Autores
- GABRIEL CONCEIÇÃOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: grabriel129@gmail.com
- LUZIANE LUZUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁEmail: luzianeluz36@gmail.com
Resumo
No dia 26 de fevereiro de 2023, ocorreram deslizamentos de terra nos bairros de
São José e São João, em Abaetetuba (PA), resultando na evacuação de mais de 100
famílias devido ao risco de desabamento de suas casas localizadas em áreas de
risco. Esses bairros já haviam enfrentado deslizamentos anteriormente. Este
estudo tem como objetivo examinar os deslizamentos mais recentes, investigar o
impacto da intervenção humana na paisagem dessas áreas residenciais específicas,
analisar a relação entre esses deslizamentos e eventos anteriores, e entender os
efeitos socioeconômicos e socioambientais sobre os moradores em condições
econômicas precárias. A pesquisa bibliográfica sobre os processos anteriores na
cidade e as características geográficas da região desempenharam um papel
importante. Mapas foram criados com base nessas informações para representar a
situação atual e auxiliar na compreensão dos problemas enfrentados na região.
Palavras chaves
Subsidência; Deslizamentos; Depósitos tecnogênicos; Risco; Abaetetuba
Introdução
Conhecida como capital do Miriti, Abaetetuba é um município do estado do Pará,
integrante dos 11 municípios da região de integração do Tocantins que teve sua
expansão urbana a partir das margens do rio Maratauíra, e hoje abriga mais de
160.439 habitantes(IBGE, 2021). Atualmente, os bairros localizados às margens do
rio como São João, São José, Algodoal e Centro são os que mais sofrem com os
processos de subsidência no município, sendo o mais recente o ocorrido no dia 26
de fevereiro de 2023 nos bairros de São João e São José, localizados em terrenos
de solos colapsáveis com um histórico de aterramento da planície de inundação
com depósitos tecnogênicos, fazendo com que 80 casas fossem evacuadas e deixando
108 famílias desabrigadas.
Segundo Douglas(1983), a falta de estudo de geomorfologia na política urbana
ocorre como um contraponto a despeito dos registros históricos dos problemas
geomorfológicos e hidrológicos decorrentes da urbanização(LUZ, 2017). O que se
deve destacar neste trabalho, são as faltas de planejamentos eficientes para
conter esses deslizamentos e de políticas públicas que deem suporte para as
pessoas atingidas e que possam abranger a população com baixo poder aquisitivo
que consequentemente acabam perdendo os seus poucos bens materiais, incluindo a
sua moradia. Destacando também o fato de não ser a primeira vez que esses
deslizamentos de terra ocorrem nesta área do município, tendo ocorrido um em
2014 no bairro de São João. De acordo com Ribeiro(2018), a população mais pobre
fica vulnerável e exposta aos riscos em seu dia a dia em consequência da falta
de planejamento urbano, a pobreza e problemas ambientais.
A partir dos estudos realizados sobre geomorfologia antropogênica,
levantamentos cartográficos e abordagens bibliográfica, o presente estudo
apresenta uma análise da paisagem antropogênica desses dois bairros localizados
no Polígono de Risco, relação do desastre de 2023 e 2014 com as atividades
humanas que interviram na paisagem natural de Abaetetuba e se firmaram em uma
região imprópria para moradia, além da falta de estudo de geomorfologia nas
políticas urbanas da cidade que ainda não apresenta um plano eficiente e ágil
para auxiliar a população desabrigada e as dificuldades de impor um plano de
intervenção nessas área.
Material e métodos
Para este trabalho, foram realizados levantamentos bibliográficos acerca do
ordenamento territorial de Abaetetuba, leitura do Plano Diretor da cidade, teses
de dissertação com abordagem nos desastres anteriores da cidade, reportagens e
entrevistas disponíveis nos sites do G1 PA e O Liberal, classificação e
caracterização das unidades de relevo com base no Manual Técnico de Geomorfologia
e depósitos tecnogênicos com base nos textos de Peloggia. Também foram criadas
representações visuais utilizando tecnologias de processamento de informações
geográficas. Essas representações foram baseadas em dados nacionais de referência
para mapear a estrutura do solo, a geotecnia e a geomorfologia da área em questão.
Dados retirados do IBGE, CPRM, MAP, MAPBIOMAS, BDiA foram usados para
representação numérica e cartográfica no texto. Além disso, reuniões com o Grupo
de Geomorfologia Ambiental da Amazônia, da UFPA, eram realizadas constantemente
para a sistematização dos dados e discussão sobre bibliografias adequadas.
