• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

O AVANÇO DA MINERAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO ESPELEOLÓGICO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA-PR (ANOS 1980 – 2022)

Autores

  • EDENILSON ROBERTO NASCIMENTODEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA - UFPREmail: deni_ern@ufpr.br
  • TABORDA DA SILVEIRA CLAUDINEIDEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA - UFPREmail: claudineits@ufpr.br
  • ELIAS FERNANDO BERRADEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA - UFPREmail: eliasberra@ufpr.br
  • SESSEGOLO GISELE CRISTINAGEEP-AÇUNGUIEmail: gisele.sessegolo@gmail.com

Resumo

O presente trabalho apresenta, com base em dados de sensoriamento remoto, dados oficiais da Agência Nacional de Mineração e registros históricos do Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná (GEEP-Açungui), o avanço da atividade mineral sobre o relevo cárstico e, portanto, sobre o patrimônio espeleológico da Região Metropolitana de Curitiba-PR. Pode -se afirmar que, entre a década de 1980 e o ano de 2022, a área de mineração na região aumentou cerca de 360% na RMC e, em diferentes graus, diversas cavidades foram impactadas pela mineração. Embora indispensável à economia paranaense, pode-se afirmar que a explotação de rochas carbonáticas apresenta diversos desafios a serem superados para a compatibilização da atividade e o atendimento da legislação ambiental relacionada às cavernas e ao carste regional.

Palavras chaves

Sensoriamento remoto; Atividade mineral; Relevo cárstico; Patrimônio espeleológico; Legislação ambiental

Introdução

A mineração de rochas carbonáticas é a atividade mineral de maior importância econômica no Paraná, suprindo uma expressiva demanda does setor de construção civil e agrícola paranaense. A Região Metropolitana de Curitiba (RMC), em especial ao norte de Curitiba-PR, é a principal área de ocorrência das rochas carbonáticas no Paraná. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre os anos de 2002 e 2022, 27,5% da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) do estado do Paraná derivaram da exploração de calcário (ANM, 2023). De acordo com dados oficiais da ANM, disponíveis no Sistema de Informação Geográfica da Mineração (SIGMINE), existem 726 processos minerários ativos cadastrados sobre a área adotada para o presente estudo (Figura 1), desses, 697 processos minerários especificam a substância de interesse e 480 fazem referência a substâncias sólidas de rochas carbonáticas, o que corresponde a quase 70% dos processos minerários existentes na área de estudo. Figura 1: Localização e acessos A área adotada no presente trabalho possui 1.956km² e abrange 11 municípios presentes na RMC: Balsa Nova, Campo Largo, Campo Magro, Itaperuçu, Rio Branco do Sul, Colombo, Almirante Tamandaré, Cerro Azul, Campina Grande do Sul, Tunas do Paraná e Bocaiúva do Sul, sobre a unidade geológica do Grupo Açungui, do Proterozóico superior, que compreende as formações Capiru, Votuverava e Antinha, cada uma com pelo menos três conjuntos litológicos distintos, dentre eles rochas carbonáticas que abrigam feições cársticas. A compatibilização da exploração mineral com a preservação do patrimônio geomorfológico e geológico da RMC é de difícil equacionamento, visto a importância econômica da atividade, sendo supressão parcial e, em alguns casos, total de cavidades o impacto mais relevante sobre o patrimônio cárstico da RMC. Das mais de 200 cavidades presentes na RMC (CANIE, 2022), pelo menos 94 estão na área de estudo, desenvolvidas em rochas carbonáticas do Grupo Açungui. O registro desses impactos ambientais foi documentado pelo Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná (GEEP-Açungui) (1993; 1995; 1997) e por pesquisadores associados (Sessegolo et al. 1993; 2001). Autores já na década de 1980 registravam que a destruição de cavernas remontava há várias décadas (Lino e Alievi, 1980). Sessegolo et al. (2001) citam ainda a conversão das cavernas em templos religiosos, depósitos de lixo e esgoto, reservatórios de água, entre outros. Assim, presente trabalho tem como objetivo apresentar o avanço da mineração sobre o patrimônio espeleológico desde a década de 1980 até o ano de 2022, sobre a área de estudo que foi estabelecida sobre a RMC. Para estabelecer o avanço da mineração foram analisadas imagens Landsat 5 ETM, Landsat 7 ETM+, Landsat 8 OLI, entre os anos de 1984 e 2022, as quais permitiram identificar as mudanças na cobertura e uso da terra na área de estudo.

