Autores
- MIRELLA NAZARETH MOURAUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: mirellanm92@hotmail.com
- KAROLINE HELLEN MADUREIRA MELOUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: karolhmadureira@gmail.com
- DIEGO RODRIGUES MACEDOUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISEmail: rodriguesmacedo@gmail.com
Resumo
Entender como as atividades antrópicas influenciam a qualidade de ecossistemas
aquáticos é essencial para a restauração de ecossistemas degradados, visando
restabelecer sua integridade ecológica. Assim, este trabalho busca avaliar e
comparar as condições hidrogeomorfológicas, entre as estações seca e úmida de
nove rios urbanos a localizados em parques de Belo Horizonte, divididos em três
diferentes graus de proteção ambiental. Em cada parque foi aplicado o Protocolo
de Diversidade de Habitats e Integridade das Zonas Ripárias, que avalia as
pressões antrópicas, e as características hidrogeomorfológicas do canal. Os
resultados mostraram existir diferenças entre as condições ambientais e
hidrogeomorfológicas entre os grupos de parques (p<0.01), mas não entre as
estações seca e chuva (p=0.46). Ou seja, o fator determinante para a manutenção
das características ambientais dos cursos d’água, esteve ligado ao seu grau de
proteção e não necessariamente a influência do ano hidrológico.
Palavras chaves
Parques urbanos; Ano hidrológico; Protocolo de avaliação rápida ; Grau de proteção; Sistemas hidrográficos
Introdução
Cursos d’água são ecossistemas importantes para o fornecimento de bens e
serviços ecossistêmicos para a sociedade, incluindo provisionamento de água para
consumo e irrigação, regulação e proteção contra enchentes, geração de energia
elétrica e habitats para conservação da biota (MA, 2005; Fisher et al.
2008;Grizzetti, et al. 2019).Entretanto, mudanças no uso da terra têm causado
impactos negativos nestes ecossistemas (Díaz et al., 2019), através da
eutrofização, alterações no ciclo hidrológico, rebaixamento do nível de base,
modificação da morfologia de canais, alteração na temperatura, aumento no
carreamento de estressores químicos e tóxicos, perda de biodiversidade, etc
(Feio et al., 2010, Everard e Moggridge, 2012; Datry, et al. 2017; Díaz et al.,
2019). Neste sentido, o comprometimento da qualidade da água já é uma
preocupação global (Mello et al., 2020), sobretudo devido as alterações no ciclo
da água e impacto sobre seu abastecimento e distribuição(Abbott et al., 2019).
Além disto, as intervenções humanas alteram direta ou indiretamente a dinâmica
hidrogeomorfológica dos cursos d ́água, alterando a dinâmica das taxas de erosão
e fornecimento de sedimentos à rede hidrográfica (Charlton, 2008; Stevaux;
Latrubesse, 2017). Ao se tratar de corpos hídricos, deve-se ressaltar que as
áreas urbanizadas são aquelas que mais sofrem com as pressões ambientais (Mello
et al., 2023). Nesta conjuntura, destaca-se o recorte espacial de Belo
Horizonte, que mesmo sendo a primeira capital planejada do Brasil em 1897,
negligenciou seu ambiente físico, bem como sua topografia e, principalmente, os
cursos d’água, que foram canalizados e cobertos pelo sistema viário, colocando
assim sua hidrografia e suas respectivas funções em segundo plano (Macedo et al
2011).
Estudos em rios urbanos são recentes e carecem de mais informações sobre as
condições ecológicas de bacias hidrográficas impactadas, conservadas e
eventualmente restauradas, bem como de medidas públicas para melhoria da
qualidade ambiental de rios urbanos (Gorski, 2008; Sá Costa et al., 2010;
Wantzen et al., 2019). Entender como as atividades antrópicas influenciam a
qualidade de ecossistemas aquáticos é essencial na perspectiva de restauração de
ecossistemas degradados, visando restabelecer sua integridade ecológica
(Jørgensen 2015). Além disso, o manejo de recursos hídricos em bacias
hidrográficas requer a integração de valores ecológicos, econômicos e sociais,
garantindo a manutenção de serviços ecossistêmicos a longo prazo(Allan e Flecker
1993).
