• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

GeoparkCraft: a criação de um geogame como ferramenta de representação da paisagem e geocomunicação em um Geoparque UNESCO no Brasil.

Autores

  • EDUARDO ADRIANI RAPANOSUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAEmail: aerapanos@gmail.com
  • JAIRO VALDATIUNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINAEmail: jairo.valdati@udesc.br

Resumo

O GeoparkCraft apresenta a criação de um ambiente virtual no jogo Minecraft com o objetivo de transmitir conceitos científicos e educativos sobre a paisagem e geodiversidade no Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul. A elaboração do ambiente virtual foi baseada em resultados de pesquisa, incluindo a caracterização de unidades geológicas, processos geomorfológicos e cobertura vegetal. Foram realizadas intervenções na paisagem virtual para destacar feições importantes e facilitar a compreensão para os jogadores. Foram desenvolvidos sete NPCs para auxiliar os jogadores a entender melhor a paisagem virtual e a geodiversidade local. Cada NPC possui uma profissão e realiza um diálogo diferente para transmitir informações úteis sobre a paisagem e sua formação geológica, geomorfológica e vegetal. O GeoparkCraft apresenta uma abordagem inovadora e interessante que pode abranger tanto a divulgação científica e educativa como ser usado como ferramenta de ensino e turismo.

Palavras chaves

geodiversidade; minecraft; geoturismo; jogos educativos; geoprocessamento

Introdução

O Minecraft é um jogo criado pela Mojang em 2009 e comprado pela Microsoft em 2014 onde cerca de 120 milhões de jogadores acessam as suas diferentes versões em diferentes plataformas mensalmente. Além do jogo ser multiplataforma e possuir diferentes versões, o Minecraft tem seu sucesso atribuído ao fato de propiciar aos jogadores experiências aos jogadores nos mais diversos ambientes terrestres que compõe a geosfera. O Minecraft possibilita também que sejam simuladas paisagens através do uso de dados geoespacializados. Dessa forma, segundo Poplin et al. (2018) o Minecraft pode se inserir dentro do conceito de Geogame uma vez que o software pode fundamentar-se como um jogo que possibilita a representação realística de elementos que compõe a paisagem, dessa forma associando feições reais da paisagem espacialmente dispostas, em um ambiente virtual e interativo. Através do Minecraft é possível integrar e representar o patrimônio paisagístico – associação dos patrimônios cultural e histórico com o natural – através da representação de atributos abióticos e bióticos. Por ser um jogo onde o indivíduo tem suas necessidades vitais atreladas a paisagem (SAHING e OZGUR, 2016), o Minecraft possibilita a interação entre o jogador e a paisagem virtual. Os jogos digitais ganham destaque na linha de aplicação voltada a representação da paisagem e da geodiversidade uma vez que através deles é possível integrar e abordar os diferentes valores associados ao seu uso e contexto (SENA, 2019). Através do uso de dados geoespacializados da paisagem, é possível então de se promover uma melhor compreensão desta através da representação e simplificação de elementos que a compõe. Dessa forma o uso do Minecraft se destaca na linha de aplicação dos geogames uma vez que é possível então se representar esses atributos da geodiversidade e paisagem, comunicando seus valores científico e educativo de forma transversal. As justificativas para o uso do Minecraft como ferramenta de representação da paisagem ocorrem de maneira que é verificada a possibilidade de se representar dados geoespacializados através do software; direcionar e aplicar os resultados de levantamentos e produções científicas na forma de produtos e resultados que possam interagir com o público leigo; promover a compreensão e elucidação dos atributos e feições da geodiversidade através de seus valores científico e educativo a partir de recursos que venham a servir para o ensino e turismo. A pesquisa foi desenvolvida junto a porção NW do Maciço da Areia Branca, localizada no município de Timbé do Sul em Santa Catarina. A escolha do recorte espacial foi feita pois a área está inserida dentro do território do Geoparque Mundial da UNESCO Caminhos dos Cânions do Sul (GCCS) onde constam dois geossítios – Paredão da Areia Branca e Fenda da Raia – identificados, avaliados, inventariados e quantificados pelo geoparque. O GCCS em 2022 entrou para a lista de Geoparque Mundiais da UNESCO levando a divulgação do território a nível internacional.

