Autores
- THIAGO DOS SANTOS LEALSECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTEEmail: thiago.leal@meioambiente.niteroi.rj.gov.br
- LUIZE DE OLIVEIRA FERRARO MELLOESCRITÓRIO DE GESTÃO DE PROJETOSEmail: luize@egp.niteroi.rj.gov.br
- LUCIANO GAGLIARDI PAEZSECRETARIA MUNICIPAL DO CLIMAEmail: luciano.paez@niteroi.rj.gov.br
- YURI SISINO DOS SANTOS FELIPESECRETARIA MUNICIPAL DE DEFESA CIVIL E GEOTECNIAEmail: sisinoyuri@gmail.com
Resumo
É possível observar um aumento da ocupação informal em encostas das regiões
metropolitanas. A declividade é um aspecto relevante a ser avaliado quanto ao
uso e ocupação do solo urbano, pois quanto maior o ângulo de inclinação maior
tende a ser a suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa. Assim, o
objetivo desse artigo consiste em relacionar a normalização proposta pelo IPT
(2012) para classificação de declividade de encostas e os movimentos
gravitacionais de massa registrados entre 2011 e abril de 2023 na comunidade da
Grota do Surucucu, em Niterói/RJ, com classes que variaram de “até 17º” a “acima
de 45º”, para as quais foram atribuídas nomenclaturas que vão de suave-moderada
a extremamente elevada. Foram identificadas 922 edificações locais e a
declividade em que se encontram, destacando ainda algumas políticas públicas
implementadas para mitigação de risco. Em suma, a metodologia pode consistir em
eficaz ferramenta para auxiliar na gestão de áreas similares.
Palavras chaves
Risco geotécnico; Movimentos gravitacionais de massa; Favelas; Geomorfologia; Geotecnologias
Introdução
Inúmeros fatores econômicos, políticos, sociais e culturais têm interferido no
processo de urbanização, promovendo excessivo aumento dos núcleos urbanos
informais, os quais acabam se configurando como a única opção acessível a uma
parcela da população, sobretudo em áreas de encosta das regiões metropolitanas.
Segundo Correa (1989) existem grupos sociais que, inseridos em uma situação de
insuficiência de renda, por consequência, ficam condicionados a espaços
disponíveis na cidade compatíveis com essa condição. Assim, produzem suas
moradias de acordo com as limitadas possibilidades existentes. A cartografia
geotécnica é uma importante ferramenta para compreender melhor o ambiente e
auxiliar na gestão e planejamento urbano. De acordo com Gandolfi & Zuquette
(2004) o mapeamento geotécnico se refere a um conjunto de ações voltadas para
elaboração de mapas e cartas de conteúdo relativo à geotecnia de determinado
local. Franco et al. (2010, p. 160) acrescenta que embora a carta geotécnica
expresse fundamentalmente dados do meio físico, sua abordagem pode compreender
conjuntamente “aspectos de interesse do meio biótico e antrópico, na medida em
que sejam da mesma forma, componentes essenciais nos processos interativos das
solicitações do homem no meio”. A declividade das encostas é um aspecto
ambiental
relevante a ser avaliado quanto ao uso e ocupação do solo urbano, uma vez que
esse é um importante indicador da estabilidade geotécnica de determinada
localidade, fator que interfere diretamente na suscetibilidade à deflagração de
movimentos gravitacionais de massa. Nos movimentos gravitacionais de massa,
ocorre um movimento coletivo de solo e/ou rocha, influenciado pela
gravidade/declividade, que é um fator crucial. “A água pode tornar o processo
ainda mais catastrófico, mas não é necessariamente o principal agente desse
processo geomorfológico” (GUERRA, 2014, p. 26). Nesse sentido, segundo Macedo et
al. (2012) o mapa de declividade é uma ferramenta importante, pois permite a
identificação das áreas com ângulo de taludes acima dos limites de segurança.
