Autores
- HENRIQUE CARVALHO DE OLIVEIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: henriquecarvalho.oliveira@estudante.ufjf.br
- ROBERTO MARQUES NETOUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: roberto.marques@ufjf.br
- ANA BEATRIZ BARBOSA FERREIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAEmail: anabeabarbosa@hotmail.com
- LUIZ HENRIQUE DE OLIVEIRA SANTOSUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: luizserrafina@hotmail.com
Resumo
As regiões montanhosas tropicais ostentam considerável geodiversidade dada pela
zonação altitudinal dos geossistemas, com modificações significativas em
extensões relativamente curtas, bem como uma vasta coletividade de
morfopatrimônios. O presente artigo expõe os resultados do levantamento da
geodiversidade e morfopatrimônios associados em um quadro geográfico no sul de
Minas Gerais tendo a área da Floresta Nacional de Passa Quatro sua figura
central. Os maiores valores de geodiversidade foram encontrados em áreas de
contato litológico e diversificação de tipos e estilos fluviais, os dois
principais elementos engendradores de variações na geodiversidade na área de
estudo. Os morfopatrimônios estão estabelecidos em geossítios dos tipos ponto,
área e mirante, em localidades onde os valores de geodiversidade não
apresentaram destaque, sinalizando que, muitas vezes, importantes
morfopatrimônios e geossítios (ou morfossítios) podem estar associados a
localidades de geodiversidade baixa.
Palavras chaves
Paisagens montanhosas; geossítio; geodiversidade; unidades de conservação; morfopatrimônios.
Introdução
O significado da geodiversidade vai além de seu papel de suporte da
biodiversidade. A preservação da memória da Terra assume vasta ordem de valores,
como científico, educacional, econômico, etc. e, não raro, seus elementos
figuram como importantes atrativos locais e regionais. Uma série de
espacialidades turísticas, sejam elas espaços protegidos ou não, tem nos
elementos abióticos seu principal atrativo, a exemplo de inúmeras unidades de
conservação que são francamente demandadas para visitação em função da presença
de picos, cânions, cachoeiras, geoformas de exceção e outros fatos geomórficos:
Parque Nacional do Itatiaia e o Pico das Agulhas Negras; Parque Nacional do
Iguaçu e suas exuberantes cachoeiras; Parque Nacional da Serra dos Órgãos e
geoformas distintas e carismáticas como o “dedo de Deus”; Parque Estadual
Turístico do Alto Ribeira e sua coleção de formas e processos cársticos; Paque
Nacional do Caparaó, delimitado pelo antiformal que sobreleva o relevo em
relação ao entorno, entre outros exemplos.
A maior parte dos exemplos acima arrolados correspondem a contextos
geomorfológicos montanhosos, notadamente as montanhas tropicais definidas nos
grandes escarpamentos do sistema rifte continental do sudeste brasileiro (sensu
RICCOMINI, 1989). Estes relevos de gênese tectônica apresentam evolução
cenozoica complexa, envolvendo interferências de sucessivas reativações
tectônicas (SANTOS, 1999; MORALES, 2005; MARQUES NETO, 2012, SILVA, 2023), bem
como imperativos erosivos responsáveis pela retração das escarpas (RESENDE e
SALGADO, 2020; PAIXÃO et al. 2020), o que legou numa vasta coleção de geoformas
e morfopatrimônios como registros dos processos denudacionais pós-cretáceos e da
tectônica neogênica sobreposta.
Considerando o valor abiótico na região dos grandes escarpamentos, onde uma
série de espaços protegidos formam mosaicos de unidades de conservação, o
presente paper tem por objetivo mensurar, classificar e discutir a
geodiversidade e os morfopatrimônios associados no âmbito da Floresta Nacional
(FLONA) de Passa Quatro (sul de Minas Gerais) e seu entorno. Localizada no ramo
meridional da Serra da Mantiqueira, a área de estudo está em importante zona de
contato litológico, abrangendo relevos montanhosos talhados em intrusões
alcalinas cretáceo-paleocenas de nefelina-sienitos e cristas escarpadas
gnáissico-graníticas; também se verifica na área importante contato
geomorfológico, estabelecido entre os relevos montanhosos correspondente ao
degrau superior da Serra da Mantiqueira e as morrarias intermontanas que se
escalonam em direção ao Planalto do Alto Rio Grande.
Material e métodos
Para o presente trabalho, a geodiversidade foi considerada como a diversidade
abiótica forjada nos elementos do meio físico, incluindo os componentes
litológicos, mineralógicos, conteúdo fóssil, formas de relevo, solos, águas e
processos associados (GRAY, 2004). Associadamente, os conceitos-chave de
morfopatrimônio (CLAUDINO-SALES, 2018) e geossítio\geomorfossítio (MANSUR, 2018)
perfizeram o tripé conceitual que orienta as aplicações e discussões aqui
apresentadas.
