Autores
- JESSICA MAYARA SIQUEIRA SILVAUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINAEmail: jessica.siqueira16@uel.br
- MARCIEL LOHMANNUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINAEmail: marciel@uel.br
- ELIZABETE IEDA CAMPANINIUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINAEmail: elizabete.campanini@uel.br
- JOSÉ RAFAEL VILELA DA SILVAUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINAEmail: jose.rafael.vilela@uel.br
- RONALDO FERREIRA MAGANHOTTOUNIVERSIDADE DO CENTRO OESTE DO PARANÁEmail: ronaldomaganhotto@gmail.com
Resumo
A bacia do Ribeirão do Ema, localizada no município de Rolândia (PR) é
responsável pelo abastecimento de cerca de 70% da área urbana do mesmo.
Portanto, considerando sua relevância e a importância ambiental, esta pesquisa
buscou analisar a dinâmica e os processos climáticos e geomorfológicos
envolvidos na gênese e evolução de duas voçorocas na bacia citada. Como
metodologia, foram analisadas imagens do Google Earth dos anos de 2015, 2016,
2017, 2018 e 2020, associadas a análise de dados pluviométricos mensais e
diários e, ainda a elaboração do mapa de fluxo hídrico e hipsométrico. Os
resultados mostraram que as duas voçorocas tiveram como gênese o episódio de
chuva ocorrido no dia 12 de janeiro de 2016, já que apenas neste dia, choveu 180
mm. A análise das imagens ilustra que nos anos anteriores a 2016 as voçorocas
não existiam, ilustrando que as erosões foram geradas no mês de janeiro de 2016,
mais especificamente no dia supracitado.
Palavras chaves
Processos Erosivos; Geoprocessamento; Precipitação; Monitoramento; Norte do Paraná
Introdução
As voçorocas apresentam-se como feições geomorfológicas que revelam a ação mais
severa dos processos erosivos nos solos (MARCHIORO; ANDRADE; OLIVEIRA, 2016),
(MORGAN, 2005). Sendo estes processos, “[...] um dos fenômenos ambientais mais
evidentes na paisagem” (PINTO; ARAÚJO, 2020, p.386), que podem revelar inclusive
condições de desequilíbrio entre os diversos componentes de um sistema
ambiental, no caso, a vertente.
Neste contexto, as voçorocas podem ser compreendidas também, como “[...] um
fenômeno de desequilíbrio da paisagem” (PINTO; ARAÚJO, 2020, p.386), as quais
trazem grandes prejuízos, devido a combinação entre seu potencial destrutivo,
sua recuperação lenta e seu controle difícil (MARCHIORO; ANDRADE; OLIVEIRA,
2016), (MORGAN, 2005).
Desta forma, torna-se importante a análise e interpretação da gênese e evolução
destas feições geomorfológicas nas paisagens, como possibilidade para
compreender as complexas e sistêmicas conexões existentes entre os diversos
componentes e dinâmicas presentes na superfície terrestre, como o relevo, os
solos, a hidrografia, a vegetação e as ações antrópicas.
Ademais, conforme Pinto e Araújo (2020, p.387) “cada erosão possui suas
particularidades em sua formação e desenvolvimento.”. O que leva a supor, que a
compreensão das dinâmicas de constituição de voçorocas, demanda estudos capazes
de observar e analisar as particularidades dos componentes físico-ambientais
presentes no local em que encontra-se tal feição geomorfológica.
Neste sentido, o objetivo do presente trabalho é analisar e compreender as
dinâmicas e processos climáticos e geomorfológicos envolvidos na gênese e
evolução de duas voçorocas na bacia hidrográfica do Ribeirão do Ema, situada na
área rural do município de Rolândia - Paraná - Brasil, a partir da utilização de
dados pluviométricos e imagens de satélite.
A área escolhida, portanto, é a bacia hidrográfica do Ribeirão do Ema que está
inserida no município de Rolândia, localizado na região Norte do Paraná. Estima-
se que o município possui atualmente cerca de 68.165 habitantes IBGE (2021),
sendo que a grande maioria reside na área urbana e menos de 10% estão na área
rural do município.