Material e métodos

Os métodos utilizados para a criação do geogame estão descritos a seguir: a) Revisão da literatura: a revisão da literatura abrangeu temas relacionados à geodiversidade, paisagem, patrimônio e à sua representação no Minecraft. Foram consultadas bibliografias com os temas supracitados, com o intuito de fornecer o arcabouço teórico para a construção da pergunta e fundamentação deste trabalho. b) Levantamento sistemático de dados e informações em campo: para caracterizar a geologia, geomorfologia e cobertura vegetal da área de estudo. Foi realizada uma etapa de campo de três dias para a coleta dessas informações in loco. Foram amostrados 25 pontos, onde foram coletadas as seguintes informações: a) Coordenadas geográficas; b) Descrições sobre o substrato litológico; c) Informações sobre processos e formas geomorfológicas; d) Observações sobre o porte, forma e densidade da vegetação e) Registros fotográficos e de croquis esquemáticos. c) Geoprocessamento e cartografia no SIG: a partir das informações levantadas em campo, foram aplicadas técnicas de análise e estruturação de dados no SIG, utilizando o software QGIS, para criar os mapas geológico, geomorfológico e de cobertura vegetal da área de estudo, que serviram como base para a construção da paisagem virtual. As etapas foram as seguintes: a) Compilação das informações e dados coletados em campo em fichas catalográficas e tabelas; b) Integração das tabelas e tematização das informações conforme seus atributos (geologia, geomorfologia e cobertura vegetal); c) Análise integrada e desenvolvimento de técnicas de geoprocessamento com os dados obtidos juntos com um Modelo Digital de Terreno (MDT) de 1 metro de resolução para a produção da cartografia temática; d) Elaboração das cartografias geológica, geomorfológica e de cobertura vegetal em escala de 1:15.000; e) Desenvolvimento de estilos e desenhos aplicados na tematização cartográfica com o intuito de se elaborar a representação da diversidade litológica, formas e processos geomorfológicos e da cobertura vegetal. d) Modelagem da paisagem virtual: para integrar os mapas temáticos gerados a partir do geoprocessamento com o software WorldPainter, que elabora a paisagem virtual para o Minecraft, foram desenvolvidas as seguintes etapas: a) Foi realizada a conversão da estrutura do raster MDT para 8-byte, com o intuito de compatibilizar o formato do dado com a estrutura aceita pelo software. b) Posteriormente foram importados os mapas gerados para que fossem inseridas as unidades geológicas e formas geomorfológicas mapeadas para a área de estudo, com a representação destas foi feita a partir de blocos que simulam a coesão, coloração, textura e outras características físicas que remetem às observadas em campo; c) A cobertura vegetal foi construída a partir de elementos nativos do Minecraft bem como foi utilizado um repositório Custom Tree Repository by Lentebriesje que contém outros espécimes vegetais que foram utilizados para simular o a forma desta cobertura. d) Ao final foram inseridos os rios e caminhos idealizados para que o visitante virtual pudesse ter acesso às áreas de interesse do ponto de vista do entendimento da paisagem e geodiversidade. e) Na etapa de otimização e intervenções na paisagem virtual, o modelo criado foi exportado em formato compatível com o Minecraft. Posteriormente, foram realizados ajustes na topografia para que fosse garantida uma experiência de jogo mais fluida e agradável. Além disso, foram abstraídas construções e NPCs (Non-player Characters) para comunicar aos jogadores os valores da paisagem e da geodiversidade presentes na área de estudo. A presença desses elementos permite que o jogador explore e aprenda sobre a geologia, geomorfologia e cobertura vegetal de forma lúdica e interativa, aumentando assim o seu engajamento e interesse pelo tema.

