• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

Áreas úmidas de campos de murundus do Rio Araguaia (nw goiano): mapeamento e interferências antrópicas

Autores

  • RAFAEL GUSTAVO GONÇALVES DOS ANJOS BRITO FERREIRAUNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSEmail: rafaelgustavo@discente.ufg.br
  • GUILHERME TAITSON BUENOUNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSEmail: gtaitson@ufg.br

Resumo

Campos de murundus são feições especiais das áreas úmidas do Cerrado. Este trabalho buscou identificar ocorrências de campos de murundus associados a depósitos aluviais do Rio Araguaia em São Miguel do Araguaia/GO, indicar seu grau de degradação e apontar as principais atividades impactantes. Classificaram-se as ocorrências em 3 classes de degradação de forma crescente. Os produtos cartográficos foram gerados por interpretação visual de imagens do satélite CBERS 4A e delimitação manual de geometrias. Os resultados mostram uma área total de 93500 ha coberta por campos de murundus, dos quais 31,3% se encontram conservados, 22,5% moderadamente antropizados e 46,2% degradados. Também foram medidos 525,257 km de canais artificiais de drenagem e 1.223,544 km de estradas, 15,152 km de canais destinados à irrigação e 9 pivôs centrais de irrigação. Os dados do Mapbiomas revelam que 34,8% da área total já foi alterada pela ação antrópica, onde a maior parte dessa área é ocupada por pastagem.

Palavras chaves

Campos de murundus; Rio Araguaia; degradação; atividades impactantes; CBERS 4A.

Introdução

Campos de murundus são uma forma de microrrelevo comumente associada a áreas úmidas (AUs), que se caracterizam pela superfície plana, sazonalmente alagada, sobre a qual se elevam pequenos morrotes de terra (murundus). Estes murundus proporcionam, portanto, ambientes não alagáveis em meio à área sazonalmente alagada (SALES, 2021). Sobre os murundus podem se desenvolver espécies arbóreas e arbustivas, enquanto na superfície entre as elevações a vegetação herbácea é predominante. A fitofisionomia descrita por Ribeiro e Walter (1998) nestes ambientes é o Parque de Cerrado. No Cerrado, as AUs possuem papel fundamental no complexo ciclo hidrológico. Como o escoamento da água se dá de forma mais lenta nesses ambientes, eles garantem a perenidade e a vazão de rios durante o período de estiagem. Além disso, eles proporcionam um ambiente de estabilização e regulação ambiental e de manutenção da biodiversidade (FONSECA, 2011). Diversos serviços ecossistêmicos são prestados por esses ambientes, dentre eles se destacam o estoque de carbono, a recarga de aquíferos, a purificação da água e a manutenção do microclima (JUNK et al., 2013). No Estado de Goiás houve discussão sobre o enquadramento dos campos de murundus na legislação ambiental nas últimas décadas. A lei de n° 16.153 (GOIÁS, 2007), que dispunha sobre a preservação de campos de murundus no Estado, os definia como área de preservação permanente (APP), garantindo a entrada dessa formação na política florestal de Goiás, que foi instituída na lei 18.104 (GOIÁS, 2013). No entanto, no ano de 2019 foi sancionada a lei de licenciamento ambiental do Estado n°20.694 (GOIÁS, 2019), a qual revogou o artigo que instituía os campos de murundus como APP. Em 2020 foi aprovada a lei de n° 20.773 (GOIÁS, 2020), que revogou a lei anteriormente citada, voltando o status de APP para esta formação. Em Goiás houve uma iniciativa de mapeamento de campos de murundus em escala estadual, em uma parceria entre a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG) (IESA-UFG). Este mapeamento demonstrou que a maior ocorrência dos campos de murundus se encontra na região noroeste de Goiás (SILVA et. al, 2022), associados aos depósitos aluvionares do Rio Araguaia. O município no extremo noroeste do estado é São Miguel do Araguaia que, nas últimas décadas, foi um dos municípios com maior volume de outorga de uso de água na sua região hidrográfica (PASQUALETTO et al., 2022). Além disso, também foi implantado nas várzeas do Rio Araguaia, em Luiz Alves, um distrito do município, um grande projeto de irrigação financiado pelo estado brasileiro, o Projeto de Irrigação Luiz Alves do Araguaia (PILAA). Este projeto consistiu na criação de canais artificiais de drenagem em áreas úmidas e implantação de culturas irrigadas, se utilizando do regime natural de inundação do solo no local. Tendo em vista a importância dos campos de murundus para o Cerrado e as discussões legais acerca dos mesmos, e considerando que “mundialmente, as AUs pertencem aos ecossistemas mais afetados e ameaçados de destruição pelo homem” (INAU, 2015), a presente pesquisa visou analisar a antropização nos campos de murundus ao longo dos terraços e várzeas do Rio Araguaia no município de São Miguel do Araguaia através da delimitação das áreas de campos de murundus, classificação dessas áreas quanto à degradação e identificação de atividades antrópicas altamente impactantes.

