Autores
- NAYARA RODRIGUES SILVAUNESP/FCTEmail: nayara.rodrigues@unesp.br
- ISABEL CRISTINA MOROZ CACCIA GOUVEIAUNESP/FCTEmail: isabel.moroz@unesp.br
Resumo
O processo de urbanização na cidade de São Paulo modificou o uso e ocupação da
terra e como consequência a tendência hidrodinâmica, sendo um exemplo a bacia do
rio Aricanduva, localizada na zona leste da cidade de São Paulo. Para
compreender as causas e consequências das modificações impostas iremos utilizar
o Mapeamento das Unidades Morfológicas Complexas, proposto por Rodrigues (2004,
2005), Moroz-Caccia Gouveia (2010, 2017), Luz (2010, 2014). Ao definir os
valores de acordo com o grau de derivação em relação às unidades morfológicas
originais permitem identificar os diferentes níveis de perturbação morfológica;
classificar qualitativativamente (tendências espaciais); quantitativamente (por
área) e, por fim, identificar as características hidrodinâmicas (como tendência
ao escoamento superficial concentrado ou difuso) e o grau de conservação
ambiental. O artigo monstra que o Mapeamento das Unidades Morfológicas
Complexas possível identificar áreas suscetíveis a inundações
Palavras chaves
Geomorfologia Antropogênica; Cartografia Geomorfológica; Uso e cobertura da terra; Rio Aricanduva; Urbanização
Introdução
Ao longo da história da formação da cidade de São Paulo, a partir de 1554, os
rios e córregos foram fundamentais para sua expansão (utilizados principalmente
para navegação, abastecimento, atividades domésticas e lazer) assim, as bacias
hidrográficas dos rios Tamanduateí, Pinheiros e Aricanduva – afluentes do Rio
Tietê – foram palco e cenário para a expansão da cidade. Porém, ao longo das
transformações de uma São Paulo “colônia” para “cidade industrial”, os rios e
córregos, com sua morfologia natural, tornaram-se empecilhos para a expansão da
mancha urbana e logo seus traçados e curvas naturais foram modificados em prol
da consolidação da urbanização.
Atualmente (2020), o município de São Paulo é dividido em cinco zonas
administraticas, e temos nessa configuração a zona oeste, zona central, zona
sul, zona norte e zona leste. Este artigo direciona suas investigações para as
transformações ocorridas na bacia hidrográfica rio Aricanduva, localizada na
zona leste de São Paulo/SP.
A estruturação socio-territorial da zona leste se desenvolveu de forma
descontinua, na qual uma série de pequenos núcleos urbanos denominadas “vilas”
se espalharam ao longo do caminho que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro,
através da antiga ferrovia Central do Brasil no final do século XIX (ROLNIK;
FRÚGOLI JR, 2001). Tal estruturação revela que essa porção da cidade era
conhecida como “lado de lá” da várzea do Carmo e da ferrovia Santos – Jundiaí,
onde foram implementadas indústrias, definindo assim uma forte barreira entre o
centro e a ocupação periférica, originando moradias de trabalhadores em
loteamentos irregulares ao longo do século XX (ROLNIK; FRÚGOLI JR., 2001).
O processo de urbanização da zona leste ocorreu de modo lento, porém a partir
dos anos 1960 e 1970 houve uma aceleração com as construções da Avenida Radial
Leste e posteriormente com a implementação da linha vermelha do Metrô. Tais
obras consolidaram o eixo de expansão em direção ao fundo de vale do rio
Aricanduva (ROLNIK; FRÚGOLI JR, 2001).
