• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Análise da paisagem para identificação de formas de relevo a partir de imagens geradas por tecnologia LiDAR

Autores

  • SAULO IVAN NERYDAKILA PESQUISASEmail: saulo.nery@dakila.com.br
  • Urandir Fernandes de OliveiraDAKILA PESQUISASEmail: urandirf2028@gmail.com
  • FERNANDO SILVEIRA DE OLIVEIRADAKILA PESQUISASEmail: fernando.andreazza@dakila.com.br
  • FERNANDA MARIA DE LIMADAKILA PESQUISASEmail: fernanda.lima@dakila.com.br
  • ROBSON LEITESME/SPEmail: robsonleite.pro@gmail.com

Resumo

O presente artigo apresenta a análise da paisagem de relevos peculiares denominados como “xadrez”, localizada no norte do município de Apiácas, no estado do Mato Grosso. Trata-se de relevo residual oriundo de processos denudacionais típicas do Cráton Amazônico, identificadas na região do baixo curso dos rios Juruena e Teles Pires. A intenção é contribuir para o conhecimento geomorfológico local sobre a diferenciação entre padrões de drenagem e os cortes retilíneos localizados sobre o planalto residual dos Apiacás e Surunduri. Comparou-se as imagens obtidas com LiDAR e as informações geológicas e geomorfológicas da região com base em dados secundários de levantamentos do IBGE e outros pesquisas. Foram identificadas estruturas peculiares no relevo e indícios que diferenciam o padrão de drenagem com os cortes em formato de “xadrez”.

Palavras chaves

LiDAR; padrões de drenagem; forma de relevo; xadrez; Apiacás, MT

Introdução

A área de estudo em questão encontra-se no município de Apiacás, no extremo norte do estado do Mato Grosso, divisa com estados do Amazonas e Pará, na confluência dos rios Juruena (à oeste) e o rio Teles Pires (à leste). Trata-se de área de alta densidade vegetacional amazônica localizada na porção norte da terra indígena Kayabi1; próxima à divisa com a terra indígena Apyacá do Pontal e Isolados. Por se tratar de área inóspita, optou-se pela análise de dados coletados por tecnologias remotas que permitam uma maior compreensão da paisagem sem a necessidade de deslocamento por terra até o local. A coleta de dados foi feita em uma área com dois mil hectares com a utilização da tecnologia LiDAR, permitindo um levantamento detalhado com a produção de um modelo digital do terreno capaz de diferenciar as formas contidas na paisagem, possibilitando, portanto, identificar formas peculiares no relevo local em relação, sobretudo, na identificação de diferenças e semelhanças nos padrões de drenagem. O relevo da área estudada apresenta-se em formato de “xadrez”, com delineamento de “grids” (linhas ortogonais, perpendiculares entre si) que não estão diretamente relacionadas à algum padrão de drenagem (Figura 1). Figura 1. Localização da área de estudo. Levantamento inicial com LIDAR. O número de pesquisas científicas que utilizam o LIDAR vem crescendo, sobretudo nas análises geomorfológicas (ARAUJO et al, 2022), o que pode proporcionar novas interpretações, refinamento de pesquisas realizadas até o momento e novos detalhes sobre a modelagem de sistemas ambientais.

Material e métodos

Utilizamos para esse estudo, o Modelo Digital de Elevação (MDE) a partir da tecnologia de sensoriamento remoto com o sistema de detecção e alcance da luz LiDAR (Light Detection and Ranging) renderizado no software Global Mapper, versão 23.1. Trata-se de uma imagem MDE de nuvem de pontos com 145 camadas e resolução de 8 pulsos por metro quadrado. Não utilizamos o Modelação Digital de Superfície (MDS) por conta da densidade vegetacional no local. Os mapas finais foram elaborados no software QGIS 3.28, adotando-se o SRC (Sistema de Referência de Coordenadas) SIRGAS 2000, Zona UTM 21S, EPSG 31981. Os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) servem para a análise e planejamento de paisagens e do meio ambiente (LANG e BLASCHKE, 2009). Para a composição dos estudos da paisagem, utilizou-se um levantamento de dados secundários de pesquisas geológicas e geomorfológicas desenvolvidas na região. Foram identificados, em escala regional, a presença de algumas falhas geológicas e lineamento estrutural de superfície ao norte e noroeste da área estudada, conforme dados do IBGE (2017) e ANM (2014); também buscou-se identificar o padrão de drenagem natural com base nas imagens do LIDAR, comparando-as com as cartas e mapas topográficos disponíveis no site do Exercito Brasileiro (BDGEx, 2022). Comparamos as formas retilíneas identificadas no relevo com o padrão de drenagem local (CHRISTOFOLETTI, 1980; SUGUIO e BIGARELLA, 1990). Também foram coletados dados referentes à profundidade, largura e extensão dos cortes, os quais foram aqui organizados e analisados.