Material e métodos

As etapas de processamento de dados, delimitação dos campos de murundus e a classificação dos mesmos foram efetuadas no software QGIS versão 3.16.16. Dentre os dados vetoriais, os limites políticos estaduais e municipais foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já os dados de hidrografia foram obtidos da Agência Nacional de Águas (ANA). Além disso, foi utilizado o mapeamento de campos de murundus realizado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) em parceria com o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG) (SILVA, 2022). Para os dados matriciais foram utilizadas quatro imagens do satélite CBERS 4A do ano de 2021. As imagens escolhidas são do final do período de chuvas (04-2021) e do pico do período de estiagem (07-2021). Os mosaicos passaram por um processo de fusão das bandas multiespectrais com a banda pancromática de alta resolução, resultando em mosaicos das bandas do espectro visível mais a do infravermelho próximo, todas com resolução espacial de 2 metros. Além disso, também foram utilizados dados do projeto MapBiomas, referentes ao uso e ocupação da terra para o ano de 2020. A primeira fase do estudo se deu pelo refinamento dos dados obtidos pelo Relatório técnico do mapeamento de remanescentes de campos de murundus no Estado de Goiás, realizado pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG) em parceria com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) para o ano de 2019 (SILVA, 2022). O refinamento foi realizado através da interpretação visual de imagens, usando como base as imagens do satélite CBERS 4A. Para auxiliar no processo de delimitação, foram utilizados os dois mosaicos, uma vez que neles é possível observar a relação das áreas que são alagadas sazonalmente. Os campos de murundus foram divididos em classes, tomando como base o nível de antropização dos mesmos. Os níveis de antropização foram constatados por análise visual de imagens do satélite CBERS 4A. Para isso foram definidas as seguintes classes: i) campos de murundus conservados, caracterizados pela presença de vegetação nativa sobre os murundus e nos espaços entre eles; ii) campos de murundus moderadamente antropizados, caracterizados pela presença de vegetação nativa sobre os murundus e cobertura vegetal modificada ou sua ausência entre os murundus; iii) campos de murundus altamente antropizados, onde os campos de murundus apresentam-se descaracterizados pela ausência de vegetação nativa tanto sobre os murundus quanto entre os mesmos ou pelo nivelamento total ou parcial da superfície decorrente da destruição do microrrelevo. O Índice de Vegetação por Diferença Normatizada (NDVI) foi utilizado como auxiliar na análise visual, por ter se mostrado efetivo em trabalhos de monitoramento desse tipo de ambiente (CARVALHO, 2018; SIMÕES, 2019). O índice foi fundamental na distinção das classes pela sua relação com o regime de inundações e com o uso e ocupação da terra. Para investigar as principais atividades antrópicas impactantes na área de interesse foram observados e delimitados, por meio de interpretação de imagens do satélite CBERS 4A, algumas das atividades antrópicas mais severas presentes nesses ambientes são destacadas por INAU (2015). Dentre eles estão: i) drenagem da área úmida; ii) construção de hidrovias e rodovias; iii) sistematização de atividades agrícolas.