À medida que a mancha urbana da cidade de São Paulo se desenhou à leste, acabou
intensificando as transformações nas vertentes, córregos, rios, várzeas, colinas
e morros a fim de facilitar a construção de loteamentos, vias e obras de
mobilidade. Tais obras de engenharia alteram drasticamente o relevo, os solos e
a rede de drenagem. Como consequência, temos o aumento na frequência e magnitude
das inundações e alagamentos, processos erosivos e movimentos de massa que,
combinados com a situação de segregação e desigualdade, podem gerar uma
diversidade de riscos e vários níveis de perturbação
O resultado é organização de lugar gerador de muitos perigos às populações e,
neste sentido, é colocado em evidência as relações entre problemáticas
ambientais, sociais e urbanas (VEYRET, 2007), desde a sua dimensão espacial num
movimento contraditório e dialético, é assumir uma investigação que aponte os
processos históricos geradores de transformação de uma morfologia original para
outra, antropogênica, com aumento de escoamento superficial em áreas
impermeabilizadas e, consequentemente, aumento dos riscos (inundações,
enxurradas, alagamentos).
Para compreensão e mensuração do comportamento hidrodinâmico na bacia
hidrográfica rio Aricanduva iremos apresentar o Mapeamento das Unidades
Morfológicas Complexas e Níveis de Perturbação, proposto por Rodrigues (2004,
2005), Moroz-Caccia Gouveia (2010, 2017), Luz (2010, 2014), no qual destacam a
importância do mapeamento para identificar áreas suscetíveis processos
hidrodinâmicos antropogênicos (infiltração, escoamento difuso e concentrado) e
demais desequilíbrios provenientes dos processos de urbanização.
Material e métodos
Os procedimentos para qualificar os processos hidrodinâmicos antropogênicos
(infiltração, escoamento difuso e concentrado) na Bacia Hidrográfica Rio
Aricanduva, basearam-se em Rodrigues (2004, 2005), Moroz – Caccia Gouveia (2010,
2017) e Luz (2014). Os autores citados apresentam modelos de cálculo para
identificar as tendências hidrodinâmicas níveis de perturbação da área de
estudo. Deste modo, foram produzidos o Mapa das Unidades Morfológicas Complexas
e Níveis de Perturbações Hidrogeomorfológicas.
Com a finalidade de elaborar mapas que apresentem as tendências de infiltração e
escoamento, aplicou-se a sobreposição ponderada. A sobreposição foi feita
através da ferramenta Weighted overlay (Spatial Analyst Tools> Overlay> Weighted
overlay) presente no ArcGis.
Utilizou-se duas variáveis: o Mapa de Uso e Ocupação da Terra, disponibilizado
pelo GeoSampa, o qual atualizamos de acordo com as imagens de satélite
fornecidas pelo ArcGis e Google Earth; e o Mapa de Geomorfologia Original da
bacia hidrográfica rio Aricanduva. Tal sobreposição indicou os Níveis de
Perturbação Hidrogeomorfológicas.
Dentre várias possibilidades de análises qualitativas é possível quantificar o
grau de artificialidade dos canais fluviais, através da mensuração de mudanças
no comprimento e padrão, impostas por retificações; a supressão de planícies de
inundação ou a perda de suas funcionalidades no amortecimento de picos de vazão;
a substituição de áreas com tendência à infiltração por áreas com tendência ao
escoamento superficial e suas implicações no aumento de ocorrências de
enxurradas, alagamentos e inundações.
Para classificar as unidades morfológicas complexas e apresentar o seu
comportamento hidrodinâmico é necessário compreender que cada tipo de uso e
cobertura da terra está atrelado à diferentes comportamentos hidrodinâmicos.
Resultado e discussão
De acordo com Rodrigues (2004, 2005) a correlação entre morfologia original e
antropogênica possibilita identificar as unidades morfológicas complexas a fim
de apresentar as dinâmicas hidrogeomorfológicas e determinar o grau de
perturbação. O mapeamento das unidades morfológicas complexas e classificação
dos níveis de perturbação é uma ferramenta que pode ser incorporada aos estudos
de zoneamentos das cidades, pois possibilita especializar e prever as dinâmicas
hidrogeomorfológicas de bacias hidrográficas. Na figura 1 são apresentados as
unidades morfológicas complexas e os níveis de perturbação hidromorfológicas.
