234 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.