• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

MORFOTECNOGÊNESE GARIMPEIRA NA SERRA DO ESPINHAÇO MERIDIONAL/MG: análise preliminar dos aspectos morfossedimentares do vale do Ribeirão Datas

Autores

  • ALESSANDRA DE ABREU ANDRADEUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: allessandrah_128@hotmail.com
  • IVO NUNES LUIZUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: ivonunesluiz2014@gmail.com
  • LUIZ FERNANDO DE PAULA BARROSUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: luizfpbarros@yahoo.com.br
  • ANTONIO PEREIRA MAGALHAES JUNIORUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: antonio.magalhaes.ufmg@gmail.com

Resumo

Este trabalho analisa a configuração morfológica do fundo do vale do ribeirão Datas, incluindo seus níveis deposicionais e o próprio curso d'água. Assim, pretende-se levantar indícios e evidências dos impactos do garimpo histórico e recente, a fim de subsidiar futuras investigações sobre os impactos da mineração na evolução geomorfológica dos fundos de vales na região. Foi escolhido um trecho no seu alto e outro no baixo curso para análise, que incluiu mapeamento de feições erosivas e morfossedimentares em imagens de satélite e trabalho de campo. Os resultados revelam feições deposicionais arenosas, especialmente barras laterais e de pontal. Nas margens, estão presentes diversas depressões escavadas pela atividade garimpeira, preenchidas por água, como lagoas. Feições erosivas e o desmonte de afloramentos rochosos também indicam invenção antrópica por garimpo, principalmente no alto curso. No baixo curso as marcas dos ciclos de mineração são menos evidentes na paisagem.

Palavras chaves

tecnógeno; morfotecnogênese; geomorfologia fluvial; atividade garimpeira; Serra do Espinhaço Meridional

Introdução

O desenvolvimento das atividades antrópicas pode impactar a dinâmica fluvial em termos erosivos e/ou deposicionais (OLIVEIRA et al., 2014). A configuração de depósitos aluviais depende de um balanço entre diversos fatores, como a relação erosão-deposição no leito, a qual depende, entre outras variáveis, da velocidade de transporte, da granulometria e da competência de cada curso d’água (BRIDGE, 2003; BRIERLEY e FRYIRS; 2005; MAGALHÃES JR. e BARROS, 2020). Desse modo, as atividades antrópicas também podem influenciar a distribuição espacial e as características dos depósitos, suscitando diversas pesquisas no âmbito do Tecnógeno . O garimpo aluvionar, especialmente, pode gerar ou alterar feições morfológicas naturais e, a depender da intensidade de exploração e dos artifícios utilizados, causar diversos impactos ambientais negativos (KUCHENBECKER et al, 2016). O garimpo iniciado na região da Serra do Espinhaço no final do século XVII envolveu práticas de intervenção direta nas calhas e margens fluviais (FERRAND et al., 1998). Nesse contexto, o vale do ribeirão Datas pode ilustrar esse panorama regional de alteração da morfologia e dos padrões de canal pelas intervenções históricas e recentes do garimpo aluvionar. Segundo Felício dos Santos (1976), a descoberta do potencial de garimpo diamantífero do ribeirão Datas ocorreu ainda no começo do século XVIII, em razão da ocupação disseminada nos arredores do Arraial do Tijuco, atual cidade de Diamantina. Essas explorações resultaram no descobrimento no que o referido autor denomina de “ricos leitos”. Desde então, o ribeirão Datas, assim como outros cursos d’água da região, tornam-se uma importante fonte de recurso mineral, seja por meio de garimpo artesanal, com ferramentas simples (como bateia e peneira), como também na modalidade semimecanizada, por meio da dragagem de materiais (LACERDA, 2014). Após diversos ciclos de mineração, essa atividade encontra-se, atualmente, cessada em larga escala. Essa redução está ligada, além das intensas fiscalizações ao longo das décadas de 1990 e 2000, à instalação de outros tipos de uso, como a extração de areia e a agricultura nas áreas adjacentes ao ribeirão Datas. Este trabalho busca analisar a configuração morfológica do fundo do vale do ribeirão Datas, incluindo seus níveis deposicionais e o próprio curso d'água. Assim, pretende-se levantar indícios e evidências dos impactos da atividade garimpeira histórica e recente, a fim de subsidiar futuras investigações sobre os impactos da mineração na evolução geomorfológica dos fundos de vales na região. O ribeirão Datas tem suas cabeceiras localizadas no município homônimo. Com mais de 34 km de extensão, o ribeirão corre no sentido NNE-SSW a NE-SW, com inflexões para ESSE-WNW. O médio e o baixo cursos estão no município de Gouveia, onde o Datas conflui com o ribeirão Chiqueiro, no médio curso e na margem esquerda deste, sendo ambos pertencentes à bacia hidrográfica do rio São Francisco. A bacia do ribeirão Datas drena litologias do Supergrupo Espinhaço. No alto- médio curso, ocorrem quartzitos, filitos e conglomerados proterozóicos da Formação Sopa-Brumadinho. No médio curso, aparecem quartzitos médios e filitos hemáticos da Formação São João da Chapada e megas estratificações de quartzitos puros da Formação Galho do Miguel. Já no baixo curso, dominam migmatitos arqueanos, xistos e pacotes de quartzitos do Complexo Gouveia, intercalados com quartzitos, xistos, quartzitos-mica do Grupo Costa Sena (SAADI & VALADÃO, 1987; ALMEIDA-ABREU, 1995; CARVALHO, 2019).