Para Fontes (2011) tais dados são imprescindíveis para a avaliação das
possibilidades de ocorrência de movimentos gravitacionais de massa, tais como
queda de blocos/lascas e deslizamentos, processos esses com alto potencial
danoso
à vida humana. A lei federal nº 6766/1979 apresenta restrições ao parcelamento
do
solo para fins urbanos em áreas com inclinação de 17º (equivalente a 30%),
enquanto a lei federal nº 12651/2012 considera as encostas ou parte dessas com
declividade superior a 45º, áreas de preservação permanente. Na comunicação
técnica nº 171029 do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT (2012) foi
proposta uma classificação dos intervalos de declividade, buscando a melhor
adequação da
cartografia geotécnica às áreas de domínio pré-cambriano e de relevo de morros
no
sudeste brasileiro. Desta forma o objetivo deste trabalho é relacionar a
aplicação da classificação das declividades das encostas em graus de acordo com
a
normalização geotécnica proposta pelo IPT (2012) e os diferentes tipos de
movimentos gravitacionais de massa ocorridos e registrados entre 2011 e abril e
2023 na comunidade da Grota do Surucucu, localizada em Niterói/RJ (Figura 1),
destacando as recomendações geotécnicas pertinentes para as edificações em cada
classe de declividade, como também as principais políticas públicas que já foram
implementadas para mitigação do risco geotécnico no local.
Material e métodos
O trabalho foi iniciado a partir de levantamento bibliográfico e da construção
de um banco de dados georreferenciados. Foram utilizados dados do LIDAR (Light
Detection and Ranging), das delimitações de edificações vetorizadas a partir das
ortofotos de 2019 (com resolução espacial de 10cm), da localização de sirenes,
das obras de contenção e dos Núcleos Comunitários de Defesa Civil (NUDECs),
disponibilizados no site do Sistema de Gestão de Geoinformação de Niterói
(SIGEO), na aplicação "dados abertos", no ano de 2023. As áreas edificadas
utilizadas neste trabalho compreenderam edificações de uso residencial,
comercial e de serviços (como instituições religiosas, comércios e escolas), não
sendo levados em consideração os arruamentos e as pontes. É necessário pontuar
que em uma mesma área edificada podem existir dois ou mais domicílios
construídos um sobre o outro ou mesmo um domicílio sobre um comércio, no entanto
para este trabalho não foi realizado este tipo de detalhamento. Para a definição
do núcleo urbano informal da comunidade da Grota do Surucucu foi utilizado o
limite disponibilizado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara
com base no censo do IBGE de 2010 e IPP/SABREN 2014. Os dados sobre os
diferentes tipos de movimentos gravitacionais de massa (MGM) ocorridos e
registrados com coordenadas geográficas entre 2011 e abril de 2023 na área da
comunidade da Grota do Surucucu foram obtidos em 2023, junto a Secretaria
Municipal de Defesa Civil e Geotecnia (SMDCG). É importante destacar que foi
verificado no referido levantamento a incidência de alguns registros de
ocorrências com ausência de coordenadas geográficas, constando apenas o endereço
de referência (rua e número da residência) e, no contexto desse estudo, optou-se
pela exclusão de tais registros, tendo sido utilizados apenas os que
apresentaram coordenadas, uma vez que a localização das residências por número
em núcleos urbanos informais é de difícil precisão. O recorte temporal está
relacionado a disponibilidade dos dados que foi possível obter para este
trabalho. A partir da malha de pontos do Modelo Digital de Terreno (MDT) foi
criado no software ArcGIS Pro® através da ferramenta “Create LAS Dataset” o
arquivo LAS Dataset e posteriormente pela ferramenta “LAS Dataset to Raster”, o
MDT para representação da hipsometria a partir de grades regulares (GRID) com
resolução espacial de 1 metro. Para os intervalos das classes de declividade,
foi realizada a normalização geotécnica proposta pelo IPT (2012), de até 17º, de
17º a 25º, de 25º a 30º, de 30º a 45º e acima de 45º. A partir desses
intervalos, este trabalho propôs nomenclaturas para as classes de declividade, a
saber: suave-moderada, fortemente moderada, elevada, fortemente elevada e
extremamente elevada. Para identificação das declividades das áreas das
edificações a partir do MDT foram levados em consideração os valores máximos dos
pixels de declividade de encosta em graus mapeados. Após a classificação das
áreas das edificações, a partir dos critérios de declividade foram propostas
recomendações geotécnicas de acordo com IPT (2012), e apontadas as principais
políticas públicas executadas na comunidade da Grota do Surucucu pelo poder
público municipal para minimização dos riscos geotécnicos locais. No dia 11 de
maio de 2023 foi realizado trabalho de campo para construção de acervo
fotográfico e melhor caracterização do local, com identificação de algumas
intervenções anteriormente realizadas.
