Autores
- FRANCISCO LEANDRO DA COSTA SOARESUVA-SOBRAL(CE)Email: francisco.leandro.costa.soares@gmail.com
- VANDA CLAUDINO-SALESUVA-SOBRAL(CE)Email: vcs@ufc.br
Resumo
O presente artigo trata da Geomorfologia Urbana do Rio Poti em Crateús, Estado
do Ceará. O objetivo é realizar a análise dos aspectos que compõem este recorte
de estudo. A metodologia é baseada na analise geossistêmica, e as técnicas
envolvem pesquisa bibliográfica e cartográfica e análise-descrição em campo. Os
principais resultados encontrados foram que o Rio Poti e a Cidade se
desenvolveram sobre um estrato geológico-geomorfológico bastante peculiar, o que
contribuiu para definir as atuais feições paisagísticas naturais e humanas
presentes na planície fluvial. A análise demonstrou que o
curso do rio está consideravelmente com impermeabilização do solo, com poluição
da água, leito assoreado, presença de aglomerados subanormais que indicam Uso e
Ocupação (in)devidos. Pretende-se, com essa pesquisa geográfico-geomorfológica,
impulsionar a recuperação e conservação desse recurso hídrico no contexto da
cidade.
Palavras chaves
Impactos ambientais; Rios; Uso; Ocupação; Cidades
Introdução
As pesquisas direcionadas para Geomorfologia Urbana dão suporte para
intervenções de planejamento territorial nas áreas próximas a corpos hídricos. O
presente artigo tem como foco a análise do Rio Poti na sede do município de
Crateús, situado no oeste do Estado do Ceará. O trabalho segue uma perspectiva
socioambiental e geomorfológica, intimamente atrelada uso e ocupação da planície
de inundação do rio, bem como à caracterização dos aspectos naturais (geológico-
geomorfológicos) e urbanos presentes no recorte espacial definido.
Crateús fica a 350 km da capital estadual do Ceará, a cidade de Fortaleza. Sua
localização está entre as coordenadas 5° 00′ o 5° 30′ de latitude sul e 40° 30′
a 41º 00′ de longitude W. Essa cidade é o polo da Região Geográfica Imediata de
Cratéus (RGIt) e da Região Intermediária de Crateús (RGId) consoante com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
na porção oeste do estado do Ceará e próximas ao estado do Piauí (COSTA,
2017; IBGE, 2017). O acesso à região é predominante rodoviário e aeroviário. As
rodovias principais são pela BR-020 e a BR-226. O sistema aeroviário, dá-se
pelo Aeroporto Regional de Crateús – SNWS (Dr. Lucio Lima), que se situa a 4,0
km da área urbana municipal (COSTA, 2017; CEARÁ, 2023).
O intuito do artigo, nestes termos, é realizar a análise da
Geomorfologia Urbana do Rio Poti no município de Crateús-CE. Entende-se que se
faz necessário para a sociedade a compreensão dos aspectos ambientais, postos em
uma perspectiva geográfica e geomorfológica, para que possa ocorrer a execução
de um planejamento urbano-ambiental adequado.
Material e métodos
A metodologia é baseada em analise geosistêmica (Bertrand, 1972, 2009), com
técnicas pautadas em pesquisa bibliográfica, cartográfica, análise-
caracterização em campo. Quatro etapas técnicas foram realizadas para a produção
da pesquisa, a saber.
A primeira, corresponde ao levantamento bibliográfico, cuja finalidade foi a
constituição de um embasamento teórico sobre o tema a ser estudado. A pesquisa
se deu sobretudo no Google Acadêmico (Scholar) e em periódicos de Geografia
sobre a temática “Geomorfologia Urbana”, e de maneira específica “Geomorfologia
Urbana: análise e caracterização”.
A segunda fase consistiu na análise cartográfica e fotográfica (sensoriamento
remoto/Google Earth) da área de estudo entre os bairros constituídos próximos ao
leito do Rio Poti. Realizou-se também procura de fotos e mapas em arquivos da
prefeitura e em projetos de engenharia.
A soma da primeira e da segunda etapa resultou na caracterização geográfica-
geomorfológica da bacia urbana do Rio Poti. Grande parte da caracterização deu-
se a partir de mapeamento realizado pela Companhia de Pesquisa de Recursos
Minerais (CPRM) do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Esse registro está na
“Folha SB.24-V-C-III” (Escala 1:100.000) de 2017 e no livro sobre a
“Geodiversidade do Estado do Ceará (2014)”.