Material e métodos

Para realizar a análise das feições no vale do ribeirão Datas, foi feita pesquisa bibliográfica acerca dos processos de formação e dos tipos de morfologias em contexto fluvial. Também foram levantados dados secundários sobre a contextualização fisiográfica e histórica da área. O trabalho envolveu ainda a análise de imagens orbitais para delimitação e vetorização de feições e a realização de trabalho de campo, quando se obteve fotos e pontos de GPS para posterior plotagem nos mapas elaborados. Foram delimitados dois trechos para a análise (Figura 1). O primeiro está no alto-médio curso. O segundo corresponde ao baixo curso, localizado no município de Gouveia, até a confluência com o ribeirão Chiqueiro. Esse recorte foi definido por análises preliminares em imagens de satélite no software Google Earth Pro, além de questões logísticas, pois há vários pontos inacessíveis ao longo da drenagem. Foi utilizada uma cena da banda pancromática do satélite CBERS 04A, de julho de 2021, com resolução espacial de 2 m, permitindo a visualização, vetorização manual, caracterização e interpretação de diversas feições de forma detalhada. O mapeamento partiu de critérios abordados por Barros e Magalhães Jr. (2020) quanto às formas de identificação das feições deposicionais. Os ambientes fluviais foram distinguidos da seguinte forma: a) calha fluvial; b) planície de inundação (ambientes marginais); c) encostas (ambientes potencialmente fornecedores de sedimentos para o fundo do vale). Na calha, foram enfocadas as feições de barras de canal, além do tipo de leito: rochoso ou aluvial. Como referência da evolução fluvial da área, foram utilizados os trabalhos de Carvalho (2019) e Carvalho e Magalhães Jr. (2021). Segundo esses autores, no alto e no baixo cursos, o ribeirão Datas possui três níveis deposicionais, denominados de PI (planície de inundação), N1 e N2. No Alto curso, a PI se encaixa em relação ao N1 e este é escalonado em relação ao N2. No Baixo curso, os três níveis estão em contexto de fundo de vale, encontrando-se a PI embutida no N1 e este encaixado em relação ao N2. Essa configuração diferente pode ser influenciada pela litologia em cada trecho e pela existência de rupturas de declive (knickpoints). Em ambos os trechos, há predominância de materiais arenosos, com presença de seixos heterométricos, a depender do nível deposicional observado. Carvalho e Magalhães Jr. (2021) ainda levantam a hipótese de um nível deposicional de origem antrópica, denominado de nível N. Ele estaria assentado no que corresponde ao N1 no alto curso do Datas, destacando-se em função do caráter destoante de sua organização estratigráfica. Em relação à cronologia dos eventos sedimentares, datações por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) realizadas em sedimentos da PI revelam idade igual a 900 ± 120 anos.