Material e métodos

O trabalho foi desenvolvido em quatro etapas: Etapa 1: Para identificar os registros históricos oficiais dos requerimentos minerários na área de estudo foram utilizados os dados geoespaciais disponibilizados no SIGMINE (2021), os quais possuem registros de requerimentos minerários do estado do Paraná, desde a década de 1930. Os dados foram filtrados espacialmente para identificar os processos minerários: (a) de toda a área de estudo; (b) das áreas de ocorrência de litotipos carbonáticos mapeados no Mapa geológico e de recursos minerais do estado do Paraná (CPRM, 2021) e (c) para as áreas de ocorrência das 94 cavidades naturais subterrâneas registradas no Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE, 2022). Etapa 2 Os dados referentes à arrecadação da CFEM, disponíveis entre os anos de 2002 e 2022, foram separados para as seguintes substâncias: calcário, calcita, dolomito, mármore e água mineral. Tais dados foram consultados no Painel do Anuário Mineral Brasileiro Interativo (2023) da ANM e serviram de parâmetro de mensuração do crescimento da atividade minerária nos 11 municípios abrangidos pela área de estudo. Etapa 3 O mapeamento das mudanças no uso e cobertura da terra foram realizadas na plataforma Google Earth Engine (GEE), por meio de desenvolvimento de scripts na linguagem de programação JavaScript. A partir da separação das respostas espectrais dos seguintes alvos de interesse: 1) “minas”(em rochas carbonáticas); 2) “corpos d’água”; 3) “vegetação” e 4) “áreas urbanizadas”. As imagens utilizadas, pertencentes a série LandSat 5, 7 e 8, foram filtradas por: a) período de interesse (amostragem temporal das melhores imagens em cada década considerada); b) cobertura de nuvens menor ou igual a 5%; c) exclusão dedados com erros sistemáticos, e d) qualidade do pixel da coleção de imagens (pixel com valor máximo para a banda especificada). A validação da classificação supervisionada das classes foi realizada a partir do cálculo da matriz de confusão para cada período analisado, com o qual se obteve a acurácia global (AG). As informações básicas dos períodos e do resultado da análise supervisionadas são: • Década de 1980 – período de aquisição entre 01/01/1987 e 31/01/1989 – com uso das bandas 4, 3, 2 do sensor Landsat 5 TM, com acurácia global (AG) de 96%; • Década de 1990 – período de aquisição entre 01/01/1997 e 30/12/1999 – com uso das bandas 4, 3, 2 do sensor Landsat 7 ETM+, com AG de 95%; • Década de 2000 – período de aquisição entre 01/01/2005 e 31/12/2008 – com uso das bandas 4, 3, 2 do sensor Landsat 7 ETM+, com AG de 74%; • Década de 2010 – período de aquisição entre 01/01/2016 e 31/12/2018 – com uso das bandas 5, 4, 3 do sensor Landsat OLI-TIRS, com AG de 98% e • Início da década de 2020 – período de aquisição entre 01/01/2020 e 31/12/2022 – com uso das bandas 5, 4, 3 do sensor Landsat OLI-TIRS, com AG de 97%. Etapa 4: A análise dos dados geoespaciais obtidos no banco de dados da ANM, CPRM, ITCG e derivados de análises no Google Earth Engine, foram realizadas com a utilização do software Qgis 3.16.10-Hannover. Os impactos ambientais identificados nas últimas décadas, mais precisamente a partir da segunda metade da década de 1980, tem se baseado na existência prévia de cadastro das cavidades, ou algum outro tipo de documentação ou publicação, em especial nas memórias e documentos do GEEP-Açungui. Porém, com tantas mudanças de gestão do Grupo e conversão de dados, há algumas imprecisões pontuais em se confirmar a localização de algumas cavernas.