Resultado e discussão
Abaetetuba é formada por duas unidades geomorfológicas, os Tabuleiros e as
Planícies. As planícies são áreas de terreno com superfícies relativamente
planas ou levemente onduladas, geralmente localizadas em altitudes mais baixas,
onde o processo de sedimentação é predominante em relação à erosão. Tabuleiros e
chapadas são tipos de terrenos com topos planos, que se formaram a partir de
rochas sedimentares e, em geral, são cercados por escarpas. Os tabuleiros
geralmente têm altitudes mais baixas.
Segundo Ribeiro et al.,(2018) a área onde estão localizados os bairros de São
João e São José fazem parte dos bairros do município que apresentam uma planície
tectônica devido ao processo de aterramento durante a ocupação urbana
desordenada nas APP’s (Áreas de Preservação Permanente) consideradas impróprias
para habitação. De acordo com Silva et al.(2019), os materiais usados nos
aterros dos bairros de São João e São José variam de serragem, caroços de açaí e
restos de materiais de construção, classificados por Peloggia(1998) como
materiais gárbicos e úrbicos. São esses os componentes que resultaram na
formação de um solo mais frágil e colapsável na presença de umidade e foram
responsáveis pelo desastre do bairro de São João em 2014, e que se repetiu em
2023. Para Nir(1983), as atividades humanas estão sempre influenciando os
processos geomorfológicos. A formação desse solo de sustentação com origem
tectogênica é considerada um fator de risco potencial ao colapso(Peloggia,
1996).
A área central da cidade está localizada nos tabuleiros paraenses com poucos
riscos de subsidência, sendo as regiões mais caras para se morar e expulsando a
população mais pobre para as margens do rio. Os bairros onde ocorreram os
recentes desastres estão localizados às margens do rio Maratauíra, regiões
caracterizadas pelas planícies e terraços fluviais que alagam com a subida do
rio, o solo é caracterizado como gleissolo, conhecido por ser um exemplo de solo
colapsável, a vegetação composta por áreas de várzeas foram originalmente
desmatadas durante a ocupação dos bairros ao longo dos anos e facilitando a
infiltração das águas pluviais e o alagamento dessas áreas.
Segundo os moradores, tudo se iniciou após perceberem que a torre de energia
começou a balançar seguido de estalos constantes vindo das casas que ficavam
mais próximas ao rio. Em um curto período de tempo, os moradores correram para
resgatar roupas e seus documentos pessoais de suas casas temendo que elas
desabassem. As casas que ficavam às margens do rio ou próximas dele foram as que
mais sofreram com o processo de subsidência, algumas indo até para o fundo da
água enquanto outras ficaram rachadas devido ao movimento da terra(G1, 2023).
Nenhum morador foi a óbito ou ficou ferido, entretanto, moradores das zonas
delimitadas pelos bombeiros como "Polígono de Risco” tiveram que sair de suas
casas devido ao risco de novos deslizamentos de terra. Cerca de 80 casas foram
evacuadas e 108 famílias estão desabrigadas e realocadas no ginásio da cidade ou
procuraram abrigo na casa de parentes(G1, 2023). De acordo com dados obtidos
pelo Serviço Geológico do Brasil - CPRM, que apontaram alto risco para toda a
área isolada, o que significou um aumento do "Polígono de Risco”, que já alcança
42 mil metros quadrados e consequentemente, houve a retirada de mais famílias de
suas casas no dia 9 de março por precaução.
Vale ressaltar que esse não é o primeiro caso de deslizamento de terra
ocorrido no local. Em janeiro de 2014, os moradores do bairro de São João foram
surpreendidos com a abertura de uma cratera que destruiu cerca de 11 casas que
ficavam próximas ao rio Maratauíra e deixou 43 casas interditadas(BRASIL,2014).
No começo, acreditava-se que se tratava de uma erosão pluvial devido à cheia do
rio, mas após a perícia se constatou que esse desastre se deu por causa dos
aterros irregulares no terreno, mesmo motivo do caso de 2023. De acordo com
Silva(2018) após um estudo no bairro de São João, toda aquela região próxima de
onde ocorreu o desastre de 2014 e que também foi afetada pelo desastre de 2023
foi aterrada com depósitos tecnogênicos, e era notável a presença de rachaduras
nas casas, trincas no solo, o desnível do solo e no aterro nas margens do rio.
Moradores relataram que o bairro inicialmente era uma área de várzea, e foi
gradativamente aterrado com caroços de açaí, “moinha”(pó de serragem) e
“entulho”(SILVA, 2018).
