Autores
- SAULO IVAN NERYDAKILA PESQUISASEmail: saulo.nery@dakila.com.br
- Urandir Fernandes de OliveiraDAKILA PESQUISASEmail: urandirf2028@gmail.com
- FERNANDO SILVEIRA DE OLIVEIRADAKILA PESQUISASEmail: fernando.andreazza@dakila.com.br
- FERNANDA MARIA DE LIMADAKILA PESQUISASEmail: fernanda.lima@dakila.com.br
- ROBSON LEITESME/SPEmail: robsonleite.pro@gmail.com
Resumo
O presente artigo apresenta a análise da
paisagem de relevos peculiares denominados
como “xadrez”, localizada no norte do
município de Apiácas, no estado do Mato
Grosso. Trata-se de relevo residual oriundo de
processos denudacionais típicas do Cráton
Amazônico, identificadas na região do baixo
curso dos rios Juruena e Teles Pires. A
intenção é contribuir para o conhecimento
geomorfológico local sobre a diferenciação
entre padrões de drenagem e os cortes
retilíneos localizados sobre o planalto
residual dos Apiacás e Surunduri. Comparou-se
as imagens obtidas com LiDAR e as informações
geológicas e geomorfológicas da região com
base em dados secundários de levantamentos do
IBGE e outros pesquisas. Foram identificadas
estruturas peculiares no relevo e indícios que
diferenciam o padrão de drenagem com os cortes
em formato de “xadrez”.
Palavras chaves
LiDAR; padrões de drenagem; forma de relevo; xadrez; Apiacás, MT
Introdução
A área de estudo em questão encontra-se no
município de Apiacás, no extremo norte do
estado do Mato Grosso, divisa com estados do
Amazonas e Pará, na confluência dos rios
Juruena (à oeste) e o rio Teles Pires (à
leste). Trata-se de área de alta densidade
vegetacional amazônica localizada na porção
norte da terra indígena Kayabi1; próxima à
divisa com a terra indígena Apyacá do Pontal e
Isolados. Por se tratar de área inóspita,
optou-se pela análise de dados coletados por
tecnologias remotas que permitam uma maior
compreensão da paisagem sem a necessidade de
deslocamento por terra até o local.
A coleta de dados foi feita em uma área com
dois mil hectares com a utilização da
tecnologia LiDAR, permitindo um levantamento
detalhado com a produção de um modelo digital
do terreno capaz de diferenciar as formas
contidas na paisagem, possibilitando,
portanto, identificar formas peculiares no
relevo local em relação, sobretudo, na
identificação de diferenças e semelhanças nos
padrões de drenagem. O relevo da área estudada
apresenta-se em formato de “xadrez”, com
delineamento de “grids” (linhas ortogonais,
perpendiculares entre si) que não estão
diretamente relacionadas à algum padrão de
drenagem (Figura 1).
Figura 1. Localização da área de estudo.
Levantamento inicial com LIDAR.
O número de pesquisas científicas que
utilizam o LIDAR vem crescendo, sobretudo nas
análises geomorfológicas (ARAUJO et al, 2022),
o que pode proporcionar novas interpretações,
refinamento de pesquisas realizadas até o
momento e novos detalhes sobre a modelagem de
sistemas ambientais.
Material e métodos
Utilizamos para esse estudo, o Modelo Digital
de Elevação (MDE) a partir da tecnologia de
sensoriamento remoto com o sistema de detecção
e alcance da luz LiDAR (Light Detection and
Ranging) renderizado no software Global
Mapper, versão 23.1. Trata-se de uma imagem
MDE de nuvem de pontos com 145 camadas e
resolução de 8 pulsos por metro quadrado. Não
utilizamos o Modelação Digital de Superfície
(MDS) por conta da densidade vegetacional no
local. Os mapas finais foram elaborados no
software QGIS 3.28, adotando-se o SRC (Sistema
de Referência de Coordenadas) SIRGAS 2000,
Zona UTM 21S, EPSG 31981.
Os Sistemas de Informações Geográficas
(SIGs) servem para a análise e planejamento de
paisagens e do meio ambiente (LANG e BLASCHKE,
2009). Para a composição dos estudos da
paisagem, utilizou-se um levantamento de dados
secundários de pesquisas geológicas e
geomorfológicas desenvolvidas na região. Foram
identificados, em escala regional, a presença
de algumas falhas geológicas e lineamento
estrutural de superfície ao norte e noroeste
da área estudada, conforme dados do IBGE
(2017) e ANM (2014); também buscou-se
identificar o padrão de drenagem natural com
base nas imagens do LIDAR, comparando-as com
as cartas e mapas topográficos disponíveis no
site do Exercito Brasileiro (BDGEx, 2022).