Resultado e discussão
A área da comunidade da Grota do Surucucu está inserida predominantemente na
unidade litoestratigráfica Suíte Rio de Janeiro (tradicionalmente chamada de
Gnaisse Facoidal) e na parte mais a jusante é possível notar a presença de
depósitos fluviais, uma vez que o núcleo urbano informal é cortado por um
afluente do rio Cachoeira. O Gnaisse Facoidal se apresenta altamente
intemperizado em vários trechos, o que propicia a ocorrência de solos
coluvionares, solos residuais e solos residuais sobre rocha. Ainda é possível
perceber depósitos de tálus no local, evidenciados pelo acúmulo de matacões no
sopé das encostas, podendo ser observados afloramentos onde ocorrem as quedas de
blocos e lascas. Do ponto de vista da cobertura vegetal o local apresenta muitas
áreas com espécies exóticas invasoras como capim colonião (Panicum Maximum), que
inibe a regeneração de floresta ombrófila densa, e bananeiras (Musa), que
apresentam sistema radicular superficial, o que interfere na estabilidade
geotécnica de onde estão inseridas. Notou-se ainda alguns fragmentos de floresta
ombrófila densa preservados próximo ao cume do morro, e logo abaixo, inúmeras
edificações caracterizando uma ocupação urbana consolidada, conforme pode ser
notado na Figura 1. A partir dos produtos de sensoriamento remoto, análise de
campo e levantamento bibliográfico, foi possível identificar 922 áreas
edificadas
e 34 ocorrências de movimentos gravitacionais de massa (MGMs) registrados entre
2011 e abril de 2023, sendo do tipo deslizamento e queda de blocos/lascas
(Figura
1). As ocorrências foram selecionadas conforme critério exposto anteriormente na
metodologia. O maior número de edificações está presente na classe fortemente
elevada (entre 30º e 45º), com 327, representando 35,5% do total das áreas
edificadas (Tabela 1 e Figura 1). Pela recomendação do IPT, a ocupação humana
deve ser evitada nessa classe, podendo ser admitida em casos excepcionais
mediante soluções fundamentadas em estudos adequados e obras para situações de
perigo ou risco extremo. Nesse sentido, salientamos ser recomendada a
continuidade de estudos mais aprofundados e intervenções focadas em mitigação de
risco nesses locais. A segunda classe que obteve destaque, pelo número de áreas
edificadas, foi a suave-moderada (até 17º), com 240 áreas edificadas,
representando 26% do total de edificações (EDIFs). A maioria dos movimentos
gravitacionais de massa (MGMs) registrados entre 2011 e abril de 2023 ocorreu na
classe fortemente elevada (entre 30º e 45º), com 17 MGMs, correspondendo a 50%
do
total. A segunda classe de declividade onde ocorreu maior número de MGMs no
período analisado foi na fortemente moderada (entre 17º e 25º), com 10 MGMs, o
que representa 29,4% do total (Tabela 1). Essas duas classes juntas representam
quase 80% das ocorrências registradas. Embora de grande relevância, a
declividade
não deve ser indicada como o único fator desencadeante para deflagração dos
MGMs.