A terceira fase diz respeito aos trabalhos de campo. Foram realizadas três
visitas consecutivas: a primeira, para o Bairro dos Patriarcas, a segunda para a
Cidade Nova (Ilha) e por fim, o bairro Ponte Preta-São José-Centro. A quarta
fase é aquela, na qual, foi realizada uma análise-caracterização dos dados
adquiridos ao longo da pesquisa e assim a produção do material científico ora
aqui apresentado.
Resultado e discussão
Os constituintes Geoambientais
Do ponto de vista geológico-geomorfológico, coloca-se que a cidade de
Crateús é caracterizada pela presença do Glint da Ibiapaba, situado a oeste da
sede municipal. Conhecido popularmente por Serra da Ibiapaba, acha-se
estabelecido nas rochas de constituição sedimentar pertencentes à Bacia do
Parnaíba, de idade paleozoica. No sopé ocorre a chamada Depressão Periférica,
sustentadas por rochas do embasamento cristalino pré-cambriano, onde dominam
rochas metamórficas (BRANDÃO, 2014; CLAUDINO-SALES, 2016; 2020; 2020; SANTOS;
NASCIMENTO; CLAUDINO-SALES, 2020; CLAUDINO-SALES; LIMA; DINIZ, 2020).
O canal do Rio Poti, de idade cenozoica, drena a Depressão Periférica,
escoando em direção ao glint, onde abre uma perceé, virando afluente do Rio
Parnaíba, já no Estado do Piauí. Nesse percurso, ele cruza a área urbana de
Crateús. O caráter da sua drenagem é do tipo dendrítica. Em Crateús, é
constituído de subunidades subdentríticas. Conforme Kellerhals, Igreja e Bray
(1976), apresenta formato sinuoso e um padrão irregular em todo o curso
principal, sendo caracterizado como rio anastomosado.
A composição florística da área de estudo é fundamentalmente inserida nos
Domínios das Caatingas. A variação é entre espécies perenifólias e decíduas, ou
semidecíduas de porte pequeno a médio. Ocorrem algumas espécies particulares com
tamanhos exuberantes, por exemplo: a Oiticica (Licania rigida), o Tamboril
(Enterolobium contortisiliquum) e Cajá (Spondias mombin) (AB'SABER, 1974;
FERNANDES; QUEIROZ, 2018).
De acordo com IBGE (2020), Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
(IPECE, 2017) e BRASIL (2022), o clima é do tipo Tropical Quente Semiárido
Brando e Tropical Quente Semiárido, com quantitativos pluviométricos de 731,2, e
temperatura variando de 26° a 28° entre os meses de janeiro a abril. Já os solos
são do tipo: Areias Quartzosas Distróficas, Bruno não Cálcico, Planossolo
Solódico e Latossolo Vermelho-Amarelo.
A Geomorfologia Urbana e a análise-descrição do Uso e Ocupação do Rio Poti
A cidade de Crateús evoluiu seguindo a dinâmica do rio, tendo sido este
utilizado como marco referencial das divisões de terras no meio rural e no meio
urbano. A repentina urbanização do município de Crateús a partir dos anos 1990-
2000, somado com a inexistência de gestão, planejamento e ordenamento
territorial adequados, pressionou antropicamente a dinâmica natural do Rio Poti,
alterando seu comportamento físico-químico-biológico.
Esse estudo centrou-se nas planícies aluvio-fluviais, também conhecidas como
planícies de inundação. Trata-se de uma área com altos índices de carga
sedimentar, relativamente plana, sob intensos processos intempéricos e físico-
químico-biológico, além de erosivos representados por áreas de agradação
relativamente planas, e com amplos
afloramentos do tipo matacões, que alcançam o leito do rio a partir de
movimentos de massa e são transportados por ações mecânicas fluviais.
A largura do canal do rio (leito menor) dentro e fora da cidade varia de 40m a
60-70 m, respectivamente. Na área urbana, por vezes o leito mostra-se
estrangulado, apresentando largura ainda menor, em função da ocupação por
residências ao longo do vale (Figuras 1 e 2). A figura 1 expõe o vale do rio
entre os bairros Cidade Nova, Patriarcas e Cajás. Na figura 2, visualiza-se o
rio entre os bairros Ipase, Centro, São José e Ponte Preta. Aos poucos, o que
era de domínio natural do rio, passou a ser ocupado por casas e construções,
mesmo sendo a mesma preservada por lei (trata-se da Lei n. 12.651/2012, que cria
as Áreas de Preservação Permanente-APP).
