• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

A CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA NA GESTÃO SOCIOAMBIENTAL URBANA: ESTUDO DE CASO DA COMUNIDADE DA GROTA DO SURUCUCU EM NITERÓI/RJ

Autores

  • THIAGO DOS SANTOS LEALSECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTEEmail: thiago.leal@meioambiente.niteroi.rj.gov.br
  • LUIZE DE OLIVEIRA FERRARO MELLOESCRITÓRIO DE GESTÃO DE PROJETOSEmail: luize@egp.niteroi.rj.gov.br
  • LUCIANO GAGLIARDI PAEZSECRETARIA MUNICIPAL DO CLIMAEmail: luciano.paez@niteroi.rj.gov.br
  • YURI SISINO DOS SANTOS FELIPESECRETARIA MUNICIPAL DE DEFESA CIVIL E GEOTECNIAEmail: sisinoyuri@gmail.com

Resumo

É possível observar um aumento da ocupação informal em encostas das regiões metropolitanas. A declividade é um aspecto relevante a ser avaliado quanto ao uso e ocupação do solo urbano, pois quanto maior o ângulo de inclinação maior tende a ser a suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa. Assim, o objetivo desse artigo consiste em relacionar a normalização proposta pelo IPT (2012) para classificação de declividade de encostas e os movimentos gravitacionais de massa registrados entre 2011 e abril de 2023 na comunidade da Grota do Surucucu, em Niterói/RJ, com classes que variaram de “até 17º” a “acima de 45º”, para as quais foram atribuídas nomenclaturas que vão de suave-moderada a extremamente elevada. Foram identificadas 922 edificações locais e a declividade em que se encontram, destacando ainda algumas políticas públicas implementadas para mitigação de risco. Em suma, a metodologia pode consistir em eficaz ferramenta para auxiliar na gestão de áreas similares.

Palavras chaves

Risco geotécnico; Movimentos gravitacionais de massa; Favelas; Geomorfologia; Geotecnologias

Introdução

Inúmeros fatores econômicos, políticos, sociais e culturais têm interferido no processo de urbanização, promovendo excessivo aumento dos núcleos urbanos informais, os quais acabam se configurando como a única opção acessível a uma parcela da população, sobretudo em áreas de encosta das regiões metropolitanas. Segundo Correa (1989) existem grupos sociais que, inseridos em uma situação de insuficiência de renda, por consequência, ficam condicionados a espaços disponíveis na cidade compatíveis com essa condição. Assim, produzem suas moradias de acordo com as limitadas possibilidades existentes. A cartografia geotécnica é uma importante ferramenta para compreender melhor o ambiente e auxiliar na gestão e planejamento urbano. De acordo com Gandolfi & Zuquette (2004) o mapeamento geotécnico se refere a um conjunto de ações voltadas para elaboração de mapas e cartas de conteúdo relativo à geotecnia de determinado local. Franco et al. (2010, p. 160) acrescenta que embora a carta geotécnica expresse fundamentalmente dados do meio físico, sua abordagem pode compreender conjuntamente “aspectos de interesse do meio biótico e antrópico, na medida em que sejam da mesma forma, componentes essenciais nos processos interativos das solicitações do homem no meio”. A declividade das encostas é um aspecto ambiental relevante a ser avaliado quanto ao uso e ocupação do solo urbano, uma vez que esse é um importante indicador da estabilidade geotécnica de determinada localidade, fator que interfere diretamente na suscetibilidade à deflagração de movimentos gravitacionais de massa. Nos movimentos gravitacionais de massa, ocorre um movimento coletivo de solo e/ou rocha, influenciado pela gravidade/declividade, que é um fator crucial. “A água pode tornar o processo ainda mais catastrófico, mas não é necessariamente o principal agente desse processo geomorfológico” (GUERRA, 2014, p. 26). Nesse sentido, segundo Macedo et al. (2012) o mapa de declividade é uma ferramenta importante, pois permite a identificação das áreas com ângulo de taludes acima dos limites de segurança. Para Fontes (2011) tais dados são imprescindíveis para a avaliação das possibilidades de ocorrência de movimentos gravitacionais de massa, tais como queda de blocos/lascas e deslizamentos, processos esses com alto potencial danoso à vida humana. A lei federal nº 6766/1979 apresenta restrições ao parcelamento do solo para fins urbanos em áreas com inclinação de 17º (equivalente a 30%), enquanto a lei federal nº 12651/2012 considera as encostas ou parte dessas com declividade superior a 45º, áreas de preservação permanente. Na comunicação técnica nº 171029 do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT (2012) foi proposta uma classificação dos intervalos de declividade, buscando a melhor adequação da cartografia geotécnica às áreas de domínio pré-cambriano e de relevo de morros no sudeste brasileiro. Desta forma o objetivo deste trabalho é relacionar a aplicação da classificação das declividades das encostas em graus de acordo com a normalização geotécnica proposta pelo IPT (2012) e os diferentes tipos de movimentos gravitacionais de massa ocorridos e registrados entre 2011 e abril e 2023 na comunidade da Grota do Surucucu, localizada em Niterói/RJ (Figura 1), destacando as recomendações geotécnicas pertinentes para as edificações em cada classe de declividade, como também as principais políticas públicas que já foram implementadas para mitigação do risco geotécnico no local.