Resultado e discussão

Pelos estudos consultados (STUDART et al., 2006; PIEROSAN et al., 2019; UHLEIN et al., 2015, LACERDA FILHO et al., 2004) foi identificada uma falha geológica mais próxima, o Graben1 do Cachimbo, localizado há mais de cem quilômetros em linha reta da área de estudo, caracterizado por ser uma megaestrutura de lineamento com direção NW-SE. Com base geológica em rochas do Grupo Beneficente, da Formação sedimentar Igarapé Ipixuna, composta de quartzo arenito (CPRM, 2014), o planalto dos Apiacás e Surunduri caracteriza-se por um conjunto de serras que forma um divisor de águas dos afluentes dos rios Teles Pires (à leste) e Juruena (à oeste), com relevos dissecados em cristas, colinas e espigões de topo aplainado, vales encaixados e encostas ravinadas, compreendendo a região geomorfológica dos Planaltos residuais da Amazônia Meridional (IBGE, 2017). O clima equatorial quente e úmido predomina nessa região. A Amazônia brasileira é uma das florestas mais úmidas do mundo e a ação das águas é um fator primordial para os processos de construção e alteração do relevo, tendo em vista que a área de estudo apresenta elevado nível de precipitação. Com precipitação anual de 2.750 mm, as chuvas máximas ocorrem em janeiro, fevereiro e março; e as chuvas mínimas ocorrem de junho a julho. A temperatura média anual é de 24ºC, com máxima de máxima 40ºC. Toda essa precipitação favorece a formação de grandes rios e uma densa rede de drenagem. Nota-se que o padrão natural da rede de drenagem nas encostas do planalto, impresso em forma dendrítica, ocorre principalmente nas partes mais baixas do relevo à oeste. No topo do planalto, à leste, nas áreas mais altas do relevo da área, identificamos cortes retilíneos que são diferentes dos vales fluviais esculpidos pela erosão natural e que podem estar associados à outros processos. Nos mapas e cartas oficiais (IBGE, 2017; ANA, 2021; BDGEx, 2022) não foram identificados nenhum tipo de drenagem condizente com tais cortes ou que a rede de drenagem esteja classificada como retangular ou paralela. Identificou-se, sim, canais de drenagem, muito provavelmente formados a partir do escoamento superficial das águas das chuvas, localizados nas bases dos cortes identificados. Evidentemente a formação de locais de escoamento das águas das chuvas formou-se na base dos cortes, no entanto, nem todos apresentam essas marcas. Algumas marcas estão próximas às cabeceiras de drenagem. Portanto, os cortes no terreno contribuíram para aumentar a captação de águas pluviais das partes mais altas do relevo. Para diferenciar os cortes da rede de drenagem, optou-se por delimitar algumas sub- bacias e microbacias (GOMES, BIANCHI, OLIVEIRA, 2021) e que a bacia hidrográfica é uma importante unidade geomorfológica para compreender padrões de drenagem e fluxo das águas (LEOPOLD, WOLMAN, MILLER, 1964; CHORLEY, 1969; CHRISTOFOLETTI, 1980). Essa delimitação considerou os divisores de águas entre os rios tributários e os rios principais, o que demonstrou que certos cortes não estão associados diretamente às bacias e ao padrão de drenagem dendrítico (Figura 2). Figura 2. Delimitação de sub e microbacias e identificação de cortes peculiares no relevo. Os cortes não acompanham o padrão de drenagem dendrítico e as bacias. Mapa na escala 1:20.000. Ao delimitar algumas sub-bacias de drenagem que compõem o planalto residual com base na topografia do relevo, é possível perceber que os cortes no terreno não se limitam ao domínio das bacias de drenagem que formam as cabeceiras de cursos d’água na área. Nota-se também que os cortes não se confundem topograficamente com os vales fluviais, pois foram identificados cortes que ultrapassam os limites de duas ou mais cabeceiras de drenagem que formam as sub e microbacias. O rio Juruena, à oeste, e o rio Teles Pires, à leste, servem de nível de base local para os rios tributários que nascem sobre o planalto residual. O lado leste do planalto apresenta encostas mais erodidas e uma vasta planície às margens do rio Teles Pires. O lado oeste do planalto, por sua vez, apresenta encostas mais abruptas e mais conservadas (Figura 3). Isso aponta para o processo de erosão regressiva, que é o “trabalho de desgaste do fundo do leito fluvial sendo feito a partir de jusante para montante” (GUERRA e GUERRA, 2006), mas que à leste este processo seja mais intenso. Para Ross (1991) alguns patamares com superfícies planas ou aplanadas são encontrados em bordas de bacias sedimentares esculpidas por processos circundenudacionais encontrados frequentemente na Amazônia, e esses patamares estão associados à erosão regressiva em cabeceiras de drenagem ou recuo paralelo de vertentes. Figura 3. Detalhe de imagem LiDAR. Diferença entre para formações retilíneas à leste (nas cores amarelo e vermelho), sobre o planalto residual, e o vales fluviais e seu respectivo padrão de drenagem à oeste (na cor verde). A partir desses cortes, percebe-se que existe uma certa profundidade média que foi identificada. Em análise preliminar, notamos que o corte, aparentemente, se aprofunda nas áreas de topo e fica mais raso na porção média e baixa da vertente. Há um corte principal na porção leste que se estende por cerca de onze quilômetros no sentido norte/sul. Usamos esse corte como referência da estrutura como um todo, e como forma de compreender a disposição dos demais cortes perpendiculares. Foram coletados dados que indicam a sinuosidade dos cortes. Dessa forma, identificou-se que do total de vinte e nove cortes que formam esse “xadrez” no relevo, apenas quatro apresentaram sinuosidade e os demais vinte e cinco são retilíneos. A classificação por sinuosidade foi executa no software Global Mapper. Quinze cortes apresentaram sentido sudoeste/nordeste, oito apresentaram sentido noroeste/sudeste. Seis cortes apresentaram sentido norte/sul, e outros seis apresentaram sentido leste/oeste. Observa-se, também, que devido ao escoamento subsuperficial das águas, algumas formas concavas podem ser pontos de infiltração e/ou drenagem. Ainda assim, são formas bem peculiares e os dados aqui elencados são resultados de análise remota e feitos preliminarmente, devendo ser considerado a possibilidade de complementar parte das informações, ou confrontar os dados coletados pela tecnologia LiDAR com a realidade do levantamento de campo.