É nesta conjuntura que objetivo deste estudo é avaliar e comparar as condições
hidrogeomorfológicas, entre as estações seca e úmida de nove rios urbanos a
localizados em parques de Belo Horizonte, divididos em três diferentes graus de
proteção ambiental: parques de referência, parques consolidados e parques
reabilitados.
Belo Horizonte localiza-se na porção central do estado de Minas Gerais, com
altitude média de 852m. No que tange a hidrografia, o município é drenado,
majoritariamente pelas bacias hidrográficas do Ribeirão Arrudas ao sul e a bacia
do Ribeirão do Onça ao norte. Ambas desaguam na margem esquerda do Rio das
Velhas, afluente da margem direita do Rio São Francisco. A dinâmica
pluviométrica é bem demarcada por um período de excedente hídrico (1000 mm/ano)
e um período de déficit (500 mm/ano), reflexo do clima do município que se
enquadra na categoria sub-quente semi-úmido(IBGE, 2002).O município se localiza
em uma área de ecótono entre Savana e Floresta Estacional Semidecidual
(Ferreira; Gontijo, 2005). Todavia, a vegetação do município foi suprimida de
forma generalizada em prol da urbanização, com áreas remanescentes atualmente
próximas à Serra do Curral, em áreas pouco adensadas a norte do município e com
concentração relativa nas unidades de conservação em parques municipais.
Material e métodos
Belo Horizonte conta atualmente com 76 parques municipais, em diferentes graus
de preservação ambiental. Dentre eles, nove parques foram selecionados para este
estudo, sendo classificados como referência, consolidados ou reabilitados. Os
parques de referência, compreendem aqueles com a melhor condição ambiental
possível, sendo locais de captação de água para consumo humano e classificados
como água de qualidade especial segundo a Resolução 357 Conama de 2005. São eles
o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, Parque das Mangabeiras e Parque
Municipal Roberto Burle Marx. Os parques consolidados compreendem os que não
estão em alto grau de preservação, e nem sofreram historicamente com degradação
severa e, portanto, se consolidaram na configuração atual. São eles o Parque
Municipal Jacques Custeau, Parque Municipal Lagoa do Nado e Parque Municipal
Aggeo Pio Sobrinho. Já os parques reabilitados são aqueles que integraram o
Programa “DRENURBS”, entre os anos de 2006 e 2008, quando foram realizadas obras
de reabilitação em áreas de várzea da cidade, com a implementação de parques
lineares. São eles os Parque Municipal Primeiro de Maio, Parque Municipal Nossa
Senhora da Piedade e Parque Municipal José Lopes dos Reis.
Em cada parque foi aplicado o Protocolo de Diversidade de Habitats e Integridade
das Zonas Ripárias (Callisto et al., 2002) que fornece informações quanto à
integridade física e a influência de distúrbios antrópicos no local. O protocolo
é composto por 22 parâmetros, sendo os 11 primeiros pontuados de 0 a 4 e os
demais, pontuados de 0 a 5, de acordo com a observação visual de cada aspecto
avaliado. O valor final foi obtido pelo somatório de cada parâmetro e o local
classificado como em condição natural quando obteve pontuação superior a 60
pontos, alterados quando entre 41 e 60 pontos e impactados quando inferior a 40
pontos.
O protocolo foi aplicado em abril de 2022 (período de estiagem) março de 2023
(período chuvoso) nos nove parques e os resultados foram comparados usando ANOVA
de duas vias, seguido do teste de Tukey, para avaliar diferenças estatísticas
entre as categorias de parques (referência x consolidado x reabilitados) e entre
os períodos (estiagem x chuvoso). A normalidade dos dados foi testada através do
teste de Shapiro-Wilk e a normalidade dos resíduos testada através do teste de
Levene.
Em outras palavras, foi utilizada a análise de variância para avaliar se os
valores médios da pontuação final dos protocolos possuem diferença entre os três
grupos de parques. Caso haja diferença, estaríamos testando justamente se o grau
de proteção dos parques influencia nos parâmetros.
