Autores
- CAROLINE OLIVEIRA LIRAENCEEmail: carolinelira.ence@gmail.com
- ROSANGELA GARRIDO MACHADO BOTELHOIBGEEmail: rgmb2008@hotmail.com
Resumo
A pedodiversidade trata da variedade dos tipos de solos em uma determinada área,
logo, quanto maior o conhecimento dos solos de um dado espaço, maior a acurácia
nesta representação. O objetivo deste trabalho é a avaliação da pedodiversidade
e inventariação dos pedossítios do Estado Rio de Janeiro, considerando sua
representatividade. O trabalho consiste na análise dos dados de solos existentes
no Banco de Dados e Informações Ambientais (BDIA) do IBGE. No Estado, ocorrem 12
das 13 grandes classes de solo, não havendo registro da ordem dos Vertissolos.
Foram avaliados todos os 40 pontos de amostragem, sendo 29 identificados como
pedossítios representativos dos 104 tipos de solos até o quarto nível taxonômico
do SiBCS que ocorrem no Rio de Janeiro. Considerando sua área territorial, que
representa apenas 0,51% do país, o Estado pode ser considerado como tendo alta
pedodiversidade, que pode ser melhor representada em novos pedossítios a partir
de novos dados de solos.
Palavras chaves
Solos; Inventário; Pedopatrimônio; Pedodiversidade; Pedossítio
Introdução
Novas abordagens teóricas e metodológicas ligadas ao conceito de Geoconservação
têm surgido para corresponder a um novo paradigma ou corrente do pensamento
voltado para a valorização do meio natural (BAPTISTA, 2016). Dessa forma, a
Geoconservação tem como objetivo preservar a geodiversidade relacionada aos
importantes processos e feições geológicas (substrato), geomorfológicas
(paisagem) e de solos, garantindo a manutenção da história de sua evolução em
termos de velocidade e magnitude (SHARPLES, 2002 apud MANSUR, 2010). Por este
motivo, a geoconservação busca garantir o acesso da sociedade às informações que
contam a história da Terra. Seus maiores benefícios vêm com a “reserva” de áreas
naturais para o futuro, com ganhos econômicos e sociais para os lugares, a
ciência e o bem-estar das pessoas (MANSUR, 2010).
A proteção do patrimônio natural de um país é de extrema importância para que
haja equilíbrio ambiental, sobretudo com a proteção de geossítios. Para tal,
tem-se elaborado inventários a respeito do patrimônio geológico com o objetivo
de assegurar sua conservação às gerações futuras.
Nesse sentido, parte desse patrimônio refere-se aos solos e, ainda que alguns
países, como o Brasil, apresentem grande variedade pedológica, raramente
encontram-se registros de pedossítios, que precisam ser valorizados e valorados
como patrimônio natural, geológico e cultural, tendo como foco seu uso como
recurso geoeducativo para a conservação (PEREIRA et al., 2016).
O pedossítio é um tipo de geossítio onde o solo é o elemento abiótico em
destaque. Pode ser definido como um local específico onde um perfil de solo tem
um valor científico reconhecido com base em critérios claros e bem definidos
(BRILHA, 2016; BOTELHO; BRILHA, 2022).
O registro do patrimônio pedológico é visto como escasso no panorama nacional e
mundial, ou seja, é raro o reconhecimento da importância de pedossítios, uma vez
que os solos podem registrar a recente história da Terra e suas mudanças, por
meio da sua organização em horizontes, de seus atributos e feições e de sua
posição na paisagem, o que lhe garante potencial valor científico necessário
para ser considerado um geopatrimônio e, como tal, ser protegido (BOTELHO;
BRILHA, 2022).
Os solos, portanto, podem ser considerados patrimônio e para sua proteção há a
necessidade de investir em conhecimento sobre sua distribuição e classificação
nos seus mais distintos sistemas. Para além disso, é também importante
inventaria-los com fins educacionais e dentre as áreas de interesses para tais
estudos existem as unidades de conservação, que garantem um maior grau de
preservação e a possibilidade de serem usados como espaços educativos (FONSECA
FILHO et al., 2019).
É necessário, portanto, detalhar e avaliar geossítios que constituem patrimônio
pedológico. Nesse sentido, o inventário e a avaliação quantitativa das
ocorrências valiosas da geodiversidade são etapas essenciais em qualquer
estratégia de geoconservação e no estabelecimento de prioridades na gestão de um
sítio (BRILHA, 2016).