Material e métodos

O trabalho foi iniciado a partir de levantamento bibliográfico e da construção de um banco de dados georreferenciados. Foram utilizados dados do LIDAR (Light Detection and Ranging), das delimitações de edificações vetorizadas a partir das ortofotos de 2019 (com resolução espacial de 10cm), da localização de sirenes, das obras de contenção e dos Núcleos Comunitários de Defesa Civil (NUDECs), disponibilizados no site do Sistema de Gestão de Geoinformação de Niterói (SIGEO), na aplicação "dados abertos", no ano de 2023. As áreas edificadas utilizadas neste trabalho compreenderam edificações de uso residencial, comercial e de serviços (como instituições religiosas, comércios e escolas), não sendo levados em consideração os arruamentos e as pontes. É necessário pontuar que em uma mesma área edificada podem existir dois ou mais domicílios construídos um sobre o outro ou mesmo um domicílio sobre um comércio, no entanto para este trabalho não foi realizado este tipo de detalhamento. Para a definição do núcleo urbano informal da comunidade da Grota do Surucucu foi utilizado o limite disponibilizado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara com base no censo do IBGE de 2010 e IPP/SABREN 2014. Os dados sobre os diferentes tipos de movimentos gravitacionais de massa (MGM) ocorridos e registrados com coordenadas geográficas entre 2011 e abril de 2023 na área da comunidade da Grota do Surucucu foram obtidos em 2023, junto a Secretaria Municipal de Defesa Civil e Geotecnia (SMDCG). É importante destacar que foi verificado no referido levantamento a incidência de alguns registros de ocorrências com ausência de coordenadas geográficas, constando apenas o endereço de referência (rua e número da residência) e, no contexto desse estudo, optou-se pela exclusão de tais registros, tendo sido utilizados apenas os que apresentaram coordenadas, uma vez que a localização das residências por número em núcleos urbanos informais é de difícil precisão. O recorte temporal está relacionado a disponibilidade dos dados que foi possível obter para este trabalho. A partir da malha de pontos do Modelo Digital de Terreno (MDT) foi criado no software ArcGIS Pro® através da ferramenta “Create LAS Dataset” o arquivo LAS Dataset e posteriormente pela ferramenta “LAS Dataset to Raster”, o MDT para representação da hipsometria a partir de grades regulares (GRID) com resolução espacial de 1 metro. Para os intervalos das classes de declividade, foi realizada a normalização geotécnica proposta pelo IPT (2012), de até 17º, de 17º a 25º, de 25º a 30º, de 30º a 45º e acima de 45º. A partir desses intervalos, este trabalho propôs nomenclaturas para as classes de declividade, a saber: suave-moderada, fortemente moderada, elevada, fortemente elevada e extremamente elevada. Para identificação das declividades das áreas das edificações a partir do MDT foram levados em consideração os valores máximos dos pixels de declividade de encosta em graus mapeados. Após a classificação das áreas das edificações, a partir dos critérios de declividade foram propostas recomendações geotécnicas de acordo com IPT (2012), e apontadas as principais políticas públicas executadas na comunidade da Grota do Surucucu pelo poder público municipal para minimização dos riscos geotécnicos locais. No dia 11 de maio de 2023 foi realizado trabalho de campo para construção de acervo fotográfico e melhor caracterização do local, com identificação de algumas intervenções anteriormente realizadas.