Resultado e discussão

Os resultados das classificações do uso e cobertura da terra, entre a década de 1980 até 2022, apresentadas (Figura 2), permitiram identificar um crescimento acumulado de 363% na área de mineração de rochas carbonáticas nos últimos quarenta anos. Os dados da década de 1980 permitiram classificar 641 ha como “área de mineração”, com incremento de 11% na década de 1990, chegando a 709 ha; na década de 2000 o crescimento em relação à década anterior foi de 68%, chegando em 1196 ha, na década de 2010 houve um crescimento menos expressivo, de apenas 10%, chegando a 1326 ha e, por último, nos anos 2010 até 2022, verificou-se um expressivo aumento de 75% em relação à década anterior, alcançando 2330ha. Cabe destacar que o crescimento identificado entre os anos de 1980 e 2022, baseado nas imagens Landsat, não permite mensurar o volume explotado em lavras por bancadas, representando somente a expansão da área minerada. Nos levantamentos do GEEP-Açungui (1995a) verificou-se que das 76 cavernas cadastradas na então RMC, 39 encontravam-se destruídas, 15 parcialmente destruídas, 18 ameaçadas, 3 com uso inadequado e apenas 1 conservada. Essa análise indicava que 45% das cavernas cadastradas haviam sido destruídas. Figura 2:Cobertura do uso da terra para a série temporal analisada. Informações complementares no quadro 1. Ao descrever o cenário da exploração mineral na Formação Capiru no início dos anos 2000, Guimarães (2005) identificou que havia 198 minas mapeáveis, sendo que 107 estavam ativas, 43 estavam desativadas e 24 em situação de abandono, dados que corroboram a desaceleração no crescimento verificada na década de 2010. Em relação ao avanço da mineração sobre a área de ocorrência de cavernas, verifica-se que na década de 1980 havia 31 cavidades com distância menor que 250 m de uma ou mais minas ativas; na década de 1990 havia 37; na década de 2000 havia 38; na década de 2010 havia 32; e entre 2020 e 2022 foram identificadas 33 cavidades que distavam menos de 250 m de uma ou mais minas em atividade. Na década de 2010, a diminuição da quantidade de cavernas em áreas de até 250 m. A FIGURA3 apresenta as áreas de amortecimento nas décadas de 1980, 1990 e 2000 da região de ocorrência de quatro cavernas no município de Rio Branco do Sul-PR. Nota-se que nas duas primeiras décadas a Gruta do Bento e as Grutas Rio Branco I e II estavam a menos de 250 m de um alvo com resposta espectral de mina ativa, fato não verificado na década de 2000, quando a desativação da mina permitiu o crescimento da vegetação e mudança da resposta espectral do alvo. A adequação às leis ambientais possivelmente motivou a diminuição do número de cavernas com atividade mineral em suas áreas de influência sobre o patrimônio espeleológico. Figura 3: Observar que a mina próxima às grutas Rio Branco I e II e Gruta do Bento possuem vegetação, denotando a desativação da explotação no local. Das 93 cavidades cársticas presentes na área de estudo, 85 estão em áreas com requerimentos ativos na ANM (CANIE, 2022; ANM, 2023). Existem, atualmente, 22 processos minerários com presença de cavernas, sendo 21 em fase de concessão de lavra e um em fase de requerimento de lavra (ANM, 2023), ou seja, a grande maioria das cavernas estão em áreas de explotação mineral ou apta à mesma. A evolução da arrecadação da CFEM nos últimos vinte anos, oriunda da exploração das substâncias sólidas “calcário”, “dolomito” e “mármore”, nos municípios parcialmente abrangidos pela área estudada, aumentou de R$ 300 mil reais para R$ 8,1 milhões, arrecadando mais de R$ 61,3 milhões no período analisado, o que demonstra um crescente aumento na demanda de bens minerais nas últimas décadas. Para Sessegolo et al. 1995 considerando-se a potencialidade de cavernas não cadastradas e que não possuíam nenhum registro histórico, além da atividade mineral remontar desde o final do século XVIII, estimou-se que no mínimo 50% do patrimônio espeleológico havia sido destruído até 1995. Sessegolo et al. (2001), destaca, também, que a expansão urbana na RMC tem ampliado os conflitos e que estes tendem a se agravar, inclusive devido a exploração do aquífero Carste, atividade estratégica para a RMC. É importante destacar que o mapeamento sistemático das cavidades cársticas da RMC teve início na segunda metade da década de 1980, mais de cinquenta anos após o início da exploração mineral dos calcários da região. Muito embora tenham sido mapeadas centenas de cavidades nos últimos anos, o mapeamento atual não contempla a totalidade de cavernas existentes na região e, certamente, uma expressiva parcela do patrimônio espeleológico regional foi destruído antes de seu mapeamento. Não há nenhuma dúvida em se afirmar que existem muitas cavernas a serem descobertas e muitas descobertas a se fazer nas cavernas já mapeadas. Outro aspecto relevante que deve ser considerado para entender a relação entre o avanço da mineração e a presença de cavernas, é que muitas cavidades foram descobertas posteriormente ao início da atividade minerária e das restrições ambientais impostas a partir de 1990. Assim, algumas incongruências entre a mineração e a preservação do patrimônio espeleológico, identificadas no presente estudo, eram desconhecidas durante parte do tempo da atividade de algumas mineradoras e, em alguns casos, as cavidades foram descobertas/expostas por conta do avanço das frentes de lavra. Os moradores mais antigos da região estudada, segundo os registros históricos do GEEP-Açungui dos anos 1980 e 1990, relatam que as explotações de calcários entre o início do século XIX e grande parte do século XX utilizavam a entrada de cavernas como local inicial do avanço de frente de lavra. As características do relevo, da cobertura vegetal, os métodos rudimentares de mineração, a falta de consciência ambiental e a inexistência de normativas legais de preservação foram responsáveis pela supressão de diversas cavernas na RMC.