Conforme observado por Mello (2015) ao estudar a área e a partir do trabalho de
campo realizado no âmbito desse estudo, foi possível identificar intervenções
antrópicas pontuais como cortes de talude para a construção de moradias, fato
esse que também é responsável pela mudança no padrão na declividade da encosta
em
menor escala, e essa dinâmica, associada outras características inerentes à
forma
da habitação podem contribuir para desestabilizar encostas e assim, culminar em
um aumento do número de ocorrências de MGMs, o que pode explicar as ocorrências
de MGMs mesmo na classe suave-moderada (até 17º). É possível apontar outras
características preponderantes nas vertentes ocupadas, tais como: cortes de
taludes instáveis, aterramentos, construções precárias (por falta de manutenção
adequada ou por baixo padrão construtivo), disposição de resíduos sólidos em
áreas inadequadas, lançamento de esgoto sem tratamento diretamente sobre o solo
ou em drenagens pluviais, redes de abastecimento de água e de coleta de esgoto
com necessidade de manutenção, entre outros. A lei federal Nº 12.608, de 10 de
abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil,
explicita que sejam abrangidas ações de prevenção, mitigação, preparação,
resposta e recuperação aos desastres. No âmbito da gestão municipal, a
Prefeitura
de Niterói tem implementado diversas políticas públicas no sentido de minimizar
os riscos geotécnicos na cidade, o que inclui a comunidade da Grota e seu
entorno
(Figura 2). Segundo dados disponibilizados no portal de dados abertos da cidade,
foram identificadas 12 obras executadas nas encostas, sistema de sirenes e um
Núcleo de Defesa Civil (NUDEC). Conforme pode ser visto na Figura 2 (ponto 3 da
vistoria) as obras nas encostas vão além de muros de contenção, compreendendo
também intervenção na drenagem, com a implantação de escadas hidráulicas que
possuem um duplo papel: de possibilitar acesso aos moradores permitindo uma
drenagem mais eficiente do local, diminuindo a intensidade dos processos
erosivos. O sistema de sirenes é acionado a partir de um protocolo específico,
associado ao registro do volume de chuvas imediato e acumulado sob o
monitoramento ininterrupto da seção de meteorologia da SMDCG (SMDCG, 2023). Com
o
acionamento das sirenes, os voluntários dos Núcleos de Defesa Civil (NUDECs),
compostos de moradores treinados pela SMDCG, podem orientar outros moradores dos
procedimentos a serem realizados visando à segurança.
Declividades das encostas, edificações (EDIFs), movimentos gravitacionais de massa (MGMs) e recomendações geotécnicas na área de estudo
Declividades das encostas e as áreas edificadas na comunidade da Grota do Surucucu em Niterói/RJ
Políticas públicas voltadas para minimização de riscos geotécnicos na comunidade da Grota do Surucucu em Niterói/RJ
Considerações Finais
A metodologia de normalização proposta pelo IPT (2012) se mostrou satisfatória.
Acrescenta-se que para o contexto de algumas áreas em Niterói pode ser que a
classe de declividade elevada (25º a 30º) não seja tão representativa (nesta
comunidade apresentou por exemplo apenas 1 ocorrência), podendo ser estudada no
futuro a possibilidade de diluição dessa classe entre a classe superior e inferior
a mesma. É importante ressaltar que a inclinação do terreno não deve ser vista
como o único fator determinante em análises do tipo, uma vez que existem
circunstâncias em que a influência de outros elementos do ambiente físico pode ser
ainda mais significativa do que a declividade. No entanto, a aplicação de
metodologias como a apresentada nesse trabalho pode contribuir para um melhor
direcionamento, ou seja, como norteador para detalhamentos posteriores, que
congreguem outros fatores relevantes como características pedológicas, geológicas
e sociológicas a serem considerados na análise de risco à movimentos
gravitacionais de massa de um local, com isso novos estudos devem ser produzidos,
a luz da prevenção e mitigação de riscos de desastres.
Agradecimentos
Ao presidente da Associação de Moradores da comunidade da Grota do Surucucu, Silas
Rodrigues, o “Ceniro”, por todo apoio prestado durante o trabalho de campo.
Referências
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