Figura 1

Localização da área de estudo. Levantamento inicial com LIDAR.

Figura 2

Delimitação de sub e microbacias e identificação de cortes peculiares no relevo. Os cortes não acompanham o padrão de drenagem dendrítico e as bacias

Figura 3

Detalhe de imagem LiDAR. Diferença entre para formações retilíneas à leste, sobre o planalto residual, e o vales fluviais e seu padrão de drenagem.

Considerações Finais

É sabido que existem inúmeros relevos com formações peculiares, seja em forma de domo, de patamar, de mesa, dentre outros, e que estão sendo revistos e reinterpretados sobretudo com o uso de novas tecnologias. A densa floresta amazônica ainda é um desses lugares, cujo conhecimento na escala do detalhe ainda continua restrito, e que, ainda, deve-se levar em conta que é um ambiente tropical úmido com intensa meteorização e pedogenização, tornando o relevo ainda mais complexo. A presença de cortes retilíneos que se diferenciam dos padrões erosivos na área estudada pode indicar novas leituras acerca do relevo residual localizado no norte do município de Apiacás, no Mato Grosso. Fica evidente que os padrões erosivos atuantes na área, durante milhões de anos, construíram formas bem diferentes daquelas que foram identificadas pelo sensor LiDAR. As imagens geradas por esse sensor nos ajuda a melhorar a compreensão dos processos erosivos do presente, bem como elencar hipóteses sobre a formação de relevos peculiares em formato de “xadrez”. Nesses locais, até o momento inóspitos para a pesquisa científica de detalhe, é muito provável que com o desenvolvimento de novos estudos, possamos identificar também novas espécies vegetais e animais, além de estruturas arqueológicas inéditas. Tendo em vista que a área é pouco estudada e os resultados demonstrados pelo uso da tecnologia LiDAR indicam caminhos à continuidade da pesquisa. De todo modo, vale salientar que somente será possível a comprovação definitiva, a partir de uma campanha de pesquisa de campo que identifique vestígios materiais in loco, tais como falhas e fraturas, tipos de solos e nascentes.