Resultado e discussão

A área da comunidade da Grota do Surucucu está inserida predominantemente na unidade litoestratigráfica Suíte Rio de Janeiro (tradicionalmente chamada de Gnaisse Facoidal) e na parte mais a jusante é possível notar a presença de depósitos fluviais, uma vez que o núcleo urbano informal é cortado por um afluente do rio Cachoeira. O Gnaisse Facoidal se apresenta altamente intemperizado em vários trechos, o que propicia a ocorrência de solos coluvionares, solos residuais e solos residuais sobre rocha. Ainda é possível perceber depósitos de tálus no local, evidenciados pelo acúmulo de matacões no sopé das encostas, podendo ser observados afloramentos onde ocorrem as quedas de blocos e lascas. Do ponto de vista da cobertura vegetal o local apresenta muitas áreas com espécies exóticas invasoras como capim colonião (Panicum Maximum), que inibe a regeneração de floresta ombrófila densa, e bananeiras (Musa), que apresentam sistema radicular superficial, o que interfere na estabilidade geotécnica de onde estão inseridas. Notou-se ainda alguns fragmentos de floresta ombrófila densa preservados próximo ao cume do morro, e logo abaixo, inúmeras edificações caracterizando uma ocupação urbana consolidada, conforme pode ser notado na Figura 1. A partir dos produtos de sensoriamento remoto, análise de campo e levantamento bibliográfico, foi possível identificar 922 áreas edificadas e 34 ocorrências de movimentos gravitacionais de massa (MGMs) registrados entre 2011 e abril de 2023, sendo do tipo deslizamento e queda de blocos/lascas (Figura 1). As ocorrências foram selecionadas conforme critério exposto anteriormente na metodologia. O maior número de edificações está presente na classe fortemente elevada (entre 30º e 45º), com 327, representando 35,5% do total das áreas edificadas (Tabela 1 e Figura 1). Pela recomendação do IPT, a ocupação humana deve ser evitada nessa classe, podendo ser admitida em casos excepcionais mediante soluções fundamentadas em estudos adequados e obras para situações de perigo ou risco extremo. Nesse sentido, salientamos ser recomendada a continuidade de estudos mais aprofundados e intervenções focadas em mitigação de risco nesses locais. A segunda classe que obteve destaque, pelo número de áreas edificadas, foi a suave-moderada (até 17º), com 240 áreas edificadas, representando 26% do total de edificações (EDIFs). A maioria dos movimentos gravitacionais de massa (MGMs) registrados entre 2011 e abril de 2023 ocorreu na classe fortemente elevada (entre 30º e 45º), com 17 MGMs, correspondendo a 50% do total. A segunda classe de declividade onde ocorreu maior número de MGMs no período analisado foi na fortemente moderada (entre 17º e 25º), com 10 MGMs, o que representa 29,4% do total (Tabela 1). Essas duas classes juntas representam quase 80% das ocorrências registradas. Embora de grande relevância, a declividade não deve ser indicada como o único fator desencadeante para deflagração dos MGMs. Conforme observado por Mello (2015) ao estudar a área e a partir do trabalho de campo realizado no âmbito desse estudo, foi possível identificar intervenções antrópicas pontuais como cortes de talude para a construção de moradias, fato esse que também é responsável pela mudança no padrão na declividade da encosta em menor escala, e essa dinâmica, associada outras características inerentes à forma da habitação podem contribuir para desestabilizar encostas e assim, culminar em um aumento do número de ocorrências de MGMs, o que pode explicar as ocorrências de MGMs mesmo na classe suave-moderada (até 17º). É possível apontar outras características preponderantes nas vertentes ocupadas, tais como: cortes de taludes instáveis, aterramentos, construções precárias (por falta de manutenção adequada ou por baixo padrão construtivo), disposição de resíduos sólidos em áreas inadequadas, lançamento de esgoto sem tratamento diretamente sobre o solo ou em drenagens pluviais, redes de abastecimento de água e de coleta de esgoto com necessidade de manutenção, entre outros. A lei federal Nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, explicita que sejam abrangidas ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação aos desastres. No âmbito da gestão municipal, a Prefeitura de Niterói tem implementado diversas políticas públicas no sentido de minimizar os riscos geotécnicos na cidade, o que inclui a comunidade da Grota e seu entorno (Figura 2). Segundo dados disponibilizados no portal de dados abertos da cidade, foram identificadas 12 obras executadas nas encostas, sistema de sirenes e um Núcleo de Defesa Civil (NUDEC). Conforme pode ser visto na Figura 2 (ponto 3 da vistoria) as obras nas encostas vão além de muros de contenção, compreendendo também intervenção na drenagem, com a implantação de escadas hidráulicas que possuem um duplo papel: de possibilitar acesso aos moradores permitindo uma drenagem mais eficiente do local, diminuindo a intensidade dos processos erosivos. O sistema de sirenes é acionado a partir de um protocolo específico, associado ao registro do volume de chuvas imediato e acumulado sob o monitoramento ininterrupto da seção de meteorologia da SMDCG (SMDCG, 2023). Com o acionamento das sirenes, os voluntários dos Núcleos de Defesa Civil (NUDECs), compostos de moradores treinados pela SMDCG, podem orientar outros moradores dos procedimentos a serem realizados visando à segurança.