Resultado e discussão
Este trabalho partiu da hipótese de que os períodos de seca e de chuva seriam
preponderantes para as alterações hidrogeomorfológicas nos rios estudados.
Colocou-se a chuva (ou a ausência dela) como um fator externo, de extrema
relevância nas alterações em parâmetros hidrogeomorfológicos, culminando em uma
melhora ou piora na qualidade ambiental do curso d’água.
Entretanto, em geral, nossos resultados demonstraram existir diferenças entre as
condições hidrogeomorfológicas dos grupos de parques (p<0.01), mas não entre as
estações seca e chuva (p=0.46). Ou seja, ao longo do ano hidrológico, os parques
se mantiveram dentro dos seus respectivos intervalos de pontuações. Todavia, as
pontuações propriamente ditas, sofreram alterações, conforme esperado. A Figura
1 demonstra a pontuação final obtida na aplicação do protocolo.
Figura 1: Comparação das pontuações do Protocolo de Avaliação Rápida da
Diversidade de Habitats (Callisto et al., 2002), nas estações seca e chuvosa
(2022-2023). As letras indicam grupos estatisticamente iguais. Os valores < 40
indicam córrego impactado (faixa vermelha), valores 41 – 60 indicam áreas
alteradas (faixa amarela) e valores > 60 indicam áreas em condições naturais
(faixa verde). Fonte: elaborado pelos autores
Os resultados indicam que não há diferenças significativas nas pontuações dos
grupos de parques entre a seca e a chuva. Além disto, os valores obtidos pelos
parques de referência, diferem dos demais, com pontuações mais elevadas. Os
parques de referência apresentaram os valores mais altos de pontuação (88 ± 6 em
2022 e 86 ± 4 em 2023), corroborando com a hipótese de que se encontram em
melhor condição de preservação ambiental. Os rios consolidados e reabilitados
não difeririam entre si (63 ± 1 e 53 ± 5 em 2022 e 67 ± 5 e 57 ± 7 em 2023,
respectivamente). No entanto, a análise do gráfico permite avaliar uma tendência
de que os parques consolidados em uma condição melhor que dos parques
reabilitados.
Partimos do princípio que as sutis diferenças entre as condições
hidrogeomorfológicas dos parques ocorreram em detrimento da ocorrência de
chuvas. Isso, pois ao observarmos as flutuações de pontuações, parâmetro a
parâmetro (Figura 2), pode-se notar que aqueles que mais apresentaram variações
foram os parâmetros relacionados ao fluxo de água dos rios (extensão e
frequência de rápidos e caracterização do fluxo das águas), bem como seu aporte
de sedimentos (depósitos sedimentares) e acúmulo, ou não da vegetação ao longo
do talvegue (presença de plantas aquáticas).
Figura 2: Aplicação do Protocolo de Avaliação Rápida de Callisto et al (2002)
nos nove rios urbanos, nas estações seca e chuvosa. Fonte: elaborado pelos
autores
Com a maior frequência de chuvas, o rio ganhou mais energia e sua vazão
aumentou, intensificando, portanto, tanto a frequência, quanto a extensão dos
rápidos. Como conseguinte, a competência do rio também foi impulsionada,
refletindo na mudança dos tipos de sedimentos transportados e depositados (com
uma maior ocorrência de seixos e cascalhos, antes menos frequentes que a areia).
Em relação à presença de plantas aquáticas, no período de seca, essas eram mais
comuns pela facilidade de fixação no substrato, devido a menor energia do rio.
Contudo, deve-se destacar que, apesar dessas mudanças terem sido percebidas,
elas não foram significativas o suficiente para alterar a faixa de pontuação dos
parques, o que nos fez refletir acerca de nossa hipótese inicial.
Ademais nota-se a eficácia do projeto de reabilitação DRENURBS na cidade de Belo
Horizonte, sendo eficiente na recuperação da qualidade ambiental do parque, uma
vez que este não difere das condições encontradas em parques que não foram
severamente degradados.