Resultado e discussão

Os resultados que serviram de base para a elaboração do GeoparkCraft abrangeram a caracterização de novas unidades geológicas a identificação de formas e processos geomorfológicos e a classificação da cobertura vegetal para a área de estudo. Além da descrição textual de cada classe e unidade caracterizada, também se obteve três mapas com cartografia desenvolvida em escala 1:15.000 que espacializam as informações desenvolvidas e obtidas através da pesquisa. A síntese de resultados serviram de base para a representação da paisagem virtual conforme elucidado na Figura 1, onde se observa a dinâmica e interação entre as componentes abiótica e biótica da paisagem local. A descrição detalhada das componentes geológica, geomorfológica e de cobertura vegetal representada através de registros fotográficos, croquis esquemáticos e os mapas gerados em escala de detalhe podem ser acessados através da publicação de Rapanos (2023). As informações e dados descritos anteriormente serviram como base para a representação da paisagem no Minecraft, uma vez que o software permite a integração de informações geoespaciais em sua estrutura. Para aprimorar a experiência dos jogadores e transmitir conceitos científicos e educativos da paisagem e geodiversidade, foram realizadas intervenções na paisagem virtual, abstraindo elementos e criando construções que auxiliam na narrativa. Essas intervenções permitiram destacar certas feições da paisagem, facilitando a compreensão para os jogadores do GeoparkCraft. Para representar a diversidade de ocorrências das unidades geológicas, formas e processos geomorfológicos e da cobertura vegetal, foi levado em consideração suas características texturais, de aparência e espacialização. Dessa forma, foi possível compor a diversidade abiótica através de blocos específicos disponíveis no Minecraft. A integração das componentes abiótica e biótica com as intervenções feitas na paisagem foi possível de representear as unidades geológicas, geomorfológicas e as classes vegetais através de caminhos e estruturas que permitem a orientação, observação e compreensão da paisagem conforme observado na Figura 2. Foram desenvolvidos sete NPCs para o GeoparkCraft, cada um com uma função específica para ajudar os jogadores a entender melhor a paisagem virtual e a geodiversidade local. Esses personagens foram posicionados em pontos estratégicos da paisagem, conhecidos como waypoints, e podem ser facilmente localizados no mapa ou no minimapa. Cada NPC possui uma profissão e realiza um diálogo diferente, que se inicia quando o jogador se aproxima e interage com ele. Os diálogos foram elaborados de forma clara e objetiva, com o intuito de transmitir informações úteis sobre a paisagem e sua formação geológica, geomorfológica e vegetal. Os personagens também fornecem dicas sobre como se locomover na paisagem virtual. Abaixo a lista de NPCs (Figura 3) criados para o GeoparkCraft acompanhado de o tema de seus diálogos: a) Carolina – Geomorfóloga: a NPC Carolina foi atribuída a profissão de Geomorfóloga devido a importância dessas profissionais no estudo das paisagens e sua evolução e dinâmica. A Carolina fala justamente sobre a paisagem e sua evolução, trazendo informações sobre os processos de escoamento de águas superficiais e gravitacionais e suas formas associadas como os leques e as rampas. Também aborda o assunto do risco inerente ao visitar o geossítio devido à possibilidade do acontecimento de enxurradas e movimentos gravitacionais de massa. b) Jairo – Geógrafo: ao NPC Jairo foi atribuída a função de Geógrafo. O Jairo fala sobre temas relacionados a paisagem estrutural, geodiversidade e geomorfologia. Através do diálogo aborda assuntos relacionados aos compartimentos de relevo, sua gênese e formação. c) Gislael – Gestor da área: ao NPC Gislael foi atribuída o cargo de Gestor da Área uma vez que, ao estar inserido em um território reconhecido pela UNESCO, a gestão dessas áreas de forma holística e que parte da geodiversidade é uma referência. Dessa maneira, o Gislael fala sobre como se localizar na área do GeoparkCraft através do Minimapa localizado na porção superior direita da tela. Ele também dá dicas de comportamento, sobre utensílios, mantimentos e ferramentas necessárias para explorar o mapa e também dá noções sobre o que são os geoparques UNESCO. d) Bernardo – Guia: ao Bernardo foi atribuída a função de Guia uma vez que estes profissionais possuem a atribuição de instruir e informar os visitantes. O NPC orienta o visitante virtual sobre os comandos utilizados para a sua locomoção através da paisagem virtual. e) Isabella – Turismóloga: a Isabella foi atribuída a função de Turismóloga uma vez que uma das principais atividades econômicas desenvolvidas nos geoparques é o turismo. A NPC desenvolve com o visitante virtual o diálogo relacionado com o relevo ruiniforme. Ela traz informações que contam a história sobre a origem e formação dessas feições que compõe a geodiversidade e a paisagem. f) Ângela – Historiadora: a NPC Ângela foi atribuída a função de Historiadoria devido a importância do aspecto cultural e de uso e ocupação do solo para a área de estudo nas últimas décadas. A Ângela realiza o diálogo sobre temas relacionados ao relevo antrópico originada a partir da desativação de uma mineração. Ela conta a história sobre o motivo da existir uma mineração ali, fornecendo informações sobre a finalidade da extração do material e dando noções sobre o tempo geológico e a paisagem antrópica. g) Eduardo – Geólogo: ao NPC Eduardo foi atribuída o cargo de Geólogo uma vez que estes profissionais são responsáveis pela caracterização e descrição de rochas e sua contextualização dentro do tempo geológico. O NPC dialoga sobre os conceitos de geossítio e geodiversidade e sobre a origem e formação das rochas, trazendo a noção de geopatrimônio de relevância internacional. Esses resultados são importantes para a compreensão da geodiversidade da área de estudo, uma vez que permitem identificar e mapear as diferentes unidades e características geológicas, geomorfológicas e vegetacionais presentes na paisagem. Isso pode ser utilizado para a elaboração de estratégias de conservação e gestão ambiental, além de servir como base para futuros estudos na área. A representação dessas informações na paisagem virtual por meio do geogame também permite a divulgação e comunicação dos valores científicos e educativos da área para um público mais amplo, incluindo estudantes e outros interessados em geociências e conservação ambiental. A criação de NPCs e outras intervenções na paisagem virtual também possibilita a exploração e aprendizagem interativa por meio do jogo, o que pode contribuir para uma maior compreensão e engajamento do público em relação à conservação e proteção da área de estudo.

