Autores
- JOYCE CARLA PEREIRA GOMESUNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAEmail: jcarla637@gmail.com
- RAFAEL ALBUQUERQUE XAVIERUNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAEmail: xavierra@uol.com.br
- EDRIANO SERAFIM DE ARAÚJOESCOLA MUNICIPAL JOSÉ ESTEVAM NETOEmail: edrianoserafim@gmail.com
- ELIAS DOS SANTOS DA SILVAUNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAEmail: elias.silva@aluno.uepb.edu.br
- INOCENCIO DE OLIVEIRA BORGES NETOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁEmail: iobngpb@gmail.com
Resumo
Na região semiárida do Cariri paraibano, no município de Boqueirão, encontra-se
o Plúton Marinho (PM), apresentando distinta paisagem geomorfológica
caracterizada pelos relevos graníticos. Baseado nessas particularidades, o
objetivo deste estudo foi inventariar o Patrimônio Geomorfológico (PG) do PM.
Realizou-se trabalhos de campo para, com o auxílio da proposta de Vieira (2014),
identificar, caracterizar e valorar o PG. Os resultados revelaram um valor
expressivo de PG, que se destaca na região, pois os locais de interesse
identificados dispõem de vários atrativos turísticos: afloramentos graníticos
com diversas geoformas graníticas (boulders, gnammas, inselbergs, tafoni, split
rocks e etc.), arte rupestre (pinturas e gravuras) e registros arqueológicos
(cemitérios indígenas). A comunidade local ao constituírem uma associação,
promovem a utilização sustentável do PM, e através do geoturismo oferecem
trilhas, camping, comida regional e artesanato, entre outras atividades.
Palavras chaves
Patrimônio Geomorfológico; Plúton Marinho; Relevo Granítico; Semiárido; Cariri paraibano
Introdução
Recentemente observa-se o aumento na preocupação em proteger e preservar áreas
naturais, que comportem elementos significativos para constituição e compreensão
do patrimônio natural. Estas premissas passaram a ser mais veiculadas após a
convenção da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
(UNESCO) em 1972, realizada em Paris, onde ocorreu a aprovação do documento
intitulado Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural,
que no art. 2, afirma que são considerados como patrimônio natural monumentos
naturais originados por formações físicas e biológicas e/ou conjuntos de
formações que possuam valor universal excepcional do ponto de vista estético
e/ou científico, formações geológicas e/ou fisiográficas e zonas estritamente
demarcadas que formam o habitat de animais e vegetais em ameaça, e que possuem
valor universalmente excepcional na percepção científica e/ou de conservação,
localidades de interesse natural e/ou zonas naturais estritamente delimitadas,
que apresentam valor universal excepcional do ponto de vista científico e/ou de
conservação e beleza natural (UNESCO, 1972).
Neste contexto, insere-se o Patrimônio Geomorfológico (PG), que é uma herança
natural, resultado das ações dos fatores endógenos e exógenos que formam o
relevo. Segundo Pereira (1995) o PG constitui o conjunto de formas de relevo, de
depósitos correlativos e de solos, e que por suas características próprias e de
conservação, pela sua raridade e/ou pela sua singularidade, pelo seu grau de
vulnerabilidade ou pela maneira como faz combinação espacialmente (a geometria
de formas de relevo), confirmam o seu valor científico, merecendo ser
preservados.
O PG está localizado em Geomorfossítios, são originados por formas de relevo e
depósitos correlativos, que se desenvolvem em várias escalas, das quais impõem-
se um conjunto de valores (científico, estético, cultural, ecológico e
econômico) que por sua vez, são adquiridos a partir da análise humana na
paisagem observada (VIEIRA, 2014). Borges Neto, Xavier e Cunha (2020) relatam
que o PG dentro do patrimônio natural, em geral, e do Geopatrimônio, em
particular, bem como sua posterior avaliação, reforçam as potencialidades que as
áreas de interesse geomorfológico demonstram, fornecendo incentivos para sua
(geo)conservação e para uma utilização sustentável, amenizando e/ou contendo as
probabilidades de degradação antrópica ou até mesmo natural (BRILHA, 2005;
SHARPLES, 2002).