Em relação a efetividade da reabilitação dos rios, Macedo et al. (2022)
demostrou que a as pontuações dos três rios reabilitados, antes das intervenções
do DREBURBS ocorridas em 2006 (dados de 2003-2006) eram bem mais baixas e eram
classificadas na classificação de impactado (abaixo de40). Após as intervenções
a pontuação aumentou, relação a pontuação após as intervenções, nos períodos
2008-2011 e 2018-2019, estando no período classificadas como alterados
(pontuação entre 41 e 60) (Figura 3).
Figura 3: Comparação das pontuações do Protocolo de Avaliação Rápida da
Diversidade de Habitats (Callisto et al., 2002), em três fases nos córregos
reabilitados: 2003-2006 (antes das intervenções), 2008-2011 e 2018-2019 (após as
intervenções). As letras indicam grupos estatisticamente iguais. Os valores < 40
indicam córrego impactado (faixa vermelha), valores 41 – 60 indicam áreas
alteradas (faixa amarela) e valores > 60 indicam áreas em condições naturais
(faixa verde).Fonte: Modificado de Macedo et al., 2022.
As intervenções de reabilitação visaram melhorar o estado de rios severamente
degradados com base na recuperação de alguns elementos, processos ou funções
ecológicas. O DRENURBS implementou ações de realinhamentos de canais,
recomposição da vegetação ribeirinha, interrupção de fontes pontuais de poluição
das águas, aumento da complexidade física do canal, estabilização das margens
com aplicação de gabiões e criação de estruturas para visitação, prática
esportiva e lazer (Macedo et al., 2022; Golgher, et al, 2023). Nossos resultados
demonstram que, estas intervenções foram eficientes para recuperar parte da
diversidade de habitats e integridade das zonas ripárias, conseguindo igualar
estas áreas com a situação encontrada em rios já consolidados.
Diante disso, pode-se constatar que o que determinou as pontuações dos parques
nos períodos seca e chuvoso, não foi a dinâmica hidrológica. Muito pelo
contrário, os rios se mostraram bastante resilientes frente às alterações na
dinâmica de matéria e energia. As diferenças nas pontuações podem ser explicadas
pelo grau de proteção que os rios estão submetidos, uma vez que esses estão
inseridos dentro de parques urbanos. Assim, as próprias características
ambientais dos parques (sejam eles de referência, reabilitados ou consolidados)
controlam as pressões ambientais externas. Também se pode observar que as
próprias condições hidrogeomorfológicas são ditadas pelo grau de proteção dos
parques, tendo em vista que o regime hidrológico pouco interferiu, fazendo com
que os rios se mantivessem nas mesmas faixas de pontuação.
Por fim, mesmo com a melhora dos parques reabilitados ao longo dos anos, há
ainda muito a ser feito com o intuito de aproximar ainda mais estes locais às
melhores condições possíveis no contexto metropolitano encontrados nos parques
de referência. Estes resultados são importantes pois demonstram a capacidade de
recuperar áreas em cidades populosas, tentando alinhar desenvolvimento e
sustentabilidade.
Diferenças das pontuações dos rios de referência, consolidados e reabilitados, nas estações seca e chuvosa
Pontuação parâmetro a parâmetro dos rios estudados, nas estações seca e chuvosa
Considerações Finais
Ao se verificar as condições hidrogeomorfológicas de nove rios urbanos, em
diferentes categorias de parques e, consequentemente, distintos graus de proteção
ambiental, pode-se constatar seus respectivos comportamentos, comparando-os entre
si e entre os demais. Conforme o esperado, a qualidade ambiental dos rios se
mostrou bastante fiel aos seus graus de proteção e as diferenças nos parâmetros
observados entre os períodos seco e chuvoso, estavam intimamente relacionados às
características hidrogeomorfologicas, especialmente no quesito fluxos e materiais.
Ainda que o regime hidrológico tenha acarretado em divergências entre os
parâmetros hidrogeomorfológicos, essas alterações não foram suficientes para
comprometer a qualidade ambiental desses rios. Isso comprova a eficácia da
dinâmica ambiental dos parques de referência e consolidados, bem como na
eficiência do programa DRENURBS para a reabilitação dos rios estudados.
Agradecimentos
Agradecemos o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais –
FAPEMIG (APQ-00261-22), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior –CAPES (Código 001).
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