Para realização do mapa de geodiversidade para Floresta Nacional (FLONA) de
Passa Quatro (MG), foram utilizados os softwares Qgis 3.16.16 e ArcMap 10.8. Com
relação à montagem do banco de dados, foi utilizado o kml disponível no site do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). Vale ressaltar
que foram feitas algumas alterações com relação ao arquivo original para que o
mesmo se assemelhasse a área apresentada em seu Plano de Manejo, tendo em vista
que os mesmos apresentavam diferenças com relação ao tamanho de suas áreas.
O mapeamento da geodiversidade na FLONA Passa Quatro e seu entorno partiu da
divisão da área em quadrículas de 500 m × 500 m, totalizando um montante de 87
quadrículas. Tais quadrículas foram geradas com áreas de 500 m², a partir da
ferramenta Create Fishnet presente no ArcMap. Subsequentemente adotou-se o
procedimento usual da somatória dos parâmetros considerados em cada quadrícula,
os quais seguem abaixo elencados. Cumpre frisar que foi atribuído o mesmo valor
(1) para cada atributo considerado, assumindo todos eles o mesmo peso na
associação final.
Elementos hidrográficos: número de canais; número de canais de primeira ordem;
tipicidade fluvial (retilíneo, sinuoso, meandrante, anastomosado, entrelaçado);
estilos fluviais (sensu BRIERLEY e FLYER, 2005). Elementos geomorfológicos:
formas de relevo; rupturas de declive. Elementos pedológicos: tipos de solo.
Elementos geológicos: tipos de rocha.
Os valores encontrados foram interpolados em software ArcGIS pela rotina IDW do
ArcMap, definida pelo inverso do quadrado da distância, gerando-se então dez
classes de geodiversidade posteriormente qualificadas nas seguintes categorias:
baixa, baixa-média, média, média-alta e alta. A representação cartográfica final
foi elaborada na escala de 1\50.000.
Dados do relevo e drenagem foram extraídos a partir do modelo digital de
elevação proveniente do satélite Alos Palsar, disponível gratuitamente no site
Alaska Satellite Facility. Posteriormente, foi feita uma correção no modelo
digital de elevação a partir do Qgis por meio da ferramenta Fill Sinks a fim de
remover depressões fechadas que interrompam o escoamento na rede de drenagem. A
partir do mesmo, foi gerada a rede de drenagem no Qgis e o relevo sombreado no
ArcMap, por meio das ferramentas r.watershed e Hillshade, respectivamente.
Os dados geológicos, geomorfológicos e pedológicos foram aproveitados dos
mapeamentos efetuados para o plano de manejo da Floresta Nacional de Passa
Quatro (2009). Tais dados tiveram que ser georreferenciados por meio da
ferramenta “Georreferenciamento” disponível no Qgis para posterior vetorização
no ArcMap. Já os dados geológicos foram obtidos através da folha geológica Pouso
Alto, na escala de 1:100.000, disponibilizado digitalmente pelo Projeto Sul de
Minas (SOARES et al. 2003). Por último, foram extraídas as rupturas de declive
também no ArcMap, por meio da ferramenta Knickpoints.
As expedições de campo foram aproveitadas para a validação do mapa e para a
identificação e georreferenciamento dos morfopatrimônios, lançando-se mão de GPS
Garmin, modelo Etrex. Os diferentes morfopatrimônios encontrados foram
contextualizados a partir dos seus respectivos geossítios, também categorizados
e identificados no mapa, gerando-se um produto cartográfico final representativo
da espacialidade da geodiversidade, dos principais geossítios existentes e dos
morfopatrimônios associados.
Resultado e discussão
A área da FLONA Passa Quatro está contida na bacia do rio Passa Quatro, por sua
vez afluente do rio Verde. Sua posição na paisagem corresponde às bacias
hidrográficas de nível hierárquico mais baixo, cujo tronco coletor local é
estabelecido no ribeirão da Cachoeira. Regionalmente, a área de estudo está
posicionada no contexto da Serra da Mantiqueira, abrangendo tanto compartimentos
montanhosos que tipificam o conjunto orográfico mais elevado na região, com
altitudes que se aproximam de 2900 metros (Pedra da Mina), como morrarias
estruturais intermontanas que definem um modelado mais rebaixado em relação às
cristas montanhosas e com padrões geomorfológicos mais convexos.