O presente trabalho tem como objetivo apresentar avaliar a pedodiversidade e
inventariar dos pedossítios do Estado do Rio de Janeiro, que constitui parte de
uma pesquisa maior dedicada ao inventário do patrimônio pedológico do Estado, a
partir de uma metodologia pré-existente. Em última análise, a pesquisa visa a
divulgação, valorização e conservação dos solos em escala estadual,
apresentando, além da totalidade de pedossítios, sua distribuição territorial e
representatividade.
Material e métodos
Para alcançar os objetivos, o presente trabalho aplicou a metodologia
apresentada por Botelho (2021) e Botelho e Brilha (2022). Desse modo, foi
levantado o aspecto da pedodiversidade para identificação do pedopatrimônio in
situ do Estado do Rio de Janeiro. Nesta primeira etapa, focou-se na
identificação da pedodiversidade com base no critério da representatividade, que
corresponde ao tipo de solo mais representativo de determinada classe de nível
hierárquico considerado.
Foram levantados os dados de solos existentes no Banco de Dados e Informações
Ambientais (BDIA) do IBGE e as classes de solo pela sua Ordem até o quarto nível
taxonômico do Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos (SiBCS, 2018) para o
recorte do Estado do Rio de Janeiro. Os dados tabulares foram exportados do BDIA
e trabalhados no software Excel.
Dessa forma, verificaram-se todas as classes existentes em cada ordem de solo e
selecionou-se um pedossítio para cada classe. Na ocorrência de dois ou mais
perfis de uma mesma classe de solo, selecionou-se o perfil com maior
representatividade, seguindo os subcritérios, hierarquizados na sequência de
aplicação de acordo com Botelho (2021) e Botelho e Brilha (2022): 1. Maior
completude dos dados (1.1. classificação até o quarto nível taxonômico; 1.2.
descrição do horizonte diagnóstico; 1.3. análises morfológicas, físico-químicas
e mineralógicas); 2. Presença da camada R (rocha) ou do horizonte ou camada C
descrita; 3. Maior número de horizontes no perfil; 4. Menor intensidade de
erosão; 5. Localização do perfil; 6. Maior profundidade.
Nessa pesquisa, além dos pontos de solo, foram considerados como tipos de solo
que ocorrem no Estado do Rio de Janeiro todos os componentes descritos nas
unidades de mapeamento de solos, até as inclusões.
Botelho (2021) e Botelho e Brilha (2022) geraram três índices que expressam
numericamente a representatividade das classes de solo e de pedossítios no
território e num banco de solos. A diversidade interna de uma classe é
importante por refletir a sua pluralidade dentro de um determinado nível
taxonômico em um recorte espacial. Logo, para avaliar as classes com maior
diversidade interna no Estado do Rio de Janeiro, calculou-se o Índice de
Diversidade Espacial de Classes de Solos (IDECS) no nível hierárquico mais
elevado do SiBCS – Ordem. Para o IDECS é necessário considerar a área ocupada
por cada uma das classes; assim, o cálculo é a razão entre o número de classes
da ordem considerada e a área do território por ela ocupada. Essa relação mostra
que quanto mais alto o índice, maior será a diversidade espacial da classe no
terreno.
Já o Índice de Diversidade de Classes de Solo (IDCS), que representa a razão
entre o número de pedossítios e o total de classes de solo do nível hierárquico
considerado, reflete quantas classes de solos definidas pelo SiBCS foram
representadas nos pedossítios selecionados. E o Índice de Diversidade de Perfis
de Solos (IDPS), que expressa a razão entre o número de pedossítios e o total de
pontos amostrais existentes no banco de solos, indicando a diversidade de tipos
de solos amostrados que puderem ser identificados como pedossítios.
Resultado e discussão
Dos tipos de solos representados nas unidades de mapeamento do BDIA, foram
contabilizadas 104 classes distintas até o 4º nível taxonômico do SiBCS, de 12
ordens diferentes de solo. Apenas a ordem dos Vertissolos não tem registro de
ocorrência no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o banco de dados
considerado.
Foram avaliados todos os 40 pontos amostrais de solo existentes no BDIA para o
Estado do Rio de Janeiro, sendo 29 deles identificados como pedossítios (Tabela
1). Há classes de solos nas unidades de mapeamento que não apresentam pontos
amostrais e, por isso, não tiveram indicação de pedossítio representativo.
Verificou-que que Argissolos e Latossolos predominam em área territorial, número
de perfis de solo e em número de pedossítio no Estado, mas não apresentam os
maiores Índice de Diversidade Espacial de Classes de Solo (IDECS) (Tabela 2).