A bacia do Ribeirão do Ema está localizada na porção sudoeste de Rolândia,
fazendo parte da bacia do Rio Bandeirantes do Norte, que deságua no
Rio Pirapó, grande afluente da bacia do Rio Paranapanema. O Ema nasce próximo à
divisa de Rolândia como município de Arapongas (23°22'14.94"S; 51°27'26.48"W),
correndo no sentido nordeste, até encontrar o Rio Bandeirantes do Norte
(23°18'26.50"S; 51°25'4.45"O). Quase a totalidade do percurso do Ribeirão (8,5
km) é cercada por propriedades rurais.
Material e métodos
Para a realização desta pesquisa, inicialmente foram adquiridas as seguintes
bases cartográficas: rede hidrográfica e ottobacias do Instituto Águas Paraná
(escala 1:50.000); Curva de nível e pontos cotados do Instituto de Cartografia e
Geociências (ITCG) (escala 1:50.000); Limite municipais e estadual do IBGE
(escala 1:250.000).
De posse das bases cartográficas, a área de estudo foi delimitada e foi possível
gerar o Modelo Digital do Terreno (MDT) da bacia hidrográfica do Ribeirão do
Ema. O mesmo foi gerado utilizando a ferramenta “Topo to Raster”, com resolução
espacial de 30 (metros). Com base no MDT e utilizando a ferramenta “Raster
Surface” foi possível gerar a clinografia da área. O MDT ainda foi utilizado de
base para geração da direção de fluxo para a área, utilizando-se da ferramenta
"Flow Direction".
Para a análise da dinâmica e evolução das voçorocas, foram utilizadas imagens do
Google Earth Pro para os anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020. Com tais imagens
foi realizado o georreferenciamento e a vetorização do polígono das voçorocas,
além do cálculo das dimensões (largura, comprimento, área e perímetro).
Para a análise da dinâmica das precipitações, foram utilizados os dados
pluviométricos fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e
Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IAPAR).
Foram utilizados os dados de precipitação diária, de novembro e dezembro de
2015, e janeiro de 2016, além dos dados de precipitação acumulada mensal para o
ano de 2016. Os dados de média histórica também foram adquiridos junto ao IAPAR.
Tais dados foram analisados com intuito de identificar a influência da
precipitação na gênese das voçorocas.
O Sistema de Informação Geográfica (SIG) utilizado para processar os dados e
elaborar os produtos cartográficos foi o software Arcgis 10.5. E devido a
distinção das fontes das bases cartográficas, após o processamento dessas, houve
a readequação das projeções para o sistema Universal Transversa de Mercator -
UTM, Datum SIRGAS 2000.
Resultado e discussão
A bacia do Ribeirão do Ema, possui altitudes que variam de 660m a 780m.
Predomina o relevo plano e suave ondulado, com declividades entre 3 e 8%. Em
direção a rede de drenagem formam-se os vales em forma de UV e as declividades
também aumentam chegando até 20% (relevo ondulado) em alguns pontos da bacia.
Em termos de solos, os Latossolos de textura argilosa e muito argilosa são os
predominantes e compõem a porção centro sul da bacia. Ocupam 14 km² da bacia
(59,8%). A sudoeste da bacia são encontrados os Latossolos de textura média, com
área de 2,89km² (12.5%) e, na porção centro norte os Nitossolos que representam
27,88% da bacia (6,56km²). Tais tipos de solos, conjugados com as baixas
declividades e vertentes convexas, tem-se as condições ideais para a agricultura
mecanizada, o que é prática comum na bacia, predominando as áreas cultivadas com
trigo, soja e milho (culturas sazonais).
O clima da bacia do Ribeirão do Ema enquadra-se, segundo a classificação de
Köppen, no tipo Cfa, ou seja, clima subtropical úmido. A temperatura média anual
é de 21.0 °C e a pluviosidade média anual de 1600 mm. E, em termos de uso e
cobertura da terra predomina na bacia as áreas agrícolas, principalmente as
ocupadas pelas culturas sazonais, representadas basicamente por áreas de soja.
A direção de fluxo da porção sudoeste da bacia, onde se encontram as duas
voçorocas em análise (Figura 2). É possível constatar que o fluxo é concentrado
na direção das voçorocas, sendo que ele tem a mesma direção desde o limite da
bacia até o fundo de vale, indicando que a gênese das duas erosões tem ligação
direta com as linhas de concentração de fluxo.