Figura 1: Unidades Morfológicas Complexas e Níveis de Perturbação
FIGURA 1 - TABELA
Na figura 1 nota-se que cada tipo de uso e cobertura exerce um grau de
perturbação no comportamento hidrodinâmico, dependendo da morfologia original em
conjunto com a uso e cobertura da terra. A figura 2 corresponde ao Mapa de
Unidades Morfológicas Complexas e Níveis de Perturbação Hidrodinâmica da bacia
hidrográfica rio Aricanduva. Neste mapeamento foram identificadas 35 unidades
morfológicas complexas. A ocupação urbana é predominante na bacia hidrográfica
rio Aricanduva.
FIGURA 2 - MAPA
Na figura 2 as áreas em vermelho que corresponde ao nível de perturbação muito
alto (5) totalizando 43% do mapa, são áreas com o maior adensamento urbano,
impermeabilidade e/ou solo exposto, que eleva os problemas de drenagem interna;
já nível alto (4) na cor laranja, são áreas com presença de equipamentos
públicos e residenciais com poucas áreas permeáveis, totalizando 41% do mapa. Os
tons de verde indicando níveis de perturbação muito baixo (1) representa 1% no
mapa e baixo (2) totalizando 14% do mapa e ambos correspondem as áreas como
parques, praças ou canteiros que apresentam um bom índice de vegetação arbórea
e/ou gramíneas, por fim as áreas com nível de perturbação médio (3) representa
1% do mapa com áreas agrícolas/parques.
Figura 3: Pontos de inundação
Na figura 3 podemos identificar a eficácia da metodologia adotada, no qual
recorte da unidade morfológica complexa (em destaque no círculo próximo ao mapa)
é a MA3aP, que corresponde a morfologia antropogênica em planície fluvial com
estágio final de ocupação urbana, e seu comportamento hidrodinâmico é definido
como: “problemas de drenagem interna, áreas aterradas com necessidade de
compactação e de instalação de sistema de drenagem., ocorrência de inundações e
deposição de sedimentos e lixo” (conforme apresentado no figura 1 Unidades
Morfológicas Complexas e Níveis de Perturbação), sendo seu nível de perturbação
muito alto.
Ao realizar a sobreposição do recorte com os pontos de inundação do dia 16 de
janeiro identificamos que a metodologia adotada corresponde aos objetivos da
pesquisa, pois o comportamento hidrodinâmico é drasticamente alterado com o
processo de urbanização e como consequências têm o aumento da frequência de
inundações e podemos identificar através dos mapeamentos, assim contribuindo
para desenvolvimento de instrumentos de gestão ambiental e urbana.
Claro (2013) destaca que a metodologia adotada é uma ferramenta importante para
o planejamento urbano e ambiental, pois as análises realizadas e os documentos
cartográficos podem colaborar para o desenvolvimento do plano diretor,
implementação de equipamentos públicos e delimitação de áreas verdes para
diminuir a impermeabilização.
Considerações Finais
A metodologia apresentada Unidades Morfológicas Complexas e Níveis de Perturbação
pode ser considera como métrica para avaliação e análise das alterações impostas
ao meio físico atrelada ação antropogênica, pois apresenta como o comportamento
hidrodinâmico é alterado de acordo com tipo de uso e ocupação imposta a terra e
quais os níveis de perturbação para cada uso.
Agradecimentos
Ao programa de pós-graduação em Geografia (PPGG) - UNESP/FCT e à CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão da
bolsa.
Referências
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• MOROZ-CACCIA GOUVEIA, I. C. A cidade de São Paulo e seus rios: uma história repleta de paradoxos, Confins (on line), 27, 2016.
• MOROZ-CACCIA GOUVEIA, I. C. Da originalidade do sítio urbano de São Paulo às formas antrópicas: aplicação da abordagem da Geomorfologia Antropogênica na Bacia Hidrográfica do Rio Tamanduateí, na Região Metropolitana de São Paulo. Tese (Doutorado em Geografia Física), DG-FFLCH-Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, 363p.
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