Diante deste cenário, o Lajedo do Marinho (LM) localizado no município de
Boqueirão, região do Cariri paraibano (Figura 1), é um Geossítio reconhecido
nacionalmente, tendo sido inventariado e divulgado na proposta do Geoparque
Cariri Paraibano, além de fazer parte da rota turística do Cariri da Paraíba,
constatando que o LM tem alto valor científico, potencial educativo e turístico
(LAGES et al., 2018). No entanto, essas informações são voltadas exclusivamente
à perspectiva geológica, necessitando de maior detalhamento no contexto
geomorfológico, conforme as premissas do PG.
No LM é notável a presença do patrimônio natural e cultural. Araújo (2021)
afirma que o “lugar está cercado de belezas naturais, arqueológicas e históricas
devido a povos, que aqui habitaram, deixando suas marcas nos paredões e abrigos
rochosos’’. Para ele, o local vem recebendo destaque no turismo rural, pela
paisagem encontrada no local e o fator promotor desta paisagem são as formações
rochosas presentes no lugar (ARAÚJO, 2021). Menezes e Souza (2016) ainda
explicitam que o LM exemplifica um destino turístico ligado à Geodiversidade,
que vem recebendo destaque na região, principalmente a partir da criação de uma
associação que reúne os condutores do turismo e as crocheteiras que moram no
Distrito do Marinho.
Baseado nessas particularidades, o presente trabalho tem por inventariar o PG da
área do Plúton Marinho, para que esse conhecimento sirva de alicerce ao
desenvolvimento local sustentável.
Material e métodos
Os procedimentos metodológicos deste estudo foram baseados nas seguintes etapas:
primeira - revisão bibliográfica a respeito do conceito de Patrimônio
Geomorfológico (PG), Geomorfossítios, e das características da área de estudo;
segunda - realização de dois trabalhos de campo, para fazer um levantamento dos
pontos de interesse geomorfológico, coleta de dados (coordenadas, fotos, etc.),
e aplicação das fichas de valoração do PG. Todas as visitas foram realizadas em
trilhas pré-estabelecidas, auxiliadas pelo guia turístico local.
Os materiais utilizados foram o GPS Garmin 62SC, para realizar o
georeferenciamento, câmera fotográfica para fazer o registro fotográfico e a
ficha de valoração do PG baseada em Vieira (2014). Optou-se por essa proposta
metodológica para minimizar a subjetividade da avaliação e para quantificar a
importância do PG da área.
Segundo o autor, o PG é avaliado em uma escala de 0 a 1, levando em conta
determinados indicadores que compõe o Valor Intrínseco (VI), que corresponde ao
valor científico, Valor Adicional (VA), que integra o valor cultural, econômico,
estético e ecológico, e o Valor de Uso e Gestão (VUG), que expõe a necessidade
de preservação das áreas que comportem elementos de significativa importância
para o arcabouço geomorfológico (BORGES NETO, XAVIER; CUNHA, 2020; VIEIRA,
2014).
Os indicadores possuem vários critérios de análise, em que cada critério mostra
um valor dentro de uma escala que pode ser de 3, 4 ou 5 níveis. Os critérios que
apresentem uma escala de 3 níveis, escalonam-se em valores que serão de 0, 0,5 e
1. Quando apresentarem 4 níveis os valores serão de 0, 0,33, 0,67 e 1.
Finalmente, os critérios que possuem uma escala de 5 níveis, exibirão valores de
0, 0,25, 0,50, 0,75 e 1. Estes valores são atribuídos pelo pesquisador, pautado
na sua percepção, normalmente apoiada em documentos bibliográficos e
cartográficos, acerca dos elementos geomorfológicos relevantes para a área em
estudo (BORGES NETO, XAVIER; CUNHA, 2020; VIEIRA, 2014).
Resultado e discussão
O PG do Plúton Marinho (PM), inventariado conforme a matriz de Vieira (2014),
apresentou valores expressivos (Tabela 1). Os pontos de interesse
geomorfológicos identificados no PM, fornecem exemplos expressivos dos processos
evolutivos geológico-geomorfológico da região, fatos que atrelados ao
significado histórico-cultural-ecológico-econômico ampliam a sua importância
para a comunidade local, e regional, além de proporcionar novas discussões a
respeito do valor e uso desses ambientes naturais.