Objetivando ainda entender a gênese das duas erosões foram construídos os
gráficos ilustrando a precipitação mensal para o ano de 2016 e precipitação
diária para o mês de janeiro do mesmo ano (Figura 2). Os maiores acumulados de
chuva são registrados em janeiro, fevereiro e dezembro, ou seja, no verão. Os
meses de julho e agosto são os dois meses que apresentaram os menores valores,
ou seja, no inverno.
É possível observar que a precipitação média histórica para o mês de janeiro é
de 223,9 mm. No entanto, em janeiro de 2016 a precipitação acumulada atingiu
418,6 mm, de acordo com o dado fornecido pelo IAPAR, ou seja, choveu 194,7mm
acima da média histórica para o mês.
Do total precipitado em janeiro (Figura 2), apenas no dia 12, foram 180 mm,
sendo que no dia anterior (11/01/2016) já havia precipitado 91,4mm, no dia 10
foram 26,2mm e no dia 9 foram 36,6 mm. Assim, é possível afirmar que o solo já
estava saturado por água e no dia 12/01 precipitou praticamente o total da média
do mês.
Esse evento em específico, foi o deflagrador das duas grandes erosões que
atualmente encontram-se na bacia do Ribeirão do Ema, ou seja, a gênese das
voçorocas está diretamente ligada a este evento extremo de precipitação ocorrido
no dia 12/01/2016. Para corroborar tal informação, em visita in loco foi
possível conversar com os proprietários das fazendas em que se encontram as
voçorocas e os mesmos informaram que as erosões surgiram exatamente durante a
chuva do dia 12/01, já que anterior a este dia, a erosões não existiam na
propriedade.
Para corroborar a informações já descrita até o momento, fez um levantamento de
imagens de satélite do Google Earth na data de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020
(Figura 3). É possível observar que no ano de 2015 a área que, atualmente
encontram-se com a voçoroca 1, possuía parte da área utilizada para agricultura
e outra porção com floresta. No ano de 2016, após o evento ocorrido em janeiro,
abre-se uma grande voçoroca. A mesma, nesse ano possuía 816,76 metros de
comprimento e aproximadamente 8.960 m2 de área.
Nos anos de 2017, 2018 e 2020 é possível constatar que as margens da voçoroca
vai sendo revegetada naturalmente e que o processo erosivo não evoluiu em suas
dimensões. Infere-se sobre isso que, por não ter ocorrido nenhum outro grande
evento de precipitação na bacia e a próprias características do solo (muito
argiloso) contribuíram para que a voçoroca não evoluísse. Por outro lado,
nenhuma ação de recuperação da área degradada ou de contenção da grande erosão
foi providenciada, nem por parte do proprietário da fazenda e nem por parte da
prefeitura municipal de Rolândia.
Em trabalho de campo no dia 27/10/2022, foi possível verificar que a mesma já
encontra-se com vegetação nas margens e parte do fundo. Trata-se de uma voçoroca
de grande porte e com profundidade em torno de 15 metros. Foi possível ainda
verificar que atualmente existe uma nascente em um dos braços da erosão e com
uma vazão considerável. Formou-se um curso de 1° ordem o que faz com que a
voçoroca permaneça ativa e com poder de retirada de material (solo)
significativo. Durante episódios de chuva, a vazão aumenta e o poder erosivo
também. Em função da vazão e da qualidade da água, existem canos que foram
colocados para a sua retirada. Tal fato é prejudicial para bacia como um todo já
que a água retirada não vai até o curso principal e, portanto, não está inserida
no sistema como um todo.
A voçoroca 2, que se encontra a aproximadamente 1 km de distância da anterior,
localiza-se também na margem esquerda do Ribeirão do Ema. A Figura 3 ilustra a
dinâmica de evolução da mesma nos anos escolhidos. A voçoroca 2, no ano de 2016
possuía 434,21 metros de comprimento e aproximadamente 1539,61 m² de área.
É possível constatar que a voçoroca 2, tem-se a mesma dinâmica em termos de sua
gênese e evolução que a voçoroca 1, ou seja, no ano de 2015 a voçoroca não
existia e o evento chuvoso de janeiro de 2016 foi o deflagrador de sua gênese.