Apesar dos riscos ainda existentes no bairro, os moradores afastados pela
Defesa Civil de suas casas, retornaram e permaneceram residindo na residência
devido não terem condições financeiras para arcar com aluguel em outro
imóvel(SILVA, 2018). Isso mostra o desafio para os órgãos públicos em retirar as
pessoas dessas áreas de risco devido a fatores como relação afetiva com o local,
lugar estratégico para moradores que trabalham com extrativismo e a pesca,
proximidade com o centro, e o principal motivo a ser destacado são os altos
valores de casas e aluguel nas regiões mais altas da cidade que impedem os
moradores de saírem dessa região visto que os habitantes dos bairros de São João
e também de São José são de baixa renda.
A caracterização dos bairros de São João e São José refletem a vulnerabilidade
da população habitante da planície tecnogênica, tendo eles boa parte dos
beneficiários do Bolsa Família(São José com 30% dos beneficiários e São João com
58%), e a falta de estrutura, saneamento básico e as condições precárias
presentes nesses bairro onde habitam parte da população baixa renda do
município(RIBEIRO, 2017).
Após o desastre de 2023, a prefeitura de Abaetetuba direcionou algumas pessoas
desabrigadas para o ginásio da cidade, e o Governo do Pará declarou situação de
emergência no município por 180 dias. As famílias afetadas foram beneficiadas
com cestas básicas e auxílios fornecidos pela prefeitura de Abaetetuba, além de
um auxílio no valor de um salário mínimo para os cadastrados no programa
“Recomeçar” do Governo do Pará. Entretanto, os auxílios fornecidos pela
prefeitura e pelo estado não são o suficiente para suprimir as necessidades dos
atingidos.
Metade dos moradores retirados do polígono de risco dependiam das rendas de
seus comércios no bairro, ou trabalhavam nos portos que foram interditados após
o desastre. Foi o caso de Claudete Rodrigues, a artesã e o seu marido
entrevistados pelos repórteres do O Liberal tiveram que sair da casa onde
viveram por 7 anos devido ao risco de desabamento. Com o marido desempregado
devido a interdição dos portos, o casal está dependendo de doações para viver, o
Auxílio Aluguel de R$500,00 fornecido pela prefeitura é insuficiente para alugar
uma casa, e Claudete contou com a ajuda de uma pessoa sensibilizada com a
situação e alugou a casa por um preço acessível. Atualmente ela divide o imóvel
com mais quatro famílias que também tiveram suas casas interditadas(G1, 2023).
No Plano de Ação para Processo de Revisão do Plano Diretor do Município
Abaetetuba do dia 22 de Setembro de 2015, apresenta uma proposta para a retirada
dos moradores dessas áreas de risco e oferecendo moradia digna em um local
apropriado, entretanto, é notável o despreparo e a falta da execução de um plano
de risco com medidas para a retirada desses moradores dos bairros afetados e de
projetos que beneficiem os moradores atingidos pelos deslizamentos recentes
mesmo após 9 anos depois dos acontecimentos no bairro de São João em 2014. Em
entrevista ao G1(2023), a atual prefeita de Abaetetuba Francinete Carvalho
enfatizou a dificuldade em criar um conjunto habitacional para mais de 100
famílias e a busca de parcerias para a realização de projetos habitacionais no
município.
Considerações Finais
Não faltaram estudos concretos que confirmem os riscos existentes naquelas áreas,
entretanto, os órgãos municipais da cidade falharam em agilizar a retirada dos
habitantes dessas áreas de risco, e 9 anos depois a cidade está lidando com mais
um desastre ambiental nessa mesma região. A criação de um plano de risco e a
construção de moradias que atendessem o número de habitantes e a desocupação
gradativa desses bairros evitaria um desastre como o de 2023 e não prolongaria o
risco dos moradores que moram próximos ao rio, levando em conta que após a
liberação das áreas interditadas pela Defesa Civil, a tendência é eles voltarem às
suas casas mesmo com todos os riscos existentes no bairro.
Ribeiro(2018) além de destacar a importância da Educação Ambiental para os
moradores desses bairros, propõe também um plano de risco onde afirma a suma
importância da evacuação das famílias e a interdição do local para as pessoas não
ocuparem mais esses espaços, entretanto, também destaca que um plano como esse não
pode ser executado de qualquer jeito, propondo que essa locomoção das famílias de
um lugar para o outro não devem ser para lugares distantes de onde moravam.
Claudete entrevistada pelo G1(2023) confirma essa última citação de Ribeiro(2018)
ao afirmar as dificuldades na adaptação do novo bairro onde está devido a
distância do centro, enquanto o bairro de São João era mais próximo.
Agradecimentos
Referências
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