A base geológica da FLONA não apresenta variações significativas, ocorrendo
extensões de nefelina-sienitos concernente às intrusões cretáceo-paleocenas de
Passa Quatro (CHIESSI, 2004), congêneres ao corpo intrusivo que baliza o maciço
do Itatiaia, bem como sequências de plagiognaisses bandados proterozoicos
bastante comuns na região (figura 1).
As rochas intrusivas alcalinas definem escarpas estruturais que ascendem acima
de 2500 metros, que em algumas extensões encontram-se reafeiçoadas em degraus
escalonados e dissecadas em canais dominantemente retilíneos que dispersam
radialmente a partir das superfícies somitais do maciço. Os litotipos
gnáissicos, por seu turno, definem morrarias convexas e alongadas que tipificam
as organizações geomorfológicas das áreas intermontanas dos terrenos cristalinos
do sudeste brasileiro, concernentes aos “mares de morro” originalmente
florestados propostos na conhecida regionalização físico-geográfica de Ab´Sáber
(1979; 2003).
A compartimentação geomorfológica elementar entre os ambientes escarpados
altimontanos e as morrarias policonvexas intermontanas engendra significativas
diferenciações nos atributos concernentes à drenagem que foram considerados. O
maciço alcalino alberga um número maior de canais de primeira ordem, cujas
confluências nas altas vertentes definem uma rede de canais de tipicidade
majoritariamente retilínea em estilos fluviais de vales confinados, sinalizando
o significativo controle aos quais a rede hidrográfica está submetida. No
conjunto das morrarias, os canais fluviais assumem maior sinuosidade e meandros
de curvaturas suaves, com vales mais evoluídos lateralmente que diversificam os
estilos fluviais com o incremento de tipicidades semiconfinadas e não
confinadas.
Os altos declives do maciço alcalino, associados a uma condição de homogeneidade
litológica, favorecem não apenas uma baixa diversificação das tipicidades e
estilos fluviais, mas também dos solos, ocorrendo invariavelmente Neossolo
Litólico sem variação do substrato consorciado a afloramentos rochosos. Nos
terrenos gnáissicos a variação pedológica é consideravelmente maior, com
ocorrência dominante de Cambissolos háplicos, em algumas extensões associados a
Latossolo Vermelho-Amarelo, além de faixas de Argissolos Vermelho-Amarelo.
De forma geral, as zonas de geodiversidade mais elevada encontradas se devem ao
incremento dado por canais de primeira ordem, número de canais fluviais perenes
e contatos litológicos (figura 2). Ainda, verifica-se nesses restritos hot spots
alguma variação nos estilos fluviais, que em geral se manifestam em estilo de
vale confinado nas porções montanhosas onde os canais são distintamente mais
controlados, entrincheirados em vales incisos e com morfologia essencialmente
retilínea.
A espacialidade da geodiversidade na área de estudo aponta maiores valores na
porção norte da FLONA e no seu entorno imediato, próximo ao exutório da bacia do
ribeirão da Cachoeira. Nesse setor, a litologia gnáissico-granítica está
vinculada a um número mais expressivo de canais perenes, e os vales mais abertos
incrementam os estilos fluviais locais, por vezes ocorrendo mais de um estilo
fluvial na mesma quadrícula. Associadamente a isso, as faixas de contato
litológico entre nefelina-sienitos e os litotipos pré-cambrianos,
fundamentalmente gnaisses migmatizados, contribui para uma elevação dos valores.
A geodiversidade restrita encontrada no maciço alcalino, imposta pela
homogeneidade litológica e pelo rígido controle estrutural, é compensada pela
ocorrência de importantes morfopatrimônios. As intrusões alcalinas ocorrentes na
área correspondem a uma vertente da estrutura conhecida como Serra Fina, cujas
cimeiras definem o ponto mais alto do ramo meridional da Serra da Mantiqueira,
designado pelo topônimo de Pedra da Mina. Indefectivelmente, a aludida estrutura
é objeto de forte identidade por parte da população dos municípios que ladeiam a
chamada Serra Fina, figurando como um importante morfopatrimônio compartilhado
em âmbito intermunicipal e interestadual, uma vez que marca os limites entre os
estados de Minas Gerais e São Paulo. Muito além da relação identitária, esse
importante segmento da Serra da Mantiqueira sustenta elevado valor ambiental já
tratado sob diferentes enfoques (CAVALLINI, 2001; MARQUES NETO, 2018; SANTOS et
al. 2021), uma vez que partilha de corredores ecológicos regionais
caracterizados por sucessões de geossistemas dadas pela altitude, resguardando
tanto variações fitofisionômicas florestais como campos altimontanos e seus
endemismos associados. Além disso, a região é bastante atrativa para o turismo
pautado no montanhismo e\ou por intermédio de trilhas, inscrevendo-se assim em
uma condição de valor econômico regional.