O primeiro local identificado foi o Lajedo do Marinho (Figura 2a), é um
afloramento rochoso principal com diversos boulders (matacões) que se destacam
na paisagem geomorfológica, tendo a Pedra da Coxinha como a geoforma mais
conhecida (Figura 2d). Nesse local encontra-se toda a infraestrutura base para o
turismo, contando com área de camping, banheiros e área de preparação das
refeições.
O aqui denominado de Lajedo Preto (Figura 2b), foi o segundo local levantado,
sendo esse um afloramento rochoso em que se encontra uma espécie de “nascente”,
onde há a presença de água durante o ano inteiro (Figura 2c). Segundo o relato
de populares, o nome “Marinho” foi dado a comunidade residente, por conta de uma
nascente, que parecia com um “mar de água”, pois as áreas expostas dos corpos
rochosos “jorravam” água o ano todo. Também se visualizou uma série de xenólitos
pisciforme centimétrico de gnaisse máfico na rocha encaixante granítica (LAGES
et al., 2018). Esses xenólitos, por sua vez, parecem favorecer o desenvolvimento
de depressões sobre o corpo rochoso granítico, denominadas de gnammas (Figura
2e) (TWIDALE; BOURNE, 2018). Além disso, tem-se a presença de alguns boulders e
split rocks (rocha partida).
O Lajedo da Pedra da Ostra, também conhecido como Mirante da Mata Branca, é um
afloramento rochoso, em formato de lajedo, que comporta alguns boulders,
merecendo destaque a famosa "Pedra da Ostra", geoforma que nos remete a uma
ostra (Figura 2g). Este local também permite uma visualização ampla da paisagem
geomorfológica característica do Cariri paraibano (Figura 2f), onde o relevo
varia de aplainado a suavemente ondulado (CORRÊA et al., 2010).
O Mirante do Tanque da Lua, também apresenta formato de lajedo, e nele
observamos uma série de boulders, que chegam a mais de 3 metros de altura
(Figura 2i). No topo do maior boulder há a presença de várias gnammas típicas
fechadas em superfície horizontal. Este local também detém ótimas condições de
visualização da Serra do Macaco.
Mirante da Pedra do Cachorro é um afloramento rochoso com uma grande fratura,
que consequentemente permite o acúmulo de água dos escassos eventos de
precipitação, ou seja, um tanque natural. Devido sua localização mais elevada no
terreno da Serra da Tesoura é possível ter uma visão de parte da encosta que é
composta por muitos afloramentos, onde um deles tem geoforma de Cachorro (Figura
2k). No caminho
O Mirante do Trono de Deus fica localizado no topo da localmente chamada Serra
do Gavião (Figura 2n e o) que nada mais é que um grande inselberg visível de
qualquer ponto do Distrito Marinho. A partir do Trono de Deus é possível avistar
até mesmo a cidade de Campina Grande-PB, pois ele está a mais de 500 metros de
altitude. O Trono de Deus é uma gnamma do tipo "poltrona de braços" que lembra
um trono onde é possível ficar sentado contemplando a paisagem (Figura 2p).
Assim como em todos os locais de interesse é frequente a presença de xenólitos
máficos na rocha encaixante granítica.
Na Tabela 1, tem-se um resumo de todo o PG valorado no PM. No total, o PG
apresenta um valor total médio de 0,82, que é muito significativo. Para se ter
ideia, ao comparar-se este resultado com o de outros estudos que utilizara o
mesmo arranjo metodológico na região, como os de Borges Neto, Xavier e Cunha
(2020) no município de Gurjão-PB (PG total = 0,47) e Souza (2022) no Plúton
Bravo situado entre os municípios de Cabaceiras e Boa Vista, ambos na Paraíba
(PG total = 0,68), fica ainda mais evidente sua expressividade, potencialidade e
importância.
Em relação aos valores que compõem o PG, o VI apresentou um valor intermediário,
contando com valoração média de 0,82. Apenas os critérios de
raridade/originalidade, integridade e conhecimento científico não obtiveram
valoração máxima, expondo respectivamente avaliações de 0,67, 0,75 e 0,75
(Tabela 1). Isso pode estar atrelado aos seguintes fatos: primeiro – a grande
maioria dos elementos encontrados no PM são recorrentes em toda a área -
boulders, tafoni e gnammas (Figura 2a, d, e, g, i, j, o e p); segundo – a
ocorrência de interferências antrópicas (principalmente construções de alvenaria
e cercas), como no Lajedo do Marinho; terceiro – por ainda apresentar pouca
produção científica, passando a ser visitado com mais frequência a partir do ano
de 2014.