Figura 1

a) mapa geomofológico de detalhe; b) mapa geológico de detalhe; c) mapa de cobertura vegetal; d) mapa da paisagem virtual do GeoparkCraft.

Figura 2

Paisagem no GeoparkCraft :a,b) contexto geomorfológico; c,d) diversidade litológica; e,f) diversidade da vegetação; g, h) estruturas criadas

Figura 3

Representação dos Non-Player Characters para o GeoparkCraft. a) Carolina; b) Jairo; c) Gislael; d) Bernardo; e) Isabella; f) Ângela; g) Eduardo.

Considerações Finais

Pode-se destacar a importância da utilização de ferramentas tecnológicas para a representação de paisagens em um ambiente virtual, como é o caso do Minecraft. A criação do GeoparkCraft, permitiu a integração de informações geoespaciais, a abstração de elementos e a criação de construções que auxiliaram na narrativa, favorecendo a compreensão dos jogadores sobre as características da paisagem e sua formação geológica. Além disso, a utilização de personagens não-jogáveis (NPCs) para fornecer informações sobre a paisagem e sua geodiversidade foi uma estratégia interessante para tornar a experiência dos jogadores mais educativa. Os diálogos elaborados para cada NPC, com informações claras e objetivas, foram fundamentais para transmitir conceitos científicos e educativos sobre a área de estudo. Dessa forma o GeoparkCraft pode ser usado como uma ferramenta auxiliar no ensino ou então para substituir visitas de campo em condições de tempo desfaforável. Por fim, pode-se destacar a relevância da criação de um trabalho científico que apresente a descrição detalhada das características da paisagem, bem como dos processos de sua formação geológica, geomorfológica e vegetal em um contexto de um Geoparque reconhecido pela UNESCO. A disponibilização dessas informações pode contribuir para o conhecimento e a preservação dessas áreas, além de ser uma fonte importante de pesquisa para a comunidade científica.

Agradecimentos

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC e ao programa de bolsas universitárias UNIEDU/FUMDES - SC. Agradeço ao Grupo de Pesquisa Biogeo pelo apoio e discussões e ao Geoparque pela parceria e apoio no campo.

Referências

POPLIN, A. et al. Serious GeoGames for civic engagement in urban planning: discussion based on four game prototypes. In: ROUTLEDGE RESEARCH IN PLANNING AND URBAN DESIGN (ed). The Virtual and the Real in Planning and Urban Design: Perspectives, Practices and Applications. London: Routledge, 2018. p. 189-212.

RAPANOS, Eduardo Adriani. A representação da paisagem no Minecraft: jogo digital na promoção de um geoparque mundial da unesco no brasil. 2023. 138 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Geografia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2023.

SAHIN, Emine Çoban; OZGUR, Duygu. Landscape Awareness of Childhood in Computer Games: in the case of "minecraft". Journal Of Digital Landscape Architecture. Berlin, p. 316-326. jan. 2016.

SENA, Ítalo Sousa de. Visualização e valorização da paisagem a partir de geogame. 2019. 234 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.

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