Os dados da Tabela 2 mostram que apesar dos Argissolos serem os que possuem
maior diversidade interna de classes, com 26 espécimes até o quarto nível
taxonômico, o Chernossolo foi aquele que apresentou o maior Índice de
Diversidade Espacial de Classes de Solo (IDECS = 15,87). Contudo, este valor é
reflexo da existência de apenas uma classe de solo em uma área muito pequena.
O Planossolo, por sua vez, possui o segundo maior IDECS e mostra que é uma
classe que possui bastante diversidade espacialmente, significando que sua
variação no terreno é alta. Por outro lado, o Argissolo apresenta IDECS
relativamente baixo, por ocupar uma área grande e, portanto, possuir baixa
variabilidade espacial.
Nesse sentido, é interessante destacar que o Estado do Rio de Janeiro possui um
litoral bastante expressivo e isso se reflete diretamente nos tipos de solos que
podemos encontrar na zona costeira. Em razão disso, o IDECS nos mostra que
espacialmente os solos comuns em área litorânea têm ocorrência expressiva, como
os Planossolos, Neossolos (Quartzarênicos) e Gleissolos.
O IDCS foi calculado para expressar numericamente a representatividade dos
pedossítios em relação ao total de classes de solo que ocorrem no recorte. Dessa
forma, o Chernossolo obteve o valor máximo de 1 para este índice, porém, isso se
deve ao fato de ter apresentado apenas um pedossítio e uma classe de solo.
Por outro lado, o Cambissolo, por exemplo, obteve índice de 0,40, ou seja, das
cinco classes que ocorrem no Estado, duas estão representadas como pedossítios.
Já o IPDC, foi calculado, porém, diante do baixo número de pontos de amostragem
da maioria das classes no nível taxonômico considerado, não conseguiu expressar
de modo eficaz a diversidade de perfis. Assim, acredita-se que este um índice
pode não se aplicar bem em um determinado recorte.
Do total das 104 classes de solo no quarto nível hierárquico que ocorrem no
Estado do Rio de Janeiro, 28% estão representadas nos 29 pedossítios
identificados. O resultado indica que grande parte dessas classes se encontra
como componente e inclusão.
Quanto à sua distribuição no território, percebe-se que os pedossítios estão
relativamente bem distribuídos (Figura 1), com destaque para as regiões Norte e
Noroeste Fluminense, que abrigam 11 dos 29 pedossítios do Estado.
Número de pontos de amostragem e pedossítios representativos das classes de solo no 1º nível taxonômico do SiBCS (EMBRAPA, 2018) no Rio de Janeiro.
Área, nº de classes de solo, Índice de Diversidade Espacial das Classes de Solo (IDECS) e Índice de Diversidade de Classe de Solo (IDCS) no RJ.
Pedossítios representativos das classes de solo no Estado do Rio de Janeiro, por mesorregião geográfica.
Considerações Finais
Ao compararmos a aplicação da metodologia de inventariação de pedossítios por
pedodiversidade proposta por Botelho (2021) e Botelho e Brilha (2022) para o
Brasil e sua aplicação no Estado do Rio de Janeiro, verifica-se que, para o caso
de um recorte, é preciso levantar os tipos de solo que ocorrem no mesmo. No caso
do país, todas as classes existentes no SiBCS, obviamente, ocorrem em todo o
território nacional, o que facilita também a representação dos Índices de
Diversidade.
O número de pontos amostrais existentes no banco de dados considerando um
recorte específico também precisa ser visto com cuidado, pois a validade dos
Índices se dá de forma mais efetiva quando se tem disponível um maior número de
pontos amostrais dos tipos de solos presentes. No caso do IDECS, que expressa a
diversidade de classes na área do território por ela ocupada, quando há apenas
uma classe de solo na ordem considerada, não se deve aplicar o índice, pois não
será representativo da realidade.
Além disso, quando se usa um recorte, as características do próprio
território, em termos de especificidades climáticas, de relevo ou influência
marinha, por exemplo, ganham importância, pois se refletem nos tipos de solo que
irão ocorrer.
Levando estas questões em conta, pode-se afirmar que, no Rio de Janeiro ocorrem
104 dos 938 tipos de solo do Brasil, considerando o quarto nível taxonômico do
SiBCS. Tal fatorevela a alta pedodiversidade que o Estado possui, pois em apenas
0,51% do território do país ocorrem 11% dos seus tipos de solo.
Agradecimentos
Referências
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