O VA, que por sua vez está subdivido nos critérios cultural, econômico, estético
e ecológico, apresentou a seguinte média 0,85 (Tabela 1). Destaca-se que apenas
4 do total de 13 critérios do VA não obtiveram as valorações máximas. Os valores
cultural, econômico e ecológico foram os melhores avaliados dentro do VA.
Para o valor cultural a importância histórico-arqueológico, religiosa-espiritual
e artística-cultural, tiveram suas altas avaliações devido a beleza e os
recursos naturais (água, abrigo, caça, etc.), que segundo Araújo (2023) a área
do PM, historicamente, atraiu povos que ali deixaram suas marcas como: pinturas
rupestres, locais de sepultamento e ferramentas líticas - machados, batedores
ponta de lança e raspadores - (Figura 2h), religiões (catolicismo) entre outros.
No valor econômico, os critérios importância turística recurso turístico,
importância desportiva pratica desportiva e existência de itinerários
turísticos/culturais, receberam valores máximos. O LM se destaca no turismo em
escala nacional e internacional, além de suas belezas naturais, possui também
camping, museu arqueológico em fase de construção, trilhas e artesanato das
crocheteiras. A união entre o turismo e a cultura traz benefícios para a
comunidade, pois há a demanda de serviços por consequência da visitação
turística no local e isso gera renda para a comunidade do Distrito do Marinho
(ARAÚJO, 2023).
No valor ecológico, a valoração máxima de 1, está pautada na ocorrência espécies
da fauna como a Águia Chilena (Geranoaetus melanoleucus) (Figura 2m) e da flora
como o coco catolé (Syagrus cearenses) (Figura 2l), a macambira (Bromelia
laciniosa), icó (Neocalyptrocalyx longifolium (Mart.)) entre outras que
impulsionaram a relevância na pontuação. A boa avaliação desses valores, sugere
que essas áreas atuem como refúgios para a biodiversidade (KEPPEL et al., 2012;
LUNGUINHO, 2018), e consequentemente, atraem o interesse de turistas e
pesquisadores (SOUZA, 2022). Em outras palavras, esses ambientes parecem
constituir verdadeiras “áreas de exceção”, que comportam elementos incomuns
(solos, fauna e flora) para uma região de predominância climática semiárida.
Os resultados do VUG evidenciam as médias mais baixas, quando comparadas com o
VI e VA (Tabela 1). Dentre os critérios do VUG, a intensidade de uso e
acessibilidade destacaram-se com os menores valores. Entretanto, o patrimônio em
questão parece ser mais preservado, do que os observados em outros locais do
Cariri paraibano, como o caso de Gurjão-PB e de Cabaceiras/Boa Vista-PB (BORGES
NETO; XAVIER; CUNHA, 2020; SOUZA, 2022; XAVIER et al., 2018), mesmo não planos
estratégicos de geoconservação.
Considerações Finais
Foram identificados diversos locais de interesse geomorfológico no Plúton Marinho,
que confirmaram a existência de um patrimônio singular que serve de laboratório
para os estudos da origem e evolução dos relevos graníticos. O expressivo PG está
representado por uma diversidade de processos, e consequentemente, geoformas que
se destacam na paisagem geomorfológica semiárida.
As altas avaliações do VI, VA e VUG, concederam ao Plúton Marinho um PG muito
significativo, superior a todos os outros encontrados na região do Cariri
paraibano. Isto provavelmente está vinculado aos elementos físico-ambientais de
rara beleza cênica, que ao elevar sua importância histórico-cultural, favorecem o
engajamento da comunidade local, oficialmente constituindo uma associação, e
assim, tornam o PM propício para o desenvolvimento de atividades relacionadas ao
(geo)turismo, como práticas de educação ambiental e de investigação científica,
que fomentam o desenvolvimento socioeconômico local.
Agradecimentos
Agradecimentos a Universidade Estadual da Paraíba, CNPq e a FAPESQ por apoiarem o
desenvolvimento desta pesquisa.
Referências
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