Figura 1: Localização e acessos

Localização e acessos

Figura 2:

Cobertura do uso da terra para a série temporal analisada.

Figura 3:

Observar que a mina próxima às grutas Rio Branco I e II e Gruta do Bento possuem vegetação, denotando a desativação da explotação no local.

Considerações Finais

O crescimento da atividade de mineração das rochas carbonáticas nas últimas quatro décadas é a atividade de maior impacto sobre o relevo cárstico e o patrimônio espeleológico da Região Metropolitana de Curitiba. É urgente a necessidade de estudos científicos do meio físico e biótico, ações de monitoramento contínuo e a caracterização do grau de relevância das cavidades da região, segundo o Decreto Federal nº 6.640/2008, para que sejam tomadas medidas de preservação que visem mitigar os impactos causados pela mineração. O sensoriamento remoto, por meio da análise massiva de imagens de satélites na plataforma Google Earth Engine, é uma ferramenta com potencial para monitorar esses impactos, pois permitiu a identificação das mudanças temporais na cobertura da terra e o avanço da mineração. É essencial a ampliação do conhecimento, e a gestão ambiental por parte das diversas esferas do governo, especialmente estadual, que conduz os processos de licenciamento ambiental das atividades econômicas, para que o patrimônio espeleológico seja de fato levantado e estudado conforme os preceitos técnicos e legais. A indisponibilidade de imagens de boa qualidade em períodos específicos, a dificuldade na separação de alvos com respostas espectrais semelhantes, problemas na acurácia posicional de algumas cavidades cadastradas e a falta de registros históricos oficiais dos impactos ambientais sobre as cavidades da RMC, podem ser apontadas como os principais limitadores no presente estudo, todavia o uso dos dados da ANM e os relatos históricos do GEEP-Açungui permitiram fundamentar a pesquisa.

Agradecimentos

Ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) por disponibilizar a infraestrutura para ao desenvolvimento do trabalho; ao Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná (GEEP-Açungui) pelo fornecimento de dados.

Referências

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