Agradecimentos



Referências

ANA. Agência Nacional de Águas. (2021) Região hidrográfica. Escala 1:1.000.000. Disponível
em: <http://www2.ana.gov.br/Paginas/portais/bacias.aspx>. Acesso em: Nov. 2022.
ANM. Agência Nacional de Mieração. Sistema de Informações Geográficas da Mineração. Brasil, 2022 Disponível em: <https://geo.anm.gov.br/portal/apps/webappviewer/index.html>. Acesso em Out. 2022.
ARAÚJO, J. P. C. et al. Uso do LiDAR na geomorfologia: aplicações e desafios futuros. In. JÚNIOR, O. A. C. et al (ee). Revisões de Literatura da Geomorfologia Brasileira. União da Geomorfologia Brasileira (UGB). Brasília: Editora ICH-UnB, 2022. Disponível em: <http://lsie.unb.br/ugb/livros>. Acesso em Nov. 2022.
BDGEx. Banco de Dados Geográficos do
Exército. EB: Brasil, 2012. Disponível em: <https://bdgex.eb.mil.br/bdgexapp>. Acesso em: Out. 2022.
CHORLEY, R. J. The drainage basin as a the fundamental geomorphic unit. In. Water, earth and man: a synthesis of hidrology, geomorphology and socio-economic geography. London and NY: Methuen, 1969.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2 ed. São Paulo: Ed. Blucher, 1980.
CPRM. Mapa integrado do Brasil ao Milionésimo. Cartografia Geológica do Brasil na escala de 1:1M. 2004.
GODOY, A, M. et al. Geologia e litogeoquímica do batólito granítico universal - suíte teles pires, apiacás (MT). IGCE/UNESP. Pós-Graduação em Geociências. Companhia Matogrossense de Mineração METAMAT. Mineração Rio Tinto, IG/UFU: Monte Carmelo, 2018.
GOMES, R. C., BIANCHI, C., OLIVEIRA, V. P. V. Análise da multidimensionalidade dos conceitos de bacia hidrográfica. In. GEOgraphia, vol: 23, n. 51, 2021. Niterói, RJ: UFF. Disponível em: <https://periodicos.uff.br/geographia/article/download/27667/29889/176895>. Acesso em Mar. 2023.
GUERRA, A. T. e GUERRA, A. J. T. Novo dicionário geológico-geomorfológico. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapeamento geomorfológico do Brasil. Escala 1:250.000. IBGE 2017. Disponível em: <www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/geomorfologia>. Acesso em Set. 2022.
_____. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapeamento geológico do Brasil. Escala 1:250.000. IBGE 2017. Disponível em: <www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/ geologia>. Acesso em Set. 2022.
LACERDA FILHO, J, V. et al. Geologia e evolução tectônica da região norte do Mato Grosso (Projeto Promin-Alta Floresta). CPRM/Serviço Geológico do Brasil. UnB: Goiânia, 2004.
LANG, S.; BLASCHKE, T. Análise da paisagem com SIG. São Paulo: Oficina de Textos, 2009.
LEOPOLD, L., WOLMAN, M. G., MILLER, J. P. The drainage basin as a geomorphic unit. In. Fluvial processes in Geomorphology. NY: Dover Puplications, 1964.
PIEROSAN, R. et al. Geologia e estratigrafia das rochas vulcânicas e granitoides da porção nordeste da Província Aurífera Alta Floresta, Cráton Amazônico. Faculdade de Geociências, UFMT. Grupo de Pesquisa Magmatismo de Mato Grosso – MAGMATO. Programa de Pós-graduação em Geologia, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, 2009.
QGIS Development Team. QGIS Geographic Information System (versão 3.28). 2023. Disponível em: <http://qgis.osgeo.org>.
ROSS, J, L. S. O relevo brasileiro, as superfícies de aplanamento e os níveis morfológicos. In. Revista do Departamento de Geografia. v. 5, FFLCH/USP: São Paulo, 1991.
STUDART, R. C. et al. Análise da evolução geomorfológica da bacia do Teles Pires a partir de dados SRTM - shuttle radar topography mission. In. VI Simpósio Nacional de Geomorfologia/Regional Conference on Geomorphology. Goiânia, 2006.
SUGUIO, K.; BIGARELLA, J. J. Ambiente fluvial. 2 ed. Florianópolis: Ed. UFSC, 1990.
UHLEIN, A. et al. Análise estratigráfica de bacias rifte paleo- mesoproterozoicas dos crátons Amazônico e São Francisco, Brasil. UFMG-IGC, Unisinos, IG/USP, CPRM: Salvador, BA, 2015.

ARTIGO EM PDF

Realização

Apoio

FUNDECT CNPQ IAG Moinho Cultural Sul-Americano Prefeitura de Corumbá

Apoio Institucional