Nos anos posteriores (2017, 2018 e 2020) a voçoroca foi sendo revegetada em suas
margens e sendo estabilizada aos poucos. No entanto, assim como para a voçoroca
1, nenhuma ação de recuperação da área degradada ou de contenção da erosão foi
executada.
Em trabalho de campo no dia 20/10/2022, foi possível perceber (assim como na
última imagem) que a mesma encontra-se com vegetação em suas margens e no fundo.
Não foi possível entrar na voçoroca mas assim como a outra, trata-se uma erosão
profunda com pelo menos 8 metros de profundidade.
Mais a jusante da voçoroca existe 3 tanques de água que são utilizados para
criação de peixes. Infere-se que nessa erosão, assim como na anterior, exista
uma nascente em seu interior pois foram identificados canos que trazem água até
o primeiro tanque, além de uma área molhada bem próximo. No entanto, tal
informação necessita de confirmação. Mas se utilizada para criação de peixes, a
água dessa nascente também não atinge o rio principal, ficando fora do sistema
de abastecimento como um todo.
Localização da bacia hidrográfica do Ribeirão do Ema.
Mapa de direção de fluxo e gráficos de precipitação acumulada mensal para o anos de 2016 e precipitação diária para o mês de janeiro de 2016.
Evolução das Voçorocas 1 e 2 para os anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020.
Considerações Finais
As análises dos dados de precipitação e imagens de satélite mostraram que a gênese
das duas voçorocas analisadas está intimamente ligada ao episódio de chuva extrema
ocorrida no dia 12 de janeiro de 2016. Neste dia, precipitou 180mm em poucas
horas, o que fez com que a duas voçorocas surgissem.
Atualmente as erosões encontram-se com as margens revegetadas mas em seu interior
ainda o processos de retirada de solo continuam a ocorrer já que muitas porções,
principalmente da voçoroca 1, encontram-se com solo exposto. Além disso, como em
seu interior, existem nascentes, há água escorrendo de maneira regular nas
voçorocas, inclusive sendo canalizadas em grande parte para criação de peixes ou
outros usos. Mas isso mostra que a erosão, apesar de estar sendo revegetada, ainda
encontra-se ativa no que diz respeito aos processos geomorfológicos que ocorrem
associados a dinâmica evolutiva desse tipo de erosão.
Estes dois processos erosivos, associados aos demais (laminares) em toda a bacia,
são prejudiciais a qualidade da água, já que a bacia do Ribeirão do Ema é bacia de
manancial e abastece mais de 70% de toda área urbana do município de Rolândia.
Portanto, medidas de contenção dos processos erosivos, em especial os apresentado
neste estudo, devem ser priorizados por parte da secretaria municipal de meio
ambiente do município em questão.
Agradecimentos
Agradecimentos ao PPGEO da Universidade Estadual de Londrina. E o presente
trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001
Referências
MARCHIORO, Eberval; ANDRADE, Edilene Evangelista; OLIVEIRA, João Carlos. Evolução espaço-temporal de voçorocas no Espírito Santo: estudo de caso nos municípios de Afonso Cláudio e Alegre. Revista Brasileira de Geomorfologia, [S.L.], v. 17, n. 1, p. 191-204, 29 mar. 2016. Revista Brasileira de Geomorfologia. http://dx.doi.org/10.20502/rbg.v17i1.712. Disponível em: https://rbgeomorfologia.org.br/rbg/article/view/712 Acesso em: 25/03/2023.
MORGAN, Royston Philip Charles. Soil erosion and conservation. Oxford. Publishing Blackwell, 3. ed., 2005. 304 p. Disponível em: https://svgaos.nl/wp-content/uploads/2017/02/Morgan_2005_Soil_Erosion_and_Conservation.pdf Acesso em: 25/03/2023.
PINTO, Bismarque Lopes; ARAÚJO, Hélio Mário de. Comportamento geomorfológico de uma voçoroca no município de Tucano - semiárido baiano. Revista de Geografia, [S.L.], v. 37, n. 2, p. 385, 9 ago. 2020. Universidade Federal de Pernambuco. http://dx.doi.org/10.51359/2238-6211.2020.244273. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistageografia/article/view/244273 Acesso em: 25/03/2023.