Em relação ao uso e ocupação, coloca-se que ao longo do processo de urbanização
da planície do rio, a Prefeitura Municipal de Crateús permitiu a instalação de
uma série de domicílios e construções comerciais. Muitas edificações, no
entanto, ocorreram de forma espontânea, e tais construções não seguem padrões
adequados para uma vida digna e qualificada (Figura 3).
Essa ocupação, tanto a regular quanto a irregular, e como constatado nos
trabalhos de campo, resultou em impactos ambientais tais como contaminação e
impermeabilização do solo, poluição das águas e assoreamento do canal principal,
como se observa ocorrer em outras planícies fluviais urbanas do Brasil
(BAPTISTA; CARDOSO, 2013; GUERRA; CUNHA, 2010; GUERRA; MARÇAL, 2006; GUERRA,
2011; PINÉO; PALHETA, 2021).
Outros impactos ambientais são associados com a remoção da mata ciliar, redução
da ictiofauna, aves, mamíferos, poluição dos poços d’água, impacto para a pesca
artesanal e de subsistência e acúmulo de resíduos sólidos, impondo expressiva
pressão sanitária nos residentes próximos a essas áreas, que sofrem com
problemas gastrointestinais e renais, entre outros, a exemplo de outras áreas
fluviais urbanas do país (BATISTA; CARDOSO, 2013; GUERRA; CUNHA, 2010; GUERRA;
MARÇAL, 2006; GUERRA, 2011).
Cita-se também a ausência do poder público no controle da qualidade ambiental do
recurso hídrico, quando da ocupação urbana histórica do leito do rio (ALMEIDA;
CARVALHO, 2009). Com efeito, falta saneamento básico e coleta adequada de lixo,
o que causa degradação em todo o curso no âmbito da cidade de Crateús, o que se
perpetua em direção à jusante e exutório. Os impactos se ampliam sazonalmente
durante a quadra chuvosa, ocorrendo enchentes e inundações em anos de maiores
volumes pluviométricos, o que cria problemas para a população ribeirinha,
vulnerável, por habitar construções de baixa qualidade, instaladas em contexto
de ocupação desordenada.
Coloca-se ainda que permanece a construção de domicílios próximo ao curso
hídrico com o aval da prefeitura, principalmente nos bairros Patriarcas, Cidade
Nova e Ponte Preta, São José e Centro, onde a especulação imobiliária tem
concretizado eficientemente seus interesses. São domicílios regulares, que
apresentam estilos, tamanhos e materiais de elevado padrão, estando
propícios a desastres (ou catástrofes) naturais. Os proprietários, de elevadas
condições socioeconômicas, recolhem IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano)
junto aos órgãos públicos municipais de arrecadação. Nessas áreas, ocorrem
outros equipamentos públicos e privados que aumentam o status econômico dos
moradores (MELLO, 2008; SOARES; SILVA, 2020).
Figura 1. Trajeto urbano do rio Poti no bairro Cidade Nova (Ilha) com um total de 2,6 km. Fonte: GOOGLE EARTH, 2022
Figura 2. Trajeto urbano do rio Poti com um total de 5 km. Fonte: GOOGLE EARTH, 2022.
Figura 3. Ocupações (ir)regulares na planície fluvial do Rio Poti no espaço urbano de Crateús. Fotos: Autores, 2023
Considerações Finais
As ocupações habitacionais intensificam os processos de degradação e a modificação
da morfologia do leito do Rio Poti. A não preservação, conservação e preocupação
com o rio resultam em processos não benéficos à sua dinâmica natural. Faz-se
necessário a continuidade de pesquisas científicas, visando a implementação de
técnicas e tecnologias mais sustentáveis, cujo intuito é a reversão ou a redução
dos impactos anteriormente citados, bem como o controle de ações inapropriadas ao
rio e a cidade. Tem-se clareza, no entanto, que o cuidado com os geo-ecossistemas
hídricos é uma ação política, social, ambiental.
O estudo demonstrou o quanto se faz necessário a adoção de medidas práticas e
estratégicas para a tentar recuperar a integridade do Rio Poti, importantes e
indispensáveis para a edificação de um futuro mais promissor em termos de
desenvolvimento sustentável. Pois os rios são corpos dinâmicos, preciosos do ponto
de vista natural, e por isso, merecem ser respeitados.
Agradecimentos
Agradecemos a Fundação Cearense de Apoio à Ciência (FUNCAP) e o Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (PROPGEO/UVA).
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