Comparamos as formas retilíneas
identificadas no relevo com o padrão de
drenagem local (CHRISTOFOLETTI, 1980; SUGUIO e
BIGARELLA, 1990). Também foram coletados dados
referentes à profundidade, largura e extensão
dos cortes, os quais foram aqui organizados e
analisados.
Resultado e discussão
Pelos estudos consultados (STUDART et al.,
2006; PIEROSAN et al., 2019; UHLEIN et al.,
2015, LACERDA FILHO et al., 2004) foi
identificada uma falha geológica mais próxima,
o Graben1 do Cachimbo, localizado há mais de
cem quilômetros em linha reta da área de
estudo, caracterizado por ser uma
megaestrutura de lineamento com direção NW-SE.
Com base geológica em rochas do Grupo
Beneficente, da Formação sedimentar Igarapé
Ipixuna, composta de quartzo arenito (CPRM,
2014), o planalto dos Apiacás e Surunduri
caracteriza-se por um conjunto de serras que
forma um divisor de águas dos afluentes dos
rios Teles Pires (à leste) e Juruena (à
oeste), com relevos dissecados em cristas,
colinas e espigões de topo aplainado, vales
encaixados e encostas ravinadas, compreendendo
a região geomorfológica dos Planaltos
residuais da Amazônia Meridional (IBGE, 2017).
O clima equatorial quente e úmido
predomina nessa região. A Amazônia brasileira
é uma das florestas mais úmidas do mundo e a
ação das águas é um fator primordial para os
processos de construção e alteração do relevo,
tendo em vista que a área de estudo apresenta
elevado nível de precipitação. Com
precipitação anual de 2.750 mm, as chuvas
máximas ocorrem em janeiro, fevereiro e março;
e as chuvas mínimas ocorrem de junho a julho.
A temperatura média anual é de 24ºC, com
máxima de máxima 40ºC. Toda essa precipitação
favorece a formação de grandes rios e uma
densa rede de drenagem.
Nota-se que o padrão natural da rede
de drenagem nas encostas do planalto, impresso
em forma dendrítica, ocorre principalmente nas
partes mais baixas do relevo à oeste. No topo
do planalto, à leste, nas áreas mais altas do
relevo da área, identificamos cortes
retilíneos que são diferentes dos vales
fluviais esculpidos pela erosão natural e que
podem estar associados à outros processos. Nos
mapas e cartas oficiais (IBGE, 2017; ANA,
2021; BDGEx, 2022) não foram identificados
nenhum tipo de drenagem condizente com tais
cortes ou que a rede de drenagem esteja
classificada como retangular ou paralela.
Identificou-se, sim, canais de drenagem, muito
provavelmente formados a partir do escoamento
superficial das águas das chuvas, localizados
nas bases dos cortes identificados.
Evidentemente a formação de locais de
escoamento das águas das chuvas formou-se na
base dos cortes, no entanto, nem todos
apresentam essas marcas. Algumas marcas estão
próximas às cabeceiras de drenagem. Portanto,
os cortes no terreno contribuíram para
aumentar a captação de águas pluviais das
partes mais altas do relevo.
Para diferenciar os cortes da rede de
drenagem, optou-se por delimitar algumas sub-
bacias e microbacias (GOMES, BIANCHI,
OLIVEIRA, 2021) e que a bacia hidrográfica é
uma importante unidade geomorfológica para
compreender padrões de drenagem e fluxo das
águas (LEOPOLD, WOLMAN, MILLER, 1964; CHORLEY,
1969; CHRISTOFOLETTI, 1980). Essa delimitação
considerou os divisores de águas entre os rios
tributários e os rios principais, o que
demonstrou que certos cortes não estão
associados diretamente às bacias e ao padrão
de drenagem dendrítico (Figura 2).
Figura 2. Delimitação de sub e microbacias e
identificação de cortes peculiares no relevo.
Os cortes não acompanham o padrão de drenagem
dendrítico e as bacias. Mapa na escala
1:20.000.
Ao delimitar algumas sub-bacias de
drenagem que compõem o planalto residual com
base na topografia do relevo, é possível
perceber que os cortes no terreno não se
limitam ao domínio das bacias de drenagem que
formam as cabeceiras de cursos d’água na área.
Nota-se também que os cortes não se confundem
topograficamente com os vales fluviais, pois
foram identificados cortes que ultrapassam os
limites de duas ou mais cabeceiras de drenagem
que formam as sub e microbacias.