As vertentes pertencentes à Serra Fina, domínio das rochas alcalinas,
correspondem a um setor específico de um geossítio área, conforme a proposição
de Gutiérrez e Martinez (2010, apud Meira, 2020), figurando como um geossítio
contínuo que, ainda, agrega geossítios menores ao longo de sua área de
abrangência. No presente trabalho, foi representada somente sua extensão
adstrita aos limites da FLONA.
Entre os aludidos geossítios, na área de estudo ocorre um geossítio ponto, ao
qual se associa um morfopatrimônio associado a uma cachoeira que se arranja em
soleira rochosa definida pelos knickpoints que ocorrem nas baixas vertentes
escarpadas, próximas aos contatos litológicos. Essa categoria de geossítio
apresenta manifestação pontual, e sua representação em escala de semidetalhe
pode ser sanada pelo uso de símbolos, recurso gráfico bastante usual em outros
expedientes cartográficos, como a cartografia geomorfológica.
Ainda, a área abrangida no presente estudo apresenta geossítios mirantes. Tais
geossítios não estão vinculados diretamente a morfopatrimônios, mas figuram como
espacialidades importantes por propiciarem visadas macroscópicas dos
geossistemas regionais, servindo tanto a fins contemplativos como científicos e
educacionais, uma vez que coadunam a beleza cênica aos arranjos regionais do
relevo e das formas de uso da terra e cobertura vegetal remanescente, os
atributos passíveis de apreensão a partir dos referidos geossítios. Nesse
sentido, é providencial que os geossítios mirante sejam sublinhados na sua
propriedade em desvelar conjuntos, podendo ser francamente explorados para a
interpretação da paisagem em perspectiva sistêmica.
A figura 3 reúne os principais geossítios e morfopatrimônios associados que
ocorrem na área de estudo.
Distintamente, o quadro geográfico em apreço apresenta notória complexidade, com
considerável matéria viva suportada pela base física e geodiversidade associada.
A condição geopatrimonial associa a beleza cênica a uma condição de indiscutível
importância ambiental, valores identitários e econômicos, uma vez que paisagens
carismáticas despertam relações topofílicas nas comunidades locais e interesse
de visitação nas comunidades exteriores. Como a associação entre áreas de
geodiversidade elevada e a ocorrência de morfopatrimônios nem sempre ocorre, é
importante que a incorporação dos elementos da geodiversidade no planejamento
seja feita com essa clareza, fomentando a incorporação das variáveis abióticas
nos planos de manejo e nos variados sistemas de planejamento em escala local e
regional.
Floresta Nacional de Passa Quatro (FLONA) e entorno: localização e base geológica.
Floresta Nacional de Passa Quatro (FLONA) e entorno: geodiversidade e morfopatrimônios\geossítios associados.
(A) Geossítio área – Serra Fina (maciço alcalino de Passa Quatro); (B) Geossítio Mirante (Mirante 2); (C) Geossítio ponto – Cachoeira Iporã.
Considerações Finais
No âmbito da área de estudo, os maiores valores de geodiversidade foram computados
no âmbito das paisagens regionalmente dominantes das morrarias de significado
dominantemente zonal, com topografia mamelonar, mantos de intemperismo argilosos e
solos mais bem desenvolvidos e transporte fluvial dado fundamentalmente por
materiais finos. Por outro lado, os valores mais baixos se relacionam a uma
importante paisagem de exceção dada pela Serra Fina, que junto ao maciço do
Itatiaia se destaca de todo o restante dos grandes escarpamentos do Brasil Sudeste
e das margens passivas de forma geral. Para o planejador e órgão executores
associados, é fundamental que seja feita a calibração entre a geodiversidade
mensurada e cartograficamente representada e os morfopatrimônios ocorrentes em uma
dada espacialidade, evitando que áreas importantes para a geoconservação fiquem de
fora de pautas conservacionistas por apresentarem baixa geodiversidade. Em
unidades de conservação, a incorporação do tema em apreço pode auxiliar
sobremaneira os planos de manejo e de visitação, tendo em vista que muitas áreas
protegidas são procuradas em função de sua base abiótica, que comumente figuram
como os principais atrativos locais. Seguramente, a FLONA de Passa Quatro se
enquadra nessa lógica, e as práticas de geoturismo vigentes são centradas em seus
atrativos consubstanciados em fatos geomórficos de destaque, que figuram como as
referências principais nos roteiros e programas de visitação.
Agradecimentos
Referências
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