Resultado e discussão

A delimitação dos campos de murundus na área de interesse (Figura 1) revelou que eles cobrem uma área de 93.500,3 ha dentro da área de interesse do estudo, dos quais 29.308,7 ha são ocupados por campos de murundus conservados, 21.010,7 ha por campos moderadamente antropizados, e 43.180,9 ha por campos altamente antropizados. A classe com maior representatividade é a classe altamente antropizada, que ocupa 46,2% da área total de campos de murundus, seguida pela classe conservada, com 31,3%, e pela classe moderadamente antropizada, com 22,5%. Essa predominância da classe de maior degradação, especialmente na porção norte da área de interesse, evidencia o avanço da atividade antrópica sobre essas áreas úmidas. Os maiores remanescentes das classes conservada e moderadamente antropizadas se encontram na região centro-leste da área, ao lado do PILAA. Nesses remanescentes foi possível observar a presença de estradas e drenos ativos, possivelmente relacionados a fases ainda não implantadas do PILAA. O delineamento das atividades antrópicas impactantes presentes na área de estudo revelou 525,3 km de canais de drenagem artificial (Figura 2), sendo que a grande maioria deles se encontrava ao longo de estradas rurais e cruzando grandes áreas de campos de murundus. Além disso, a maioria deles também apresentava bacias de contenção ao longo dos canais. Para os canais que ocorrem nos dois lados da estrada foi traçada apenas uma linha para representar o caminho de drenagem. Já as estradas no local totalizaram 1.223,5 km, em sua grande maioria na forma de estradas de terra. O uso e ocupação da área obtido dos dados do MapBiomas (Figura 3) aponta que 72.642,9 ha já foram ocupados por atividades antrópicas, o que representa aproximadamente 34,8% da área total. Dessa área antropizada, cerca de 83,6% corresponde a áreas de pastagem, um total de 60.755 ha. Estes dados mostram que a atividade que tem o impacto mais extenso na região é a pecuária. A agricultura se concentra nas áreas que foram sistematizadas para esse fim, com a construção de canais de irrigação e implantação de pivôs centrais de irrigação. Foram encontrados e delimitados 9 pivôs na região nordeste, total ou parcialmente dentro da área de interesse, e 150,2 km de canais de irrigação, todos associados ao PILAA no centro-oeste da área de interesse.

Figura 1: Mapa dos campos de murundus na área de interesse e suas clas

Classe 1: campos de murundus conservados; classe 2: campos de murundus moderadamente antropizados; classe 3: campos de murundus altamente antropizados

Figura 2: Mapa das atividades impactantes na área de interesse

Mapa com as estradas, canais de drenagem do nível freático, canais de irrigação e pivôs centrais de irrigação

Figura 3: Mapa de uso e ocupação do solo na área de interesse

Mapa de usos e ocupação do solo para o ano de 2020 na área de interesse

Considerações Finais

Constatou-se que, das áreas de campos de murundus, aproximadamente 46,2% já se encontra em grau crítico de degradação, enquanto os remanescentes de vegetação nativa nesses ambientes correspondem a 53,8% da área. Além disso, destaca-se que boa parte das áreas na classe moderadamente antropizada de degradação faz contato com a classe conservada e com a classe altamente antropizada simultaneamente, o que pode indicar um avanço gradual sobre essas áreas úmidas. Com relação às atividades antrópicas impactantes, foi possível observar uma forte correlação na implantação de estradas e de canais artificiais de drenagem, ambos presentes em toda a extensão da área da pesquisa, porém com os canais de drenagem mais concentrados na região norte da área de interesse. Nessa região, a presença de pastagem e de campos de murundus na classe 3 é mais expressiva. A partir disso, infere-se que as linhas de drenagem presentes em áreas ainda conservadas possuem o objetivo de adequar esses locais para implantação de pastagens no futuro. Apesar disso, a antropização avança sobre estas APPs, com a implementação do PILAA no centro-oeste e a forte presença de pastagens ao norte, onde campos de murundus conservados já representam a menor fração do total na área. É necessário manter o status de APP desses ambientes e, sobretudo, aumentar a fiscalização ambiental, a fim de não degradar ainda mais a situação dos campos de murundus na região.

Agradecimentos



Referências

1. CARVALHO, Luiz Fernando Rocha de. Sistema para monitoramento dos Campos de Murundus do Distrito Federal mediante sensoriamento remoto. Monografia (Graduação em Engenharia Aeroespacial), Universidade de Brasília, 2018, 109p.
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