O rio Juruena, à oeste, e o rio Teles
Pires, à leste, servem de nível de base local
para os rios tributários que nascem sobre o
planalto residual. O lado leste do planalto
apresenta encostas mais erodidas e uma vasta
planície às margens do rio Teles Pires. O lado
oeste do planalto, por sua vez, apresenta
encostas mais abruptas e mais conservadas
(Figura 3). Isso aponta para o processo de
erosão regressiva, que é o “trabalho de
desgaste do fundo do leito fluvial sendo feito
a partir de jusante para montante” (GUERRA e
GUERRA, 2006), mas que à leste este processo
seja mais intenso. Para Ross (1991) alguns
patamares com superfícies planas ou aplanadas
são encontrados em bordas de bacias
sedimentares esculpidas por processos
circundenudacionais encontrados frequentemente
na Amazônia, e esses patamares estão
associados à erosão regressiva em cabeceiras
de drenagem ou recuo paralelo de vertentes.
Figura 3. Detalhe de imagem LiDAR. Diferença
entre para formações retilíneas à leste (nas
cores amarelo e vermelho), sobre o planalto
residual, e o vales fluviais e seu respectivo
padrão de drenagem à oeste (na cor verde).
A partir desses cortes, percebe-se que
existe uma certa profundidade média que foi
identificada. Em análise preliminar, notamos
que o corte, aparentemente, se aprofunda nas
áreas de topo e fica mais raso na porção média
e baixa da vertente. Há um corte principal na
porção leste que se estende por cerca de onze
quilômetros no sentido norte/sul. Usamos esse
corte como referência da estrutura como um
todo, e como forma de compreender a disposição
dos demais cortes perpendiculares.
Foram coletados dados que indicam a
sinuosidade dos cortes. Dessa forma,
identificou-se que do total de vinte e nove
cortes que formam esse “xadrez” no relevo,
apenas quatro apresentaram sinuosidade e os
demais vinte e cinco são retilíneos. A
classificação por sinuosidade foi executa no
software Global Mapper. Quinze cortes
apresentaram sentido sudoeste/nordeste, oito
apresentaram sentido noroeste/sudeste. Seis
cortes apresentaram sentido norte/sul, e
outros seis apresentaram sentido leste/oeste.
Observa-se, também, que devido ao
escoamento subsuperficial das águas, algumas
formas concavas podem ser pontos de
infiltração e/ou drenagem. Ainda assim, são
formas bem peculiares e os dados aqui
elencados são resultados de análise remota e
feitos preliminarmente, devendo ser
considerado a possibilidade de complementar
parte das informações, ou confrontar os dados
coletados pela tecnologia LiDAR com a
realidade do levantamento de campo.
Localização da área de estudo. Levantamento inicial com LIDAR.
Delimitação de sub e microbacias e identificação de cortes peculiares no relevo. Os cortes não acompanham o padrão de drenagem dendrítico e as bacias
Detalhe de imagem LiDAR. Diferença entre para formações retilíneas à leste, sobre o planalto residual, e o vales fluviais e seu padrão de drenagem.
Considerações Finais
É sabido que existem inúmeros relevos com
formações peculiares, seja em forma de domo,
de patamar, de mesa, dentre outros, e que
estão sendo revistos e reinterpretados
sobretudo com o uso de novas tecnologias. A
densa floresta amazônica ainda é um desses
lugares, cujo conhecimento na escala do
detalhe ainda continua restrito, e que, ainda,
deve-se levar em conta que é um ambiente
tropical úmido com intensa meteorização e
pedogenização, tornando o relevo ainda mais
complexo. A presença de cortes retilíneos que
se diferenciam dos padrões erosivos na área
estudada pode indicar novas leituras acerca do
relevo residual localizado no norte do
município de Apiacás, no Mato Grosso. Fica
evidente que os padrões erosivos atuantes na
área, durante milhões de anos, construíram
formas bem diferentes daquelas que foram
identificadas pelo sensor LiDAR. As imagens
geradas por esse sensor nos ajuda a melhorar a
compreensão dos processos erosivos do
presente, bem como elencar hipóteses sobre a
formação de relevos peculiares em formato de
“xadrez”.
Nesses locais, até o momento inóspitos
para a pesquisa científica de detalhe, é muito
provável que com o desenvolvimento de novos
estudos, possamos identificar também novas
espécies vegetais e animais, além de
estruturas arqueológicas inéditas. Tendo em
vista que a área é pouco estudada e os
resultados demonstrados pelo uso da tecnologia
LiDAR indicam caminhos à continuidade da
pesquisa. De todo modo, vale salientar que
somente será possível a comprovação
definitiva, a partir de uma campanha de
pesquisa de campo que identifique vestígios
materiais in loco, tais como falhas e
fraturas, tipos de solos e nascentes.
Agradecimentos
Referências
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