Resultado e discussão

O trecho analisado no alto curso do Datas (Figura 2) totaliza 6,7 km, partindo das áreas próximas cabeceira até o entorno com o perímetro urbano do município homônimo. O tipo de leito que predomina é o aluvial, essencialmente arenoso, mas há segmentos em leito rochoso, com extensão aproximada de 2 km. Na margem esquerda, foram observadas extensas barras laterais e de pontal, compostas de material arenoso, com níveis de seixos de quartzo de pequenas dimensões. As barras mais extensas têm comprimentos que variam entre 100 a 130 m. Em geral, o seu tamanho médio diminui em direção à jusante e há poucas barras centrais. Em relação aos ambientes marginais, na margem direita predomina a planícies de inundação e terraços de pequenas dimensões. Na margem esquerda, foram encontradas extensas coberturas arenosas que indicam revolvimento superficial. Ocorrem também desmontes de afloramentos rochosos nas encostas. A partir destes, nota-se o acúmulo de sedimentos de antigas atividades de mineração, dispostos em pequenos empilhamentos de seixos sobre os sedimentos finos. Ocorrem ainda pequenas lagoas marginais, aparentemente, formadas em depressões escavadas pela ação antrópica, sendo intercaladas com vegetação de pequeno a médio porte. O trecho analisado possui leito sinuoso a retilíneo, com largura média de 20 m. Destacam-se segmentos com grandes inflexões, influenciados provavelmente pelo controle estrutural dos afloramentos rochosos da Formação Sopa-Brumadinho. A jusante do ponto B (Figura 2), o canal se torna retilíneo devido à influência de um represamento, extravasando sobre o leito maior e tomando parte da planície. Por todo o trecho, foram observados focos de erosão, principalmente em contexto de encostas, como cicatrizes de erosão superficial, voçorocas e afloramentos rochosos escavados. No outro trecho analisado (Figura 3), mais a jusante, nota-se um ambiente fluvial que, em primeira análise, apresenta-se mais preservado, sem grandes intervenções diretas de origem antrópica. O trecho possui 5 km e está localizado a 7 km do perímetro urbano de Gouveia. A litologia nesse trecho intercala quartzitos e mica-xistos do Grupo Costa Sena com conglomerados de rochas graníticas do Complexo Gouveia. No geral, o canal possui leito aluvial e um aspecto mais retilíneo na maior parte do trecho. Ocorrem poucas barras centrais, mais comuns nas proximidades da confluência com o ribeirão Chiqueiro. A configuração do leito é semelhante àquela do trecho à montante, com barras arenosas com seixos de pequena a média dimensão, do tipo lateral e de pontal e com dimensões médias de 80 a 130 m de comprimento, além de baixa sinuosidade. Nos ambientes marginais, a planície apresenta diversas lagoas marginais, mas não há indicativos de processos de abandono de meandro. Assim, trabalha-se com a possibilidade de gênese antrópica dessas lagoas. Sua formação também estaria relacionada a antigas depressões oriundas da escavação do material aluvionar, formando o que os garimpeiros chamam de “grotas”, posteriormente preenchidas pela água. No entanto, análises mais detalhadas se mostram necessárias para compreender a dinâmica de encaixamento e de migração lateral do curso d’água para possibilitar conclusões mais assertivas sobre a real origem dessas feições. O terraço em fundo de vale (N1) não apresenta características morfológicas, sedimentológicas e estratigráficas que indiquem perturbação antrópica. Ele é constituído de material arenoso e apresenta acúmulo de matéria orgânica na sua superfície, além de estratificações plano-paralelas. O terraço superior (N2) apresenta pacotes aluvio-coluvionares, intercalados com afloramentos rochosos de pequena dimensão observados no ponto D (Figura 3). Quanto às feições erosivas, estas foram observadas em contexto de encostas, configurando-se como voçorocas de grandes dimensões, vistas em ambas as margens; algumas possuem cobertura vegetal. Nota-se carreamento de sedimentos a partir delas e a ocorrência também de pequenos ravinamentos. Apesar de serem resultantes de processos naturais de evolução da paisagem na Depressão de Gouveia, muitas dessas feições erosivas podem ter sido reativadas ou originadas pelos usos antrópicos históricos e recentes (AUGUSTIN, 2006; AUGUSTIN et al., 2012).

Figura 1

Figura 1: Localização dos trechos analisados no Ribeirão Datas, Minas Gerais. Fonte: elaborada pelos autores, 2023.

Figura 2: Feições mapeadas no trecho de montante do Ribeirão Datas

Figura 2: Feições mapeadas no trecho de montante do Ribeirão Datas Fonte: elaborada pelos autores, 2023.

Figura 3: Mapeamento das feições no trecho de jusante do Ribeirão Data

Figura 3: Mapeamento das feições no trecho de jusante do Ribeirão Datas. Fonte: elaborada pelos autores, 2023.

Considerações Finais

Em ambos os trechos analisados foram observadas influências antrópicas no que tange a processos de agradação e degradação. No alto curso, o cenário é impactante, havendo diversos indícios e evidências de interferência antrópica por garimpo. Ocorre o desmonte de afloramentos e a deposição de sedimentos finos e seixos nos ambientes de planícies de inundação, provocando um carreamento de sedimentos em excesso e sua deposição na calha fluvial. No baixo curso, com exceção das pequenas lagoas marginais, as possíveis alterações por garimpo não se observam diretamente, tendo sido, provavelmente, mascaradas pela dinâmica fluvial recente e pela vegetação. Por sua vez, os processos erosivos neste trecho aparentam ter sua origem em atividades antrópicas recentes e atuais. Assim, a sequência deste trabalho deverá focar aspectos estratigráficos das sucessões deposicionais dos diferentes níveis fluviais.

Agradecimentos

À FAPEMIG pelo apoio financeiro (Projeto APQ 00511-21), ao CNPq pela bolsa de pesquisa, à CAPES pela concessão de bolsa de mestrado (processo n° 88887.695025/2022-00) e ao apoio logístico do grupo de pesquisa RIVUS - Geomorfologia

Referências

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