Tabela 1

Declividades das encostas, edificações (EDIFs), movimentos gravitacionais de massa (MGMs) e recomendações geotécnicas na área de estudo

Figura 1

Declividades das encostas e as áreas edificadas na comunidade da Grota do Surucucu em Niterói/RJ

Figura 2

Políticas públicas voltadas para minimização de riscos geotécnicos na comunidade da Grota do Surucucu em Niterói/RJ

Considerações Finais

A metodologia de normalização proposta pelo IPT (2012) se mostrou satisfatória. Acrescenta-se que para o contexto de algumas áreas em Niterói pode ser que a classe de declividade elevada (25º a 30º) não seja tão representativa (nesta comunidade apresentou por exemplo apenas 1 ocorrência), podendo ser estudada no futuro a possibilidade de diluição dessa classe entre a classe superior e inferior a mesma. É importante ressaltar que a inclinação do terreno não deve ser vista como o único fator determinante em análises do tipo, uma vez que existem circunstâncias em que a influência de outros elementos do ambiente físico pode ser ainda mais significativa do que a declividade. No entanto, a aplicação de metodologias como a apresentada nesse trabalho pode contribuir para um melhor direcionamento, ou seja, como norteador para detalhamentos posteriores, que congreguem outros fatores relevantes como características pedológicas, geológicas e sociológicas a serem considerados na análise de risco à movimentos gravitacionais de massa de um local, com isso novos estudos devem ser produzidos, a luz da prevenção e mitigação de riscos de desastres.

Agradecimentos

Ao presidente da Associação de Moradores da comunidade da Grota do Surucucu, Silas Rodrigues, o “Ceniro”, por todo apoio prestado durante o trabalho de campo.

Referências

BRASIL. Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. Lei federal nº 12.608 de 10 de abril de 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm. Acesso em: 09/05/2023. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 1989. 95p. MACEDO, H. A.; SILVA, A.; COSTA, E. A.; PAULA, B. L. Estudo da declividade e identificação de áreas de risco na região de cava da mina de ferro no Morro do Urucum. Brazilian Geographical Journal: Geosciences and Humanities research medium, v. 3, n. 1, p. 1, 2012. FONTES, M. M. M. Contribuição para o desenvolvimento da metodologia de análise, gestão e controle de riscos geotécnicos para a área urbana da cidade de Ouro Preto. 2011. 132 f. Dissertação (Mestrado em Geotecnia) - Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2011. FRANCO, G. B.; MARQUES, E. A. G.; CALIJURI, M. L.; GOMES, R. L. Cartografia geotécnica: estágio atual do conhecimento. Caminhos de Geografia, v. 11, n. 35, p. 158-172, 2010. GANDOLFI, N.; ZUQUETTE, L. V. Cartografia geotécnica. Oficina de Textos, 2004. 162p. GUERRA, A. & MARÇAL, M. Geomorfologia Ambiental. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. 190p. IPT – INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS. Classificação de declividade para fins de normalização geotécnica em planejamento urbano: estudos em áreas de domínio pré-cambriano na região sudeste. Comunicação técnica nº 171029. São Paulo: IPT, 2012. MELLO, L O. F. Vulnerabilidade a eventos de movimentos de massa em áreas de segregação sócio-espacial e políticas públicas de atuação: um estudo de caso da comunidade da Grota do Surucucu – Niterói (RJ). Monografia (Licenciatura em Geografia) - Departamento de Geografia, Faculdade de Formação de Professores - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2015. 76p. PREFEITURA MUNICIPAL DE NITEROI (SMDCG). Defesa Civil alerta: uso de sirenes em comunidades pode salvar vidas. Disponível em: https://www.defesacivil.niteroi.rj.gov.br/posts/defesa-civil-alerta%3A-uso-de-sirenes-em-comunidades-pode-salvar-vidas. Acesso em: 13/05/2023.

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